terça-feira, 31 de maio de 2022

Byung-Chul Han: Infocracia e a caverna digital

 Por Fernando D'Addario*

Mundo online forja novo totalitarismo, aponta o filósofo em recente livro. Esfera pública é pervertida: emerge comunicação sem comunidade. Verdade vira borrão e, através de algoritmos e autoexploração, desejos coletivos são reduzidos ao eu


Byung-Chul Han é um operador saudável do quadro social e comunicação que expõe seu trabalho: seus livros são breves, rápidos, transparentes. Cada um deles propõe apenas um punhado de conceitos, facilmente reduzidos a uma frase-slogan que flui através das redes sociais e funciona como um “coringa” para reforçar opiniões de diversas índoles. Sua grande contribuição ao pensamento nas últimas décadas certamente foi sua análise do indivíduo autoexplorado, o novo sujeito histórico do capitalismo. Mas, além dessa ideia-força, o principal mérito do filósofo coreano é ter captado a “atmosfera” dessa época para, dessa forma, traduzi-la em textos nos quais um cidadão comum com certa sensibilidade – política, cultural, trabalhista – se sente refletido.

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Em seu último livro, Infocracia [2022], ainda sem tradução no Brasil, Han explora como o “regime de informação” substituiu o “regime disciplinar”. Da exploração de corpos e energias – tão bem analisadas por Michel Foucault em sua época — passamos à exploração de dados. Hoje o signo dos detentores do poder não está ligado à posse dos meios de produção, mas ao acesso à informação, que é utilizada para a vigilância psicopolítica e a previsão do comportamento individual.

Em sua exposição genealógica, Han descreve o declínio desse modelo de sociedade dissecado pelo autor de Vigiar e Punir, e encontra pontes com outros autores do século XX como Hannah Arendt, de quem resgata certas abordagens do totalitarismo. Han diz que hoje estamos submetidos a um novo tipo de totalitarismo. O vetor não é mais o relato ideológico, mas a operação algorítmica que a sustenta.

O filósofo circunda os temas que já havia exposto em outras obras (a compulsão à performance que descreveu em A sociedade do cansaço; o surgimento de um habitante voluntário do panóptico digital, encarnado em A sociedade da transparência; o comodismo frente ao imperativo do like como analgésico do tempo presente, abordado em A sociedade paliativa), mas centra-se na mudança estrutural da esfera pública, atravessada pela indignação digital, que fragiliza o que outrora entendíamos como democracia.

Han argumenta que nesta sociedade marcada pelo dataísmo, o que está ocorrendo é uma “crise da verdade”. Ele escreve: “Esse novo niilismo não significa que a mentira se faça passar como verdade ou que a verdade seja difamada como mentira. Ao contrário, mina a distinção entre verdade e mentira”. Donald Trump, um político que opera como se ele próprio fosse um algoritmo e só se orienta pelas reações do público expressas nas redes sociais, não é, nesse sentido, o mentiroso clássico que deturpa deliberadamente as coisas. “Ao contrário, [ele] é indiferente à verdade dos fatos”, diz o filósofo. Essa indiferenciação, continua Han, representa um risco maior para a verdade do que aquele instaurado pelo mentiroso.

O pensador coreano diferencia os tempos atuais daqueles não muito distantes quando dominava a televisão. Ele define a TV como um “reino das aparências”, mas não como uma “fábrica de fake news”. Destaca que a telecracia “degradava as campanhas eleitorais a ponto de transformá-las em guerras de encenações midiática. O discurso foi substituído por show para o público”. Na infocracia, por outro lado, as disputas políticas não degeneram em espetáculo, mas em “guerra de informação”.

Porque fake news também é, antes de tudo, informação. E sabe-se que “a informação se espalha mais do que a verdade”. Por isso, conclui com o pessimismo que lhe é próprio: “A tentativa de combater a infodemia com a verdade está, portanto, fadada ao fracasso. Ela é resistente à verdade”.

Define a situação atual com uma frase-slogan que o autor de Não-coisas tanto gosta: “A verdade se desintegra em poeira informativa transportada pelo vento digital”.

Mas como essa vítima é varrida pelo vento digital? Como se comporta? “O sujeito do regime de informação não é dócil nem obediente. Pelo contrário, acredita-se livre, autêntico e criativo. Ele se produz e realiza a si mesmo”. Esse sujeito – que no sistema atual também se realiza como objeto – é simultaneamente vítima e vitimizador. Em ambos os casos a arma utilizada é o smartphone.

