Juremir Machado da Silva*
Crédito: Arte João Luis Xavier
Como historiador, posso garantir: não há uma relação direta entre cavalos e heróis. Consultei os arquivos. Estudei o assunto. Pesquisei o tema na antiguidade, na Idade Média e na modernidade. É certo que durante muito tempo quase todo herói andava a cavalo. Mais do que isso, praticava os seus atos de heroísmo montado. Era mais um problema de meios de transporte que da natureza do heroísmo. Alguém ainda escreverá uma história do heroísmo dos tempos do cavalo aos tempos das viagens virtuais. Embora possa não parecer, muitos são os heróis sem cavalo. Charles de Gaulle, herói da libertação francesa na Segunda Guerra Mundial, não é um herói montado. A prova disso é que nem toda estátua de herói é equestre.
Digo isso por uma razão simples: sustento que Brizola e Jango foram heróis. Digo que são os maiores heróis que o Rio Grande do Sul teve nos últimos 50 anos. Digo que estão entre os maiores de toda a história gaúcha. Tenho recebido muitos insultos de conservadores empedernidos. Odeiam Brizola, que continuam considerando um comunista, um provocador e um arrivista. Odeiam Jango, que veem como um fazendeiro traidor da classe por ter proposto uma reforma agrária. Todos os heróis que eles citam são indissociáveis dos seus cavalos. Brizola e, principalmente, Jango andavam a cavalo. Mas quando se tornaram heróis estavam a pé. Daí a minha afirmação categórica e cientificamente embasada: é possível, mesmo no Rio Grande do Sul, ser herói sem cavalo. Numa boa.
"Se Brizola tivesse um bom marqueteiro
em 1961, teria comandado a Rede da Legalidade
montado num alazão.
Daria voltas pela Praça da Matriz."
Tentou-se inventar o herói moderno brasileiro com um substituto do cavalo: o carro de F1. Não quero estragar o prazer de ninguém, mas sou obrigado a afirmar: Ayrton Senna não foi herói coisa alguma. Foi apenas um excelente motorista. Herói é outra coisa. Herói é Brizola comandando a resistência ao golpe militar em 1961. Herói é Jango abrindo mão de poderes para evitar um banho de sangue. Tudo isso sem um cavalo por perto. Nada tenho contra os cavalos. Fui tropeiro. Conheci algumas éguas na intimidade. Que ninguém se choque. Fui guri na campanha. Sei que em alguns casos o cavalo foi mais heroico do que o cavaleiro. Se a história fosse escrita pelo olhar do cavalo, muita coisa mudaria de lugar. Viva o cavalo!
Apesar desse meu apreço pelos cavalos, reafirmo meu ponto de vista: dá para ser herói gaúcho longe da estrebaria. No passado, os heróis montados costumavam tomar a precaução de não estar na linha bem da frente, aquela que recebe a primeira carga. Precisavam sobreviver para continuar a guerra. Faz sentido. Vez ou outra, claro, não podiam escapar do entrevero. A maioria, porém, sobrevivia. Chato mesmo é que quase ninguém anotou o nome dos heróis da infantaria, uma turma obrigada a brigar a pé e a ir na frente. Tivemos milhares de heróis sem cavalo no século XIX. Se Brizola tivesse um bom marqueteiro em 1961, teria comandado a Rede da Legalidade montado num alazão. Daria voltas pela Praça da Matriz. Que imagens sensacionais teríamos para mostrar! Até os conservadores ficariam de quatro. Definitivamente. Uau!
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* Sociólogo. Escritor. Tradutor. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povo.
Fonte: Correio do Povo on line, 14/08/2011

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