domingo, 8 de setembro de 2013

No princípio, o jardim...

 Rubem Alves*
Era uma noite escura, sem lua. Num céu sem lua as estrelas brilham mais. Bem no meio do céu estava a constelação do Órion, o caçador, seu corpo cingido por um cinturão de três estrelas, as Três Marias, acompanhado dos seus cães, o Cão Maior e o Cão Menor. Sirius, a mais brilhante de todas as estrelas, brilhava na cauda do Cão Maior. De um lado, a constelação do Touro, com a estrela Aldebaran. Mais além as Plêiades, que a Cecília Meireles observava enquanto navegava:

“Muitas velas, muitos remos,
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos não se pode calcular.
Vimos as Plêiades; vemos agora a Estrela Polar.
Muitas velas, muitos remos.
Curta vida. Longo mar...”

A viagem da Cecília chegou ao fim. Agora, eu acho, ela ancorou seu navio nas Plêiades, ao lado da estrela do Pequeno Príncipe...

As estrelas são misteriosas. Pascal confessava sentir-se esmagado pelo seu silêncio. Essas mesmas estrelas que vemos foram vistas por homens e mulheres há milhares de anos. E elas continuam a brilhar, indiferentes.

Mestre Benjamin era um contador de estórias. Todos o amavam, especialmente as crianças que adoravam fazer perguntas. Sabem por que? Porque, ao invés de dar respostas às perguntas ele inventava estórias...

Naqueles tempos antigos as noites eram escuras e silenciosas. Somente as estrelas e a lua iluminavam os céus. E, na terra, ouvia-se o barulho do vento, o piar das corujas, o uivo de algum lobo...

De noite, nas tendas, ardiam as lâmpadas a óleo. Todos se reuniam na tenda do Mestre Benjamin para ouvir suas estórias.

A tenda do Mestre Benjamin estava cheia.

Uma menina que tinha estado a contemplar as estrelas levantou a mão e perguntou:

“Mestre Benjamin: Foi sempre assim ou as estrelas nasceram? Como foi que o universo começou?”

Mestre Benjamin fez silêncio. Seus olhos ficaram semi-cerrados, como se estivesse tentando ver algo que ninguém via. Depois de alguns minutos começou a falar. Sua voz era quase um sussuro.

“No Princípio, antes que qualquer coisa existisse,
antes que houvesse o Universo,
O que havia era a Poesia.
Deus era Poesia.
A Poesia era Deus.
Deus e a Poesia eram a mesma coisa.
E Deus criou as estrelas para, com elas,
Escrever seus poemas nos céus...”
(Prólogo do evangelho de João, paráfrase)

Os poetas sabem que tudo começa com a Palavra. Antes da Poesia o que havia era um abismo escuro e só se ouvia o ruído das águas do mar sem fim agitado por um vento furioso. Tudo era sem forma e vazio. Não havia beleza, não havia música e nem estórias...

Foi então que, de repente ouviu-se no meio do caos uma melodia: eram os sonhos adormecidos da matéria que viviam no fundo das águas e que acordavam do seu longo sono. E do fundo das águas lamacentas brotou a Lótus, a flor sagrada branca. E o caos, vendo a Lótus, ficou manso. A fúria se acalma diante da beleza. O mar ficou tranquilo. Ficou azul. O vento impetuoso tornou-se brisa. Da Lótus surgiu uma luz que espalhou pelo espaço as sete cores do arco-íris. E surgiram as galáxias, as estrelas, o Sol, a Lua. De noite brilhavam as estrelas. De dia brilhava o Sol. E entre o dia e a noite a Lua navegava pelo mar azul do céu.

Mas tudo era grande demais. E a Beleza não gosta de coisas grandes. Ela então formou esse pequeno lugar em que moramos, a Terra, para ali fazer sua obra mais bela: um jardim.
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* Educador. Escritor.
Fonte:  http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/09/08
Imagem da Internet

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