Por meio dessa ferramenta, a mídia digital pôs fim à era do homem-massa. “O habitante do mundo digitalizado não é mais aquele ‘ninguém’. Mas é alguém com um perfil, enquanto que na era das massas só os criminosos tinham perfil. O regime de informação se apodera dos indivíduos elaborando perfis comportamentais”.

O grande feito da infocracia é ter induzido em seus consumidores/produtores uma falsa percepção de liberdade. O paradoxo é que “as pessoas estão presas à informação. Elas mesmo se colocam grilhões aos comunicar e produzir informações. A prisão digital é transparente”. É precisamente esse sentimento de liberdade que garante a dominação. Por fim, atualiza o mito platônico: “Hoje vivemos aprisionados em uma caverna digital mesmo acreditando que estamos livres”.

É uma revolução nos comportamentos que exclui qualquer possibilidade de revolução política. Diz Han: “Na prisão digital como uma zona de bem-estar inteligente não há resistência ao regime prevalecente. O like exclui qualquer revolução”>

Em tempos de microtargeting eleitoral, porém, ocorre um fenômeno paradoxal: a tribalização da rede. Interesses segmentados que se expressam por meio de discursos previamente elaborados e que aos poucos vão corroendo o que Jürgen Habermas definiu teoricamente como “ação comunicativa”. “A comunicação digital como comunicação sem comunidade destrói a política baseada na escuta”, escreve Han, enfatizando que no antigo processo discursivo os argumentos poderiam ser “melhorados”, ao passo que agora, guiados por operações algorítmicas, dificilmente são “otimizados” em função do resultado que se almeja.

É a direita que a mais capitaliza esse fenômeno de tribalização da rede, assegura o filósofo, porque nessa franja a demanda por “identidade do mundo vital” é maior. Em uma sociedade desintegrada em “irreconciliáveis identidades sem alteridade”, a representação, que por definição gera uma distância, é substituída pela participação direta. “A democracia digital em tempo real é uma democracia presencial”, que ignora sua esfera natural de representação: o espaço público. Isso leva a uma “ditadura tribalista de opinião e identidade”.

O sujeito autoexplorado da sociedade do cansaço, o habitante voluntário da sociedade transparente, o indivíduo que se entrega à sociedade paliativa, também se submete, conclui Han, à fórmula do regime de informação: “comunicamos até morrer”.

*Por Fernando D’Addario, no Pagina 12 | Tradução: Roney Rodrigues

Fonte: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/byung-chul-han-a-infocracia-e-a-caverna-digital/

O poeta que ensandeceu os modernistas

Por Jotabê Medeiros*

O poeta suíço Blaise Cendrars, que viajou pelo Brasil em 1924 a convite de Oswald

Carregando uma mala de 57 quilos contendo três camisas, seis pijamas, um pacote com ninharias para entregar a uma mulher no Rio de Janeiro, dois pares de sapatos, dois ternos e dois sobretudos, entre outras coisinhas, o poeta suíço Blaise Cendrars desembarcou em fevereiro de 1924 do vapor La Formose no porto de Santos, em São Paulo. Uma voz perguntou do cais: “Por acaso o senhor Blaise Cendrars encontra-se a bordo?”, e ao ouvir a resposta, 12 chapéus modernistas se ergueram efusivamente para saudá-lo.

Oswald de Andrade e Paulo Prado chefiavam aquela comitiva de boas-vindas, eles que tinham articulado o “sequestro” do poeta que estava vivendo um período de entressafra em Paris, amuado após uma experiência de cinema mal-sucedida com o amigo Abel Gance. Nos meses que se seguiram (seis meses, que Cendrars computou como nove), essa aventura mudaria substancialmente a poesia modernista que o Brasil faria a partir dali, assim como mudaria para sempre a escrita de Cendrars. Ele publicou suas anotações de viagem marítima (que incluíam outras paragens) em um livro, Diário de Bordo (Feuilles de Route, lançado em dezembro de 1924 com uma reprodução da tela A Negra, de Tarsila do Amaral, na capa). 

Resgatada agora pela Editora 34, a garrafa de náufrago de Cendrars nos traz muito mais coisas em sua bagagem além das utilidades: o livro contém inéditos e reorganiza os textos que Cendrars publicou sobre sua experiência brasileira em revistas, catálogos, artigos e outros livros posteriores. Amigo de Modigliani, Chagall, Léger, autor de libreto de balé de Darius Milhaud, testemunha atuante da revolução russa (vivia em Moscou em 1907), ex-combatente da Legião Estrangeira, o poeta Cendrars era a própria essência do modernismo: seus poemas eram imagéticos, a linguagem rápida e coloquial, o flerte com a cultura da oralidade era radical, os flashes atordoantes e a ironia e o sarcasmo, ultrafinos.

Frente a um País em construção, coalhado de contradições, Cendrars sofisticou ainda mais sua capacidade de observação. Ele imediatamente desconfiou que não devia levar demasiadamente a sério a capacidade (e a real disposição) da autocrítica nacional. “Já não escuto todas as belas histórias que me contam sobre o futuro o passado o presente do Brasil”, escreveu, no poema Ignorância.

É curiosa essa literatura de viagem em forma de poesia. Primeiro, porque se desvencilha resolutamente das supostas regras da objetividade. Claro, Cendrars se deixa levar pelas problemáticas da Nação que se dá a conhecer, mas não compartilha os mesmos juízos de seus anfitriões. Comenta sobre a ambição metropolitana de São Paulo, os dissabores do Rio, mas não condena as coisas da mesma forma apressada que os brasileiros. “Outros lamentam unanimemente a construção de um grande hotel moderno alto e quadrado que desfigura a baía (o hotel é muito bonito)/Outros ainda protestam veementemente contra o arrasamento de um morro”, ele narra, no poema Rio de Janeiro. Não cita nomes, mas refere-se ao Copacabana Palace e ao Morro do Castelo, cujas construção e desconstrução eram objeto de debate nacional àquela altura.

“Já fazia dias que eu intrigava enormemente meus companheiros de mesa/Eles se perguntavam quem afinal eu podia ser/Eu falava de bacteriologia com a sumidade mundial/De mulheres e boates com o comandante/De teorias kantianas sobre a paz com o adido em Haia/De assuntos de frete com o cônsul inglês/De Paris cinema música bancos vitalismo aviação/Hoje à noite à mesa quando eu lhe fazia um elogio/a mulher da sumidade mundial disse/É verdade que o senhor é poeta/Patratas!/Ela ficou sabendo da mulher do jóquei que está na segunda classe”.

Demascarado, o poeta desce dos salões dos navios, onde é tratado como rei, para revelar aos poetas modernistas brasileiros aquilo que estava bem defronte dos seus narizes: a pulsão da língua nova e da realidade crua, elementos que era preciso incorporar à poesia do agora. “Os erros de ortografia e as gralhas me deixam feliz da vida”, escreveu o suíço.

“Pirituba/É uma passagem de nível/Desfila um trem exclusivamente de vagões brancos/com a seguinte inscrição/Sorocaba Sorocaba Sorocaba Sorocaba Sorocaba/Passado o trem há uma cabaninha de taipa/E na soleira/Uma mulher grávida com amarelão carcomida/Dois moleques/E um cachorro baixinho de longos pelos acastanhados/O cachorro é típico me diz o meu amigo quando você viajar/pelo interior vai ver milhares de cabanas semelhantes/e sempre um cão parecido diante da porta isso/quando há uma porta/E esse cachorro não tem raça”.

Sua poesia tem um toque de jornalismo e sociologia fascinante. Contém também as teorias e as novas interpretações fixadas pelos revolucionários. “Sem outra preocupação além de seguir as estatísticas prever o futuro o conforto a utilidade a mais valia”, escreve Cendrars sobre  São Paulo, usando trivialmente o termo cunhado por Proudhon e celebrizado por Karl Marx, “mais valia” (plus-value), para descrever a exploração do trabalho.

“Tinham me dito/Cendrars não vá a São Paulo/É um cidade medonha é uma cidade de italianos é uma cidade de bondes e poeira/Mas é a única cidade do mundo em que os italianos já não parecem italianos/Não sei o que os paulistas fizeram mas moldaram a massa/dos italianos e sobretudo das italianas que aqui são/brava gente a italiana quase aprendeu a se vestir/E isso não é para qualquer um”. 

