sábado, 10 de dezembro de 2011

O excesso de liberdade se corrige com mais liberdade, defende ministro do STF


Ayres Britto participou de painel
especial de lançamento Guia de Ética e
Autorregulamentação
do Grupo RBS
O vice-presidente e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, defendeu na manhã desta sexta-feira a autorregulamentação da imprensa como garantia à liberdade plena de expressão. Destacado pela forte crítica contra a censura sobre a atuação de jornalistas, ele foi o entrevistado do Painel RBS especial de lançamento do Guia de Ética e Autorregulamentação Jornalística do Grupo RBS.

Para o ministro, os excessos de liberdade devem ser combatidos sem qualquer intervenção do Estado.
— Em uma democracia, os excessos de liberdade se corrigem com mais liberdade. Se você não absolutizar a liberdade de imprensa, você vai absolutizar a censura prévia. Ainda estamos desacostumados com esta ideia de plenitude jornalística. A liberdade de imprensa está passando por um período transicional.

Como exemplo do combate aos excessos, citou o novo Guia de Ética elaborado pelo Grupo RBS.
— Isso é uma autorregulamentação, com a instauração de um guia ético. Isso pode e deve ser cobrado como linha. Isso significa maturidade, signo de sociedade avançada.

Ayres classificou o manual como uma "manifestação de responsabilidade".
— A sociedade vai avançar no sentido de cobrar um casamento, por amor, necessário entre liberdade e responsabilidade — completou.

O novo Guia de Ética foi oficialmente lançado na cerimônia pelo presidente do Grupo RBS, Nelson Sirotsky. Ele ressaltou que, além dos cerca de 1,2 mil jornalistas dos veículos da empresa, o manual é destinado ao público externo.

— É um contrato de transparência da empresa com o público que nos acompanha diariamente nas inúmeras plataformas. No guia estão os valores, a nossa linha editorial e os princípios éticos que regem a conduta dos profissionais da RBS — declarou.

A liberdade de expressão na web

A liberdade de expressão nas novas ferramentas da web, como as redes sociais, dominou parte do debate. Mesmo sem uma regulamentação específica, Britto defende que, assim como os demais meios de comunicação, a internet é regida pela Constituição.

— Ainda estamos tateando neste campo (internet), um terreno extremamente complexo. Mas vale a premissa da Constituição: não é pelo temor do abuso que vai se proibir o uso. Não se pode, por antecipação, definir o que o jornalista pode ou não pode dizer.

Conforme o ministro, a exemplo das outras plataformas, os excessos se resolvem no Judiciário.

— No plano das consequências, as portas dos Judiciário estão abertas para reparação de danos. Mas estou convicto da liberdade de comunicação prevista na legislação.
Confira a entrevista com ministro Ayres Britto na íntegra


Ministro participou de painel especial de lançamento Guia de Ética e Autorregulamentação do Grupo RBS
O vice-presidente e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto participou de painel especial de lançamento Guia de Ética e Autorregulamentação do Grupo RBS. Confira a entrevista com ministro na íntegra:

1) Carolina Bahia — Existe limite para a liberdade de expressão?
Ayres Britto — Do ponto de vista rigorosamente jurídico, a liberdade de expressão latu sensu foi proclamada em plenitude pela constituição. Esse adjetivo pleno, mas, no feminino, plena, plena liberdade de informação jornalística, consta do parágrafo primeiro do artigo 220 da Constituição. E o pleno só pode ser o íntegro, o completo, o cheio, de modo não comportar frincha, brecha, vácuo, passível de preenchimento, porque essa relativização seria uma perigosa porta pela qual se esgueiraria com toda a facilidade a censura prévia.

2) Rosane Oliveira — Como se pode trabalhar para que a Lei de Acesso à Informação Pública pegue de fato?
Britto — A informação é um dos conteúdos da liberdade de imprensa. A liberdade e imprensa não é uma bolha normativa. Não é uma fórmula prescritiva oca, vazia. Tem conteúdo. Na verdade, essa expressão liberdade informação jornalística ou liberdade de imprensa é um continente. E três são os conteúdos desse continente. Liberdade de informação é um deles. Os outros dois são: liberdade de manifestação do pensamento e liberdade de expressão genericamente considerada, ou seja, expressão cientifica, artística, intelectual e comunicacional. A criação está aí, nesse conjunto de liberdade de expressão. A informação consagrada pela Constituição como especificamente direito, direito até de personalidade, está no artigo 5º, inciso de número, quero crer, 14. E informação em três sentidos. Primeiro sentido: o direito que tem a pessoa de informar outrem, tomando a iniciativa de passar para uma terceira pessoa uma informação, uma notícia, de que se é possuidor. A segunda dimensão do direito a informação é o direito de ser informado, naturalmente por outrem. E, finalmente, o direito de buscar a informação por conta própria, sair à cata da informação. Então, dessas três dimensões, a liberdade de acesso à informação foi consagrada pela Constituição brasileira. E não se pode limitar, por nenhum modo, esse direito que é do cidadão de exercitar o acesso à informação sob esse tríplice aspecto, aliás, como está na Constituição portuguesa, a nossa inspiração para o direito de acesso à informação.

