segunda-feira, 21 de outubro de 2024

A sabedoria é uma virtude, mas como julgamos se alguém a tem?

Por Maksim Rudnev e Igor Grossmann

Photo of six people sitting on a bench in a waiting area appearing bored or pensive.

Ilustração de Clayton Junior Studio

Nossa equipe explorou quem é considerado sábio em culturas com tradições filosóficas contrastantes. Os resultados nos surpreenderam

Imagine que você está enfrentando uma decisão que altera a vida. Você foi oferecido uma oportunidade de emprego única na vida no exterior, mas isso significa deixar para trás seu parceiro que não pode se mudar. Dividido entre suas aspirações de carreira e seu compromisso com o relacionamento, você começa a se perguntar qual seria a maneira mais sábia de tomar tal decisão. Você deve abordar o dilema com uma mente fria e pesar todos os prós e contras de maneira analítica e lógica, ou seria mais sensato sintonizar seus sentimentos e tomar uma decisão alinhada com seu coração? Além disso, qual dessas maneiras de lidar com o dilema seus amigos e familiares perceberiam como sábios?

A velha questão do que constitui a sabedoria tem intrigado grandes mentes durante séculos. De filósofos gregos antigos como Aristóteles, que enfatizaram o valor do raciocínio lógico, a sábios chineses como Confúcio, que priorizavam o caráter moral e a harmonia social, a busca da sabedoria tem sido um esforço humano universal. No mundo complexo de hoje, onde muitas pessoas enfrentam desafios ambientais, econômicos ou sociais sem precedentes e decisões difíceis, a busca por sabedoria permanece tão relevante como sempre.

Como criaturas sociais, os seres humanos muitas vezes olham para os outros em busca de orientação e inspiração. Escutamos os líderes que admiramos, os mentores que nos guiam e nossos parceiros que nos apoiam. Indivíduos sábios servem como um contraste com os imprudentemente; eles são aqueles que escolhemos seguir, votar e se esforçam para se tornar. Quando confrontados com um dilema difícil semelhante ao cenário de abertura, as pessoas muitas vezes se voltam para os modelos que consideram exemplos de sabedoria. Eles podem se perguntar: “O que Jesus faria?” ou, brincando, “O que Beyoncé diria?”

Mas o que exatamente faz a sabedoria? Em outras palavras, quais características as pessoas percebem como centrais para um julgamento sábio – e isso varia em todo o mundo? Para responder a essa pergunta, nós e um grande grupo de colegas de todo o mundo realizamos um estudo envolvendo 2.707 participantes de 16 grupos culturais, incluindo populações tão diversas e distantes como Marrocos e Peru, Japão e Eslováquia, índia e Canadá. Apresentamos-lhes retratos verbais de 10 indivíduos – incluindo um cientista, um político e um professor – e pedimos-lhes que comparassem esses alvos uns com os outros e com eles mesmos, com base em 19 maneiras de lidar com uma situação complexa em que não havia respostas certas ou erradas.

Nossas descobertas revelaram uma semelhança surpreendente na forma como as pessoas ao redor do mundo percebem a sabedoria.

Por exemplo, os participantes compararam “Dr. Morgan, um cientista que reúne informações sobre plantas, animais e pessoas para dar sentido ao mundo” com “Alexis, um professor que educa crianças de 12 anos sobre história e literatura locais”. Eles decidiram quem era mais propenso a “pensar antes de agir ou falar”, “pensar logicamente”, “considerar a perspectiva de outra pessoa” (e outras 16 maneiras de lidar com situações complexas) ao tentar fazer uma escolha difícil; então, eles classificaram a sabedoria de cada um desses indivíduos e de si mesmos. Analisamos todas essas comparações para elaborar as dimensões ocultas em que os participantes confiaram para julgar as ações e sentimentos dos 10 caracteres hipotéticos; e então calculamos o peso que eles deram a essas dimensões ao inferir a sabedoria desses personagens.

Nossas descobertas revelaram que, quando as pessoas fazem julgamentos sobre sabedoria, elas estão essencialmente ligando a sabedoria a duas dimensões-chave que chamamos de orientação reflexiva e consciência socioemocional. A orientação reflexiva é provavelmente o que vem à mente quando você pensa sobre uma pessoa “inteligente”: envolve lógica, racionalidade, controle sobre as emoções e a aplicação de experiências passadas. Imagine um cientista brilhante que passa todo o seu tempo no laboratório estudando os mistérios do Universo, analisando cuidadosamente dados e tirando conclusões baseadas em evidências. Este indivíduo exemplifica o aspecto reflexivo da sabedoria.

Por outro lado, a consciência socioemocional envolve cuidar dos outros, escuta ativa e a capacidade de navegar em situações sociais complexas e incertas. Imagine um professor compassivo que não apenas transmite conhecimento, mas também leva tempo para entender as necessidades e desafios únicos de cada aluno, adaptando-se de forma flexível às suas necessidades. Este professor encarna a dimensão sócio-emocional da sabedoria.

Descobrimos que as duas dimensões estão intimamente relacionadas, e as pessoas pensam sobre ambos ao determinar se rotulam como um personagem como sábio. Nossos participantes classificaram os personagens hipotéticos como os mais sábios quando pontuaram alto em ambas as dimensões.

Também nos perguntamos como as atitudes das pessoas em relação a essas dimensões da sabedoria podem variar entre as culturas. Estudos psicológicos antropológicos e culturais há muito sugerem suggestedque a sabedoria está profundamente enraizada em normas e valores culturais específicos. Muitos pesquisadores têm enfatizado as diferenças entre as concepções de sabedoria “oriental” e “ocidental”. O presumido coletivismo da cultura chinesa, por exemplo, é frequentemente atribuído às tradições confucionista e taoísta, que dão grande importância à consciência social e contextual. Em contraste, o individualismo das culturas ocidentais está frequentemente ligado a um foco no pensamento analítico proveniente de antigos filósofos gregos e romanos, bem como os ideais intelectuais do Iluminismo. Consequentemente, parecia simples supor que a dimensão de consciência socioemocional que identificamos estaria mais intimamente associada à sabedoria dos participantes do Oriente global, enquanto a dimensão de orientação reflexiva seria priorizada por aqueles no Ocidente.

Em vez disso, nossas descobertas revelaram uma semelhança surpreendente na forma como as pessoas ao redor do mundo percebem a sabedoria em si mesmas e nos outros, com ambas as dimensões-chave recebendo uma ponderação semelhante em todas as culturas. Achamos que essa semelhança provavelmente está enraizada na necessidade de avançar e na necessidade de se dar bem, que alguns estudiosos se referiram referredcomo necessidades humanas fundamentais. A frente envolve reconhecer quem é competente e tem a agência para fazer as coisas acontecerem – qualidades que se alinham com a dimensão de orientação reflexiva da sabedoria. Conhecer requer habilidades relacionadas à dimensão de consciência socioemocional da sabedoria.

As pessoas estão dispostas a reconhecer suas imperfeições cognitivas, mas acreditam que se destacam em empatia.

Parte do nosso estudo também envolveu pedir aos nossos participantes que classificassem sua própria sabedoria em comparação com os personagens hipotéticos. Isso revelou um viés interessante na autopercepção que também estava presente entre as culturas. As pessoas geralmente reconheciam suas próprias limitações cognitivas, classificando-se mais baixas em orientação reflexiva do que os indivíduos mais sábios. No entanto, eles tendiam a se ver mais social e emocionalmente consciente do que a maioria dos outros. Em outras palavras, eles estavam dispostos a reconhecer suas imperfeições cognitivas, mas acreditavam que se destacavam em empatia, comunicação e consciência do contexto social.

Este grau de coerência transcultural surpreendeu-nos novamente. Pesquisas anteriores sugeriram que uma visão excessivamente favorável da consciência socioemocional é uma característica das culturas ocidentais, mas em nossos dados esse viés de autopercepção estava presente em várias culturas, incluindo aquelas tipicamente descritas como não-ocidentais, como na China, India, Japão e Marrocos. Isso novamente desafia alguns dos estereótipos persistentes que as pessoas têm sobre o Leste vs Oeste e Sul vs Norte.

Propomos que esse viés universal na autopercepção decorre de diferenças no feedback que recebemos na vida cotidiana sobre nós mesmos em relação às duas dimensões da sabedoria. É muito mais difícil preservar um senso inflado das qualidades reflexivas e analíticas de alguém, porque as séries escolares e os resultados da carreira constantemente nos forçam a calibrar nossas auto-opiniões. No entanto, quando se trata de nossa consciência socioemocional, há menos formas de feedback objetivo que nos obrigam a ajustar uma opinião inflada. Imagine um gerente impopular que acredita que ele é atencioso e acessível porque ele tem uma “política de portas abertas” – mesmo que ele ouça um comentário negativo ou dois, pode ser mais fácil ignorá-los ou minimizá-los do que ignorar um fracasso no exame ou rejeição do trabalho.

Enquanto navegamos em nossos dias ocupados, vale a pena todos nós tomarmos um momento de vez em quando para refletir sobre nossa própria sabedoria. Temos agido com sabedoria suficiente? Como podemos equilibrar a razão com a empatia em nossas vidas? De muitas maneiras, o caminho para a sabedoria é profundamente pessoal, moldado pela reflexão sobre nossas experiências individuais, origens culturais e os exemplos sábios que escolhemos seguir. Mas, ao mesmo tempo, quando se trata de julgar onde os outros estão nesse caminho, parece que todos nós, onde quer que estejamos no mundo, estamos olhando através de uma lente compartilhada.

 *Maksim Rudnev é pesquisador associado da Universidade de Waterloo. Ele é um cientista social interessado em valores humanos e percepção social, variabilidade cultural, bem como os métodos quantitativos para a pesquisa comparativa.

* Igor Grossmann é professor de psicologia na Universidade de Waterloo e membro do Colégio da Royal Society of Canada, e estuda sabedoria, julgamento e mudança cultural. Seu trabalho apareceu em Ciência e PNAS. Ele recebeu honras, incluindo o APS Rising Star Award e o SAGE Early Career Award.

OBS: Texto em português traduzido p/Google. O texto original aqui:

https://psyche.co/ideas/wisdom-is-a-virtue-but-how-do-we-judge-if-someone-has-it?utm_source=Aeon+Newsletter&utm_campaign=7d56bd044a-EMAIL_CAMPAIGN_2024_10_21&utm_medium=email&utm_term=0_-d88b59c7bc-%5BLIST_EMAIL_ID%5D

domingo, 20 de outubro de 2024

O deserto, a lava e o fogo

Luiz Felipe Pondé*

O deserto, a lava e o fogo

  A ilustração de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual com pastel oleoso sobre papel. 
Na horizontal, proporção 13,9cm x 9,1cm, a ilustração apresenta a imagem de um incêndio em um horizonte de uma paisagem deserta, com vegetação queimada, terra vermelha e laranja refletindo o fogo ao fundo. O céu escuro inteiro está em fumaça, misturado as cores do fogo. Ilustração da Coluna Pondé de 21.out - Cammarota

Sem agonia e sofrimento a travessia do deserto, não há autoconhecimento

Uma das tradições mais ricas no cristianismo antigo é aquela conhecida como os padres do deserto. Homens e mulheres que se exilavam no deserto em regiões como o Egito, Israel, Síria, Turquia (Capadócia) a fim de buscar Deus. Aquilo que conhecemos como a prática monástica é descendente direta desses padres e mães do deserto.

Nesse processo de desconstrução interior, de entrar em contato com seus demônios na solidão e no silêncio, sob a fúria dos elementos naturais, como se falava então, como frio, calor, fome, sede, escuridão, essas testemunhas de Deus —"monachói", raiz grega da palavra "monge"— fundarão a linhagem da busca enlouquecida de Deus atravessando suas defesas psicológicas e máscaras sociais.

 Dostoiévski (1821-1881), segundo a fortuna crítica, se inspira nesse tipo de atravessamento de si mesmo, sem misericórdia, para escrever seu monumental "Memórias do Subsolo", um dos maiores livros já escritos na Europa. Logo na abertura, nosso homem do subsolo se refere a possível causa médica de ele ser um homem tão amargo: ele sofreria do fígado. Mas, tomado pela busca desenfreada de não mentir sobre si mesmo, nosso homem do subsolo fala um pouco mais abaixo algo mais ou menos assim: o problema não é o meu fígado, eu sou mesmo um homem mau.

Até hoje existem homens e mulheres que buscam essa solidão acompanhada pelo Eterno, inclusive no Brasil —não vou citar exemplos de locais assim para não destruir a solidão, a paz e o silêncio dessas pessoas. Em nosso tempo, devemos cuidar para a multidão não destruir tudo.

Seria possível pensar num processo como esse fora da instituição religiosa? E, evidentemente, fora da nebulosa de picaretagem que assola o mundo da espiritualidade desde a segunda metade do século passado?

Essa ideia aparece, por exemplo, na gigantesca nebulosa de picaretagem citada acima, sob a rubrica falsamente facilitada da busca de autoconhecimento. Mas, existem formas consistentes de se atravessar um
 processo assim fora do contexto propriamente religioso institucional. Vejamos um exemplo.

O grande psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) descobriu por si mesmo esse caminho fora de qualquer instituição religiosa —com essa referência, não quero passar a ideia de que seria "melhor" ou "pior" atravessar esse processo fora ou dentro de uma instituição religiosa porque não sofro de qualquer anticlericalismo démodé.

Num sonho em 1927, relatado na sua autobiografia "Sonhos, Memórias e Reflexões", atravessando um período de intenso sofrimento psíquico que muitos se referem como "seu surto", Jung "descobriu" questões essenciais que serão tratadas ao longo
da sua vida profissional e sustentarão a teoria que ficará conhecida como psicologia analítica.

Nesse período ele entrará em contato com o inconsciente coletivo e seus arquétipos —assim ele denominará este conceito— caracterizado por ser algo universal, ancestral e definitivo na história pessoal de cada um, assim como da espécie, como um todo. Como diz o próprio na obra acima citada, foram necessários 45 anos para ele dar conta das experiências que ele viveu até então.

No sonho de 1927 —resumidamente— ele se encontra em Liverpool, suja e escurecida pela fuligem, a conhecida poluição causada pela revolução industrial então ainda recente. Ele se encontra em meio a outras pessoas, cercados pela sujeira, chuva e escuridão. Mas, no centro de um lago à frente, numa ilhota —que ele dirá ser percebida só por ele— uma luz do sol resplandecia numa árvore. Em meio a agonia da vida e do mundo, uma esperança de que se possa viver com algum sentido —a luz— não destruído pela "escuridão".

Para Jung, este sonho indicará seu destino, destino este que ele se referirá como "seu mito". Mas, o conceito que nasce daí será o de "si mesmo", ou "self" cuja trajetória na vida, quando minimamente bem realizada, será o encontro consigo mesmo e o entendimento que a vida só tem sentido quando banhada nessa "corrente de lava e a paixão nascida do seu fogo", como ele mesmo descreve.

A metáfora da corrente de lava e a paixão que nasce do seu fogo não deve ser de modo nenhum menosprezada neste contexto porque ela indica, justamente, a agonia que um processo como esse implica. Agonia esta que poderá se materializar numa paixão por viver sendo fiel ao fogo que queima e aquece ao mesmo tempo, mas que é luz.

Nesse período, Jung desiste de sua promissora carreira de professor na faculdade de medicina de Zurique para se dedicar a sua obra. Sem agonia e sofrimento —a travessia do deserto— não há autoconhecimento.

* Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP. 

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2024/10/o-deserto-a-lava-e-o-fogo.shtml

Para o Nobel, a Inteligência Artificial é a nova dinamite

Por Ronaldo Lemos*

A imagem é uma composição de dois elementos. Na parte superior, há o logotipo da OpenAI, que consiste em um símbolo geométrico preto semelhante a uma flor estilizada, seguido pelo nome "OpenAI" em letras pretas. Abaixo do logotipo, ocupa a maior parte da imagem uma placa de circuito de computador em tons de azul, mostrando trilhas, componentes e conexões típicas de hardware eletrônico.

 Logo da OpenAI sobreposto a uma placa eletrônica - Dado Ruvic/REUTERS

Empresas atuando em IA anunciaram que vão apostar no uso da energia nuclear para alimentar seus datacenters

O prêmio Nobel sempre esteve ligado a transformações tecnológicas. Afinal, foi criado pelo químico e engenheiro sueco Alfred Nobel, o inventor da dinamite. A tecnologia desenvolvida em por ele em 1867 levou a avanços na construção civil e na mineração. Foi também usada em guerras e conflitos armados.

Em 1888 seu irmão Ludvig faleceu. O jornal francês Le Figaro se confundiu e publicou um obituário de Alfred Nobel, chamando-o de "o mercador da morte". O obituário fake causou um impacto profundo em Alfred, que decidiu dedicar parte da fortuna para criar o prêmio Nobel. Destacando assim conquistas positivas e avanços em várias áreas.

Corte para 2024. O prêmio Nobel acaba de ser anunciado. Uma outra tecnologia explosiva aparece em várias categorias da premiação: a inteligência artificial (IA). Tal como a dinamite, a IA tem o potencial de gerar avanços em diversas áreas. Mas também traz riscos como concentração, desemprego ou armas autônomas e biológicas.

Na física, o prêmio foi para John Hopfield e Geoffrey Hinton. Ambos tiveram um papel importante no desenvolvimento do aprendizado de máquina e das redes neurais, que são a base da IA atual. Hinton tem sido nos últimos anos um dos maiores críticos da IA, alertando sobre os riscos e pedindo a desaceleração da tecnologia.

Na química os vencedores são os criadores do AlphaFold, a IA capaz de prever a estrutura de proteínas com alta precisão. A tecnologia, criada pelo Google, permite o desenho computacional de novas proteínas com aplicações em áreas como medicina, nanotecnologia e ciências ambientais.

Na economia venceu o brilhante economista Daron Acemoglu e seus associados. Acemoglu é outro crítico da inteligência artificial. Ele desfaz, por exemplo, a ideia de que a IA leva ao aumento da produtividade. Em maio ele publicou um estudo mostrando que o ganho de produtividade trazido pela IA será de menos de 0,53% nos próximos 10 anos, além do risco de aumentar a desigualdade de renda entre capital e trabalho.

Na superfície, esses foram os três prêmios relacionados à inteligência artificial. Mas há um outro que está conectado indiretamente ao tema. O Nobel da paz deste ano foi dado à organização Nihon Hidankyo, fundada por sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima.

A organização luta contra a existência de armas nucleares e seus integrantes têm sido críticos também à expansão do uso da energia nuclear, especialmente após o desastre de Fukushima.

Três dias após a divulgação do Nobel de 2024, empresas atuando em inteligência artificial anunciaram que vão apostar no uso da energia nuclear para alimentar seus datacenters. A ideia é construir novos reatores e reativar plantas nucleares que haviam sido desativadas (uma delas por conta de um acidente em 1979).

Minha visão: espero que no futuro a energia renovável seja preferida à energia nuclear para alimentar a IA. Essa escolha está mais em sintonia com os princípios do Prêmio Nobel.

Já era – usar combustível fóssil para alimentar datacenters

Já é – buscar energia renovável (solar, eólica etc.) para alimentar datacenters

Já vem – perceber que energia nuclear não é energia verde

* Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro. 

Fonte:  https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldolemos/2024/10/para-o-nobel-a-inteligencia-artificial-e-a-nova-dinamite.shtml

sábado, 19 de outubro de 2024

O Homem: questão para si mesmo. 11 - Máquinas com consciência?

 Por Anselmo Borges*

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Mas afinal quem é o autor das minhas acções? "Nestes tempos de debates fundamentais à volta da Inteligência Artificial, a questão decisiva é se algum dia teremos uma explicação científica da consciência. Mais: se haverá máquinas com consciência." FOTO: Igor Martins / Global Imagens

O que diz alguém, quando diz “eu”? Afirma-se a si mesmo como sujeito, autor das suas acções conscientes, centro pessoal responsável por elas, alguém referido a si mesmo, na abertura e em contraposição a tudo.

Mas há observações perturbadoras. Por exemplo, pode acontecer que alguém adulto, ao olhar para si em miúdo, se veja de fora, apontando como que para um outro: aquele era eu, sou eu?

Há filósofos que se referem à ilusão do eu. Certas interpretações do budismo caminham nesta direcção. No quadro da impermanência e da interdependência de todas as coisas, fala-se da inexistência do eu, do não-eu. Matthieu Ricard, investigador em genética celular e monge budista, deu-me, há anos, num congresso no Porto, um exemplo: veja ali o Rio Douro. O que é o Rio Douro? Onde está o Rio Douro? Ele não existe como substância, pois não há senão uma corrente de água. Está a ver a consciência? O que é ela senão um fluxo permanente de pensamentos fugazes, de vivências? O eu não passa de um nome para designar um continuum, como nomeamos um rio.

Mas há a experiência vivida e inexpugnável do eu, ainda que numa identidade em transformação, que continuamente se faz, desfaz e refaz. O que se passa é que, não se tratando de uma realidade coisista, é inobjectivável e inapreensível.

É, e será sempre, enigmático como aparecem no mundo corpóreo o eu e a consciência. É claro que o eu não pode ser pensado à maneira de uma alma, um homunculus, um observador dentro do corpo - o fantasma dentro da máquina. Há, portanto, uma correlação entre a consciência e os processos cerebrais. Mas significa isto que essa correlação é de causalidade, de tal modo que haverá um dia uma explicação neuronal adequada para os estados espirituais? Ou, como já viu Leibniz e é acentuado pelo filósofo Th. Nagel, mesmo que, por exemplo, tivéssemos todos os conhecimentos científicos sobre os processos neuronais de um morcego, não saberíamos o que é o mundo a partir do seu ponto de vista? A questão é: como se passa de acontecimentos eléctricos e químicos no cérebro - processos neuronais da ordem da terceira pessoa - para a experiência subjectiva na primeira pessoa?

Apesar de se não afastar, por princípio, a possibilidade de se poder vir a dar essa compreensão, o filósofo Colin McGinn pensa que talvez nunca venhamos a entender como é que a consciência surge num mundo corporal, a partir de processos físicos. Também o neurocientista W. Prinz disse numa entrevista: “Os biólogos podem explicar como funcionam a química e a física do cérebro. Mas até agora ninguém sabe como se chega à experiência do eu, nem como é que o cérebro é capaz de gerar significados.”

E sou livre ou não? É claro que, como escreve o filósofo M. Pauen, se as nossas actividades espirituais se identificassem com processos cerebrais, segundo leis naturais, já se não poderia falar em liberdade - “as nossas acções seriam determinadas não por nós, mas por aquelas leis.”

Mas, afinal, quem age, quem é o autor das minhas acções: o meu cérebro ou eu? “Como não é a minha mão, mas eu, quem esbofeteia esta ou aquela pessoa, não é o meu cérebro, mas eu, quem decide. O facto de eu pensar com o cérebro não significa que seja o cérebro, e não eu, quem pensa”, escreveu o filósofo Th. Buchheim.

Neste domínio, nestes tempos de debates fundamentais à volta da Inteligência Artificial, a questão decisiva é se algum dia teremos uma explicação científica da consciência. Mais: se haverá máquinas com consciência.

O físico Carlos Fiolhais, apresentou recentemente num dos seus escritos semanais no Correio da Manhã, precisamente à volta da Inteligência Artificial.uma famosa aposta precisamente sobre a consciência: “Em 1994, em Tucson, nos Estados Unidos, realizou-se uma conferência intitulada ‘Em direcção a uma base científica da consciência’.” O neurocientista Christof Koch defendeu aí que a consciência tinha uma base física: dar-se-iam disparos síncronos de neurónios 40 vezes por segundo. O filósofo David Chalmers retorquiu, dizendo que era impossível descrever a consciência por um fenómeno físico. Chamou ao entendimento da consciência ‘o problema difícil’.”

Passados quatro anos, os dois reencontraram-se e, mantendo as suas posições, fizeram uma aposta: o primeiro apostou com o segundo uma caixa de garrafas de vinho que, nos próximos 25 anos, os cientistas iam descobrir um comportamento neuronal claramente responsável pela noção do “eu”.

Numa reunião da Associação para o Estudo Científico da Consciência realizada em Nova Iorque, em fins de Junho passado, os dois voltaram a encontrar-se. O antigo modelo de Koch estava ultrapassado, havendo outros em contenda. Mas nenhum deles era claro, dando uma resposta inequívoca, disse Chalmers.

O neurologista teve de admitir: “É claro que as coisas não são claras.” E foi buscar uma caixa de garrafas de vinho português, no qual se destacava uma de Madeira antigo.

O perdedor, pretendendo desforrar-se, propôs que repetissem a aposta: “Apostou que daqui a mais 25 anos o assunto estará finalmente claro. Chalmers aceitou com um sorriso.”

E Carlos Fiolhais, com o seu humor: “Os cientistas gostam de fazer apostas. Mas é por saber que os cientistas perdem apostas que sigo um precioso conselho da minha avó: ‘Teima, teima, mas nunca apostes’.” E acrescenta: “Estou em crer que as máquinas só terão consciência no Dia de São Nunca.”

Tenho a mesma opinião. 

 *Padre e Professor de Filosofia/ Portugal.

Fonte: https://www.dn.pt/2027736435/o-homem-questao-para-si-mesmo-11-maquinas-com-consciencia/

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Do bom uso da razão cordial e sensível

 Por LEONARDO BOFF*


A tragédia ecossocial é fruto de um tipo de razão que degenerou em racionalismo

Face à crise atual que afeta o inteiro planeta de forma perigosa, pois pode desembocar na terceira guerra mundial que poria em risco a biosfera e a vida humana, devemos resgatar o que poderia mudar o rumo da história.

Comungo da interpretação que sustenta ser o atual estado do mundo deriva de, pelo menos, de duas grandes injustiças: uma social com a geração, por um lado, de desigualdades sociais perversas e, por outro, uma acumulação de riqueza como jamais houve na história a ponto de oito pessoas (não empresas) deterem mais riqueza que mais da metade da população mundial

A outra é a injustiça ecológica: o planeta Terra com seus biomas está sendo, há séculos, depredado a ponto de que precisamos de mais de uma Terra e meia para atender o consumo humano, especialialmente dos países consumistas do Norte Global.

A reação de Gaia, a Terra como super-organismo vivo, se mostra por uma gama significativa de vírus e pelo aquecimento crescente, provavelmente irreversível, que causa tufões, ciclones e tornados altamente destrutivos ameaçando a biodiversidade, crianças e idosos, incapazes de se adaptar e condenados a morrer.

Retomo o tema: esta tragédia eco-social é fruto de um tipo de razão que degenerou em racionalismo (despotismo da razão) e se traduziu em técnicas, por um lado benéficas a nossa vida moderna e, por outro, tão mortais que podem destruir tudo o que temos construído em milênios de história, ameaçando as bases ecológicas que sustentam o sistema-vida.

Ela teve origem, no Ocidente, lá no passado, pelo século V a.C, da virada do pensamento mítico para o pensamento racional dos mestres gregos. Inicialmente mantinha-se grande equilíbrio entre os principais elementos existenciais: do Pathos (capacidade de sentir), do Logos (forma de compreender o real), o Ethos (nossa forma de bem viver e conviver), do Eros (nossa potência de vida) e do Daimon (a voz da consciência).

Esse ideal foi excelentemente expresso por Péericles (495-429 a.C), grande estadista democrático, general, exímio orador, em Atenas: “Amamos o belo mas não o vulgar; dedicamo-nos à sabedoria, mas sem vanglória; usamos a riqueza para empreendimentos necessários, sem ostentações inúteis; a pobreza não é vergonhosa para ninguém; vergonhoso é não se fazer o possível para evitá-la”.

Eis um exemplo da justa medida. Não sem razão em todos os pórticos dos templos gregos, podia-se ler: méden ágan (nada de excessivo).

Mas logo a fome de poder, característica de Alexandre, o Grande (356-323a.C), aquele que com 33 anos de idade estendeu seu império até à Índia, rompeu o equilíbrio. A razão, transformada em vontade de poder e de instrumento de dominação dos outros e da natureza ganhou a primazia. É o que ainda subjaz ao atual modo de organizarmos nossas sociedades, especialmente, a sua forma mais excessiva e desumana, o capitalismo que tomou conta de todo o orbe.

Esse tipo de razão instrumental-analítica de ocidental se tornou global. Poderia ser diferente? Era inevitável? O que podemos dizer é que foi uma opção histórico-social, o nosso “destino manifesto” hoje numa radical crise de seus fundamentos.

Quero dar o exemplo de uma cultura que colocou o coração e não a razão, como eixo estruturador de sua organização social: cultura náuatle do México e da América Central, (hoje são cerca de 3,3 milhões de habitantes), sendo desta etnia os astecas e toltecas. A língua náuatle é falada em vários estados mexicanos por 1,6 milhão de pessoas. Para os nauatles o coração ocupa a centralidade. A definição de ser humano não é, como entre nós, a de um animal racional, mas a de um “dono de um rosto e de um coração”.

O tipo de rosto identifica e distingue o ser humano de outros rostos. No rosto a rosto, no cara a cara, nasce o imperativo ético, nos ensinou Levinas. No rosto fica estampado se acolhemos o outro, se dele desconfiamos, se o excluímos. O coração, por sua vez, define o modo-de-ser e o caráter da pessoa, a sensibilidade face ao outro a acolhida cordial e a compaixão com quem sofre.

A educação refinada dos náuatles, conservada em belíssimos textos, visava formar nos jovens um “rosto claro, bondoso e sem sombras”, aliado a um “coração firme e caloroso, determinado e hospitaleiro, solidário e respeitoso das coisas sagradas”. Segundo eles, era do coração que nasce a religião que utiliza “a flor e o canto” para venerar suas divindades. Colocam coração em todas as coisas que fazem. Essa cor-dialidade passava às belíssimas obras de arte a ponto de encantar o pintor renascentista alemão Albert Dürer ao contemplá-las.

Tiremos algumas lições desta cultura do coração e da cor-dialidade.

(i) Em tudo o que pensar e fizer coloque coração. A fala sem coração soa fria e formal. Palavras ditas com coração tocam o coração das pessoas. É isso que facilita a compreensão e conquista a adesão.

(ii) Procure junto com o raciocínio articulado colocar a emoção cordial. Não a force porque ela deve espontaneamente revelar a profunda convicção naquilo que crê e diz. Só assim comove o coração do outro e se faz convincente.

(iii) A inteligência intelectual, indispensável para organizar nossas sociedades complexas, quando recalca a inteligência cordial gera uma percepção reducionista e parcial da realidade. Mas também o excesso da inteligência cordial e sensível pode decair para o sentimentalismo adocicado e para proclamas populistas. Importa sempre buscar a justa medida entre mente e coração mas articulando os dois polos a partir do coração.

(iv) Quando tiver que falar a um auditório ou a um grupo, não fale só a partir da cabeça, mas dê primazia ao coração. É ele que sente, vibra e faz vibrar. Só são eficazes as razões da inteligência intelectual quando elas vêm amalgamadas pela sensibilidade do coração.

(v) Crer não é pensar Deus. Crer é sentir Deus a partir da totalidade de nosso ser, começando pelo interior, pelo coração. Então nos damos conta de que não estamos submetidos a um Deus julgador, mas a uma realidade amorosa e poderosa que sempre nos acompanha.

*Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Cuidar da Casa Comum: pistas para protelar o fim do mundo (Vozes). [https://amzn.to/3zR83dw]

Fonte:  https://aterraeredonda.com.br/do-bom-uso-da-razao-cordial-e-sensivel/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=novas_publicacoes&utm_term=2024-10-17

Existe psicopatia infantil? O tema após um massacre de pets

Por Isadora Rupp

Imagem de câmara de segurança mostra um garoto de camiseta azul em cima de uma cadeira enquanto pula cercado em fazendinha de animais

 

FOTO: Reprodução Garoto pula cercado em fazendinha de animais

Discussão surgiu após menino matar 23 animais de pequeno porte no interior do Paraná. Termo foi abandonado em manual mais recente de diagnóstico de transtornos mentais

Uma criança de 9 anos de idade invadiu um hospital veterinário e matou 23 animais de pequeno porte – a maioria coelhos e porquinhos-da-índia. O caso ocorreu no domingo (13) em Nova Fátima, interior do Paraná, e chocou a cidade de pouco mais de 7.000 habitantes. 

O episódio também suscitou debates nas redes sociais sobre se a atitude da criança é algum tipo de “psicopatia infantil”. 

Neste texto, o Nexo explica se esse tipo de transtorno existe e como a criança que matou os animais deve ser acompanhada. 

O caso em Nova Fátima 

No domingo (13), uma criança de 9 anos invadiu um hospital veterinário na cidade de Nova Fátima, interior do Paraná, e matou 23 animais de pequeno porte, como coelhos e porquinhos-da-índia. 

