domingo, 8 de setembro de 2013

A serpente da castidade

Moacir Castro*
 
Telmo Martino

Aprendi muito com ele. Mestre na arte de dizer a verdade, sempre a verdade, mas com ironia, cinismo e veneno -- muito veneno. Conseguia ofender, sem que o ofendido desse conta, embora merecesse. Telmo Martino escrevia três vezes por semana no “Jornal da Tarde”. Ansiosamente esperado pelas vítimas e pelos que gozavam o prazer de ver os próprios inimigos desmanchados por ele. Requinte: recebia telefonemas suplicantes de dondocas e afetados ávidos por serem retratados, bem ou mal.

Liberdade total: escreveu que a diva Irene Ravache estava gordinha. Edison Paes de Mello, chefe dele no caderno “Variedades” e marido dela, implorou: “Telmo, por favor, diga qualquer coisa sobre a Irene, assim ela para de me azucrinar.”. Escreveu: “La Ravache já está magrinha e pronta para ser a Olívia Palito em lugar de Shelley Duval e par romântico de Robin Williams, em ‘Popeye the Sailor.”. Ela adorou ser chamada de “La Ravache”...

E esta: “Ney Matogrosso fez show em uma prisão e conseguiu grande sucesso. Isso pode ser um precedente perigoso para os presidiários. Os entertainers que não conseguem plateias voluntárias podem começar a exigir plateia cativa.” (Vixe!). Elba Ramalho é a Gretchen do Agreste; a arquiteta Lina Bo Bardi, a última fã de Verônica Lake; FHC, o ‘sénateur mulâtre’. Tempos da geração “poncho-e-conga” e “barba-e-bolsa”. Salim Maluf e a colônia árbe enriquecida eram da turma "quibe e quilate".

Certa vez, os bairros da região dos Jardins, em São Paulo, amanheceram com outdoors, chamando Telmo de “A serpente dos Jardins”. Para um caderno especial sobre os EUA, acerca dos dez anos da conquista da Lua, o convidei para escrever um artigo, com seu ponto de vista sobre o Tio Sam:

-- O Gore Vidal aceitou, e você dividirá a página com ele!

-- Menino! Você acha que eu escrevo no mesmo jornal em que escreve Gore Vidal?

Uma derrota: disse que a atriz e produtora teatral portuguesa Ruth Escobar (das pessoas que mais fizeram pelo nosso teatro) foi obrigada pelo marido, um cenógrafo, a usar cinto de castidade, quando ele viajava. Telmo perdeu: “Como provar? Mas eu juro! É verdade! Eu juro!” Ela não exigiu dinheiro, “porque jornalista não tem”, mas quis retratação. Retratou-se e continuou jurando. Tempos depois, saiu "Maria Ruth - Uma Autobiografia", onde ela confessa a atrocidade daquele marido. Telmo não quis reparação: “É uma coitada.”

Ruth leva vida vegetativa, coitada, quase na penúria, vítima de Alzheimer, e da pele eternamente glabra, que lhe obriga a usar peruca desde sempre. Seu teatro, berço das revoltas dos artistas contra a ditadura militar (que jamais teve coagem de enfrentá-la), seu patrimônio e sua obra artística se desmancham diante dos inúteis nomeados para cuidar da cultura no Brasil. Dois gigantes, a ‘comunista autônoma’ e o colunista, eu juro!

Pregado no poste: “Sinto muito, mas ele viu o cinto!?”
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* É jornalista, trabalhou no jornal 'O Estado de S.Paulo' e assina uma coluna dominical no Correio Popular.   
E-mail: jequitis@uol.com.br 
Fonte:  http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/09/
Imagem da Internet: O jornalista carioca Telmo Martino, morto na madrugada desta terça (03/09/2013) no Rio - foto Folha de SP

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