Lygia Maria*
"Praga". Esse é o termo que a pesquisadora
Camille Paglia usa para se referir ao politicamente correto. A busca
constante por preconceitos nos mais ínfimos detalhes do cotidiano,
segundo ela, se assemelha a um transtorno mental, uma alucinação
coletiva. O que aconteceu no programa "Em Pauta", do canal Globo News, é
prova disso.
Uma jornalista foi repreendida porque falou a palavra "denegrir".
Segundo o apresentador que passou o pito, "não se usa mais essa
palavra". Pelo visto, há por aí uma polícia etimológica. Fato é que a
jornalista pediu perdão e, provavelmente, nenhum outro jornalista da
emissora se atreverá a cometer tal pecado novamente. Se a moda pega,
capaz de a censura atingir outros veículos —o que faz com que esse
problema não seja algo banal.
A justificativa é que o termo "denegrir" associa algo ruim à raça negra,
já que o sentido figurado é "manchar a imagem de alguém". Vinda do
latim "denigrare", o sentido literal é "tornar escuro". Nada a ver com
raça. Mesmo se tivesse origem racista, o uso contemporâneo do termo não
tem. Ninguém pensa em raça quando usa "denegrir". O sentido é sempre
"difamar", "falar mal de alguém".
Logo, ver racismo nessa palavra é uma alucinação. Um delírio de
intelectuais que buscam criar um paraíso igualitário a partir do mundo
das ideias desconsiderando o mundo real.
Estamos criando uma sociedade neurótica e, no limite, paranoica.
Estimulando sensibilidade excessiva através da ignorância em vez de
mobilizar potencialidades através do conhecimento. Um perigo,
principalmente para os mais jovens, e esse é o lado mais perverso da
obsessão pelas palavras. Além disso, fornece-se munição gratuita para
reacionários que usam esses delírios para desmerecer toda a luta antirracista, feminista etc. Até quando vamos fingir que faz sentido proibir palavras em um país no qual chacinas em comunidades pobres fazem parte do cotidiano? Até quando vamos bater palma para alucinações enquanto somos estapeados pela realidade?
* Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. 29.mai.2022
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/lygia-maria/2022/05/delirios-do-politicamente-correto.shtml
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