3) Moacir Pereira — Explodiram os blogs e as redes sociais e há quem se queixa de excessos que ferem a cidadania. Como a Justiça pode agir para estabelecer o equilíbrio que fortalece a democracia e a liberdade de imprensa e ao mesmo tempo blinde a cidadania dos abusos e excessos?
Britto — A Constituição foi promulgada em 1988. Havia computador, mas não havia essa rede de comunicação eletrônica estendida por todo o mundo. Não havia essa comunicação universal online, e a constituição silenciou quanto à internet. Mas a premissa da Constituição é fácil: não é pelo temor do abuso que se vai proibir o uso. Essa é a regra de ouro da Constituição. Os abusos serão coibidos, sim, quando cometidos. Mas não existe o direito de, por antecipação, o poder público dizer o que o jornalista ou o órgão de comunicação pode falar ou não falar. Tudo se resolve a posteriori no plano das consequências, da responsabilização, com direito de resposta, direito a indenização, imputação, incriminação por calúnia, difamação, injúria. As leis infraconstitucionais estão aí para isso. No plano dessa comunicação hoje internetizada não há regulamentação, mas em princípio a regra é a mesma. Não é por isso que se vai proibir o uso. Mas eu não avançaria numa resposta muito conclusiva, porque ainda estamos tateando nesse campo. Estamos rastreando um terreno que se configura como extremamente complexo. Em princípio, a regra é essa, a da liberdade de comunicação. O ser humano existe para se comunicar. Isso é um fato. A informação é um meio de que nos valemos para assim, inteirados das coisas, nos comunicarmos melhormente. Não foi por acaso que a Constituição, ao abrir o capítulo devotado à liberdade de imprensa, o denominou de comunicação social. Não é da informação. É da comunicação. Porque as pessoas se informam para estabelecer um processo comunicacional facilitado. Esse é um terreno à espera de uma melhor teorização jurídica.

4) Moacir Pereira — Muitas pessoas se queixam de que o direito de resposta é muito lento. O senhor defenderia um processo rápido?
Britto — Eu me baseio muito na chamada natureza das coisas. O direito de resposta tem de ser de urgência urgentíssima, premente, instante, porque o suposto agravo não pode perder a sua atualidade. É preciso responder ainda na ardência, no calor do agravo impetrado contra alguém. Então o poder Judiciário, quando instado a garantir o direito de resposta, deve fazer com o máximo de urgência. É a prioridade das prioridades no campo da comunicação.

5) Raimundo Colombo, governador de Santa Catarina — Quero cumprimentar o nosso ministro, dar os parabéns pelo seu trabalho e reconhecer a sua capacidade profunda de conhecimento, que todos os brasileiros reconhecem. A minha angústia, ministro, é exatamente no sentido de proteger alguns segmentos da sociedade. Processo de organização, de liberdade que é a mobilização das pessoas, nós avançamos plenamente. Alguns segmentos se organizaram muito bem e exercem forte pressão. No entanto, outros que não têm essa condição de organização são vítimas e isso torna a sociedade cada vez mais desigual. Com as redes sociais, isso se amplia. De que forma aumentar a conscientização coletiva, para a gente proteger e incluir segmentos? Se não, por exemplo, o Estado brasileiro acaba agindo sob pressão e dando cada vez mais para quem já tem e a gente não cumpre nosso papel. Então nesse processo democrático, que é espetacular, que é um avanço pleno, as redes sociais dinamizam muito, a nossa grande angústia e preocupação é como proteger e dar voz àqueles que não tem. É um processo de conscientização. Como fazer isso?
Britto — Vossa excelência revela grande sensibilidade social com essa pergunta. A sociedade é plural, inevitavelmente. O pluralismo cultural, ou social e genérico, figura até do preâmbulo da Constituição. E o pluralismo político no sentido mesmo de interlocução com o poder público ou de organização dos partidos políticos chega a ser um dos fundamentos da República brasileira. Está no inciso quinto do artigo primeiro da Constituição. Os segmentos que se organizam levam vantagem na interlocução e no diálogo com o poder público. Os outros ficam desfavorecidos, e o princípio da isonomia e da igualdade realmente fica fragilizado. Agora, quando um governante tem esse tipo de sensibilidade que vossa excelência revela, o problema é atenuado. Quando não, o que se espera é que também esses movimentos se inspirem nos outros e se organizem e estruturem para estabelecer uma ponte com o poder público.

