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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Nasceu o primeiro bebé com o ADN de três pessoas diferentes

John Zhang segura o bebé com o ADN de 3 pessoas diferentes ao colo
New Scientist
O primeiro bebé com código genético de 3 pessoas diferentes nasceu há cinco meses no México. A técnica permite a casais com doenças genéticas terem filhos saudáveis. Estamos a fazer bebés-Lego?

Tem cinco meses, é um menino e é o primeiro bebé do mundo a nascer com o código genético de três pessoas diferentes. Abrahim Hassan foi concebido através de uma “técnica revolucionária” de reprodução medicamente assistida que, confirma-se agora, permite a um casal com mutações genéticas raras terem um filho completamente saudável. As práticas já foram aprovadas legalmente pelo Reino Unido, o único país até ao momento a permitir este tipo de técnica de reprodução. A notícia está a ser avançada pela New Scientist.

Os nomes dos pais ainda não são conhecidos. Sabe-se que são naturais da Jordânia e que foram acompanhados por uma equipa médica norte-americana no México. Acontece que a mãe desta criança tinha genes responsáveis pela síndrome de Leigh, uma doença que afeta o sistema nervoso central. Os 37 genes que expressam esta síndrome estão presentes nas mitocôndrias (e não nos núcleos das células, como na restante cadeia de ADN), que são responsáveis por produzir a energia dos organismos e que, no momento da procriação, são fornecidos pela mãe (e apenas pela mãe) ao novo bebé.

Todas as células do corpo humano têm mitocôndrias. Mas no caso dos espermatozoides, as mitocôndrias estão presentes depois da cabeça, numa parte que por norma não fecunda o óvulo, sendo por isso desprezadas. É por isso que todas as mitocôndrias de qualquer ser humano são-nos dadas pela mãe.

Ora, esta mãe não tinha síndrome de Leigh. Para que alguém sofra de uma determinada doença não basta que tenha a informação genética referente à doença: o organismo tem de “ler” esses genes. Mas embora a mãe fosse saudável, ela já tinha passado os genes dessa mutação para os dois primeiros filhos do casal, que morreram ainda pequenos com síndrome de Leigh (porque, neles sim, os genes da mutação tinham sido “lidos” pelo organismo). Cansados, procuraram a ajuda de John Zhang, médico do Centro de Fertilidade “New Hope” em Nova Iorque, Estados Unidos, para gerar um filho saudável. E ele arranjou uma solução.

Em 2005, este casal deu à luz uma menina. Ao contrário da mãe, os genes da síndrome de Leigh da menina estavam ativos. A criança começou a ter problemas cerebrais, musculares e nervosos. Morreu aos seis anos. O segundo filho do casal também nasceu doente e sobreviveu apenas durante 8 meses.
A técnica chama-se “transferência pró-nuclear”, envolve a utilização dos óvulos de duas mulheres diferentes e o esperma de um homem. Os dois óvulos – da mãe e da dadora – são fertilizados pelos espermatozoides do pai. Antes ainda de se começarem a dividir em várias células no estágio inicial para formar um embrião, o núcleo dos dois ovos fertilizados foram retirados. O núcleo do óvulo fecundado materno foi então transferido para o óvulo fecundado da dadora – que tinha mitocôndrias com informação genética saudável. O bebé começou a desenvolver-se com o código genético do pai, da mãe e com a informação genética mitocondrial da dadora, que era saudável e não continha mutações.

Como o casal é muçulmano, John Zhang teve de mudar ligeiramente o procedimento. Usou uma “transferência nuclear de fuso”. Primeiro removeu os núcleos do óvulos maternos e colocou-os nos óvulos da dadora (já sem os seus núcleos originais). Os óvulos resultantes ficaram então com o ADN nuclear da mãe e com o ADN mitocondrial da dadora, tendo a seguir sido fertilizados com o esperma do pai. Dos cinco embriões que se começaram a desenvolver, apenas um se comprovou completamente saudável. Foi esse o escolhido para ser implantado na barriga da mãe. Nove meses depois, a 6 de abril de 2016, nasceu Abrahim Hassan.

Nos Estados Unidos, o procedimento de John Zhang é proibido porque experiências semelhantes feitas nos anos 90 deram origem a bebés com doenças genéticas. Foi por isso que a família e a equipa médica rumaram para o México onde “não há regras”, explicou Zhang à New Scientist. Lá estudaram as questões éticas ligadas ao assunto e chegaram a uma conclusão: esta criança tinha mesmo de ser um menino. Porquê? Porque como só as mulheres passam as mitocôndrias para os filhos, o facto de o bebé ser um homem significa que nunca passará qualquer parte de código genético para os seus descendentes. Desta vez a “receita” resultou porque, ao invés de se limitarem a injetar mitocôndrias saudáveis nos óvulos da mãe, os médicos isolaram o código genético danificado.

Nos anos 90, o médico Jack Cohen tentou um método semelhante. Ele expirou o citoplasma de um óvulo saudável de uma jovem, injetou-o num óvulo de uma mulher mais velha e depois fertilizou este último com o esperma masculino. O procedimento de “rejuvenescimento celular” resultou: há entre 30 e 50 pessoas que nasceram através deste método. Mas a prática foi proibida logo a seguir pelos Estados Unidos.

Apenas 1% do ADN mitocondrial de Abrahim Hassan tem informação genética da síndrome de Leigh: para se expressar, a mutação tem de estar presente em 18% dos genes do indivíduo, o que torna altamente improvável que o bebé venha a desenvolver a doença que bloqueia a habilidade motora e leva, em última instância, à morte.

Um bebé feito de Legos?

Ainda este ano, a cientista francesa Emmanuelle Charpentier veio revelar uma descoberta capaz de mudar o mundo. Especialista em microbiologia, genética e bioquímica, a investigadora confirmou a existência de uma “receita científica” para editar o material genético humano (inserindo novas portas, removendo-as ou substituíndo-as) através de “tesouras” chamadas nucleases, modificadas em laboratório. A vantagem de uma técnica como esta é que pode evitar a transmissão de doenças de geração em geração. Mas também significa outra coisa: podemos escolher as características das nossas crianças, desde aspetos físicos (cor de olhos, tom do cabelo, cor da pele) até a aspetos mentais, nomeadamente a inteligência.

Este não vai ser o caso de Abrahim Hassan, explica Teresa Almeida Santos, presidente da Sociedade Portuguesa das Ciências da Reprodução, ao Observador. A molécula de ADN presente nas mitocôndrias herdadas pelo bebé é mais simples e mais pequena do que a cadeia genética presente no núcleo das células e serve para sintetizar algumas proteínas necessárias à respiração celular, responsável por transformar as ligações químicas em energia. Em suma, o ADN mitocondrial não tem qualquer informação sobre as características físicas e psicológicas do indivíduo: essas são dadas exclusivamente pela informação genética guardada nos núcleos do pai e da mãe, portanto não haverá qualquer características da doadora das mitocôndrias em Abrahim Hassan: ela apenas doou a “central de energia” do organismo do bebé.

Procedimentos “não são complicados” e podem ocorrer em Portugal. No entanto, levantam sempre questões éticas. “Não é consensual porque não temos muita noção do que isto significa para a criança. Pode haver proteínas específicas do indivíduo que fiquem de alguma forma prejudicadas com este tipo de práticas”, conta-nos Teresa Almeida Santos. Mas estes foram receios que surgiram nos anos 90 e “já se passaram mais de vinte anos”. É preciso evoluir.
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Texto em português de Portugal.
Reportagem por  Marta Leite Ferreira
Fonte:  http://observador.pt/2016/09/27/nasceu-o-primeiro-bebe-com-o-adn-de-tres-pessoas/
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80 anos

Martha Medeiros•

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Certas idades cintilam mais do que outras. Os 15 marcam o fim da infância, os 30 não teriam tanta relevância não fosse Balzac e os irmãos Marcos e Paulo Sergio Valle, já os 40 nunca precisaram de livros e canções: eram donos absolutos do título "metade da vida", o momento de decidir se as escolhas feitas na juventude tinham fôlego para manter-se ou se era hora de mudar de rota. Isso antes de vivermos tanto. Hoje em dia, metade são os 50, numa existência (otimista) de 1 a 100. Todos acusam o golpe: fez 50, passou para o outro lado. 

