segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

"A Europa e o euro caminham para o suicídio"

Joseph Stiglitz é um militante contra as receitas de ajuste fiscal que propõem uma “desvalorização interna” pela via da diminuição de salários e da submissão dos devedores aos credores. Anos atrás, a Argentina padeceu esses males como nenhum outro país, situação que conseguiu superar a partir da aplicação de um conjunto de políticas econômicas de sinal oposto, como a recomposição da competitividade a partir de uma forte desvalorização, compensada com a expansão do gasto público e política de renda ao estilo keynesiano, e uma forte reestruturação da dívida externa que repartiu os custos da quebra.
Por isso, Stiglitz se tornou um defensor do modelo argentino. “Nos anos 90, foi o FMI que orientou a Argentina a aplicar as políticas de austeridade, com resultados desastrosos. Na Zona Euro não aprenderam a lição. Agora de novo, a Europa deveria prestar atenção ao crescimento argentino, que mostra que há vida depois da quebra”, explicou em uma conversa exclusiva com o jornal Página/12.
A primeira hora da manhã, um pouco antes de partir para o Chile, o Prêmio Nobel de Economia 2001, enquanto saboreava um abundante café da manhã americano ao ar livre com pão, ovos, bacon e frutas, abordou em profundidade a crise do euro, as saídas possíveis para as economias mais débeis, a incapacidade dos governos de Alemanha e França e das novas administrações de corte “tecnocrata” que surgiram na Itália e na Grécia. Stiglitz lembrou a reportagem que o Página/12 fez, em agosto, na cidade alemã de Lindau, onde ocorreu a conferência mundial de Prêmios Nobel de Economia. Admitiu que, em relação com aquela conversa, sua percepção a respeito da crise europeia tornou-se mais negativa. “A Europa e o euro caminham para o suicídio”, resumiu. Ele recomendou que a Grécia abandone a moeda comum.
Ele também destacou a relativa relevância do contexto internacional favorável para explicar o desemprenho econômico argentino, referiu-se à inflação e ao giro de rendimentos das multinacionais. Esta semana Stiglitz reuniu-se com a presidenta Cristina Fernández. “Tanto Néstor, quando tive a oportunidade de conhecê-lo, como Cristina, me pareceram duas pessoas muito interessantes. Ainda que ela seja mais passional”, relatou.

Página/12 – Você menciona que a “Argentina desta vez está fazendo melhor”. Qual a explicação para o bom desempenho da economia nacional e de outros países emergentes?
Joseph Stiglitz – Na Argentina, o fim do regime da convertibilidade e a quebra geraram um alto custo e um intenso período de queda. Logo depois a economia começou a crescer muito rápido, inclusive na ausência daquilo que muita gente considera ser as “melhores” práticas econômicas. Creio que a Argentina, o Brasil e a China adotaram políticas macroeconômicas muito boas, ao aplicar estímulos keynesianos bem desenhados, para alavancar a economia, diversificá-la e melhorar a situação do mercado de trabalho. Além disso, as regulações bancárias em muitos países em desenvolvimento são de melhor qualidade que as dos Estados Unidos e Europa. Em alguns casos, isso se deveu a que esses países já tinham atravessado grandes crises.

P12 – Qual o papel do contexto internacional favorável neste processo?
JS – Vocês se beneficiaram do contínuo crescimento econômico da China. Neste sentido, pode-se dizer que tiveram sorte.

P12 – Refere-se ao chamado “vento de popa”?
JS – Sim, mas para explicar o resultado final sem dúvida é preciso mais do que isso. A Argentina manteve o fluxo de crédito, desvalorizou sua moeda e impulsionou o investimento em saúde e educação. Também foi importante o crescimento do Brasil. Um fator fundamental, com certeza, foi a reestruturação da dívida, que de fato pode servir como guia em outros processos similares que estão ocorrendo agora na Europa. Essas políticas aplicadas, em conjunto, permitiram ao país começar a melhorar a elevada desigualdade de renda.

