sexta-feira, 13 de maio de 2022

‘TikTok não é um Cavalo de Troia chinês’, afirma autor de ‘biografia’ da rede social

Chris Stokel-Walker, autor de “TikTok Boom” (Intrínseca) 

Chris Stokel-Walker, autor de “TikTok Boom” (Intrínseca) | Divulgação

Autor do recém-lançado “TikTok Boom” (Intrínseca), espécie de “biografia” do app de vídeos chinês, o jornalista britânico Chris Stokel-Walker falou com a coluna sobre o que faz dele um fenômeno e o que sua ascensão representa para a geopolítica da tecnologia.

O livro joga luz sobre uma trajetória ainda obscura para leitores ocidentais — mesmo aqueles que não conseguem parar de reproduzir as dancinhas popularizadas pelo TikTok… A obra conta como o app foi sendo construído pela gigante ByteDance a partir de diversas aquisições e se impôs por meio de algoritmos substancialmente diferentes daqueles usados por YouTube, Instagram e Facebook.

 É a primeira vez que os americanos estão sendo “obrigados” a usar uma tecnologia que não foi desenvolvida dentro de suas fronteiras. É isso que gera tanta desconfiança por lá. Mas não é assim que o resto do mundo viveu nas últimas décadas? — questiona, em conversa por Zoom de Newcastle upon Tyne (Reino Unido), onde vive.

Após mais de dez anos cobrindo esse ecossistema e de 120 entrevistas feitas especialmente para o livro, ele refuta alertas de autoridades ocidentais:

— Não encontrei provas de que o TikTok seja um Cavalo de Troia chinês. O problema é a forma como usamos redes sociais, não o TikTok em si.

Segundo Stokel-Walker, a despeito de problemas relacionados ao “vício” tecnológico, o TikTok já está mudando a forma como a gente se comunica e está moldando a chamada “economia do criador”. Mas ele acrescenta que as ambições do seu fundador — o enigmático bilionário Yiming Zhang — vão muito além: transformar a ByteDance no sucessor da Google.

Veja abaixo alguns trechos da entrevista.

O que levou ao crescimento meteórico do TikTok nos últimos três, quatro anos?

Primeiro, houve um salto de qualidade e disseminação das câmeras, dos smartphones e da conectividade. Ao mesmo tempo, nos tornamos viciados em vídeo, com a ascensão no YouTube, e isso se acelerou na pandemia. Depois de assistir tanta TV, Netflix e YouTube, as pessoas em quarentena foram atrás do TikTok, com vídeos mais curtos tomando a dianteira. Só em março de 2020, o somatório de tempo gasto pelos usuários no TikTok foi equivalente ao período entre hoje e a Idade da Pedra! E, claro, seu algoritmo conhece as pessoas melhor que elas próprias.

Mas qual a diferença entre o algoritmo do YouTube e o do TikTok?

O YouTube, assim como Instagram e Facebook, depende do chamado “gráfico social”. Ele sugere conteúdo com base no que pessoas parecidas com a gente, nossos amigos e familiares estão vendo. Já o TikTok é baseado no chamado “gráfico de conteúdo”, analisando os vídeos que nós gostamos e entendendo o que nos agrada. Em seguida, ele tenta expandir os temas gradativamente, apresentando conteúdos levemente diferentes. E seu algoritmo é mais treinado: em uma hora, você assiste alguns vídeos no YouTube; no TikTok, você vê dezenas.

Você conclui no livro que não é preciso temer o TikTok, pelo menos não da maneira como sugerem alguns líderes ocidentais. Por que?

Sempre posso estar errado e não sou o melhor jornalista do mundo. Mas também não sou o pior, cubro o assunto há dez anos e tenho boas fontes dentro e fora do TikTok. Se houvesse uma espécie de BatFone entre Xi Jinping e executivos da ByteDance, eu teria ouvido algo a respeito. Adoraria ter descoberto e publicado esse furo (risos)! Mas isso não quer dizer que não haja problemas. Eu mostro como ele enviou dados de candidatos a emprego para a China sem autorização, como tentaram minimizar a transmissão de outros dados de usuários para o país etc. Mas não encontrei provas de que o TikTok seja um Cavalo de Tróia chinês. O problema é a forma como usamos redes sociais, não o TikTok em si.

Mas o TikTok virou uma peça importante do “soft power” chinês?

Sim, ele é útil para a projeção da imagem de um país que está construindo a chamada Nova Rota da Seda, embora não seja algo tão significativo quanto a chegada do McDonald’s à Praça Vermelha, na década de 1990. Mas é a primeira vez que os americanos estão sendo “obrigados” a usar uma tecnologia que não foi desenvolvida dentro de suas fronteiras. É isso que gera tanta desconfiança por lá. Mas não é assim que o resto do mundo viveu nas últimas décadas? É interessante observar como o poder está deixando de ser concentrado no Vale do Silício e assumindo uma perspectiva mais global.

É um novo “momento Sputnik”?

Não acho que seja, mas indica que a norma que fomos forçados a aceitar, de que toda tecnologia precisa ser desenvolvida nos EUA, simplesmente é falsa. O TikTok prova que você pode ser uma empresa global de tecnologia sem estar no Vale do Silício. Isso me anima porque a tecnologia passou a refletir melhor o mundo em que vivemos. Não vivemos em um mundo que parece o Vale do Silício, branco e ocidental.

Como o TikTok está moldando o mundo?

Ele mudou a forma como nos comunicamos. O vídeo está se tornando o formato como as pessoas pensam. Ele mudou a forma como os criadores são pagos, com um fundo próprio para remunerá-los, não necessariamente publicidade. Está mudando a atitude. No YouTube ou no Twitch, os principais criadores investem em equipamentos caros. No TikTok, basta um celular. Os intermediários da cultura estão desaparecendo. E o app está mudando a própria cultura. Veja quantos músicos foram lançados através do TikTok ou mesmo quantos livros foram vendidos por causa dele…

Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com/capital/post/tiktok-nao-e-um-cavalo-de-troia-chines-afirma-autor-de-biografia-da-rede-social.html - 09/05/2022

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