Os 60 e 70 são marcantes também, por mais que esses números causem rebuliços na vaidade: como eu, me sentindo tão jovem, seja considerado de terceira idade? Como eu, com a cabeça tão boa, tenha os joelhos fracos e os olhos embaçados? Como eu, logo eu, tenha chegado até aqui sendo chamado de tio e tia se até ontem era um playboy, uma gatinha, um ser ainda valioso no mercado erótico? É quando começa o curto-circuito entre a jovialidade do espírito e a decadência do corpo, entre a jovialidade da mente e a decadência da vontade; aprendemos forçosamente a nos equilibrar entre o mais e o menos, entre o novo e o velho. Há que se ter maturidade para equalizar e extrair dessa passagem do tempo um diagnóstico positivo da experiência.

Até que se chega aos 80. É a idade (com margem de erro de dois pontos para mais e para menos) dos pais dos meus amigos, dos meus próprios pais e de inúmeras pessoas que admiro. E o que tenho visto é só celebração. Os 80 são motivo de festa, de orgulho e de uma espécie refinada de liberdade. Já não há mais tanta preocupação com o que os outros pensam, assume-se um pódio de chegada onde o troféu é olhar para trás e ser grato pela estrada percorrida, pelas conquistas profissionais, pela família constituída e pelos amores que nos tiraram o sono — para o bem e para o mal. Quem é que chega aos 80 sem nada para contar? Não há como não se ter uma biografia aos 80. Você pode se sentir vencido, mas venceu também. Foi além da expectativa do IBGE. E o prêmio é não precisar mais atender às demandas do mercado. 

Não tenho pressa nenhuma de atingir essa meta, sei que tem o lado perturbador, mas, sendo inevitável (aquela alternativa? não, obrigada), melhor render-se e desfrutá-la. Esta crônica é dedicada ao genial Luis Fernando Verissimo, um dos poucos ídolos que tenho — o outro é Woody Allen, rumo aos 81. Grandes homens que souberam honrar os anos vividos, que compartilharam conosco sua inteligência, humor e cultura, e que nos fazem perder o medo de chegar lá: onde tantos temem a aridez e a improdutividade, ainda há terreno fértil, esperança e futuro.
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* Jornalista. Escritora.
Fonte:  http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/martha-medeiros/noticia/2016/09/80-anos-7594657.html#
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terça-feira, 27 de setembro de 2016

A coragem da liberdade de ser

Roberto Romano durante conferência na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros no IHU 
(Fotos: Ricardo MAchado/IHU)

 A política, ressalta Romano, é o jogo das paixões. No fundo, o que mobiliza politicamente os sujeitos é muito menos as racionalidades e muito mais os afetos.

Ao contrário do dilema shakespeariano sobre o ser, que partia de uma dúvida existencial do âmago do sujeito, a contemporaneidade impôs um elemento novo à questão: a coragem. “Quem tem coragem de ser indivíduo? Como pode existir coragem em uma sociedade absolutamente violenta com pobres, negros, homossexuais e mulheres? Vivemos em um sistema de dominação que nos instiga às paixões mais tristes”, provoca o professor e pesquisador Roberto Romano, diante de uma plateia de mais de 80 pessoas na noite da segunda-feira, 26-9-2016, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU.

Roberto Romano apresentou a conferência Reinvenção do espaço público e político: o individualismo atual e a possibilidade de uma democracia da igualdade e dos afetos. O evento integra a programação da quarta edição do Ciclos de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum. 

A transmutação do infame em normal

Dono de um discurso teoricamente preciso, Roberto Romano, não poupa expressões fortes quando se trata de descrever o comportamento social. “As pessoas têm horror a políticos e à política, mas quase se masturbam quando veem o Big Brother Brasil - BBB. As pessoas têm gozo quando um sujeito é eliminado do reality show. É a sublimação da fofoca. O BBB desperta as paixões horríveis, que transforma em normal o infame” critica.

Democracia spinoziana

Se o desafio de construção de uma sociedade democrática no século XVII era grandioso, nem mesmo todo processo moderno de civilização nos quatro séculos posteriores foi capaz de facilitar tal tarefa, dado que o verniz de nossas democracias não resiste a poucas décadas. “O regime democrático para Spinoza é aquele que dispensa salvadores. É a força dos peixes pequenos unidos contra o peixe o grande. Se não se tem força física para opor a força física do tirano, infelizmente, não se pode mudar nada. A pressuposiçao da uniao dos corpos individuais é fundamental para a democracia”, explica Romano. “A democracia como aquele lugar onde todos se entendem e conversam tranquilamente não existe. Em uma democracia os homens continuam desejando o mando, tendo inveja, tendo ódio. O que ocorre é que há a possibilidade de se unir indivíduos para relativizar essa paixões”, complementa.

Paixões e Política

Para Spinoza a democracia era o único sistema político natural. Ele partia de uma visão teológica, muito particular à época, para justificar a existência política humana. “Se Deus é uma substância infinita com infinitos atributos, nós só conhecemos dois deles: a extensão (o corpo) e o pensamento. Portanto, para Spinoza qualquer um que quisesse controlar os pensamentos e os corpos estaria indo contra Deus”, esclarece Romano.

O argumento de Spinoza vinha a calhar em um momento que, apesar do Renascimento e do princípio da fratura entre Estado e religião, a Inquisição ainda fazia suas vítimas. Além disso o filósofo propôs uma leitura da política que permanece original nos dias atuais. “Nós não podemos pensar a política como se reuníssemos uma série de pensamentos. A política é uma reunião de corpos, corpos que têm desejos, afetos. Essas paixões pessoais não podem ser extraídas de nossos corpos e quando nos reunimos em sociedade”, avalia. “É irrealista que a política seja fundada no pensamento e que possamos ignorar que somos corpos que desejam. Se esquecermos esses aspectos, fracassamos”, destaca Romano. 

“Se não imaginamos os desejos – inveja, ódio, alegria, amor sexual, vontade de ganho, vontade de poder – estamos pensando em termos utópicos. Muitas vezes sublimamos esses desejos em coisas bonitas, mas que não correspondem ao que de fato pensamos. Quando se tem a disputa pelo poder, mesmo o sujeito que se diz apolítico está experimentando coisas”, propõe.

Jogo das paixões

A política, ressalta Romano, é o jogo das paixões. No fundo, o que mobiliza politicamente os sujeitos é muito menos as racionalidades e muito mais os afetos. “A partilha dos afetos que vai formar a multidão de que trata Spinoza pode ser destrutiva ou construtiva. Podemos transformar o sentimento de amor em ódio. Nesse sistema, todo indivíduo é pedra fundamental, não existe possibilidade de se pensar um todo sem as individualiades. Ele é elemento capital”, descreve o conferencista. “O que assistimos a partir do século XIX é a emergencia de uma técnica de vida chamada 'individualismo' e isso se casa muito bem com o capitalismo, mas essa tese não tem nada a ver com o individualismo proposto por Spinoza”, explica.

Da subversão à domesticação

Na prática o que ocorre nas sociedades marcadas pelo individualismo é que a união de forças contra o soberano torna-se uma tarefa muito difícil. “Apenas quando há fatos muito violentos se gera um movimento social mais coeso, mas logos os indivíduos se separam. A união das individualidades ocorre, porém, em pequenos grupos em que os indivíduos se organizam em torno de pautas comuns e a pessoa passa a assumir a identidade do movimento”, frisa. “A partir do momento em que as pessoas passam a fazer parte de um movimento – LGBT, negro, feministas etc – elas precisam se submeter às regras daquela comunidade. É um movimento que se insurge contra as regras das sociedades impondo novas determinações e quem foge dessas identidades é um traidor”, complexifica Romano. 

Ética

De acordo com o professor, quando se fala em ética no Brasil as pessoas tendem a imaginar que a “ética” é uma coisa boazinha, feita por intelectuais, mas que a ética vista desde o ponto de vista de Spinoza é capaz de revelar seu caráter conservador, como resultado não de um pensamento puro, mas de costumes. “Há costumes negativos que se tranformam em éticas, uma forma reiterada de agir que se impõe aos outros e que se acha bom, mas que para outras pessoas é ruim. Vejamos a o caso da Alemanha nazista, em que milhões gritavam Heil Hitler e isso era ético”, relembra.