P12 – O superávit em conta corrente se reduz à medida que a economia cresce. Um fator que gera uma importante perda de divisas é a remessa de lucros e dividendos das empresas multinacionais. O que a Argentina poderia fazer para enfrentar essa tensão?
JS – Os lucros de algumas empresas tem origem em rendas de tipo monopolista, por causa da falta de competição. Para atacar isso, é preciso introduzir competição, de forma que a magnitude dessas rendas cais. Abrir os mercados pode gerar fortes retornos sociais. Provavelmente alguns dos problemas poderiam ser solucionados com mais competição. Depende muito do setor.

P12 – Em que medida os tratados bilaterais de investimentos que a Argentina assinou reduzem a margem de ação para regular as multinacionais?
JS – Muitas ações que podem ser tomadas em termos de regulação podem terminar em demandas judiciais, argumentando que foram introduzidas mudanças nos termos do contrato. É preciso sair desses acordos e, além disso, lutar nas cortes especializadas. A política econômica não deve ser ditada por esses convênios.

A CRISE EUROPEIA

P12 – Por que a crise se instalou na Europa e não se vislumbra uma saída?
JS – Creio que o problema fundamental é que a concepção geral da União Europeia foi errada. O Tratado de Maastricht estabeleceu que os países deveriam manter déficits baixos e uma proporção reduzida da dívida em relação ao PIB. Os líderes da UE pensaram que isso seria suficiente para fazer o euro funcionar. No entanto, Espanha e Irlanda tinham superávit antes da crise e uma boa proporção de dívida em relação ao PIB e, mesmo assim, estão com problemas. Alguém poderia pensar que, em função dos acontecimentos recentes, a UE teria se dado conta de que essas regras não eram suficientes. Mas seus líderes não aprenderam isso

P12 – A que se refere?
JS – Agora propõem o que chamam de uma “união fiscal”, que, na verdade, é só a imposição de maior austeridade. Reclamar austeridade agora é uma forma de assegurar-se que as economias colapsem. Creio que o esquema que a Alemanha está impondo ao resto da Europa vai conduzir à mesma experiência que a Argentina teve com o FMI, com austeridade, PIB caindo, magras receitas fiscais e, por isso, a suposta necessidade de reduzir mais o déficit. Isso gera uma queda em espiral, que conduz a mais desemprego, pobreza e aprofunda as desigualdades. O déficit fiscal não foi a origem da crise, mas sim foi a crise que acabou gerando o déficit fiscal.

P12 – Que papel desempenha o Banco Central Europeu neste processo?
JS – O BCE torna as coisas ainda mais complicadas, porque tem o mandato de preocupar-se somente com a inflação, quando, em troca, o crescimento, o desemprego e a estabilidade financeira importam muito mais agora. Além disso, o BCE não é democrático. Podem decidir políticas que não estão de acordo com o que os cidadãos querem. Basicamente, representa os interesses dos bancos, não regula o sistema financeiro de forma adequada e há uma atitude de estímulo aos CDS (Credit Default Swaps) que são instrumentos muito daninhos. Isso também é uma mostra que os bancos centrais não são independentes, mas sim são políticos.

P12 – Como explicar que Alemanha e França estejam empurrando os europeus para esse abismo?
JS – Creio que eles querem fazer as coisas corretas, mas têm ideias econômicas erradas.

P12 – Estão errados ou, na verdade, representam interesses de determinados setores?
JS – Creio que ambas as coisas. Por exemplo, é claro que estão colocando os lucros dos bancos acima das pessoas. Isso é claro para o caso do BCE, mas não creio que seja claro para Nicolas Darkozi ou Angela Merkel – presidente da França e chanceler de Alemanha, respectivamente. Creio que eles estão convencidos. Podem estar protegendo os bancos, mas o fazem porque acreditam que, se os bancos caem, a economia cairá. Por isso digo que tem um olhar errado, além do que não creio que estejam colocando os interesses dos gregos ou dos espanhóis no topo da agenda. Esse é outro problema, a falta de solidariedade. Eles dizem que não é uma “união de transferência de dinheiro”. De fato, o é, mas a transferência de dinheiro vai da Grécia para a Alemanha.

