domingo, 1 de setembro de 2013

As vozes femininas por Paulo Lins e Mia Couto


O encontro entre o escritor moçambicano Mia Couto e o brasileiro Paulo Lins, no espaço “Mulher e ponto”, teve depoimentos de fãs emocionados, histórias vividas por ambos e, principalmente, uma bonita reflexão sobre o lugar da mulher na literatura e no mundo. A mesa tinha como título “Vozes femininas do outro lado do Atlântico” com mediação da jornalista do GLOBO Flávia Oliveira. 

Mia disse que ao se confrontar com o tema do debate entrou em pânico: não se sentia à vontade nem para falar sobre literatura africana nem sobre mulheres, já que ele é um homem. Para a sua sorte, ressaltou o escritor, a literatura confunde muitas coisas, inclusive essas fronteiras.

O moçambicano contou que, ao começar a escrever, fez uma “viagem em dois barcos”. Um seguiu em direção a sua infância, quando ficava fazendo o dever de casa no chão da cozinha enquanto sua mãe e outras mulheres cozinhavam. A segunda em direção a rua, que quando era criança simbolizava a África. Filho de portugueses, dentro de sua casa vivia na Europa. 


- Eu nasci escritor na cozinha, no espaço das mulheres. Lá se criavam histórias, ditas em murmúrios, sussurros. Ao contrário do território dos homens, onde se falava alto, mas havia poucas histórias, pouco poder de sedução. Fazia o dever de casa no chão da cozinha, acompanhava as saias se mexendo. Até hoje essa imagem me acompanha, como cortinas se abrindo – revelou Mia.

Paulo Lins optou por falar sobre o protagonismo esquecido das mulheres no Brasil. Vindas da África ou da Europa, essas mulheres desterradas foram a base para o surgimento do modernismo e da cultura brasileira como a conhecemos hoje e tiveram que se apegar à religião e à cultura para se manterem enquanto povo.

- Tia Ciata é a maior expressão delas. Toda a base da música popular acontece dentro dessas casas de candomblé. Conseguiram através da cultura e da arte ter uma interlocução com o poder. Líderes nas suas comunidades, os governantes tinham que ir lá conversar com essas mulheres – afirmou Lins

Perguntado sobre quem conta a história da África hoje, Mia explicou que quem sempre contou a história da África foi a Europa. Antes da chegada dos colonizadores ela seria, então, um vazio, uma ausência porque era um inferno. Ou ainda um paraíso da natureza maculado pela simples presença dos africanos. Na sua opinião, é necessário que os africanos superem a cultura da afirmação que, iniciada após o processo de descolonização, está presente até hoje, pois esse discurso ainda reproduz, em seu fundamento, o olhar europeu sobre a África.
- Muitas vezes apresentam uma história descolorida, que só tem vítimas, que só sofreram. Algo meio Rousseau, como se tudo fosse ótimo antes da chegada dos europeus. Esse discurso é reproduzido pelas elites africanas. É preciso resgatar as várias histórias que a África tem. A própria escravidão teve o envolvimento de muitos africanos.

Os dois escritores tiveram obras adaptadas para o cinema e o teatro e comentaram sobre como vivem esse processo de recriação das suas obras. Mia Couto contou que continua sempre espreitando o trabalho, como se fosse um filho que está ganhando a vida. Já Paulo Lins disse que, quando foi filmar “Cidade de Deus”, o diretor Fernando Meirelles chegou a enviar o roteiro antes para que ele desse sugestões. O escritor não gostou de nada e preferiu não se meter. Muito por falta de conhecimento das próprias limitações do roteiro.

- Hoje eu entendo mais o roteirista, como sofrem. É muito difícil, é preciso ter paciência. Há muitas limitações, inclusive de dinheiro. Às vezes é preciso mudar o roteiro por falta de verba – disse Lins, que atualmente escreve para o cinema e a TV.
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Reportagem por Leonardo Cazes 
Fonte:http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/31/08/2013

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