A coragem como liberdade

Ser não é, simplesmente, uma questão de existir biologicamente. Ser pressupõe a liberdade, que é algo natural à espécie humana, mas ser livre na vida social exige a coragem de ter liberdade de pensamento. “Falemos o óbvio. Para ter liberdade de pensamento é preciso, primeiro, pensar. Se você pensa a propaganda, se você pensa o desejo do outro, você não está pensando”, provoca Romano. “Pensar pode ser capaz de levar alguém à solidão. Levantar-se contra o senso comum é um trabalho de lucidez muito difícil e muitas vezes mortal. Mas continua sendo a única forma de sermos livres”, provaca Romano.

Quem é Roberto Romano


Roberto Romano

Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Cursou doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales - EHESS, França. Escreveu, entre outros livros, Igreja contra Estado. Crítica ao populismo católico (São Paulo: Kairós, 1979), Conservadorismo romântico (São Paulo: Ed. UNESP, 1997), Moral e Ciência. A monstruosidade no século XVIII (São Paulo: SENAC, 2002), O desafio do Islã e outros desafios (São Paulo: Perspectiva, 2004) e Os nomes do ódio (São Paulo: Perspectiva, 2009).
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Fonte:  http://www.ihu.unisinos.br/560494-a-coragem-da-liberdade-de-ser - 27/09/2016
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segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O Cristo cósmico:uma espiritualidade do universo

Leonardo Boff*
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        Uma das buscas mais persistentes entre os cientistas que vem geralmente das ciências da Terra e da vida é pela da unidade do Todo. Dizem: “precisamos identificar aquela fórmula que tudo explica e assim captaremos a mente de Deus”. Esta busca vem sob o nome de “A Teoria da Grande Unificação” ou “A Teoria Quântica dos Campos” ou, pelo pomposo nome de “A Teoria de Tudo”. Por mais esforços que se tenham feito, todos acabam se frustrando ou como o grande matemático Stephan Hawking, abandonando, por impossível, esta pretensão. O universo é por demais complexo para ser apreendido por uma única fórmula.

         Entretanto, pesquisando as partículas sub-atômicas, mais de cem, e as enegias primordiais, chegou-se a perceber que todas elas remetem àquilo que se chamou de “vácuo quântico” que de vácuo não possui nada porque é a plenitude de todas as potencialiades. Desse Fundo sem fundo surgiram todos os seres e o inteiro universo. É representado como um vasto oceano sem margens, de energia e de virtualidades. Outros o chamam de “Fonte Originária dos Seres” ou o “Abismo alimentador de Tudo”.

         Curiosamente, cosmólogos como um dos maiores deles, Brian Swimme, denomina-o de o Inefável e o Misterioso (The Hidden Heart of the Cosmos, 1996) Ora, estas são carcaterísticas que as religiões atribuem à Última Realidade que vem chamada por mil nomes, Tao, Javé, Alá, Olorum, Deus. O Vácuo pregnante de Energia se não é Deus (Deus é sempre maior) é a sua melhor metáfora e representação.

         O fundamental não é a matéria mas esse vácuo pregnante. Ela é uma das emergências desta Fonte Originária. Thomas Berry, o grande ecólogo/cosmólogo norte-americano, escreveu: “Precisamos sentir que somos carregados pela mesma energia que fez surgir a Terra, as estrelas e as galaxias; essa mesma energia fez emergir todas as formas de vida e a consciência reflexa dos humanos; é ela que inspira os poetas, os pensadores e os artistas de todos os tempos; estamos imersos num oceano de energia que vai além da nossa compreensão. Mas essa energia, em última instância, nos pertence, não pela dominação mas pela invocação”(The Great Work,1999, 175), quer dizer, abrindo-nos a ela.

         Se assim é tudo o que existe é uma emergência desta energia fontal: as culturas, as religiões, o próprio cristianismo e mesmo as figuras como Jesus, Moisés, Buda e cada um de nós. Tudo vinha sendo gestado dentro do processo cosmogênico na medida em que surgiam ordens mais complexas, cada vez interiorizadas e interconectadas com todos os seres. Quando acontece determinado nível de acumulação dessa energia de fundo, então ocorre a emergência dos fatos históricos e de cada pessoa singular.

         Quem viu esta gestação de Cristo no cosmos foi o paleontólogo e místico Teilhard de Chardin(+1955), aquele que reconciliou a fé crista com a ideia da evolução ampliada e com a nova cosmologia. Ele distingue o “crístico” do “cristão”. O crístico comparece como um dado objetivo dentro do processo da evolução. Seria aquele elo que une tudo com tudo. Porque estava lá dentro pôde irromper, um dia na história, na figura de Jesus de Nazaré, aquele por quem todas as coisas têm sua existência e consistência, no dizer de São Paulo.

         Portanto, quando este crístico é reconhecido subjetivamente, se transforma em conteúdo da consciência de um grupo, ele se trasnforma em “cristão”. Então surge o cristianismo histórico, fundado em Jesus, o Cristo, encarnação do crístico. Daí se deriva que suas raízes derradeiras não se encontram na Palestina do primeiro século, mas dentro do processo da evolução cósmica.

         Santo Agostinho escrevendo a um filósofo pagão (Epistola 102) intuíu esta verdade: ”Aquela que agora recebe o nome de religião cristã sempre existia anteriormente e não esteve ausente na origem do gênero humano, até que Cristo veio na carne; foi então que a veradeira religião que já existia, começou a ser chamada de cristã.”

         No budismo se faz semelhante raciocínio. Existe a budeidade (a capaciade de iluminação) que vem se forjando ao longo do processo da evolução, até que ela irrompeu em Sidarta Gautama que virou Buda. Este só pôde se manifestar na pessoa de Gautama porque antes, a budeidade, estava lá no processo evolucionáro. Então virou o Buda, como Jesus virou o Cristo.

         Quando esta comprensão vem internalizada a ponto de transformar nossa percepção das coisas, da natureza, da Terra e no Universo, então abre-se o caminho para uma experiência espiritual cósmica, de comunhão com tudo e com todos. Realizamos por esta via espiritual o que os cientistas buscavam pela via da ciência: um elo que tudo unifica e atrái para frente.

* Leonardo Boff é articulista do JB on line e escreveu O Evangelho do Cristo cósmico, Record 2010. Teólogo. Imagem da Internet - Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com/2016/09/23/o-cristo-cosmicouma-espiritualidade-do-universo/

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O afastamento do mundo e a busca da solidão resvalam em valores positivos

Luiz Felipe Pondé*




"Quando analisamos o comportamento de luxo em propaganda, a busca de isolamento e solidão, e, portanto, um certo "desprezo" pelas redes sociais e pelo mundo, sempre aparece como índice de elegância."

Quando você estiver lendo esta coluna estarei nalgum lugar dos Cárpatos, quase plenamente desconectado do mundo. Desde que conheci a Romênia, a Transilvânia e a cadeia de montanhas que a rasga de ponta a ponta, os Cárpatos, me apaixonei pelo país.

Seu povo, seu cenário, seu isolamento por centenas de anos, sua agonia com os comunistas, seu sofrimento ancestral sob o jugo dos turcos otomanos. País de mistérios e crenças sobrenaturais, a Romênia é mesmo um lugar de beleza ainda não devastada pelos bárbaros em férias.

Lugar ideal para quem quiser experimentar um pouco de distanciamento da vida imediata e corrida de sempre, cercado de construções medievais quase intocadas, os Cárpatos propiciam muito daquele tipo de paz que muitos buscam, mas poucos encontram.

A solidão e o isolamento é tema ancestral na espiritualidade. No cristianismo, por volta do século 2, já temos indícios claros de homens e mulheres que buscavam o isolamento em montanhas e desertos a fim de lá enfrentarem seus demônios na busca de Deus. Esses homens e mulheres ficaram conhecidos como "monachoi", os monges do deserto.

Apesar de sermos uma espécie social e gregária, a ideia de que a solidão "cura" de algum modo é persistente ao longo dos milênios, associada ou não a conteúdos religiosos de fato. Hoje em dia, nas grandes cidades, milhares de pessoas optam por viver sozinhas, porque, simplesmente, a vida "em conjunto" exaure suas forças.