P12 – A união monetária é um problema em si mesmo?
JS – Sim, é um problema. Não há suficiente similitude entre os países para que funcione. Com a união monetária eles ficaram sem um mecanismo de ajuste, como é a modificação dos tipos de câmbio. É como ter importo um padrão ouro nessa parte do mundo. Se tivessem um banco central com um mandato mais amplo que contemplasse, além da inflação, o crescimento e o desemprego, com uma cooperação fiscal real e assistência através das fronteiras, então seria concebível o funcionamento da união monetária, e ainda assim seria difícil. No atual esquema, pode funcionar, mas com um enorme sofrimento de muita gente.

P12 – Que análise você faz da aparição de governos tecnocráticos, como o de Mario Monti, na Itália, ou o de Lucas Papademus, na Grécia?
JS – O principal problema é ter criado um marco econômico a partir do qual a democracia ficou subordinada aos mercados financeiros. É algo que Merkel sabe muito bem. As pessoas votam, mas se sentem chantageadas. Deveria se reformular o marco econômico para que as consequências de não seguir os mercados não sejam tão severas.

P12 – Em agosto, você disse que o euro não tinha que desaparecer. Qual é sua postura agora?
JS – Naquele momento eu era mais otimista. Pensava que os líderes iam se dar conta de que o custo de dissolver o euro era muito alto. Mas desde aquele momento, a confrontação com o mercado piorou e a incapacidade dos governos europeus tornou-se evidente. Em lugar de aprender com os erros, estão repetindo-os. Creio que realmente querem sobreviver, mas demonstraram falta de entendimento de economia básica, o que me faz ter mais dúvidas.

P12 – É possível ter um euro a duas velocidades, como alguns economistas propõem?
JS – Um euro a duas velocidades é uma das formas de ruptura do euro. Isso pode ser possível, a solução pode ser a criação de duas moedas com mais solidariedade entre elas. A moeda única contribuiu para o problema. Não era inevitável o estouro, mas aconteceu. Quando se reconhece que os mercados têm quotas de irracionalidade, talvez seja melhor manter mais autonomia monetária.

P12 – Você disse que a reestruturação da dívida é boa para as finanças públicas europeias e citou o exemplo da Argentina. Mas nosso país também desvalorizou. Acredita que a Grécia precisa adotar essa medida?
JS – Essa é a pergunta fundamental. A Grécia vai ter que reestruturar sua dívida, isso é algo que todos aceitam agora, ao contrário do que ocorria há um ano. Se tivessem encaminhado as coisas de outra maneira há dois anos, a reestruturação poderia ter sido evitada. Em troca, impuseram a austeridade. Agora, a pergunta é: dada a reestruturação, isso será suficiente para recompor o crescimento econômico? Acredito que a resposta, para a Grécia, é não. A menos que tenham algum tipo de ajuda externa, inclusive depois da reestruturação, estarão sob um regime de austeridade. Por isso o PIB vai cair ainda mais. Não há competitividade e há duas maneiras de consegui-la.
Uma é através de uma desvalorização interna, mas se os salários caem, a demanda cai mais ainda e torna mais fraca a economia. Por outro lado, se a Grécia sai do euro e desvaloriza, a transição será difícil e complexa, mas uma vez que o processo tenha acabado, o fato de a Grécia fazer limite com a União Europeia será um impulso para a recuperação. Novos bancos se instalariam e haveria mais comércio.
(Carta Maior)
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REPORTAGEM POR Tomás Lukin e Javier Lewkowicz, do Página/12

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