terça-feira, 3 de maio de 2022

Não ao Condomínio Cais Mauá

 Juremir Machado*


Não ao Condomínio Cais Mauá

Tentaram construir edifícios residenciais no Pontal do Estaleiro. Um plebiscito impediu. Escrevi, na época, um texto, “O pontal da janelinha”, que rodou bastante mostrando o absurdo que era a ideia de dar a tão poucos um privilégio tão grande. Driblaram a decisão e fizeram hotel etc. Agora, com o apetite financeiro de sempre, querem meter 900 apartamentos nas docas como contrapartida à “revitalização” do Cais Mauá. É o golpe de sempre. Não conseguem aceitar que a margem inteira do Guaíba tenha de continuar pública, aparelhada para servir a todos, não a uns poucos aquinhoados e dando lucros astronômicos a empresas associadas ao Estado.

Toda a orla deve ser revitalizada para servir à população da cidade. Parcerias podem ser feitas para usar o espaço como bem público, voltado a todos, sem qualquer tipo de distinção. Na época da polêmica sobre o Pontal do Estaleiro, escrevi: “Acontece que a turma dos camarotes sempre quer andar na janelinha. Tem gente bem aquinhoada querendo se apropriar de uma parte da vista do Guaíba. Dá para entender este desejo de ficar em pé na frente dos outros. Afinal, é o que mais acontece. Até em show. É a lei do mais alto”. Que espertos.

A reação foi forte: “Os ambientalistas são contra. A esquerda atuante apanha, mas não cede. Qualquer um que tenha uma mínima ideia de coletividade, mesmo sem ser militante de qualquer coisa, também não é favorável [...] Quem vai ganhar com isso? Não haveria uma maneira de utilizar a área com um sentido mais público? [...] A discussão a respeito do projeto passa por elementos contraditórios. O primeiro é que até agora não houve propriamente discussão”. E agora? A população será consultada, como naquela vez, sobre “garantir assentos privilegiados a quem puder pagar muito para ler o jornal contemplando o pôr-do-sol no Guaíba sem ninguém na frente”. Repetirei a pergunta: “Por que deixar um espaço tão espetacular restrito ao uso de poucos?

Reafirmo: “O sujeito tem de usar a orla para correr, brincar, pensar na vida, filosofar e refletir sobre a complexa relação entre natureza e cultura”. A revitalização feita até agora está bem. O ideal continua o mesmo: “Agentes imobiliários, empresários da construção civil e toda sorte de idealizadores de ‘utopias’ urbanas para faturamento pessoal ou tribal devem ser mantidos longe do rio. Se for o caso, deve-se fazer uma corrente para abraçar e proteger a orla dos tubarões que compram por pouco para vender por muito”.

Imagino o dia em que proporão fazer o Shopping Usina do Gasômetro, transformar o Mercado Público num moderno shopping envidraçado, sem contar o Shopping Instituto de Educação.

Dubai não é aqui. Não precisamos de nove prédios de cem metros de altura na beira do Guaíba. Sim, podemos fazer algo muito bonito dos galpões abandonados à beira do Guaíba. Mas para uso de todos.

O que está sendo proposto pelo tal Consórcio Revitaliza? Arrumar a área do Cais Mauá, para exploração desse grupo empresarial, em troca de 65 mil metros quadrados das docas, perto da rodoviária, para construção e venda de apartamentos. Não é concessão por tempo determinado. É doação de área pública. Sem necessidade de votação.


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Tem mais: quando da aprovação dos parâmetros para construção no Centro Histórico enfiou-se a área das docas como contrabando na metragem. Ninguém se deu conta. Em 30 dias deve acontecer nova consulta pública. O Ministério Público, com Geraldo Da Camino, já está de olho. A Frente Parlamentar em Defesa do Cais do Porto Público, coordenada pela deputada Sofia Cavedon (PT), está mobilizada, assim como especialistas em urbanismo ligados à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Direto ao ponto: é escandaloso. No plebiscito de 2009 os votantes decidiram que não pode haver moradia na orla.

Para cúmulo da história não foi apresentado na reunião de apresentação da modelagem do projeto estudo do valor imobiliário do precioso quinhão a ser doado em troca da arrumação do cais.

A ideia de bem público para uso público não entra na cabeça dos neoliberais. São seres atrasados que precisam viajar à Europa.

Veriam que a época do privatiza que melhora já passou. 

*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário.

Fonte:  https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-nao-ao-condominio-cais-maua-porto-alegre/ 03/05/2022

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