Imersos numa rede infernal de conexões, muitos de nós identificam a "recusa" do celular e das redes sociais como indício de autenticidade. Em que pese o alto índice de modismo presente em tudo que existe num mundo como o nosso -em que o marketing, passo a passo, se torna a "ciência primeira", como a ontologia (ciência do ser) era pra Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), e, portanto, nada seja autêntico, na medida em que existe uma contradição profunda entre marketing e autenticidade-, a busca de "desconexão" é verdadeira em muitos casos, devido ao cansaço que sentimos em ficarmos ligados 24 horas, sete dias por semana ("twenty four seven", como dizem os americanos).

Quando analisamos o comportamento de luxo em propaganda, a busca de isolamento e solidão, e, portanto, um certo "desprezo" pelas redes sociais e pelo mundo, sempre aparece como índice de elegância. Por que o afastamento do mundo, um certo desprezo por ele, a busca da solidão, sempre resvala num valor positivo de algum modo?

As épocas são distintas, os problemas podem mudar, mas a ideia de que o mundo engana atravessa os séculos. Os exemplos são muitos, dos monges nas mais variadas religiões aos ativistas do Global Strike (proposta de desconexão das redes por alguns minutos e o compartilhamento do relato do que se fez nesses instantes de desconexão), passando pelo isolamento romântico, todos se cansam em algum momento.

Entre tantos exemplos, apontaria o estoicismo como um dos casos mais bem argumentados a favor do engano do mundo e do valor positivo da "fuga mundi".

O estoicismo é uma filosofia que floresceu na Grécia por volta do século 3 a.C. e chegou a Roma, tendo o imperador Marco Aurélio (121 d.C.-180 d.C.) como um dos seus maiores luminares. A ética estoica buscava a consciência de que tudo na vida é efêmero e enganoso, quando negamos essa mesma efemeridade. Permanente apenas o logos, esse princípio divino, para muitos, materializado na natureza ou no cosmo. O estoico buscava fugir da cidade e viver próximo à natureza porque esta não engana, enquanto aquela abriga a mentira, a vaidade, o culto ao vazio.

"Tudo está morrendo, menos o logos presente na natureza", isso aprendemos ao convivermos com a natureza. A "pronoia", a "providência" que tudo faz acontecer e tudo ordena, nos ensina que a humildade diante do cosmo é a forma sábia de viver. A arrogância da crença em si mesmo, a vaidade da técnica, a ilusão do social, são formas enganosas, que a prática da solidão combateria.

Num mundo do sucesso e do glamour como o nosso, nunca será pouco buscar a fuga deste mesmo mundo.
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião, ciência. Escreve às segundas.
 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/09/1816756-o-afastamento-do-mundo-e-a-busca-da-solidao-resvalam-em-valores-positivos.shtml
Foto: Ricardo Cammarota/Folhapress
Postado por Zelmar Guiotto às 08:35 Nenhum comentário:

Boa noite, Cinderela

Ladislau Dowbor*
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Fraudes. Propinas para políticos. Manipulações. Um estudo devastador sobre o sistema financeiro revela como, 
por trás dos anúncios cheios de pessoas felizes, 
os bancos sugam a riqueza social

Resenha do artigo:
Overcharged: the high cost of high finance
de Gerald Epstein e Juan Antonio Montecino, The Roosevelt Institute, Juho de 2016

–

Às vezes precisamos de um espelho. Com o grau de deformação ideológica dos argumentos quando se trata da realidade brasileira, é bom dar uma olhada como todo o debate sobre o resgate do sistema financeiro está se dando no resto do mundo. Não somos uma ilha, e muito menos o nosso sistema financeiro, ainda que aqui algumas deformações sejam muito maiores. Hoje já não podemos ignorar o sólido acervo de pesquisas, que deslancharam após a crise de 2008, e que mostram a que ponto o sistema financeiro se distanciou dos seus objetivos iniciais de financiar o investimento e o crescimento econômico. Aqui apresentamos a excelente pesquisa de Epstein e Montecino sobre o sistema americano, organizando as ideias chave, e este espelho gera um impressionante efeito de ver na imagem refletida a sombra dos nossos dramas. 

O estudo de Epstein e Montecino oferece uma visão de conjunto do impacto econômico da intermediação financeira, tal como funciona nos EUA. O sistema não só não fomenta a economia, como a drena. O título, Cobrando demais: o alto custo da alta finança, já diz tudo, e pela primeira vez temos aqui uma visão sistêmica e integrada do quanto custa à economia americana uma máquina financeira que se agigantou e se deformou radicalmente. Hoje não fomenta a economia, pelo contrário, inibe-a, gerando mais custos do que estímulo produtivo. A pesquisa faz parte de um conjunto de iniciativas do Roosevelt Institute, que tem como economista chefe Joseph Stiglitz, prêmio “Nobel” de economia, e que já foi economista chefe do governo Clinton e do Banco Mundial.
Esta pesquisa tem muita importância para nós no Brasil, pois o sistema financeiro internacional funciona aqui a pleno vapor, e a cultura da intermediação financeira não varia muito entre a City de Londres, Wall Street ou o sistema de usura que se implantou no Brasil. Hoje existe uma cultura financeira global. No nosso caso, o desajuste fica evidente quando constatamos que em 2015 o PIB recuou de 3,8%, enquanto no mesmo período o lucro declarado do Bradesco aumentou em 25,9%, e o do Itaú aumentou em 30,2%. A máquina financeira está vivendo às custas da economia real. Nosso sistema de intermediação financeira não serve a economia, dela se serve. É produtividade líquida negativa. Ajuda, e dá confiança às nossas pesquisas aqui no Brasil, esta constatação lapidar do próprio Stiglitz: “Enquanto antes as finanças constituíam um mecanismo para colocar dinheiro nas empresas, agora funcionam para extrair dinheiro delas.”i

Há pessoas que têm dificuldade em imaginar um grande banco internacional achacando os seus clientes, e imaginam que nos EUA as coisas seriam sérias, quanto mais na Europa. É preciso aqui lembrar algumas coisas óbvias. Por fraude com milhões de clientes, o Deutsche Bank foi condenado em setembro de 2016, pela justiça americana, a uma multa de 14 bilhões de dólares (uma vez e meia o orçamento anual do Bolsa Família, que tirou 50 milhões de pessoas da miséria, só para dar uma ordem de grandeza dos tamanhos das fraudes bancárias). É bom lembrar que um banco tão sério como Citigroup já foi condenado a pagar US$ 12 bilhões (fechou por US$ 7 bilhões), Goldman Sachs está pagando $ 5,06 bilhões, JPMorgan Chase&Co está pagando US$ 13 bilhões, o Bank of America US$ 16,7 bilhões. Os crimes são dos mais diversos tipos, desde fraude nas informações aos clientes até falsificações dos mais diversos tipos, depenando clientes, enganando o fisco, falsificando informações sobre taxas de juros e semelhantes.ii

Todos ouviram falar da financeirização, mas poucos se dão conta da profundidade da deformação generalizada dos processos econômicos, sociais e ambientais que resultam da migração dos nossos recursos do fomento econômico através de investimentos, para ganhos improdutivos através de aplicações financeiras. Inclusive, os bancos e a mídia chamam tudo de “investimento”, parece mais nobre do que aplicação financeira ou especulação. A revista Economist até inventou a expressão “speculative investors” e Stiglitz sente-se obrigado a se referir a “productive invesments” para diferenciar. Mas não há como escapar desta realidade simples: quando você compra papéis, eles podem render, mas você não produziu nada. E abrir uma empresa, contratar trabalhadores, produzir e pagar impostos é mais trabalhoso do que por exemplo aplicar em papéis da dívida pública. O primeiro estimula a economia, o segundo gera rendimentos sem contrapartida, e a partir de um certo nível torna-se um peso morto sobre as atividades econômicas em geral.

