"Luto aqui contra o que me parece ser o principal perigo, pelo menos nos meios que freqüento, que é a idolatria do trabalho. Cuidado, todavia, para não cair no excesso inverso, que seria o desprezo e a rejeição a ele. Não gosto da preguiça, e tenho horror à apatia. Elas nos tentam? Certamente. Mas talvez menos do que se pensa. Quem dentre nós nunca sonhou em poder viver de rendas? (...) O amor à liberdade é mais forte que a aversão ao trabalho. O sonho de felicidade, mas inebriante que a ociosidade. O que enfada no trabalho é menos o esforço que a alienação, a exploração, o tempo perdido ou roubado. (...) O trabalho tomado em si mesmo não é uma virtude; mas o amor ao trabalho bem-feito, repetimos, é - por causa do amor, por causa do bem e por causa dos outros. É o contrário da negligência, da apatia, do laisser-aller, e já é uma maneira de resistir ao egoísmo. A solidariedade é uma grande coisa, mas não vale nada sem a responsabilidade de cada um. (...) A vida é que é boa, não o trabalho. O prazer, não o sofrimento. A liberdade, não a servidão. É por isso que se precisa do trabalho: para que a vida seja possível ou para que seja mais humana (Max: os homens só começam a se distinguir dos animais ao produzir os meios de sua própria existência), para que o prazer e a liberdade possam se desenvolver, bem como a cultura, a criatividade, a afetividade e o lazer... Portanto, nem idolatria ao trabalho, nem apologia da preguiça. O trabalho é apenas um meio, não um fim. (...) O trabalho é uma salvação só para os perdidos; é uma terapia só para os loucos. Para os outros, é o que deve ser: uma obrigação, uma necessidade quase sempre, uma disciplina com frequência e uma paixão às vezes, para os que gostam de seu ofício. Os que transformam o trabalho em felicidade têm muita sorte. Que não esqueçam, todavida, que é o amor que os salva, não o trabalho". (Apontamentos do Livro: A vida humana. André Comte-Sponville, Martins Fonte, SP, cap.Trabalhar, pg.57/63).