Imagens de câmeras de segurança do local mostram o menino, acompanhado de um cachorro, chegando ao espaço por volta das 19 horas. Ele pulou o muro e soltou os animais, que estavam em um cercado. 

Segundo a médica veterinária Brenda Rocha Almeida Cianciosa, uma das sócias do local, imagens das câmeras de segurança mostram que o garoto ficou cerca de 40 minutos no local chutando os bichos. Alguns foram arremessados contra a parede e tiveram as patas arrancadas. A Polícia Militar disse que alguns animais foram esquartejados. 

O local onde os bichos estavam acomodados tinha sido inaugurado no dia anterior, em comemoração ao Dia das Crianças. O hospital fez uma espécie de “mini fazendinha” para visitação. O autor do ataque estava na inauguração junto com um grupo de crianças. 

Em entrevista para a TV Record, Cianciosa lamentou o episódio. “Foi muito triste. Um dia antes, a gente tinha acabado de realizar um sonho. No outro dia, nos deparamos com essa cena horrível”, afirmou.  

Segundo a PM, o menino mora com a avó e não tem histórico de violência. Ainda de acordo com os policiais, ele deu detalhes sobre como realizou as ações. A conversa com a criança ocorreu na presença da avó. 

Por ter apenas 9 anos de idade, o menino é inimputável e não pode ser responsabilizado, conforme determina o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). O caso foi apresentado para a Polícia Civil. Cabe ação indenizatória contra os responsáveis pelo menino. 

O que é psicopatia 

O episódio repercutiu nas redes sociais e comentários questionaram se o menino poderia ser diagnosticado com “psicopatia infantil” por conta da sua atitude – de ter participado da inauguração da fazendinha e voltado no dia seguinte para maltratar e matar os animais. 

Para o psicólogo Maycon Torres, professor do Departamento de Psicologia da UFF (Universidade Federal Fluminense), é preciso voltar à evolução histórica do termo “psicopata” dentro da psiquiatria para explicar o fenômeno. 

Segundo ele, no século 19, qualquer pessoa com um transtorno mental era vista como psicopata. Com a evolução do saber psiquiátrico, o termo ficou muito restrito a um perfil de pessoas que têm como principal traço fazer mal a outras pessoas. 

“São pessoas que têm noção da regra, das leis, sabem o que é certo e errado, mas apresentam algum tipo de prazer e algum tipo de ganho em fazer mal a outras pessoas. É onde entram os serial killers, por exemplo”, disse Torres ao Nexo

Atualmente, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria, abandona o termo psicopata e traz a noção de transtorno de personalidade antissocial. São pessoas sem nenhum deficit cognitivo, com plena capacidade de compreensão das regras, mas que têm um padrão persistente e repetitivo de fazer mal a outras pessoas. 

“Não necessariamente na radicalidade do assassinato, mas de enganar, mentir, ter uma tendência à agressão física e verbal, tendência à agressão sexual, e não apresentam necessariamente nenhum tipo de remorso. Elas conseguem fazer uma justificativa para todos os seus atos”, afirmou o psicólogo. 

De acordo com Torres, esse diagnóstico só pode ser fechado em uma pessoa após os 18 anos: justamente porque entende-se que a infância e a adolescência são períodos de mudanças hormonais, cerebrais e de comportamento, e de desenvolvimento no contexto de educação, familiar e social. 

O transtorno de conduta 

Na infância e na adolescência, quando o indivíduo apresenta problemas no controle de emoções, violação de direitos do próximo, conflito com normas e figuras de autoridade que geram prejuízos ao funcionamento social da criança e do adolescente, a psiquiatria identifica o transtorno de conduta. 

O transtorno de conduta começa na infância e é percebido em atos que transgridem regras sociais e ferem o direito dos outros de forma repetitiva. Maus tratos aos animais é um dos sinais de alerta. A doença é mais prevalente no sexo masculino. 

De acordo com a psiquiatra Gabriela Queiroz Pinheiro, do  Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo), o desenvolvimento do transtorno de conduta pode ser uma predisposição genética ou a consequência de fatores biológicos, psicológicos e sociais. 

Em entrevista ao Jornal da USP, a médica afirmou que falta de afeto na infância, exposição a conflitos familiares e violência doméstica, maus-tratos e vizinhança de risco podem contribuir para que o transtorno de conduta se manifeste. 

Segundo Pinheiro, a doença pode gerar, no futuro, o transtorno de personalidade antissocial, que também é mais frequente entre os homens e pode ser caracterizado como uma consequência do transtorno de conduta.

  Embora a condição seja complicada, ela é tratável, e pode ser revertida ou ao menos amenizada. O tratamento envolve acompanhamento psicológico e psiquiátrico, treinamento de habilidades sociais e acadêmicas e desenvolvimento de pontos fortes do paciente. 

“As intervenções e acompanhamento são possíveis. Psicoterapia e grupos terapêuticos vão ajudar esse sujeito a entender o que os atos significam e de que forma ela pode estabelecer laços, para melhorar a qualidade do laço social com o outro”, disse Torres. 

O acompanhamento necessário 

No caso do menino que matou os animais em Nova Fátima, o psicólogo Maycon Torres afirmou que um único episódio de violência, por mais chocante que seja, não pode ser considerado um sintoma ou uma característica de transtorno mental, ou algo determinante para fechar um diagnóstico de transtorno de conduta. 

“Temos que considerar que crianças podem, sim, apresentar alguns traços de maldade contra animais ou contra crianças menores do que elas. É um fenômeno relativamente comum elas beliscarem ou machucarem, mas dentro de limites. O que a gente tem que ficar mais atento é ao padrão de repetição. Se a partir de um episódio o mesmo episódio se repete, aí sim, é sinal de maior atenção”, disse Torres. 

De acordo com o psicólogo, a criança autora dos ataques deve ser acompanhada em uma estratégia que envolva o Conselho Tutelar, escola, família e atendimento em saúde mental – o dispositivo de saúde mental responsável pelo atendimento de crianças e adolescentes é o Capsi (Centro de Atenção Psicossocial). 

“É importante uma atenção em relação a ele, porque foi um episódio violento e impulsivo que violou o direito de outras pessoas. Não significa que a criança vai ter que ser acompanhada pelo resto da vida ou sofrer alguma intervenção medicamentosa. É importante um acompanhamento intersetorial que tome cuidado em não sentenciar essa criança a um futuro nefasto. Um episódio só, por mais grave que seja, não significa que o futuro esteja determinado”, afirmou Torres. 

De acordo com o jornal O Globo, o Conselho Tutelar de Nova Fátima informou que a criança e os familiares já estão passando por tratamento psicológico e recebendo assistência de profissionais. 

Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/10/17/psicopatia-infantil-menino-de-9-anos-mata-animais-no-parana?utm_medium=email&utm_campaign=Nexo%20%20Hoje%20-%2020241017&utm_content=Nexo%20%20Hoje%20-%2020241017+CID_8237265ab495f1bbf171fa5c669dbd7c&utm_source=Email%20CM&utm_term=Existe%20psicopatia%20infantil%20O%20tema%20aps%20um%20massacre%20de%20pets

Cartas que não consolam!

por Marcelo Henrique 

 

É preciso dar um decisivo basta às CARTAS MEDIÚNICAS FALSAS, produzidas com a finalidade de atrair e depois iludir os que têm a alma sofrida

“Você diz a verdade e a verdade 
é o seu dom de iludir”
 (“Dom de Iludir”, Caetano Veloso).

Você gosta de mentiras? A pergunta é, sim, pessoal. O populacho costuma entoar que, às vezes, uma mentira faz bem a quem ouve e que isso seria melhor que a verdade. Será mesmo?

Independentemente de onde você seja, que educação e formação tenha recebido, com quem tenha convivido, quem esteve “acima” de você em posições de maior responsabilidade e mando, verdades e mentiras sempre estiveram no cotidiano de todas as pessoas. Quem pode esquecer da birra da criança em querer algo, ouvindo dos que lhe assistiam: – Na volta, a gente compra?

Para cativar pessoas, sejam em relacionamentos afetivos e sexuais, seja entre parceiros de trabalho ou escola, seja para patrões e subalternos, entre amigos, com pais e com filhos, com a(o) companheira(o) de convivência mais próxima, praticamente todos, de uma forma mais ou menos evidente, se valem da mentira. Será que há “graus” de mentira?

Há mentiras que são pseudoverdades, como aquelas relacionadas à saúde de alguém, evitando o desespero imediato e plantando alguma esperança no solo de áridos corações ou no imaginário das mentes. São “mentirinhas”, ou “males que vêm pra bem”, como o adágio popular consagra. Quem nunca se valeu delas?

Pequenas ideias falsas que fazem sorrir – desde a tenra infância – em momentos ilusórios, tidos como refrigérios da alma, diante das tempestades da vida. Como seria mágico se fossem verdades, não é mesmo?

E há mentiras sórdidas! De caráter criminoso, embora “embaladas” em celofanes de “carinho”, “atenção”, “esperança”, “caridade”, “solidariedade” ou “fraternidade”. Note que todas essas virtudes, peculiares à natureza humano-espiritual dos seres que por aqui estagiam, estão colocadas entre aspas, porque elas contêm, em si, não a veracidade, não a bondade, não a utilidade (tidas como os três crivos de análise do filósofo grego Sócrates), mas suas antíteses, a inverdade, a maldade e a imprestabilidade do roteiro e do contexto que a contenham.

O ato de lograr o outro, obtendo, direta ou indiretamente alguma vantagem (de múltiplo espectro, em termos de fama, prestígio, honra, reconhecimento público, presentes ou dinheiro) não é tema novo. Existe, talvez, desde que o homem é homem, na prestidigitação, na condução ao erro, da proliferação de mitos e inverdades, no engano de outrem para locupletamento pessoal.

Há, em qualquer análise sobre a personalidade humana, uma afirmação que é válida porque reflete a realidade que ultrapassa épocas e lugares: “Não se pode enganar muita gente por muito tempo; não se engana todos o tempo todo; ou, é possível enganar alguns por muito tempo, ou muitos por algum tempo”. Um dia a verdade aparece.

Seja diante da lanterna de Diógenes ou da caverna de Platão – outros dois filósofos da Grécia Antiga –, a linha limítrofe entre verdade/mentira, real/imaginário, concreto/abstrato e atitude de busca pela essência constituem, diariamente, circunstâncias comuns de todos os indivíduos. O que os distancia entre si é o caminho percorrido, as experiências de suas andanças e o desejo de lutar contra o engano (proposital ou acidental).

No transcurso dos séculos conhecidos desde a Antiguidade, a presença de “gurus”, “feiticeiros”, “pajés”, “pitonisas”, “mágicos”, “curandeiros”, “conselheiros”, “bruxas” e tantos mais revelaram um “talento” da Humanidade que pode ser falso ou verdadeiro, natural ou artificial, benéfico ou maléfico, como a revelar em sua completude e magnitude a dualidade da natureza espiritual do ser inteligente: o maniqueísmo não do sim e não absolutos, mas da relatividade das intenções, dos propósitos e das ações.

É a mediunidade. Nas Religiões e Seitas ancestrais ela se expressa em dons, talentos ou capacidades sobrenaturais – não por serem, sabe-se hoje, acima do natural como a origem da palavra pressupõe descrever, mas da própria natureza, não a humana, limitada, circunscrita às barreiras da carne e às limitações da existência material, mas que pertencem ao ponto máximo e sobrexistente à morte, a verdadeira essência espiritual (independente do que se creia ou aceite em relação ao provir, pós-morte).

 Com a morte, portanto, cessa o convívio presencial físico-material e o ente querido desaparece do alcance das nossas vistas – não como aquele que faz uma viagem, curta ou relativamente longa, mas que um dia adiante estaremos nos reencontrando, quando um dos dois se deslocar na direção do outro, mas, sim, em função da falência e da precariedade da carne que forma nosso corpo, em que as atividades orgânicas e vitais se extinguiram.

Ficam as lembranças. Boas ou más. Felizes ou infelizes. Confortantes ou desesperadoras. Há palavras que precisavam ser ditas, e não o foram. Há abraços e beijos que ficaram faltando. Há sorrisos que não foram entregues ou lágrimas que poderiam não ser os últimos registros. Há saudade, remorso, pesar, angústia, pena, culpa, rancor, ódio, lamentos…

Quem, então, não gostaria de um “último momento”? Uma oportunidade para ouvir de quem se foi, suas realmente derradeiras palavras? Um terminal “olho no olho”, quem sabe? Uma última audição de sua voz? Ou um conjunto de palavras que lembrassem o que foi, o que vez e como era a relação entre o vivo (encarnado) e o morto (desencarnado), relembradas de forma natural, fluida, espontânea e… verdadeira!

Penso que todos nós – e não há quem não tenha se “despedido” de algum ente mais caro nesta existência! Se tivéssemos uma “última chance”, além da extrema emoção do momento (do reencontro, em Espírito e verdade), provavelmente o coração seguiria consolado, apesar da “dor” da saudade, volta e meia, fazer irromper lágrimas.

É este o consolo que o Espiritismo tem proporcionado desde 1857, em terras francesas e, depois, espalhado pelo planeta inteiro aos que “têm olhos de ver e ouvidos de ouvir” (Mt; 13:15). A dúvida diante da morte, a incerteza acerca da imortalidade, a permanência dos laços espirituais entre os afetos e a esperança de, não um, mas vários reencontros, passou a ser objeto de estudo – inclusive científico – para demonstrar exatamente a diferença entre ERRO e ACERTO, ENGANO e REALIDADE, MENTIRA e VERDADE, ÓDIO e AMOR, ILUSÃO e CERTEZA.

Durante todo o século XX, no Brasil, o consolo teve um nome pontual: Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, e suas cartas consoladoras. Nas peregrinações de diversas partes do país e do exterior a Uberaba (MG), infindáveis cartas de próprio punho, sem que nada jamais fosse perguntado, eram, uma a uma, exaustivamente produzidas pelo médium mineiro, em transe, inconscientemente, com a GRAFIA do “morto”. Depois, eram chamadas as pessoas referidas na própria carta, geralmente na dedicatória inicial, contida nos rascunhos. Eram mães, avós, esposas – mulheres em sua imensa maioria (dizem que a sensibilidade da mulher é muito mais intensa e, nisso, concordamos). Glauber Filho e Halder Gomes, cineastas, inclusive, contam um pouco dessa odisseia em seu “As Mães de Chico Xavier” (2011) – película baseada no livro “Por trás do véu de Ísis”, de Marcel Souto Maior.

Vale dizer, ainda, que diversas e distintas psicografias de Xavier foram objeto de perícia grafotécnica ou grafoscópica, resultando na comprovação de suas autorias. Sim! Os mortos falam (ou escrevem) e os que foram, voltam para continuar dizendo sua real condição: estão tão vivos quanto nós, só que em “outra dimensão”, a da imaterialidade, espiritualidade ou eternidade!

Dito tudo isto, chegamos ao mote prioritário deste ensaio, consignado no título deste artigo: Cartas que não consolam!

E há muitas, por aí. Porque há muitos se locupletando com a fé popular e com a indução ao erro, à inverdade, à prestidigitação, ao ilusionismo barato! Tudo por um punhado de “cliques”, tudo para angariar “seguidores” em redes sociais, para obter prestígio – bem mais do que os cultuados “quinze minutos de fama”. E, bem provável, outros benefícios, materiais, econômico-financeiros, que poderão ser aferidos em competentes investigações jurídico-policiais.

Tudo isto é lamentável e deplorável. Até onde vai a “baixeza” humana em buscar a autopromoção em razão do sofrimento e da enganação de indivíduos – tomados e envolvidos em suas atrozes dores. A atitude de aproveitar-se da dor do outro e do desejo de receber informações dos “mortos” é passível de ser caracterizada juridicamente como crime hediondo!

E o que fazem tais “espertalhões”? Possuem “equipes” (provavelmente muito bem remuneradas) que fazem varreduras nas redes sociais dos familiares e dos próprios falecidos – porque é comum, inclusive, manter como “homenagem póstuma” o perfil pessoal daquele que se despediu da materialidade, com seus registros, ainda em vida, fotos, pensamentos, textos, etc. Munidos destes “dados”, fabricam – não raro, até, com o uso de “pontos eletrônicos” para fixar e enaltecer “detalhes”, além de anotações derivadas, não da psicografia autêntica, mas do “preparo” de textos derivados de informações reais, dos momentos em que o ente querido ainda estava na Terra.

Há, ainda, segundo mencionam interessados que tiveram acesso a dados de algumas investigações em curso, que alguns destes “médiuns” se valeram de dados oficiais, governamentais, para a confirmação de informações privadas e sigilosas, no intuito de dar “maior fidedignidade” aos seus relatos.

Há, nas plataformas de vídeo e áudio, inclusive, gravações de “reuniões” tidas como de “psicografia” de “cartas consoladoras” em que os supostos “médiuns” conversam naturalmente, com os parentes dos falecidos, como se tivessem grande familiaridade com as rotinas e os detalhes de histórias vivenciadas, alternando momentos mais graves – quase soluçantes – com outros mais divertidos e alegres, contribuindo, ainda mais, para o ilusório, a fantasia, o engodo e a vilania de quem inventa, monta, compõe e produz relatos para “satisfazer o desejo” de alguém sobre notícias dos que se foram.

Isto precisa parar! E já, urgentemente!

Não há, EM NENHUMA DAS SITUAÇÕES que estão com investigações em curso, qualquer material psicográfico, autêntico, comum entre os que praticam o Espiritismo seriamente, que pode ser objeto de análises e aferições científicas – com a peritagem grafotécnica ou grafoscópica já mencionada. Não há cartas! Não há mediunidade! Não há fenômeno mediúnico ou espiritual. Há apenas teatralização, aparência, fantasia e reprodução artificial de diálogos que nunca existiram!!!

Por isso, os bons médiuns, os que realmente são dotados da capacidade humano-espiritual de “conversar” com os “mortos”, acabam “pagando” pelos maus, os que iludem e enganam pessoas de boa-fé. Ou seja, de norte a sul do Brasil, aqueles abnegados que são conscientes da sua missão de “veículos” ou “instrumentos” para “revelar” informações do além-túmulo, estão sendo confundidos com todo e qualquer espertalhão que fabrica relatos para convencer os incautos e os necessitados.

É por isso que dizemos e repetimos: – nenhuma mentira é ou pode ser consoladora!

Movidos pelos sentimentos mais inferiores e vis, que perpassam a grosseria, o egoísmo, a vaidade, o orgulho, a prepotência, a satisfação em iludir os demais, tais pessoas mancham a mediunidade-serviço, o ato genuíno de amor ao próximo e o exercício das três maiores virtudes segundo Paulo de Tarso: a fé, a esperança e a caridade!

É preciso dar um decisivo basta às CARTAS MEDIÚNICAS FALSAS, aquelas produzidas com a finalidade de atrair e depois iludir os que têm a alma sofrida, ansiando por explicações e respostas acerca da morte e de notícias de entes queridos.

E é imperioso que as autoridades públicas brasileiras atuem exemplarmente, após o contraditório e a ampla defesa, corolários do Direito vigente, punindo cada um daqueles criminosos que se falem da mediunidade falsa para se locupletarem com o sofrimento humano.

Estas fraudes, portanto, comprometedoras da ética, da honra e da lisura que estão presentes nas atividades dos milhões de espíritas sérios que atuam em nosso país, tratando de temas acerca do Espírito e da Espiritualidade, assim como atentatórias ao direito individual de cada um dos prejudicados, merecem ter um basta!

*Marcelo Henrique é graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1993), e em Administração Pública (2021), pela Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC). Especialista em Administração Pública e Auditoria, pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC (1994). Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali (2002). Está cursando Doutorado em Administração, na Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC). Coordenador do Grupo Espiritismo COM Kardechttps://www.comkardec.net.br

Fonte:  https://jornalggn.com.br/cidadania/cartas-que-nao-consolam-por-marcelo-henrique/