Voltando ao artigo de Epstein e Montecino, em termos de funcionalidade econômica os autores se referem a uma “spectacular failure”: “Um sistema financeiro saudável é aquele que canaliza recursos financeiros para investimento produtivo, ajuda as famílias a poupar para poder financiar grandes despesas tais como educação superior e aposentadorias, fornece produtos tais como seguros para ajudar a reduzir riscos, cria suficiente quantidade de liquidez útil, gere um mecanismo eficiente de pagamentos, e gera inovações financeiras para fazer todas estas coisas úteis de forma mais barata e efetiva. Todas estas funções são cruciais para uma economia de mercado estável e produtiva. Mas depois de décadas de desregulação, o sistema financeiro atual dos EUA se tornou um sistema altamente especulativo que falhou de maneira bastante espetacular em realizar estas tarefas críticas.”(1)

Do lado das alternativas, é resgatar o sistema de regulação, reestruturar o sistema para que sirva a economia e não dela se sirva apenas, e gerar sistemas alternativos de intermediação financeira para que as pessoas voltem a poder ter escolha: “Esses custos excessivos das finanças podem ser reduzidos e o setor financeiro pode de novo jogar um papel mais produtivo na sociedade. Para alcançá-lo, precisamos de três enfoques complementares: melhorar a regulação financeira, aproveitando o que a [lei] Dodd-Frank já conseguiu; uma reestruturação do sistema financeiro para que sirva melhor as necessidades das nossas comunidades, pequenos negócios, famílias, e entidades públicas; e alternativas financeira públicas, tais como bancos cooperativos e bancos especializados, para equilibrar o jogo.” (3)

Como foi se deformando o sistema financeiro, que atualmente impõe enormes custos para a economia real, obrigada a sustentar uma imensa superestrutura especulativa? “Mostramos como a indústria de gestão de recursos (assets) cobra taxas excessivas e traz retornos medíocres para as famílias que buscam poupar para a aposentadoria; como empresas privadas de gestão de ações se apropriam de níveis excessivos de pagamentos dos fundos de pensão e outros investidores enquanto frequentemente penalizam os salários e oportunidades de emprego dos trabalhadores nas empresas que compram; como os fundos especulativos (hedge funds) apresentam mau desempenho; e como emprestadores predatórios exploram algumas das pessoas mais vulneráveis da nossa sociedade. Olhando desta maneira desde abaixo, podemos ver de forma mais clara como os níveis de excessos de cobrança (overcharging) que identificamos no nível macro se organizam de maneira prática.” (3)
O resultado prático é que os trilhões de dólares captados pelo sistema de intermediação financeira e os diversos fundos representam em termos líquidos um dreno para a economia americana. Este sistema, como no Brasil, representa uma produtividade negativa, e gera ganhos líquidos sem contrapartida produtiva correspondente: “Assim, as finanças têm operado nestes últimos anos um jogo de soma negativa. Isto significa que nos custa mais do que um dólar transferir um dólar de riqueza para os financistas – significativamente mais. Por isso, mesmo que você pense que os nossos financistas merecem cada centavo que conseguem, sairia muito mais barato simplesmente enviar-lhes um cheque todo ano do que deixá-los continuar a tocar os negócios como sempre.”(4)

Bancos pequenos e médios nos EUA continuaram a desempenhar as suas atividades de commercial banking, mas dez gigantes passaram a dominar o sistema financeiro, concentrando-se em outros produtos, essencialmente especulativos. Este grupo dominante, segundo a pesquisa, concentrou-se “em novos produtos e práticas ligadas à crise financeira – inclusive securitização, derivativos e comércio proprietário (proprietary trading), tudo financiado por empréstimos de muito curto prazo.”(10) A oligopolização é aqui central, apoiada não só na não-transparência dos produtos, como no seu poder político de obter subsídios (o que, no Brasil, a taxa Selic elevada). Trata-se “do poder monopolístico ou oligopolístico que as instituições financeiras podiam exercer por meio de produtos financeiros não transparentes, bem como da facilidade de acesso a volumes maciços de capital por causa dos subsídios devidos à sua condição de ‘grandes demais para quebrar’”.(19)

Segundo os autores, os numerosos bancos menores nos EUA terminam sendo tributários destes gigantes: “Os grandes bancos de Wall Street estão no epicentro do sistema financeiro. Como resultado, praticamente todos os aspectos dominantes das finanças que discutimos até aqui – hedge funds, ativos privados, créditos predatórios, mercado hipotecário e o chamado sistema de ‘bancos das sombras’ (shadow banking) – todos estão ligados até certo ponto com os grandes ‘core banks’.” Por sua vez, estes grandes bancos passam a exercer um poder político que torna qualquer reforma pouco viável: “No caso da reforma financeira, o poder que o setor financeiro exerce sobre o processo político tem sido uma força com a qual é difícil lidar.”(41)

Esta pirâmide de poder, tanto sobre o conjunto do sistema financeiro, envolvendo até os pequenos bancos comerciais locais ou regionais, como sobre o processo decisório político que deveria permitir a regulação, permitiu a estruturação de uma máquina que extrai recursos da economia de maneira desproporcional relativamente ao seu aporte produtivo. “Precisamos enfatizar o fato que na nossa análise, estamos estimando os custos líquidos (ênfase dos autores) do nosso sistema financeiro: os custos que ultrapassam de longe o que um sistema financeiro eficiente deveria custar à sociedade. As rentas financeiras medem quanto a mais os clientes e pessoas que pagam impostos têm de pagar aos banqueiros para ter direito aos serviços (benefícios) que recebem. Os custos de má alocação medem os custos de termos um crescimento econômico menor do que teríamos se as finanças tivessem uma dimensão otimizada e funcionassem de maneira eficiente. Estes custos são líquidos no sentido de que o cálculo reconhece que o sistema financeiro cria benefícios significativos, mas que estes benefícios seriam maiores se o sistema operasse em escala correta e de maneira correta. Finalmente, os custos da crise financeira constituem um custo líquido no sentido de que medem quanta produção foi perdida relativamente ao que seria possível se não tivéssemos tido a crise financeira.”(14)

O conceito de custo líquido do sistema financeiro é muito útil, pois envolve diretamente a questão da produtividade sistêmica das finanças de um país. Para o Brasil, considerando os custos da crise 2015/2016, da qual o sistema financeiro foi a causa principal, podemos igualmente calcular o custo sistêmico. No caso americano, os autores consideram que “precisamos incorporar os custos das crises financeiras associadas com a especulação excessiva e as atividades econômicas destrutivas que são agora bem compreendidas, no sentido de terem sido chave na crise econômica recente.” (16) A diferença é que nos EUA se reconhece as raízes da crise financeira de 2008, enquanto aqui se atribui a crise ao ridículo déficit fiscal, de menos de 2% do PIB. O rombo na realidade é criado pelo nível surrealista de juros sobre a dívida pública, a taxa Selic, que só no ano de 2015 significou uma transferência de 501 bilhões de reais, 9% do PIB, dos nossos impostos para os grupos financeiros.iii

O conceito de renta financeira (financial rent) é importante, e o próprio conceito de “renta”, diferente de renda, tem de ser introduzido nas nossas análises no Brasil. O fato é que a “renta” como forma de acesso aos recursos sem a contribuição produtiva correspondente ajuda a entender o processo (no Brasil, curiosamente, utilizamos a expressão “rentismo” mas não existe ainda o conceito de “renta”). Em inglês se distingue claramente o mecanismo produtivo que gera a renda (income) e a aplicação financeira que gera “renta” (rent). Em francês é igualmente clara a diferença de “revenu” e “rente”, respectivamente. Não há como entender por exemplo os trabalhos do Piketty sem esta distinção. Segundo os autores, “no caso das finanças modernas, as rentas vêm em duas formas básicas: uma é o pagamento excessivo feito aos banqueiros – top traders, CEOs, engenheiros financeiros e outros empregados de bancos e outras instituições financeiras com altas remunerações; a outra forma são os lucros excessivos, ou retornos muito acima dos retornos de longo prazo que são distribuídos aos acionistas como resultado dos serviços financeiros providenciados por uma empresa.” Os ganhos financeiros deste tipo agigantam-se a partir dos anos 1990. (17, 19)

Os custos destas atividades rentistas que travam as atividades econômicas em vez de promovê-las, têm de ser suportados pela sociedade: “O custo das finanças para a sociedade não é apenas o resultado de transferências de renda e riqueza da sociedade como um todo para as finanças; há custos adicionais se a mesma finança mina a saúde da economia para as famílias e os trabalhadores.”(22) Uma citação interessante trazida pelos autores é a de James Tobin, já em 1984: “Estamos jogando um volume cada vez maior dos nossos recursos, inclusive a nata da nossa juventude, em atividades financeiras distantes da produção de bens e serviços, em atividades que geram retornos privados elevados sem proporção com a sua produtividade social.”

Tobin foi um dos primeiros a constatar esta deformação sistêmica da intermediação financeira.(23) Tenho encontrado esta citação em outros textos, pois é muito relevante, inclusive pelo uso do conceito de “produtividade social”, ou seja, utilidade para a economia e a sociedade em geral, e não apenas para o banco ou outro grupo que desempenha uma atividade. O conceito de SROI – Social Return on Investment – começa também a ser utilizado mais amplamente. No nível pessoal, inclusive, muitos profissionais começam a se perguntar se, independentemente de quanto ganham, a atividade que desempenham é socialmente útil. E quando é claramente nociva, surgem as contradições e as crises existenciais, como estudado por exemplo no excelente Swimming with Sharks, de Luyendijk, focando os altos funcionários da City de Londres.iv Não são aqui divagações filosóficas, as pessoas querem cada vez mais que os seus esforços façam sentido.

A realidade é que o desvio dos recursos das atividades produtivas para ganhos especulativos trava o conjunto da economia, mas a indignação fica restrita pela simples razão que o sistema é extremamente opaco. Os autores aqui são conscientes desta dificuldade, e aproveitam para mostrar que diversas pesquisas sobre os sistemas financeiros convergem pra as mesmas conclusões: “Os sistemas financeiros privados de maiores dimensões podem ser associados com ‘finanças especulativas’, trading em maior escala, e um setor pouco associado ao fornecimento de crédito à ‘economia real’. Como argumenta Stiglitz, estes sistemas financeiros podem se orientar para a extração de recursos da economia real, e não para colocar mais recursos na economia real (ver também Mason, 2015). Este tipo de sistema financeiro pode muito bem se orientar para investimentos de curto prazo (Haldane, 2011) e empregar o que William Lazonick chama de estratégia de “desinvestir e distribuir” em vez de “reter e reinvestir”, o que significa que mais recursos são extraídos das empresas não-financeiras. Esta orientação deve também reduzir o crescimento da produtividade e o investimento, e em consequência o crescimento econômico.”(23)

O texto de Mason mencionado, também excelente leitura, constata que “as finanças já não são um instrumento para colocar dinheiro em empresas produtivas, mas em vez disto para delas tirar dinheiro.”(3) Segundo o autor, nos anos 1960 e 1970 cada dólar de ganhos e crédito suplementares levava a um aumento de investimentos da ordem de 40 cents. Desde os anos 1980 leva a um aumento de apenas 10 cents. É uma mudança radical em termos de produtividade das aplicações financeiras. Segundo Mason, “isto resulta de mudanças legais, administrativas e estruturais que são a consequência da revolução dos detentores de ações nos anos 1980. No modelo administrativo anterior, mais dinheiro que entra numa empresa – por vendas ou por crédito – tipicamente significava mais dinheiro colocado em investimento fixo. No novo modelo dominado pelo rentismo, mais dinheiro que entra significa mais dinheiro saindo para as mãos de detentores de ações sob forma de dividendos e recompra de ações.”(Mason,1)v Como os dividendos são pouco taxados pelo sistema tributário – o que foi conseguido pela capacidade de pressão política – o círculo da financeirização e da riqueza não produtiva se fecha.

O novo sistema de intermediação financeira gerou também uma massa de advogados, conselheiros, contadores, gestores de fundos e semelhantes, todos ávidos maximizar os retornos e os bônus correspondentes. “Os serviços de gestão de riqueza cresceram de um universo de 51 empresas administrando US$ 4 bilhões, em 1940, para mais de US$63 trilhões em riqueza (assets) com mais de 11 mil consultores e quase 10 mil fundos mútuos registrados com o SEC em 2014”. (41) Para efeitos de comparação, lembremos que o PIB mundial de 2014 é da ordem de US$ 75 trilhões. Esta massa de profissionais gerou por sua vez um cluster importante de poder, com forte influência, em particular, no conjunto da comunicação financeira na grande mídia, que apresenta quase que exclusivamente a visão dos interesses dos grandes grupos financeiros.

No nosso caso brasileiro não dispomos de estudos correspondentes sobre a estrutura de intermediação e de poder político que estes interesses geram, capaz de atropelar qualquer tentativa de reduzir os seus lucros. Mas é evidente que quando o governo Dilma tentou reduzir os juros absurdos (tanto sobre a dívida pública como para pessoas jurídicas e pessoas físicas) em 2013, partiram para a guerra total. O fato é que o mundo financeiro e os rentistas reagiram em bloco, movimento por sua vez aproveitado por diversas esferas de oportunismo político. O paralelo com os Estados Unidos é neste sentido interessante, quando se viu os imensos recursos públicos que o governo transferiu para os bancos a partir de 2008. Não é só aqui que o sistema financeiro se tornou a força política maior.

Como foi que chegamos a este nível de deformação do sistema financeiro, que já foi tão essencial para os processos produtivos e hoje os trava? Os autores identificam cinco mecanismos: “Como no caso da maior parte das finanças, as chaves para rentas excessivas obtidas pelas empresas financeiras e traders são: 1) a opacidade, frequentemente criada de maneira deliberada, por meio de excesso de complexidade, falta de transparência (disclosure), ou mais diretamente informação enganosa que é facilitada pelo frágil marco regulatório; 2) elevada concentração do mercado dentro de linhas específicas de negócios levando a que haja pouco competição; 3) subsídios governamentais de vários tipos, inclusive resgates (bailouts), impostos subsidiados, facilidade nas regras contábeis, e vantagens legais criadas por arranjos legislativos, administrativos ou legais; 4) retirada de provisões públicas que geram um mercado aberto para as finanças e torna a população vulnerável a todos esses canais com excessos de renda e de retornos; 5) regulamentação fiduciária fraca que permite que floresçam conflitos de interesses.”(35)

A parte de baixo da sociedade é a que sustenta o maior choque desta reorganização:
“As famílias recebem informações falsas e caras por parte de conselheiros que têm um incentivo para enganar (mislead) e que podem fazê-lo graças a um ambiente legal e regulatório permissivo.” (36) Isto por sua vez gera o aprofundamento das desigualdades: “Práticas e rendimentos financeiros têm contribuído muito para a desigualdade de renda e de riqueza nos EUA nas recentes décadas. Além disso, algumas práticas financeiras contribuem para a criação e manutenção da pobreza. Em nenhum lugar estas conexões entre finanças, desigualdade e pobreza são mais aparentes do que na provisão de serviços bancários para os pobres e para famílias em dificuldades financeiras.”(40) Aqui, o paralelo com os juros extorsivos nos crediários e nos bancos no Brasil é evidente, sendo que no nosso caso, com juros de três dígitos, as distorções são simplesmente muito mais escandalosas.

Para os autores, a necessidade de uma profunda reorganização do sistema financeiro torna-se óbvia: “De forma geral, para enfrentar as questões aqui levantadas, referentes aos enormes custos do nosso sistema financeiro corrente, precisamos de três abordagens complementares: regulação financeira, reconstrução financeira, e alternativas financeiras…Para atingir estes objetivos, precisaremos provavelmente de uma nova lei Glass-Steagall para eliminar a rede de segurança social de que gozam as atividades financeiras altamente especulativas, limites mais estritos quanto à alavancagem e tamanho dos bancos de forma a dividir (break up) as instituições financeiras maiores e mais perigosas, e uma regulação mais rigorosa para limitar quanto se paga por estas atividades de alto risco.”(43/43)

E temos a consequente reformulação dos objetivos do sistema financeiro, para que volte a ser útil (e não mais prejudicial) para a economia e para a sociedade: “Nosso sistema financeiro precisa ser reestruturado de forma que sirva melhor as necessidades das nossas comunidades, pequenos negócios, famílias, e entidades públicas, tais como municípios e estados. Eliminar os subsídios dos bancos ‘grandes demais para quebrar’ ajudará a abrir espaço para instituições financeiras menores e mais orientadas para as necessidades das comunidades; no entanto, é pouco provável que isto permita gerar um número suficiente de instituições financeiras para apoiar as necessidades das nossas comunidades. Como resultado, é provável que necessitemos de um número maior de alternativas financeiras: bancos públicos, bancos cooperativos, e bancos especializados tais como os green banks e bancos para infraestruturas”.(43)

Os avanços deste tipo de pesquisas nos Estados Unidos reforçam a necessidade de procedermos ao estudo do fluxo financeiro integrado no Brasil, buscando o resgate da função econômica da intermediação financeira nas suas diversas dimensões.
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i Stiglitz, Rewriting the Rules of the American Economy, pode ser encontrado na íntegra em http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2015/06/report-stiglitz.pdf
ii O Guardian de 16 de setembro de 2016 traz um pequeno resumo, veja aqui ; no Financial Times é assunto cotidiano, como por exemplo é o caso de manipulações atingindo 2 milhões de clientes por parte do banco Wells Fargo, noticiado na edição de 20/09/2016 do FT e reproduzido no Guardian da mesma data.
iii Ver o nosso estudo correspondente do sistema financeiro no Brasil, em Resgatando o potencial financeiro do país: http://dowbor.org/2016/08/ladislau-dowbor-resgatando-o-potencial-financeiro-do-pais-versao-atualizada-em-04082016-agosto-2016-47p.html/ .
iv Joris Luyendijk – Swimming with sharks – Guardian Books, London, 2015 http://www.theguardian.com/business/2015/sep/30/how-the-banks-ignored-lessons-of-crash
v J.W. Mason –Disgorge the Cash – Roosevelt Institute, 2015 – http://rooseveltinstitute.org/wp-content/uploads/2015/09/Disgorge-the-Cash.pdf
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* Ladislau Dowbor é professor de economia nas pós-graduações em economia e em administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e consultor de várias agências das Nações Unidas. Seus artigos estão disponíveis online em http://dowbor.org
 Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/boa-noite-cinderella/24/09/2016
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domingo, 25 de setembro de 2016

A poeta Matilde Campilho e a cronista Maria Ribeiro se encontram em Lisboa


Bate-papo. Portuguesa Matilde Campilho e brasileira Maria Ribeiro têm encontro marcado em Lisboa
Foto: Fernando Eichenberg 

 Bate-papo. Portuguesa Matilde Campilho e brasileira Maria Ribeiro têm encontro marcado em Lisboa - Fernando Eichenberg

Portuguesa e brasileira falam sobre redes sociais, exibicionismo e intimidade na literatura

por Fernando Eichenberg*

LISBOA - Uma é carioca, atriz, documentarista e cronista, tem 40 anos, assume ser vaidosa e adora as redes sociais. A outra é portuguesa, poeta, 33 anos, evita a exposição e não tem Instagram. A primeira, Maria Ribeiro, viajou do Rio a Lisboa para o lançamento da edição portuguesa de sua compilação de crônicas “Trinta e oito e meio” (lançada no Brasil pela editora Língua Geral). A segunda, Matilde Campilho, vive em Lisboa após uma temporada de três anos no Rio (de 2010 a 2013), está na quinta edição lusitana de sua primeira obra de poemas, “Jóquei” (ed. Tinta da China; no Brasil, o livro foi lançado pela editora 34), e mediará, em novembro, na cidade do Porto o debate “Você é o que lê”, que terá a participação de Maria Ribeiro. O GLOBO reuniu as duas em Lisboa para uma conversa sobre aquilo que as une: a paixão pela escrita.

Maria, você já disse que lançou seu livro quase “pedindo licença” para entrar no mundo literário. Matilde, você demorou até poder dizer “eu sou poeta”. Hoje, vocês são escritoras assumidas. Como foi isso?
Matilde: Fui aprendendo devagar que a literatura não é um país, não se precisa de um documento para entrar. Tem a ver com o que a gente aprende desde criança. A poesia que aprendemos na escola, tanto no Brasil como em Portugal, era pesada, séria. E quanto mais eu lia, mais sentia que o que tinha para dizer não era uma novidade. E se não tinha novidade para dizer, por que haveria de escrever? Devagarinho, distraidamente, quando relaxei, fui escrevendo, e o livro aconteceu quase por acaso. Não precisava ter tido aquele medo todo e nem uma coisa nova e genial. E, apesar da minha posição contra tanta exposição nas redes sociais, as pessoas estão lendo muito hoje. Vejo apenas uma coisa grave: estamos perdendo a caligrafia.

Maria: Hoje, eu me acho cronista. Desde pequena quis ser escritora. Queria escrever minha redação e ir lê-la na frente da sala de aula. Queria ter feeedback instantâneo. Comecei a fazer teatro acidentalmente, como quem faz balé ou inglês, e foi dando certo. Como atriz dizia que queria ser como a Charlotte Gainsbourg. Quando comecei a dirigir, queria ser a Sofia Coppola. E quando quis publicar meus escritos, me perguntei: “Caraca, quem quero ser?”. Não tinha um modelo.

Matilde, você começou a ler poesia, “que não era algo muito normal”, por volta dos 20 anos de idade. Para vocês, ler poesia hoje se tornou mais normal ou ainda menos?
Matilde: Acho que as pessoas, hoje em dia, querem coisas mais curtas. Estão acostumadas com haikus, haikais, Twitter, Facebook, Instagram. Acho que é o medo das palavras “poeta” e “poesia” que não deixa as pessoas chegarem ao outro lado. E, quando chegam, percebem que não há lado de lá nem de cá, é tudo o mesmo. Uns de uma maneira mais lírica, outros de forma concreta, mas a poesia é muito feita de dia a dia. Há uma geração que pode fazer como o Frank O’Hara, que começa um poema com uma Coca-cola, até uma poesia superelaborada. O ser humano é feito de praticidade e de eterno. Temos esta eterna confusão de sermos seres concretos e sonhadores, para além do que se vê... quase para citar Los Hermanos.

Maria: Acho que esse medo da palavra poeta e da poesia é um pouco culpa do que aprendemos na escola. Acho que não rolou um update. Continuamos lendo os mesmos poetas. Acho chatos os poetas românticos, quero algo que fale de 2016 de alguma forma. Ao mesmo tempo, temos sempre de olhar para a palavra como se a estivéssemos vendo pela primeira vez. Quando se lê Manoel de Barros, por exemplo, a gente sente esse encantamento pela palavra. A Matilde é a ABL do Baixo Gávea, e acho que a poesia precisa do Baixo Gávea, do bar, da rua. Você fez um bem enorme à poesia.

Como é Matilde por Maria e Maria por Matilde?
Maria: Acho que a Matilde tem a pureza do Manuel Bandeira, de uma poesia que me representa. Ela coloca as coisas graves com uma delicadeza, como se não fosse nada, e isso me toca profundamente. Ela não parece uma poeta, você olha e acha que ela vive na praia. Acho que ela é brasileira e eu sou portuguesa. Tenho horror a praia.

Matilde: Eu li isso nas suas crônicas, você reza para chegar o inverno. Quase fiquei anotando as coisas que nos diferem. As suas crônicas são muito pessoais, né? A gente fica sabendo muitas coisas sobre você. E o ritmo na escrita demonstra que provavelmente é o seu ritmo na vida. Você não tem medo de falhar, e acho isso maravilhoso. Isso é uma humildade aliada a uma ternura. Fiquei feliz em te ler. É desempoeirado.

Vocês percebem um aumento recíproco de interesse literário entre Brasil e Portugal?
Maria: Estou lendo “Jerusalém”, do Gonçalo M. Tavares. Valter Hugo Mãe está arrebentando no Brasil.

Matilde: Por aqui também acontece isso. A internet, as feiras literárias ajudam. Muita gente no Brasil já sabe quem é o Ricardo Araújo Pereira, nós aqui sabemos quem é o Gregorio Duvivier. E pelas novas gerações as pessoas buscam outros autores.

Como vocês se posicionam no mundo de hoje?
Matilde: Por um lado, é tenebroso viver nesta época, mas há o lado bom de que a maioria das pessoas tem uma voz.

Maria: Sou otimista. Ao mesmo tempo em que fico muito preocupada com a onda conservadora na Europa e triste com o que está acontecendo no Brasil, pois o impeachment foi uma porrada na nossa democracia, as pessoas estão indo para a rua, e isso é muito novo.

Vocês são muito diferentes…
Matilde: Quando lanço o que escrevi para o mundo, quase sempre é 90% ficção. É uma mistura da minha intimidade com as minhas leituras, os meus passeios na rua, que gera um ser sem nome.

Maria: Sou o oposto, uma egotrip absoluta. Mas a segurança que você fala que tenho não é verdade. Tenho 40 anos, fui ficando mais segura. No início, morria de medo, e acho muito legal quem escreve menos sobre si. Não consigo. Quando juntei as crônicas e as li de uma vez, pensei: “Isso é pior do que sair na “Caras” dentro da banheira”.

