domingo, 1 de maio de 2011

Beatificação de João Paulo II, ainda.

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Vida de contradições

Assim o vaticanista MARCO DAMILIANO
define a trajetória do beato.

Um dos mais renomados vaticanista, Marco Damiliano, repórter do seminário italiano L’Espresso, fala a seguir sobre a beatificação de Karol Wojtyla. “É a última contradição de uma vida repleta de contradições”, afirma.

Carta Capital: Por que Wojtyla foi beatificado apenas seis anos após a sua morte, enquanto João XXIII só depois de 40 anos?
Marco Damiliano: Uma explicação plausível é que a Igreja hoje está em crise. O próprio Ratzinger descreveu várias vezes uma Igreja em dificuldade para divulgar a mensagem da fé. Justamente por isso servem personagens fortes como referência e, neste caso, Wojtyla é perfeito.

CC: Wojtyla usou uma mão leve contra os casos de pedofilia, por quê?
MD: A explicação é psicológica. Wojtyla era polonês e os escândalos sexuais lembravam a ele a forma como o regime comunista chantageava os padres. Infelizmente, não se tratava apenas de um pretexto, o problema existia mesmo, e estender a sua “visão polonesa” para a Igreja universal foi o seu grande erro. Não foi por acaso que na semana precedente à morte de João Paulo II se deu a via-crucis em Roma, quando o então cardeal Ratzinger falou na necessidade de se “fazer uma limpeza da sujeira da Igreja”, clara referência à pedofilia. Sobre o assunto, Wojtyla sempre se mostrou indiferente.

CC: John Magee era secretário pessoal de João Paulo II até ser nomeado bispo na Irlanda, em 1987.
MD: Magee tinha grande prestígio no Vaticano. Foi ele quem encontrou o papa Luciano (João Paulo I) morto. Frequentava a qualquer momento o apartamento privado do papa. Foi um escândalo enorme quando, apesar da idade avançada, Ratzinger o obrigou a demitir-se por ter protegido sacerdotes pedófilos.

CC: Outra “fissura” é o IOR, o banco do Vaticano, no centro dos escândalos da era Wojtyla. Em 1987, a Itália expediu uma ordem de prisão contra Paul Marcinkus, presidente do IOR. E o papa não fez nada, certo?
MD: Fez. Ele protegeu Marcinkus. E o protegeu tão bem que o “banqueiro de Deus” foi encontrado, de repente, como num passe de mágica, alguns dias depois em Phoenix, nos Estados Unidos.
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"Wojtyla recebeu apoio de Reagan
para combater os progressistas na Igreja,
a Teologia da Libertação.
No decorrer dos anos 60 e 70,
na América Latina, a Igreja,
principalmente depois do Concílio Vaticano II,
auxiliava as populações a
tomar consciência dos próprios direitos."
CC: Por que ele não realizou uma limpeza no IOR?
MD: O papel exercido por Marcinkus no início dos anos 1980 está ligado à Polônia e ao anticomunismo. Ou seja, com uma “guerra” que a Igreja tinha decidido travar: todo o dinheiro era transferido, sem preocupações com a ética. Mrcinkus tinha a chave do cofre. Por isso foi protegido até o fim, apesar dos vários conselhos no Vaticano para que Wojtyla agisse com firmeza exemplar.

CC: Com João Paulo II, a Igreja interferiu na Guerra Fria. Quais as consequências?
MD: De arrepiar, principalmente do ponto de vista da mensagem cristã. No primeiro decênio do papa de Wojtyla, a Igreja esteve associada a financiamentos clandestinos e à “permuta” que houve entre a administração Ronald Reagan e a Santa Sé. Permuta descrita de forma magistral por Carl Bernstein em seu livro His Holiness.

CC: Como assim?
MD: Wojtyla recebeu apoio de Reagan para combater os progressistas na Igreja, a Teologia da Libertação. No decorrer dos anos 60 e 70, na América Latina, a Igreja, principalmente depois do Concílio Vaticano II, auxiliava as populações a tomar consciência dos próprios direitos. A tal ponto que também depois de João XXIII, o papa Paulo VI, na encíclica Populorum Progresso, de 1967, legitimou a revolta contra a tirania. Com a chegada, em 1978, de Wojtyla, em poucos anos todas as tentativas de um episcopado progressista calam-se.

CC: Por que?
MD: Para Reagan e Wojtyla era uma batalha única contra o comunismo, uma guerra que era travada ao lado do Sindicato Solidariedade na Polônia e das ditaduras na América do Sul.

CC: Wojtyla proclamou os direitos humanos no mundo. Na sua Igreja os defendeu?
MD: Não. Bastaria considerar que a Santa Sé não subscreveu a declaração dos Direitos Humanos do Conselho da Europa. Pregou contra a pobreza, mas na Conferência da ONU de 1994 assumiu uma posição duríssima contra o uso de preservativo, contribuindo para a difusão da Aids e da miséria.
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Reportagem de PAOLO MANZO
Fonte: Revista Carta Capital impressa, Ed. 644- 04 de maio de 2011, p.47.

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