6) Adão Villaverde, presidente da Assembleia Legislativa do Estado — Prezado ministro, com perdão da redundância, mas sabemos das suas convicções e opiniões firmes acerca de um conjunto de temas, que a gente sabe da sua história e sua trajetória e seus posicionamentos, mas eu queria lhe colocar uma questão e ver a percepção que o senhor tem desse tema. Ela foi até me estimulada pela consideração da Rosane de que as leis têm de pegar. Há dois ou três anos nós aprovamos uma lei, e eu aproveito aqui a presença do presidente do Tribunal de Contas do Estado, uma lei que é de minha autoria, mas foi construída num processo muito amplo, que está fazendo com que os Tribunais de Contas deixarão de examinar o gestor público apenas na condição de gestor público. Passarão a analisá-lo também na sua condição privada. Explico, porque é perigoso eu dizer isso. Explico. Norberto Bobbio diz o seguinte: o gestor público tem de fazer a gestão pública em público, não no privado. O gestor público ou a carreira pública, você não vai empurrado para ela. Você não vai porque não queria. Eu, por exemplo, tenho representação. O governador tem representação. E nós não fomos a contragosto para representação. Então, qual é a ideia-chave. Os tribunais de contas, ou as formas de controle que existem até hoje e que têm origem na Revolução Francesa, só verificam o gestor público se está usando bem os recursos públicos. Perfeito. É uma fórmula. Mas nós temos de verificar o gestor público numa transição, ou seja, num trânsito um pouco a mais que isso. Que é verificar como é que ele se posta do ponto de vista privado na condição de gestor público. Aí nós introduzimos o debate de verificar por exemplo evolução patrimonial de gestor público nesse período que ele está ou transitoriamente ou permanentemente. Como nós fazemos isso? Exemplo: ele tem um patrimônio quando entrou na gestão pública e depois ele tem um salário e tem de viver daquele salário. E a partir dali, aquilo ali é um marco, que toda a evolução patrimonial dele tem de ser condizente com os recursos que ele percebe. E os tribunais de conta, na minha opinião, agora com as redes sociais, enfim, com os instrumentos de informação e tecnologia têm condições de uma espécie de uma... à semelhança da malha fina do imposto de renda, fazer essa verificação sistemática sobre o gestor público, principalmente aquele que autoriza a despesa. Eu sei que é um tema novo aqui no Estado. No Rio Grande do Sul nós aprovamos essa lei num amplo debate com o Tribunal de Contas. Então eu queria lhe colocar e queria a sua opinião acerca desse tema. Sei que é complexo, está no contexto da transparência pública e evidentemente da liberdade de expressão.
Britto — A transparência se tornou um dos pilares da democracia. Mas transparência, sob o nome de publicidade, está no artigo 37 cabeça da Constituição. Divulgação dos atos do poder público e transparência significa visibilidade do poder desnudo. Tudo que se relacione com o administrador público tende vir a lume, salvo naqueles temas que dizem respeito à intimidade ou à vida privada do administrador. Agora, esse campo de visão, essa fronteira entre a vida pública do administrador e sua vida rigorosamente privada cada vez mais fica tênue. E é natural isso. Porque a Constituição também consagrou o princípio da impessoalidade, no mesmo artigo 37 cabeça. Impessoalidade é uma obrigação que tem o administrador de separar bem o espaço público do privado para não fazer do espaço público um prolongamento da copa e cozinha da sua casa, da sua família. E, como a nossa tradição de corrupção é muito grande, é natural que a Constituição tivesse essa preocupação, como efetivamente teve. Aparelhou a imprensa, o Ministério Público e os tribunais de contas. Eles foram especificamente aparelhados pela Constituição para rastrear os atos dos administradores. O Ministério Público usa de ação civil pública, por exemplo, nessa perspectiva. Os tribunais de contas pelo inciso segundo do artigo 71 da Constituição examina as contas de todos os administradores, todos, ou de todo aquele que, mesmo não sendo administrador público, venha a gerir recursos, valores, bens públicos. E a imprensa tem esse papel eminente e absolutamente indispensável de controlar os atos do poder. É um papel insubstituível da imprensa. Vossa excelência falou de Bobbio, e realmente Bobbio cunhou essa frase a propósito do conceito de democracia. Ele disse: "Democracia é o governo do poder público em público", ou seja, perante o público, desnudadamente, para que tudo venha a lume. A democracia com a imprensa, porque hoje são conceitos geminados, a democracia... digamos assim, leva o povo a se dotar de uma santa curiosidade pelas coisas do poder, o que é excelente, o que é muito bom. Então esse espaço entre o público e o privado fica, para o administrador público, cada vez mais tênue, mais difícil.

7) Carolina Bahia — Ministro, o senhor comentava anteriormente da resistência das autoridades mesmo de ter esse controle do cidadão e da liberdade de expressão...
Britto — É que as vezes, para não dizer muitas vezes, o administrador confunde tomar posse no cargo com tomar posse do cargo, daí o nepotismo, que nós proibimos lá no Supremo Tribunal Federal numa ação específica, da qual eu fui o relator, e proibimos o nepotismo no âmbito dos três poderes, porque o nepotismo golpeia de uma só vez o princípio da moralidade, da impessoalidade e o princípio da eficiência administrativa. De sorte que os tribunais de contas ficam cada vez mais habilitados, como o Ministério Público e a imprensa, a escarafunchar a vida dos administradores públicos, e eu acho isso correto, também dos juízes. Eu acho que os juízes devem ser sindicados mesmo na sua atividade, porque é absolutamente impensável, chega ser uma hecatombe do ponto de vista ético, um magistrado venal, um magistrado corrupto. Então é natural e até necessário que a sociedade se organize em torno dessa curiosidade maior, dessa cívica ou santa curiosidade pelas coisas do poder, porque quem detém o poder, aí eu vou citar Montesquieu, tende a abusar dele. E Lord Ector criou aquela frase também definitiva, de que o poder corrompe, tem essa tendência, e o poder absoluto corrompe absolutamente.

