domingo, 12 de setembro de 2010

Árvores

Rubem Alves*

Imagem da Internet

Acho que parte da minha contribuição para a educação e a literatura tem a ver com as citações que faço de autores que amo. Os autores que cito escrevem melhor do que eu. E é por isso que os cito. Gostaria de ter escrito o que eles escreveram.
Uma das minhas paixões são as árvores — especialmente os ipês que florescem quando a atmosfera está seca, quente, ameaçando queimadas. São belos a despeito do clima de deserto. Li esse texto simples sobre as árvores e ele me trouxe tanta tranqüilidade e tantas associações que resolvi transcrevê-lo para vocês... Eu não poderia escrever nada mais bonito. De Hermann Hesse, inspirador da minha geração.
“As árvores sempre foram para mim os oradores mais convincentes. Eu as venero entre sua famílias e povos, as florestas e os bosques, mas, ainda mais as adoro quando estão a sós. Então são como os seres solitários, mas não como eremitas que por causa de alguma fraqueza se isolaram, mas como os grandes homens solitários: como Beethoven e Nietzsche. Em suas copas cicia o mundo, suas raízes jazem no infinito. Solitárias, elas não se perdem, senão com toda a força do seu ser procuram a única meta, preencher a sua própria lei desenvolvendo suas formas e se autorrepresentando. Não existe nada mais santo, mais exemplar do que uma bela e forte árvore. Quando uma árvore é cortada e seu ferimento mortal fica exposto ao sol, então é possível ler-se em seu toco, que ao mesmo tempo lhe serve como lápide, toda a sua história. No cerne e nas ramificações encontra-se fielmente descrita toda a luta, todo o sofrimento, todas as doenças, toda a felicidade e todo seu desenvolvimento nos anos ruins e nos anos fortes, nas agressões e nas tempestades sobrevividas. Todo jovem camponês conhece a madeira mais forte e nobre pelos seus anéis de vida mais unidos, e que é lá no alto das montanhas, desafiando os mais constantes perigos, que crescem os troncos mais exemplares, mais fortes e resistentes. Árvores são relíquias. Quem sabe como falar-lhes, ouvi-las, esse conhece a verdade. Elas não pregam ensinamentos e receitas, pregam isoladamente a primária lei da vida.
Uma árvore diz: eu trago em mim uma luz, um pensamento, um âmago, pois eu sou a vida da vida eterna. Soberba e única foi a jogada que a eterna mãe ousou comigo em minhas formas, na constituição da minha pele, na mais leve cicatriz em minha casca ou no mais leve movimento de minhas folhas. Nada sei sobre meus pais, nem dos milhares de filhos que ano a ano brotam de mim. Vivo o segredo da minha semente até o fim, além disso nada mais me preocupa. Eu tenho a certeza de ter Deus em mim e que a minha missão é santa e dessa confiança vivo.
Quando estamos tristes, sem mais nenhuma vontade de aturar a vida, então uma árvore poderá falar conosco. Ela dirá: Calma, calma! Olhe-me! Viver não é fácil, mas nem tão difícil, pensamentos assim são criancice, cale, deixe que Deus fale em você. Você treme porque seu caminho lhe afasta da mãe e da pátria, mas cada passo e cada dia o levarão novamente ao seu reencontro. A pátria não está lá, nem cá, está em você ou em lugar nenhum.
A nostalgia de um viajante corta o meu coração quando à noite ouço as árvores sussurrarem. Escutando longamente e, quieto, descubro a essência dessa saudade, que como poderia parecer não é uma fuga do sofrimento, senão a nostalgia por uma pátria, a saudade de uma mãe ou a procura de novos símbolos para a vida. É a saudade que nos guia para casa. Todo caminho leva para casa, qualquer passo é um nascer, um morrer, qualquer sepultura uma mãe.
É assim, quando à noite sentimos medo de nossos pensamentos infantis, que a árvore cicia. As árvores têm pensamentos extensos, calmos e de fôlego comprido, da mesma forma que sua vida é muito mais longa que a nossa.
Enquanto não aprendemos a ouvi-las, são mais sábias que nós, mas quando conseguimos, então, essa pressa e rapidez infantil em nossos pensamentos se enche de uma alegria sem igual. Quem já aprendeu a ouvir uma árvore não deseja mais ser uma, não desejará ser mais nada do que é e isso é a pátria, a felicidade.”
_________________________
* Rubem Alves é escritor, teólogo e educador
Fonte: Correio Popular online, 12/09/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário