quarta-feira, 10 de abril de 2013

Luzes da ribalta: a lenta evolução para a transparência financeira

Ladislau Dowbor*
 
A busca da transparência na divulgação de informações comerciais e financeiras está apenas começando no setor privado em todo o mundo.

Em maio de 2012, entrou em vigor uma lei de suma importância, a Lei da Transparência. Agora, todo cidadão tem direito de acessar as contas de qualquer repartição federal, estadual ou municipal. É um grande avanço. Com toda a teatralidade da perseguição a atos de corrupção, o que funciona mesmo não é enfileirar anos de investigação, e sim simplesmente acender a luz. Ou seja, tornar os atos transparentes.

Saber o que acontece com o dinheiro público é um grande avanço, e os efeitos se farão sentir à medida que diversos atores sociais e a cidadania em geral se acostumem a utilizar o instrumento legal agora em suas mãos. Em termos de apresentação de dados, a mudança também é substantiva: o cidadão tinha certo controle sobre os resultados, podia ver com os seus olhos se as escolas foram construídas ou não, mas agora vai poder controlar os processos. Em termos de organização de indicadores e da informação econômica em geral, as pessoas estão começando a querer saber como os resultados são atingidos.

Não basta ter informações sobre o dinheiro público, é igualmente importante saber o que acontece com o dinheiro do público. Ou seja, além de saber que serviço nos presta uma empresa, precisamos também saber, cada vez mais, como e a que custo foi prestado, ou seja, conhecer o processo. A busca da transparência na divulgação de informações comerciais e financeiras está apenas começando no setor privado. E, tratando-se de dinheiro do público, nada melhor do que começar pelo setor de intermediação financeira.

Pouco percebidos pela população em geral, há avanços muito significativos, resultado indireto da crise. O descontrole das transações dos grandes bancos tornou-se evidente, propiciando a elaboração de estudos sobre as dinâmicas financeiras e iniciativas de saneamento. Inclusive porque o setor produtivo exige serviços muito mais eficientes.

O primeiro grande estudo que surge, o do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH, na sigla alemã), apresentou dados impressionantes: ao analisar o sistema de controle nas 43 mil maiores corporações do mundo, constatou que 737 grupos controlam 80% do universo corporativo e, destes, um núcleo particularmente fechado de 147 controla 40%. Três quartos dessas corporações são da área financeira. O estudo conclui que, com esse grau de concentração, falar em “mercado” no sentido de concorrência faz pouco sentido. Confirma o conceito de “clube dos ricos”. Não precisa inventar teorias conspirativas para entender que um grupo tão pequeno e com interesses convergentes “faz” o mercado e cria, pela força política que representa, as suas regras, entre as quais, evidentemente, a redução da transparência.

Um segundo estudo importante foi coordenado por James Henry, ex-economista-chefe da McKinsey, no quadro da Tax Justice Network. Cruzando dados de fluxos registrados ou parcialmente registrados nas diversas fontes, bancos centrais, bancos privados, administradores de grandes fortunas e outros, o estudo identificou as ordens de grandeza do dinheiro em paraísos fiscais, portanto fruto de evasão fiscal, de lavagem de dinheiro de drogas, venda ilegal de armas, corrupção e semelhantes. O resultado da pesquisa aponta para dinheiro ilegal acumulado entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões, ou seja, entre um quarto e um terço do PIB mundial. A participação brasileira é estimada em US$ 520 bilhões, cerca de um quarto do PIB do país. No seu número de 15 de fevereiro de 2013, a revista The Economist publica um dossiê sobre esses recursos, adotando a cifra de US$ 20 trilhões como estimativa mais provável. E expande a pesquisa de James Henry, apontando para os principais paraísos fiscais: não são as Ilhas Cayman e semelhantes, mas o Estado de Delaware e a praça de Miami, nos Estados Unidos, e a praça financeira de Londres. E a gestão está nas mãos dos grandes bancos internacionais, basicamente os mesmos analisados pelo estudo do Instituto Federal Suíço.

Juntam-se a isso, naturalmente, a manipulação do Libor e do Euribor pelos mesmos grupos financeiros, os processos contra o HSBC por lavagem de dinheiro de drogas, as pressões de vários governos no sentido de resgatar informações sobre o dinheiro ilegal, os processos movidos contra usuários do sistema de evasão, como Google, Facebook e Starbuck na Europa, e assim por diante.

Basicamente, e apesar da enorme resistência do grupo de 28 instituições financeiras que The Economist apresenta como sendo “sistemicamente relevantes”, estão sendo geradas obrigações de apresentação de contas (disclosure) e outras medidas por meio da proposta de lei Dodd-Frank, nos Estados Unidos, indo até o outro extremo de nacionalização dos bancos na Islândia, e medidas intermediárias, como no caso da Grã-Bretanha e da União Europeia. Chipre, cansado de ser um país pobre que abriga grandes fortunas, em particular da Rússia, criou uma taxa sobre depósitos, forma de atingir o dinheiro fugitivo.

No Brasil, constatamos as progressivas iniciativas por parte do governo, utilizando os bancos oficiais para forçar a redução de juros, e iniciativas interessantes como do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e do Instituto Akatu, este último publicando cartilhas que ensinam os usuários de bancos a se proteger, cartilhas elaboradas juntamente com as áreas de responsabilidade social dos próprios bancos. Mas temos um imenso caminho por trilhar. É difícil entender por que os americanos pagam 16% no cartão de crédito e os brasileiros 238%. Estamos dando os primeiros passos.

Outras práticas estão aparecendo no que Milton Santos chamava de “circuito inferior” da economia. Pequenas iniciativas que se multiplicam tornam-se significativas. A pesquisa de alternativas de intermediação financeira Banco Palmas 15 anos, por parte do Núcleo de Economia Solidária da Universidade de São Paulo (Nesol-USP), mostra como o dinheiro pode ser administrado em função das necessidades dos próprios poupadores. No Brasil, já são 103 bancos comunitários, há Oscips de intermediação financeira, como em Criciúma (SC), Agências de Garantia de Crédito, como em Caxias do Sul (RS), e semelhantes. O dinheiro tem pezinhos ágeis e, ao surgirem alternativas, poderá migrar. É útil lembrar que a Alemanha resiste melhor à crise não só porque tem maior força industrial, mas porque os dois terços da totalidade das poupanças das famílias, o que é muito dinheiro, estão não em grandes bancos, mas nas tradicionais caixas de poupança locais, financiando os pequenos projetos e necessidades econômicas da própria localidade. Boa prática, na área da intermediação financeira, exige hoje a flexibilidade de se adaptar às necessidades reais dos clientes.
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(Instituto Ethos)
* Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e da UMESP, e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social”, “O Mosaico Partido”, pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social no Brasil“ (ed. Senac) Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org' 
Fonte:  http://mercadoetico.terra.com.br/09/04/2013

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