8) Gelson Merisio, presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina — Quero voltar ao tema das redes sociais, estamos passando por uma verdadeira revolução branca no mundo com a nova forma de comunicação interpessoal. Por enquanto, os movimentos no mundo todo e também aqui no Brasil são espontâneos, produzidos pela própria rede. Agora, é da essência do ser humano a busca da evolução e também de encontrar ferramentas para que esses movimentos deixem de ser espontâneos. A força que essa nova rede social está formando, sem ter uma regulamentação clara, sem mecanismos jurídicos para acompanhar, de que forma vai se chegar a isso, será que nós estamos preparados para algo que virá muito rapidamente para nossas vidas, ministro?
Britto — Eu me preocupo também com a intimidade, com a privacidade no melhor sentido, mas a Constituição tem resposta para isso, no mesmo Artigo 5º e a partir do inciso quarto ela já proíbe o anonimato. A manifestação do pensamento é livre, proibido, porém, o anonimato. E assegura a Constituição a indenização por dano moral ou material. Há aqueles quatro valores, aqueles quatro típicos bens e de personalidade. Intimidade, vida privada, honra e imagem. A internet não está fora disso, no plano das consequências as portas do Judiciário estão abertas para a reparação de danos e responsabilização pelo cometimento de excessos. Agora, o que não me animo a dizer é que os juízes estão absolutamente autorizados no plano da internet a fazer intervenções prévias. Acho esse tema da censura prévia sempre muito delicado, porque estou convicto de que a regra da Constituição, em termos de informação e comunicação, foi esse: não é pelo temor do abuso que se vai proibir o uso.

9) Eduardo de Lima Veiga, procurador-geral de Justiça do Estado — Me parece, ministro, que depois de duzentos e poucos anos esse conceito de liberdade de imprensa vem sendo trabalhado. Acho difícil que nos Estados democráticos sofra algum refluxo. O que me parece que está no debate mais contemporâneo é até que ponto esta liberdade de imprensa não se confunde com a liberdade da empresa em escolher aquilo que ela publicará e aquilo que ela não publicará. Mais do que isso, é sempre aquele conteúdo, e eu volto à liberdade de informação que o senhor dizia, a liberdade de expressão que porventura o cidadão quer exprimir e não encontra o veículo. Ou que o cidadão quer a informação e também não encontra o veículo pelo qual ele obterá essa informação. Me parece que esse é o grande debate, e daí a consequência é a explosão das redes sociais.
Britto — Perfeito, acho que a Constituição também tem resposta pra esse tipo de problema. A Constituição primeiro proíbe, às expressas, a monopolização e a oligopolização dos meios de comunicação social. Segundo, a Constituição contém regras, regras explícitas para a concessão ou a renovação de concessão, permissão e autorização em matéria de comunicação social. E a Constituição fala, a meu sentir, que a liberdade de imprensa mantém com a democracia um vínculo umbilical. São conceitos para mim geminados, de sorte que, se cortar esse cordão umbilical, nós vamos matar as duas, a liberdade de imprensa e a democracia, tudo de uma só cajadada. Agora, se os meios de comunicação social necessitam de uma ambiência democrática para atuar na plenitude da sua liberdade, eles também devem ser internamente democráticos, devem ser também endoginamente regulamentados, como eu vejo aqui o propósito desse dia. Quero até saudar, e faço com toda a sinceridade, a iniciativa da organização do Grupo RBS por vocalizar de modo escrito uma pauta de princípios éticos e de conduta cotidiana no uso da sua liberdade de comunicação, porque isso pode ser cobrado. Aqui é o preto no branco, está escrito, isso pode e deve ser cobrado com linhas de parametrização do atuar do Grupo. O problema da liberdade de imprensa é que a liberdade de imprensa ou é total ou é plena. Aliás, a Constituição chama de plena, esse adjetivo é a plena liberdade de informação jornalística. Volto a dizer, não é invencionice, está no parágrafo primeiro do Artigo 220 da Constituição. Agora, o problema é que essa luta pela democratização interna da imprensa, dos órgãos de comunicação, me parece que é um segundo momento necessário. A sociedade vai avançar para fazer cobranças à imprensa no sentido desse casamento por amor, necessário entre liberdade de um lado, responsabilidade de outro lado. Isso aqui é uma manifestação de responsabilidade pela autorregulamentação de conduta e pela preocupação ética na atuação do Grupo, mas há um outro problema ainda. É que embora reconheçamos, todos nós reconhecemos de sã consciência que sem plenitude de liberdade estaríamos dando com uma mão e tomando com a outra a liberdade de imprensa. Como diria Geraldo Ataliba, estaria fazendo um jogo de cena jurídico, é um trabalho de prestidigitação jurídica. A gente diz que a liberdade é plena, e de fato não é plena, porque pipocam decisões judiciais aí por esse Brasil todo fazendo censura prévia. Graças a Deus, digamos assim, episodicamente. O Judiciário como um todo não pensa assim e tem respeitado a decisão do Supremo Tribunal Federal. Mas, para concluir e não dar uma resposta demasiadamente longa, a liberdade de imprensa tem um natural inimigo, um insidioso e permanente inimigo. É que cada um de nós se projeta no tempo, sobretudo as autoridades, nós que somos autoridades, cada um se projeta no tempo e se vê como alvo de uma matéria de imprensa desairosa, desabonadora da nossa personalidade e da nossa conduta, então a gente fala de liberdade de imprensa e tem medo de dizer que ela deve ser plena. Entretanto, em 1852, por volta disso, Alexis de Tocqueville, jornalista e pensador, se deslocou da França e foi estudar a democracia norte-americana. Criou uma frase que é de um arejamento mental, de uma atualidade e de uma contemporaneidade irretocáveis. Num aparente paradoxo, ele disse o seguinte sobre liberdade de imprensa no âmbito democrático: "Numa democracia, os excessos de liberdade se corrigem com mais liberdade ainda". E nós vamos passar para essa fase de maturidade da própria imprensa no uso de sua liberdade plena para fazer o que está se fazendo aqui, partir para a autorregulamentação e a vocalização por escrito de seus compromissos éticos. Não pode ser diferente, por que qual é a opção que se tem? Qual a justificativa para relativizar a liberdade de imprensa? Só uma: censura prévia, não há outra. Aí se diz, mas não estaremos absolutizando a liberdade de imprensa? Mas se você não absolutizar a liberdade de imprensa você vai absolutizar a censura prévia ou a imagem, ou a intimidade, ou a vida privada. Nós estamos aqui no domínio da radicalidade, as coisas não são conciliáveis no limite, no limite não há conciliabilidade. Ou a Constituição estabelece a precedência da liberdade de imprensa como efetivamente feito, ou vai ter que abrir as portas, primeiro uma frestinha, depois vai ter que escancarar as portas para a censura prévia.