Cendrars também se mostrava ora escandalizado, ora maravilhado pela forma como os negros se inseriam dentro da sociedade brasileira. Trinta e seis anos após a abolição da escravatura, a submissão da população negra era o mais marcante traço da personalidade social do País. A pintura de Tarsila na capa do “diário” não é por acaso. Cendrars observa as várias amas de leite a bordo de um navio, “as secas e as não secas”, como ironiza. “Uma criança de peito se inclina e faz jorrar um grande seio de negra abundante e maleável como uma penca de bananas”.

“Só as babás têm vontade de dançar metidas em seus belos vestidos/Convido a ama de leite negra para grande escândalo de uns e diversão de outros”, ele escreve, em Baile.

Sua veia humanista se digladia com o legado colonialista de sua origem. “Eu queria ser esse pobre negro eu queria ser esse pobre negro/que fica parado à porta/E então as belas negras seriam minhas irmãs/(…) Eu queria ser esse pobre negro e perder meu tempo”, escreve, em Café-concerto.

“No final da Avenida Higienópolis há uma rotatória/É o ponto final do bonde/Todo dia quando desço há uns negros instalados/à sombra de três grandes árvores/São pedreiros/Almoçam frugalmente e bebem água cristalina/Depois enchem os cachimbos/E tiram uma soneca de barriga para cima enquanto a esposas levam o cesto de comida envolto/num pano escrupulosamente branco”.

As descrições de Cendrars sobre a geografia e a ambiência social parecem feitas hoje, tal a argúcia. “De longe mais parece uma catedral submersa”, diz, de Fernando de Noronha. Os poemas contém um enlevo musical, familiar. “O Pão de Açúcar que os companheiros de Jean de Léry chamavam de Pote de Manteiga” lembra Caetano Veloso e seu verso “O antropólogo Claude Lévi-Strauss detestou a baía de Guanabara, pareceu-lhe uma boca banguela” (O Estrangeiro, 1989).

É uma festa de ritmo, de cadência, de liberação de Blaise Cendrars (1887-1961) e da poesia de uma forma geral. Ele bebe pinga, come carne de tatu, adota saguis e pássaros, anda de carros-de-boi e de calhambeques Marmon conversíveis novinhos em folha.

Samuel Titan Jr. até brinca com sua tradução do livro, fazendo links diretos entre os poemas modernistas mais importantes daquela década e os poemas de Cendrars. Usa a expresssão “minhas retinas fatigadas”, do famoso poema No meio do caminho, de Carlos Drummond, publicado um ano depois do de Cendrars, em 1928, para substituir “mon oeil impérrissable”. Está em um dos textos inéditos no final do volume. Diário de Bordo é uma dos grandes lançamentos de poesia do ano, mesmo com um século de atraso.

* Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

Diário de Bordo. De Blaise Cendrars. Tradução de Samuel Titan Jr. 204 páginas. 65 reais
Fonte:  https://farofafa.com.br/2022/05/28/o-poeta-que-ensandeceu-os-modernistas/

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Professor não é bandido

papel do professor

 

Apoio ao ‘homeschooling’ é parte de cruzada ideológica para desmoralizar docentes, cuja tarefa é estimular o pensamento crítico, e escolas, local da convivência com o diferente

A educação convive historicamente com um paradoxo: espécie de unanimidade, quando se trata de elencar áreas prioritárias para o desenvolvimento, é comum outras ações furarem a fila das prioridades, em geral sob o argumento da urgência de preocupações mais imediatas. Seja como for, a ideia de que a educação é um pilar da sociedade − e que, por isso mesmo, merece atenção e investimento − beira as raias do consenso. Ninguém que se preze, especialmente autoridades e políticos, faz discurso contra a educação. Além de completo e absoluto equívoco, seria um tiro no pé.

Eis que a educação, até então reinante no imaginário da sociedade brasileira, passou a ser alvo de desconfiança. De parcela minoritária, é verdade, mas, ainda assim, estridente, capaz de desviar o foco dos desafios educacionais do País. Pior: gente que conta não só com a simpatia, mas com o apoio explícito e inconsequente do atual presidente da República e de seus seguidores mais entusiasmados.

O alvo da desconfiança, infelizmente, foram as escolas e os professores. De uma hora para a outra, apontaram-se dedos inquisidores para o local frequentado por mais de 40 milhões de crianças e adolescentes no Brasil e, claro, para os profissionais da educação. Chegou-se ao ponto em que alunos foram incentivados a sacar seus celulares e a filmar aulas, com o propósito de denunciar um suposto ativismo político de seus mestres. 

Conforme a retórica dessa acusação − bradada, em geral, com a certeza dos fanáticos −, os professores seriam agentes de uma lavagem cerebral esquerdizante, arquitetada com finalidades puramente ideológicas. Não só isso: a escola, centro de convivência com o outro e, portanto, com o que é diferente, teria virado um lugar ameaçador, capaz de infligir ideias e comportamentos indesejáveis aos filhos das famílias brasileiras. Seria risível, não fosse o fato de que há quem acredite firmemente nesse arrazoado de preconceito, má-fé e, acima de tudo, ignorância sobre o que se passa nas escolas do País.

O ensino domiciliar ou homeschooling, aprovado na Câmara dos Deputados e em vias de ser analisado no Senado, ecoa um pouco dessa visão distorcida sobre o papel da escola. Por óbvio, não se está aqui afirmando que todo defensor do homeschooling esteja imbuído de preconceito. Longe disso. O ensino domiciliar é modalidade adotada em outros países e, desde que siga parâmetros de qualidade e avaliação, poderá, sim, servir de alternativa às famílias que assim o desejarem. Aliás, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que o homeschooling é constitucional, faltando apenas ser regulamentado por lei − o que o Congresso caminha para fazer.

A aprovação do homeschooling, todavia, não deveria, de forma alguma, reforçar nem encorajar discursos que se opõem à escola e que, equivocadamente, tentam desmoralizar os professores, tratando-os quase como bandidos. Ou alguém acha possível construir uma nação justa e desenvolvida sem escolas e sem professores?

Aos professores, pela natureza da função que exercem, cabe acompanhar seus alunos na busca do conhecimento, no desenvolvimento de habilidades e competências e na formação cidadã. Diariamente, em milhares de escolas espalhadas por todo o território nacional, milhões de professores e estudantes renovam esse pacto de construção do saber. O professor, ele próprio o resultado do sistema educacional onde atua, está lá para questionar, para ensinar a pensar e para acompanhar os estudantes na trilha do conhecimento. Como se viu nos últimos dois anos letivos durante a pandemia de covid-19, o fechamento de escolas trouxe prejuízos para a aprendizagem − e não o contrário. 

Os professores são profissionais a ser celebrados. A despeito de condições muitas vezes precárias em que atuam, da falta de carreiras e salários mais atrativos e da descontinuidade de políticas educacionais, eles exercem uma profissão que contribui diretamente para a formação das novas gerações e para o desenvolvimento do País. Nenhum sistema educacional jamais será melhor do que seus professores. Valorizá-los é o primeiro passo. 

 Fonte: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,professor-nao-e-bandido,70004079305 Imagem da Internet

A virtude de uma mulher depende do número de taças de vinho que beber

 Luiz Felipe Pondé*

A arte realizada pelo ilustrador Ricardo Cammarota foi executada em técnica digital, traços finos pretos texturizados, fundo branco com cores vivas - rosa, laranja, azul claro, amarelo, lilás e rosa claro.  A ilustração horizontalizada é uma composição de traços de 6 rostos: 3 deles para à esquerda e outros  3 à direita, parecem estar conversando entre eles. Cada rosto tem uma cor mal contornada, tal qual os traços dos desenhos, que são tortuosos e se intercalam, proporcionando um aspecto de uma ilustração bem livre e solta em seus contornos, que chegam a parecer rabiscos, porque estão as cores e traços sobrepostos.  Sobre esta arte, estão distribuídas várias palavras citadas no texto em letra minúscula e bold de forma, tamanho e inclinações diversas e  distribuídas harmonicamente sobre a imagem. Palavras como ética, histeria, medo, asfixia, moralistas, marketeiros, dignidade, crítica, virtude, espiritual, medo, susto, conceito, revelação, geracão, ressentimento, engajamento, advogados, coletivo, patrocínio, amigos, otimismo liberal, pense fora da caixa… entre tantas outras palavras.
Ricardo Cammarota

Perguntar o que é uma mulher antes envolvia o erotismo da sedução feminina; hoje é uma coisa de gente chata

Máximas são um estilo de escrita em que um argumento é contido numas poucas frases. Modo de expressão típica dos chamados moralistas franceses do século 17, mas não só deles, normalmente ele carrega uma crítica ou uma revelação sobre a vida ou sobre as pessoas. E, se expresso de outro modo, mais longo, perderia grande parte de sua força.