Vocês duas se expõem de forma diferente...
Matilde: Estamos vivendo num mundo tão rápido, de internet, de vídeo, em que as pessoas precisam ver tudo. Por isso é bom ler em público. O fato de eu estar ali ajuda, porque a presença do ser humano que mexe as mãos, que produz som, é algo que chama, como faz o cinema, a música.

Maria: Tenho muito mais fascinação pela obra quando não sei do autor. O que mais tenho medo é de perder o mistério. Eu me exponho tanto, e conforme as pessoas vão tendo uma ideia a respeito do que eu sou, quero mudar. A Matilde não tem Instagram. Tenho inveja das pessoas que não têm Instagram. Eu gosto daquela merda, preciso me comunicar.

Matilde: Mas é que eu gosto muito da vida aqui fora. Fora dessa representação.

Maria: Não, Matilde. Estou me esforçando muito para ser inteligente aqui para você. Não existe verdade. É como um documentário, um recorte da vida pelo cara que está com câmera.

Matilde: O bom da vida é que não tem edição.
 
Maria: Sou contra, acho que a vida tinha que ter replay, para poder modificar. A análise para mim é replay.

Matilde: Mas o maravilhoso da análise é que ela não ensina a apagar nada. Ensina a dar um passo atrás. É como olhar um quadro com o nariz encostado nele. Está vendo? Não. Então chegue um pouco para trás.
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* Especial para O GLOBO
Fonte:  http://oglobo.globo.com/cultura/livros/a-poeta-matilde-campilho-a-cronista-maria-ribeiro-se-encontram-em-lisboa-20174793 25/09/2016
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Michel Maffesoli :'Não pode desperdiçar energia juvenil com valores saturados', diz sociólogo.

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Michel Maffesoli durante sua palestra no Educação 360 - Luiz Ackermann / Agncia O Globo
 
No Educação 360, Michel Maffesoli afirma que pós-modernidade é a era do afeto
por Bruno Alfano*

RIO — O sociológo francês Michel Maffesoli abriu o segundo dia do Educação 360, neste sábado, descrevendo uma era dos afetos. Na avaliação dele, a era moderna chegou ao fim em meados do século XX junto de seus paradigmas. O individualismo dá lugar à “pessoa plural”, à crença no presente sai de cena para a valorização do presente, e o racionalismo cai diante do sentimento. Esse é, para ele, o “espírito coletivo” da pós-modernidade. O encontro internacional que recebeu o professor da Universidade de Sorbonne é realizado pelos jornais O Globo e "Extra", em parceria com o Sesc. O evento, que acontece na Escola Sesc de Ensino Médio, em Jacarepaguá, tem apoio da Coca-Cola Brasil, da TV Globo e do Canal Futura.

— O que está em jogo na contemporaneidade é a diversidade, em todos os setores: cultural, sexual, religiosa. O século XIX buscava reduzir tudo a um, diminuir as diferenças. Não podemos mais. A imagem atual é como um mosaico. Existe uma coerência no todo, porém cada peça mantém sua própria configuração. Um policulturalismo. Pode haver uma harmonia a partir das diferenças, uma harmonia conflituosa — afirmou o pensador.

O centro da fala de Maffesoli são as formas de socialização. Segundo o autor, a educação é o processo de tirar a criança da barbárie e inseri-la na civilização, e isso funcionou bem para a modernidade. Mas não mais. Na avaliação do sociólogo, a história do mundo não é linear ou progressista — Maffesoli critica a ideia de que a humanidade saiu de um ponto de barbárie para um ponto de progresso. Segundo ele, a história do mundo é pendular.

— Para lembrar a etimologia da palavra, "época" significa, em grego, parênteses, que se abre e fecha. Estamos fechando o parênteses da época moderna e abrindo a pós-modernidade — explica: — Quando há mudanças de época, existe um processo de saturação. A saturação é um conceito proposto por um sociólogo americano que usa o exemplo da saturação química. Ele mostra que, em certo ponto, as moléculas que formam um corpo não podem mais ficar juntas. Existe, então, uma destruição desse corpo e, ao mesmo tempo, essas mesmas moléculas vão entrar em outro corpo, uma recomposição. O fim de um mundo não é o fim do mundo.

CRISE NA SOCIEDADE

nesse ponto de reconstrução, na avaliação dele, que estamos vivendo. Há, inclusive, o desafio de nomeá-la com exatidão. Segundo o sociólogo, chamamos isso de crise. Não só econômica, mas social. A explicação de Maffesoli é a de que cada época tem um imaginário específico. Um clima, por assim dizer. E também uma “atmosfera mental” diferente.

Na modernidade, explica o professor da Sorbonne, o homem era centrado no indivíduo – aliás, para Maffesoli, é o conceito de individualidade, que nasce no século XIX, a fundação dessa era. Nesse momento, a Reforma Protestante traduz a Bílbia para as línguas profanas e prega a valorização do trabalho — antes, associado à desonra. A crença num futuro melhor — a ideia de que o mundo é um terreno de transição – e a dialética em alta ainda criaram outras duas marcas dessa época: a postergação do gozo (ou seja, a valorização do que vem depois) e o racionalismo (a crença absoluta na razão).

— Esses três aspectos constituem a paranoia modena, que também chamo de paranoia educativa. Paranoia significa um pensamento que vem do alto, que vai se impor. Isso me parece saturado, mas ainda existe. Não acredito que podemos desperdiçar energia juvenil com esses valores. Os astrofísicos nos explicaram que ainda vemos a luz de uma estrela muito depois dela morrer. Vivemos essa situação. A grande paranoia moderna, que contribuiu para coisas lindas, está saturada e não nos demos contas.

A hipótese de Maffesoli é de que, com a pós-modernidade, a forma como socializamos nossas crianças não seja mais baseada na educação, mas sim no conceito antropológico de iniciação – “com outra palavra, talvez”, ressalta —, como numa volta ao passado das tribos.

— O desafio é como vamos mobilizar a energia dos jovens sem castrá-la demais. A gente vai acentuar os imaginários coletivos, sonhos, ideais, fantasias. Existem nessas jovens gerações uma coisa que vai acentuar as emoções vividas em comum, dos afetos e sentimentos — analisa: — As tribos são formadas por compartilhamentos de gostos, não de ideias. Um gosto sexual, musical, esportivo. Não estamos mais enclausurados no eu mestre de mim mesmo, mas em primeiro lugar privilegiamos a tribo onde eu vivo.

Outra mudança, segundo o pensador, é a do tempo. O presente passa a ser mais valorizado. O aqui é agora, como ele diz. O trabalho perde valor para o sentido de criação. Na visão de Maffesoli, o sonho agora é transformar a própria vida em obra de arte. Há, segundo ele, ainda uma relação entre essa valorização do presente com o culto ao corpo.

— Não sentimos mais, como (Sigmund) Freud afirmou sobre a modernidade, o postergamento do gozo, mas agora é o repatriamento do gozo. O correlato é a importância do corpo, que se veste, e a musculação. Presenteismo é como eu chamo a importância do corpo.

FIM DO RACIONALISMO

Por fim, a passagem da modernidade marca o fim do racionalismo. Na avaliação de Maffesoli, os seres pós-modernos acentuam o sentimento, as vibrações espirituais e artísticas. A palavra é sintonia, ou seja, estar no tom com os outros humanos. É, para o autor, uma ética da estética.

— Está se construindo um cimento ético a partir das emoções e do compartilhamento dos afetos. Essa ética da estética é que vamos encontrar nas diversas esportes, arte. As apostas são colocadas não mais na independência, mas na interdependência. E, para mim, isso é que vai constituir a ordem pós-moderna.

Na visão do especialista, ou a escola passa por essas transformações ou será extinta. Para ele, são as mudanças de paradigma da época que explicam a necessidade do fim da verticalização da educação. É por isso, explica Maffesoli, que os alunos pós-modernos (que estão nas salas de aula hoje) precisam ser ouvidos.

— A minha proposta é dizer que o oposto da paranoia vertical é o nascimento de um saber juvenil que temos que compor e acompanhar, saber que isso vai reinvestir, reutilizar e reintegrar todo uma série de parâmetros, como o lúdico, que está sendo colocado de lado. Entre corpo e mente não há mais separação.

*Do "Extra" autorização.
-----------------
Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/educacao-360/nao-pode-desperdicar-energia-juvenil-com-valores-saturados-diz-sociologo-20173871 24/09/2016
Postado por Zelmar Guiotto às 22:00 Nenhum comentário:
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