10) Carolina Bahia — Deixei uma pergunta pendente, ministro. Eu acompanho a rotina, o dia a dia, de Brasília, e não sinto que nossos poderes não estão assim preparados para a liberdade plena de expressão, ou eu estou enganada?
Britto — Esse é um processo. As coisas não se resolvem quando há uma mudança cultural, até um choque de cultura. Nós tivemos até pouco tempo uma lei de imprensa que vigorou até sair essa nossa decisão, que tem dois anos. Uma lei de imprensa _ 5.250 de 1967 _ que consagrava a censura prévia judicial, inclusive judicial, nos artigos de número 61 a 64. O judiciário estava autorizado a fazer a censura prévia. Então esse choque cultural é assim mesmo. Causa uma certa perplexidade. É meio como A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera. A história daquela mulher que tudo que queria na vida era se liberar dos jugos e tiranias do marido, namorado, não me lembro, e finalmente a mulher consegue. E sobrevêm o quê? Um estado de insatisfação, de perplexidade, de abatimento, de desnorteio. E o Milan Kundera diz, olha, o que pesa sobre os nossos ombros é a leveza, como se nós fôssemos masoquistas. Nos sentimos bem quando estamos mal e nos sentimos mal quando estamos bem. Esse período é de transição. Ainda estamos desacostumados com essa ideia de plenitude de liberdade jornalística. É meio assim como aquele filósofo, que também em estado de perplexidade, disse o seguinte: "Passei a vida inteira procurando por certas respostas. Finalmente, quando as encontrei, mudaram as perguntas." A liberdade de imprensa está passando por um período transicional, mas todos vamos compreender que essa plenitude é signo de uma civilização avançada, de uma democracia consolidada. Diz muito bem a liberdade de imprensa dos nossos foros de civilização. A nossa autoestima estará no ponto mais e mais com a plenitude da liberdade de imprensa. Nos orgulharemos do nosso país, e a imprensa também mais e mais se compenetrará do seu dever de se depurar internamente, democraticamente, fazendo jus a essa enorme confiança que lhe depositou a Constituição federal. Como o Ministério Público, por exemplo, hoje das instituições brasileiras talvez seja a que mais encontra na sociedade o aplauso, um reconhecimento, por essa fidelidade que o Ministério Público tem conseguido manter com a Constituição. Tem correspondido a enorme confiança que a Constituição depositou nele. E assim acontecerá com a imprensa, mantendo uma relação com os seus jornalistas de muito mais democracia, de respeito, assegurando direitos mínimos, em uma espécie de depuração que o tempo necessariamente trará. E com o público, o público é o termômetro, a peneira, o funil, o filtro que termina orientando o comportamento desse ou daquele órgão de comunicação social, que não quer senão credibilidade.

11) Rosane de Oliveira — O senhor concorda então com o que diz a presidente Dilma Rousseff, que o melhor controle sobre os meios de comunicação é o controle remoto?
Britto — Concordo com a presidente. É o controle remoto. Em linhas gerais é isso mesmo.

12) Moacir Pereira — E a sua posição sobre essas ideias que surgem de vez em quando sobre a criação de conselhos de controle da comunicação no Brasil, inclusive lá em Brasília?
Britto — A Constituição fala de um conselho, mas fala de um conselho no âmbito do Congresso nacional para orientar o Congresso no seu processo de, por exemplo, aferição de uma medida de concessão ou de autorização ou de permissão desse serviço público que é a imprensa. É algo endógeno, interno, não significa intromissão, interferência na liberdade de imprensa, até porque o nosso artigo 220 da Constituição, com seus parágrafos, ele se inspirou na primeira emenda à Constituição norte-americana. E a primeira emenda à Constituição norte-americana é magistralmente redigida, mais ou menos nos seguintes termos: nenhuma lei estabelecerá, ou seja, o congresso norte-americano não legislará no sentido de estabelecer proibição à liberdade de palavra, de imprensa, de religião e de reunião.

13) Moacir Pereira — E o controle social, o senhor acha que é incompatível com a liberdade de imprensa que o senhor defende com tanta firmeza?
Britto — Perfeito. Só pra completar: nem o Congresso nacional pode dispor sobre o seu próprio modo de não legislar, ou seja, o dever que a Constituição impôs ao Congresso nacional foi de inação legislativa. E não se pode dispor sobre o seu próprio modo de não legislar, de não fazer, de não agir. Então, o controle social sobre a imprensa... O controle social, o senhor diz da população?

Pereira — Isso.
Britto — Da população, é legítimo. Todo poder emana do povo.