Moralistas franceses do século 17 são filósofos como Blaise Pascal ou "críticos comportamentais", como seria dito hoje, caso de La Rochefoucauld ou La Bruyère, que eram anatomistas da alma humana. Falavam de costumes, humores, "tendências da época", de novo, como seria dito hoje.

Podemos pensar em algumas máximas para uso em nossos tempos atuais.

Parar de usar máscaras no rosto hoje seria reconhecer que a pandemia passou ainda no governo Bolsonaro —esse luxo só deve ser dado ao Lula. Quando ele for presidente de novo, aí, a consciência epidemiológica, finalmente, poderá repousar em paz.

Se você quiser destruir a viagem de alguém a Paris, invente um restaurante que não existe e faça ela ficar procurando no Google como louca por esse lugar, sem saber onde errou nos planos de viagem gastronômica da qual acabou de voltar. Quem será o chef top desse restaurante que só os chiques realmente conhecem?

A mentira hoje é um método.

O feminismo hoje é uma forma de histeria coletiva. Nem Sade foi tão longe no gozo do ódio.

Vocabulário da esquerda Nutella: transfobia, gordofobia, homofobia. Enfim, a política é a neurose da moda.

Maior problema ontológico de nossa era: o que é uma mulher? Antes essa indagação era envolvida no erotismo da sedução feminina. Hoje é pergunta de gente chata.

Existem dois tipos de dinheiro: o meu e o dos outros. Com o dos outros fazem-se projetos sociais para salvar o mundo todos os dias.

Diante do puritanismo que tomou conta dos jovens em nossa época, o mais formal protocolo deve pautar a nossa relação com eles. Nenhum espaço para a informalidade deve existir nas relações.

Não esperem que saia nada de bom das universidades. Elas estão mortas para o gozo do saber. Só há burocratas, Torquemada e marqueteiros.

Todo o lixo que povoa nossa cultura contemporânea faz com que sintamos saudade do tempo em que os Estados Unidos exportavam só Coca-Cola.

Toda a inteligência do mundo hoje em dia está voltada para a geração de demanda e adesão ao consumo de comportamentos, deuses ao portador e, acima de tudo, poses.

A polarização é o ruído natural da estupidez.

A modernidade é, na verdade, um surto psicótico. A condição psicológica da espécie humana sempre foi lábil.

Cursos empresariais contra racismo e assédio só funcionam quando alimentados por rancor, ressentimento e medo.

Frases como "meu corpo, minhas regras" não resistem a uma saia curta e um salto alto.

A ideia de debate hoje é um fetiche cultural, assim como a ideia de consciência crítica.

No fim do dia, o mercado asfixia a inteligência. Esse é o argumento supremo contra o otimismo liberal.

As viúvas da pandemia estão desesperadas. Rezam a cada dia por uma nova variante decentemente mortal.

A política nada mais é que o território da violência.

Quem primeiro despreza a inteligência de uma mulher bonita são as mulheres feias.

O discurso dos homens emancipados é, antes de tudo, uma forma contemporânea do velho medo masculino diante das mulheres.

O destino de um homem depende da sua capacidade de penetrar uma mulher de forma competente.

A virtude de uma mulher depende do número de taças de vinho que ela beber.

Nunca se deve pedir desculpas nas redes sociais.

Se um transexual xingar você, concorde com ele em gênero, número e grau. Do contrário, você perderá emprego, amigos e patrocínio.

Patrocínio hoje é uma forma poderosa de censura.

A dignidade sempre foi uma commodity barata. Quem diz que não tem preço é o mais barato entre todos.

Continua-se comendo todo mundo no ambiente de trabalho. A diferença é que o sexo no meio do expediente virou mercado para os advogados.

Acima de tudo, jamais, nunca, pense fora da caixa no mundo corporativo.

Graça, de um conceito ético e espiritual, passou a significar uma forma de elegância do gesto. É prova evidente da vitória da estética sobre a ética.

*Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e "Política no Cotidiano". É doutor em filosofia pela USP. 29.mai.2022 às 14h00