Pereira — E de um órgão político que exerça a função?
Britto — Não, aí já é diferente. É preciso entender bem isso. O que a constituição disse é: a imprensa mantem com a sociedade civil uma linha direta de comunicação. Essa linha direta já significa a eliminação de intermediários, de mediação. Não se pode mediar o relacionamento entre a imprensa e o seu público alvo. Exatamente porque a imprensa é formadora de opinião pública, não é só isso, a imprensa me parece que tem três funções eminentes. Formar opinião pública é o lócus, o espaço do pensamento crítico, que é um pensamento emancipatório, libertário, descolonializado, é um pensamento que leva à busca da verdade, porque a crítica é pra isso é pra buscar a verdade, a essência das coisas, penetrar na carne do real sem distorções, e finalmente a imprensa opera como a instância de que se dispõe para conhecer uma outra versão dos fatos que não a oficial. Porque claro que o governo tem seus órgãos de comunicação, e o governo em todos os níveis federativos, ele informa o público, dá sua versão sobre os fatos, e a imprensa é a alternativa de que se dispõem para essa versão chapa branca, essa versão oficial dos fatos. Nessa medida a imprensa cumpre um papel absolutamente insubstituível, não se pode nem dizer hoje em dia. É muito mais do que isso. A imprensa é inerente ao interesse público ou que há interesse público na plenitude de liberdade de imprensa. Não, isso é pouco. O interesse público já é a plenitude da liberdade de imprensa.

14) Juçara Acosta, defensora pública do Estado — Eu quero saudar a todos os presentes, dando as boas-vindas ao ministro Carlos Ayres Britto, pessoa que sempre nos brinda com imensas e gratificante palestras, a quem eu manifesto a minha admiração. Eu quero também parabenizar a RBS pelo Guia de Ética. É um instrumento ímpar para a comunicação. E, ministro, eu tenho uma preocupação muito séria, que é a comunicação dos órgãos públicos. Isso me preocupa muito, até porque eu administro uma instituição, e eu gostaria que o senhor nos falasse a respeito disso. Até porque eu entendo assim ó, que as verdades que vêm à tona ou ao conhecimento do público, elas não são inteiras, e eu gostaria que o senhor falasse a respeito da comunicação dos setores públicos.
Britto — O poder público tem o dever de se comunicar com o público. É o principio da publicidade, de que trata a cabeça do artigo 37, mas é uma comunicação por definição fidedigna, inteira, completa, e ao mesmo tempo fidedigna, sem maquiagem. Agora, é claro que o poder público também dispõe de órgãos de comunicação social. Eu tenho sérias dúvidas de que, no que toca ao caráter de imprensa dos órgãos de comunicação social do poder público, a minha tendência é entender, e eu preciso maturar um pouco mais a reflexão, que é incompatível com a ideia de imprensa ou de liberdade de informação jornalística, expressão do artigo 220, que os órgãos de comunicação social do governo, e portanto oficiais, eles não fazem parte da imprensa. Por que o papel da imprensa é exatamente atuar a latere do poder público para controlar o poder público. Então, minha tendência é entender que esse órgãos não são órgãos de imprensa, não são órgãos de informação jornalística. Isso é incompatível com o papel que a Constituição resolveu para a imprensa de instância por excelência do pensamento crítico e de formação da opinião pública, e ainda dessa versão alternativa, dessa explicação alternativa para a versão oficial dos fatos. As informações infiéis do poder público para o público podem constituir não só ilícitos administrativos, desvio de finalidade administrativa. Um desvio de finalidade administrativa, como no limite a depender do dolo desse ou aquele agente, pode caracterizar crime. Falsidade ideológica, por exemplo.

15) Cezar Miola, presidente do Tribunal de Contas do Estado — Cumprimentos, ministro, e bom dia a todos. Foi mencionado aqui o advento da Lei de Acesso à Informação Pública e nós do Tribunal de Contas estamos profundamente dedicados a concretizar essa norma e evitar que ela seja daquelas leis, como lembrou antes Otto Lara Rezende, que seriam como vacinas, algumas pegam outras não pegam. Na verdade eu acho que é um desafio coletivo dar concretude a essa norma. Eu fiquei muito feliz em lhe ouvir na ideia de processo. É uma mudança cultural que está em curso e que nós precisamos conviver com ela, mas eu acredito que ela vai significar efetivamente um marco extraordinário na relação do Estado com a sociedade e da sociedade com o Estado, já que estamos aqui falando em um ambiente de comunicação. O presidente da empresa ao apresentar o Guia de Ética e Autorregulamentação Jornalística, usou uma expressão que eu tomei a liberdade de grafar e vou guardar. Que se trata de um "contrato de transparência da empresa com a sociedade", e aqui vai a questão que conecto com a recente Lei de Acesso à Informação, que avançou para além das organizações públicas propriamente ditas, dos poderes e órgãos da administração direta e indireta, mas determinou o acesso e a disponibilização de informações por parte das Organizações Não-Governamentais que contratem e recebam subvenções, transferências, estabeleçam termos de parcerias, convênios, enfim, instrumentos dessa natureza com entes da administração pública. A indagação que eu gostaria de lhe fazer é como o senhor entende que deva se dar ou qual a dimensão do acesso à informação em relação as organizações privadas, comerciais ou não, sobretudo aquelas que contratam com o poder público?
Britto — O poder público é como o rei Midas. Ele tornava ouro tudo o que tocava. O poder público torna de interesse público tudo aquilo de que participa enquanto poder público mesmo. O Tribunal de Contas, o Ministério Público, essas duas instâncias de controle interno de poder, estão absolutamente autorizados a sindicar sobre a contabilidades, as contas bancárias, os recursos de todas as organizações sociais que se emparceirem com o poder público, porque o dinheiro público não se despubliciza pelo fato de ser transferido para uma pessoa jurídica de direito privado. Ele continua dinheiro público, valor público. No âmbito do Tribunal de Contas, a Constituição fala de dinheiros públicos, bens públicos e valores públicos, tudo está sob o controle dos tribunais de contas. E esse cuidado da Constituição com o controle é histórico, se explica historicamente, porque nós temos uma tradição ruim de ética na administração da coisa pública. Por exemplo, se os senhores me permitem, no século 17, o Padre Antônio Vieira, num trocadilho bem posto e também de enxuta contemporaneidade, ele disse o seguinte: "Os governadores chegam pobres às Índias ricas — isso aqui era chamado de Índias Ocidentais, Colombo pensou que houvesse chegado às Índias e não à América — os governadores chegam pobres às Índias ricas e retornam ricos das Índias pobres. Ou seja, é precisar atentar bem para o trocadilho desse conteúdo: eles retornam ricos, mas não é só isso, eles retornam ricos da Índias pobres. Eles saqueavam o erário, o patrimônio público, e não há dúvida de que a corrupção, como dizia Ulisses Guimarães, é o cupim da república, é o nosso ponto de fragilidade estrutural. O maior ponto de fragilidade estrutural do país é a corrupção e o Tribunal de Contas e o Ministério Público estão especialmente aparelhados pela Constituição para combater a corrupção e a impunidade, então eu não vejo com preocupação a atuação desses dois órgãos eminentes, eminentemente republicanos, no sentido de levar às últimas consequências o seu [...] Constitucional, claro que aqui e ali vai haver necessidade de autorização do poder judiciário para quebrar, por exemplo, o sigilo telefônico de alguém ou sigilo bancário, lá no Supremo Tribunal Federal, tem se exigido ação judicial.

16) Vera Spolidoro, secretária estadual de Comunicação e Inclusão Digital — Ministro Ayres Britto, é uma honra participar deste debate com o senhor, e saúdo a RBS pela iniciativa. O senhor mencionou, ainda há pouco, que o controle social sobre a imprensa é legítimo. E eu queria lhe perguntar, então, se a criação de conselhos, com esse caráter de ser um local de debates a respeito da imprensa e, provavelmente, um local em que se dialogue sobre esse tema, se não seria legítima, portanto, a criação desses conselhos. Aqui no Rio Grande do Sul, há poucos dias, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, aprovou, em seu pleno, a criação de um conselho estadual de comunicação. Isso ainda vai tramitar, vai para o governador como uma sugestão, como um conselho, mas a sociedade gaúcha está discutindo esse tema. E eu gostaria de conhecer a sua opinião. Esses conselhos de comunicação podem ser locais de debate e de intermediação da sociedade para dialogar sobre a imprensa?
Britto — É sempre difícil, para um magistrado, responder a certas perguntas que tenham potencial para se tornar um caso concreto. Acho que essa pergunta é uma delas. Então, vou dar uma opinião que é rigorosamente pessoal, e que não significa uma antecipação de voto, porque, quando se trabalha num colegiado, quando se tem espírito aberto, a mudança de ponto de vista é a coisa mais natural do mundo. Da discussão nasce a luz. E num colegiado todos influenciam todos. Pessoalmente, porém, eu entendo que o poder público não pode criar um conselho social de agregação da sociedade civil. A sociedade civil é que pode se organizar e criar os seus próprios conselhos, rigorosamente privados, fora da estrutura do poder administrativo, do poder judicial, do poder legislativo. A sociedade, sim, pode se organizar para criar, digamos, órgãos de controle da própria imprensa, mas num sentido de debate dos temas da imprensa. É a sociedade civil, sem passar pela mediação do poder público. Conselhos oficiais, criados por lei, por decreto, por resolução, supostamente agregadores de pessoas da sociedade civil, para exercer um controle sobre a imprensa, isso é um mal disfarçado de controle do próprio poder público sobre a imprensa.

17) Túlio Martins, desembargador e presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça — Eu tive o grande prazer de ouvi-lo, em Belém do Pará, falar sobre a Constituição de 1988 e chamá-la de uma Constituição militante. Gostei muitíssimo da expressão que o senhor usou, e descortinou ali um espaço muito bom para o debate que se travava. Essa Constituição prevê a possibilidade da reparação do dano moral, enfim, terminou com aquela discussão que nós tínhamos, se era indenizável ou não. E eu trabalho hoje numa câmara que julga exatamente esta matéria, vejo a reparabilidade do dano como exatamente um impeditivo lógico e jurídico para qualquer tipo de censura, pela possibilidade reflexa e subsequente de haver a responsabilização. Eu gostaria de saber a sua opinião, o seu comentário, por favor.
Britto — Para mim, o espírito da Constituição é esse. E como fui relator da ADPF-130, eu coloquei, com outras palavras, esse juízo de vossa excelência na própria ementa do acordo. No plano da responsabilização, no plano das consequências, tudo é possível, tudo está sobre o controle do Judiciário. O perigo é no plano das antecipações. Por que outro nome se dá ou não para o de censura prévia? Olha, vou dizer duas coisas para os senhores. Dizem que não há direitos absolutos na Constituição. Isso não é um mantra, não, um mantra intelectual a que nos habituamos e perdemos o nosso espírito crítico. Por exemplo, o direito de não ser torturado é relativo? Ou é absoluto? O direito que tem o brasileiro nato de não ser extraditado é relativo? Não é. É absoluto. Em tempos de paz, alguém pode ser condenado à pena de morte? Ninguém pode ser condenado à pena de morte, é um direito absoluto. O direito de não se filiar a nenhuma associação, ou de permanecer filiado? Ninguém tem a obrigação de permanecer filiado. Esse direito de sair e ir a qualquer tempo é absoluto. Então, há direitos absolutos. Eu concordo inteiramente com a reflexão de vossa excelência. Agora, um historinha que quero contar para os senhores. Eu estava com minha esposa e um dos meus filhos voltando de um almoço num dos restaurantes de Brasília, na Asa Sul, e encontrei, me pareceu, um morador de rua, porque eu já havia me encontrado com ele anteriormente. Ele chegou para mim, um homem marcante, seus 45 anos, alto, olhos escuros brilhantes, fisionomicamente um homem bonito, um misto de brasileiro e árabe, ele altivo, chegou para mim e disse: "Ministro Ayres Britto", me chamou pelo nome, "eu fiquei aqui tomando conta do seu carro, tomando conta do seu patrimônio." Agradeci e procurei gorjeteá-lo, digamos assim, em vão, porque eu não tinha um trocado. Minha mulher também não, nem meu filho. E o mal é do cartão de crédito, que nos deixa assim, desprevenidos. E eu, com toda a delicadeza, cheguei para ele e disse: "Olha, o senhor vai me desculpar, mas desta vez eu vou ficar lhe devendo." E ele, altivamente, me olhou assim nos olhos e disse: "Ministro, o senhor não me deve nada. Basta cumprir a Constituição." Eu disse para mim mesmo: "Essas coisas só acontecem no Brasil. Que país fantástico. Que país criativo, inovador, inventivo." Ora, a Constituição é a política pública das políticas públicas no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. O eminente governador João Raimundo Colombo, quando tomou posse, jurou cumprir, manter, defender, guardar a Constituição. A presidente Dilma também. Isso está no Artigo 78 da Constituição Federal. No Judiciário, nós que eventualmente somos administradores judiciários, não temos outra política pública, se não essa: cumprir a Constituição no Legislativo, no Executivo e no Judiciário. Se nós cumpríssemos a Constituição, este país estaria muito bem. E é essa Constituição que assegura a plenitude de liberdade de imprensa.

18) João Ricardo dos Santos Costa, presidente da AJURIS — É sempre um momento de celebração ouvir o ministro Ayres Britto e registrar da oportunidade da RBS em trazê-lo aqui para discutir esse tema de tamanha envergadura e importância para o país. Registrar também que o ministro Ayres Britto, quando presidente do TSE, aderiu e praticamente impulsionou a campanha "Eleições limpas", juntamente com a Associação dos Magistrados Brasileiros, que redundou num grande movimento social pela aprovação da Ficha Limpa. É um momento importantíssimo da nossa democracia e que tem a personalidade do ministro Ayres Britto como um dos grandes protagonistas. A Rosane falou da declaração da presidenta Dilma em relação à grande censura, ao grande controle da imprensa, que é pelo controle remoto. Mas nós vivemos no país uma discussão em relação às concessões de rádio e televisão e isso faz com que o controle remoto não seja um instrumento tão efetivo assim de buscar a diversidade de informação. Isso passa por um regulação do artigo 220 da Constituição ou toda a ordem que regulamenta a comunicação social no Brasil. Qual a sua avaliação em relação a essa dificuldade do Brasil de fazer essa regulação dos dispositivos que fundam a comunicação social brasileira?
Britto — Também é uma ótima pergunta. É preciso entender o seguinte: há relações de imprensa que são nucleares, nodulares, centrais, e há relações de imprensa que são laterais, secundárias, periféricas, reflexas. Por exemplo, direito de resposta, indenização, responsabilização criminal, responsabilização civil, eventual responsabilização administrativa, se um agente público estiver envolvido. Essas relações reflexamente de imprensa podem ser objeto de lei. Por exemplo, dispor sobre participação do capital estrangeiro em empresa nacional de comunicação social. Isso pode ser objeto de lei. Dispor sobre os critérios para concessão, renovação de concessão. Vossa excelência entrou num ponto nevrálgico. Isso pode ser um objeto de lei, sim. E deve ser objeto de lei. Agora, as relações nucleares de imprensa não podem ser objetos de lei. Quais são as relações nucleares de imprensa? O conteúdo e o tempo de exercício da liberdade, ou seja, o tamanho da liberdade de imprensa, o conteúdo temático, os assuntos que podem ser objeto dessa liberdade _ isso é intocável legislativamente. E o tempo, o exercício de duração da liberdade, quando se entra e quando se sai do exercício da liberdade, isso não pode ser objeto de lei. Então as relações nuclearmente de imprensa estão a salvo de legisferação. As relações perifericamente de imprensa estão ao dispor do poder legislativo.

Do Blog: Há vídeo da entrevista inteligente lúcida do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto -
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Fonte: Clicrbs, 09/12/2011

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