terça-feira, 29 de novembro de 2022

Cristiano Ronaldo, manda-o à merda

 

 

 

 

 

 



1.

Não me levarás a mal que te trate por tu.

Sei que nunca estivemos juntos, que nunca sequer nos cruzámos em lado algum, mas não me soa bem utilizar o você.

Porque tu és uma parte do que somos. Um motivo de orgulho neste país que amamos e desprezamos com igual paixão.

Não me esqueço de tantas coisas que foram importantes. A tua arrogância, tão passível de crítica, sempre foi vista por mim de uma outra maneira, a prova de que não estavas aqui para ser pisado ou humilhado.

A tua autoconfiança, o teu achar que podes sempre ser mais, conseguir mais, não te contentar com menos, sempre foi a prova de que os portugueses não estão condenados a ser párias, atores secundários ou figurantes.

2.

Querido Cristiano Ronaldo

Cada golo teu.
Cada campanha publicitária.
Cada milhão de novos seguidores.
Cada recorde.
Cada indignação, cada entrevista, cada erro até é o resultado do que és, do que te fez chegar aqui, do sofrimento que trazes desde que te lembras, da obsessão de que és dono de ti próprio.

3.

Quando falas és ouvido.

Não há ninguém a quem deixes indiferente.

Amam-te e odeiam-te, mas sempre nos teus termos, sempre nas tuas condições. Desenhaste a tua vida com o que achavas que a tua vida deveria ser, não com aquilo que outros achavam que era o melhor para ti.

Hoje, dia em que a seleção portuguesa se despede do país com um jogo no teu Estádio de Alvalade, os olhos do mundo voltam a estar em ti.

Depois da explosiva entrevista em que decidiste romper com o Manchester United o planeta torna a estar preso naquilo que farás no próximo Campeonato do Mundo.

Uns a babarem-se para que falhes, para que atires ao lado, para que andes a passo e possam dizer que estás velho, que já não és o mesmo, que eles bem diziam.

Outros a quererem muito que tu sejas, pela enésima vez, Cristiano Ronaldo.

O miúdo que estava destinado a não nascer, mas que o instinto final da tua mãe permitiu ver o mundo.

O miúdo que sofreu com o alcoolismo do pai, mas que fez disso uma arma para nunca desistir.

O miúdo que nasceu numa casa muito pobre nos arredores do Funchal, mas que hoje oferece o seu nome ao aeroporto onde chegam todos os dias os milionários que não fazem a mais pequena ideia do que é a miséria.

O miúdo que veio viver para Lisboa sozinho aos 12 anos, o que chorava pela solidão e por o gozarem cada vez que abria a boca. Mas que hoje fala várias línguas sem que se note qualquer pronúncia.

O miúdo que se tornou o melhor do mundo.
Cinco vezes o melhor do mundo.
O maior goleador da história do futebol, da história das seleções, o mais internacional, o que nunca disse não à seleção portuguesa.

E poderias tê-lo feito, Cristiano.
Quem te poderia levar a mal?

És multimilionário, não precisavas de mais nada, mas estás em estágio, vais outra vez cruzar o teu destino com Portugal.

4.

Obrigado por isso.
Obrigado por hoje, no jogo com a Nigéria, poder levar o meu filho Afonso ao estádio para te ver.

Parece que não vais jogar, ouvi ontem o selecionador.

Mas sabes, ele tem cinco anos.

E ainda agora lhe perguntei, estás pronto Afonso?

Sabes o que ele me respondeu?

Estou pai, estou pronto para ver o Cristiano Ronaldo.

É isso, Cristiano.

Segue em frente.
Rebenta com tudo no Catar.

Finta outra vez o destino.

E quanto ao holandês que te treinou nestes meses, só me apetece rir. De que modo se pode comparar o que és a um miserável rodapé da história do futebol?

Como disse o Alberto João Jardim, manda-o à merda.

Sei que já mandaste, mas não há como reforçar.

Fonte:  https://www.tsf.pt/programa/postal-do-dia/cristiano-ronaldo-manda-o-a-merda-15362238.html?utm_source=jn.pt&utm_medium=recomendadas&utm_campaign=rec_edit_externo -Imagem da Internet

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

“Lembre-se de que você é único”: 15 pequenas lições de felicidade do Papa Francisco

                                                                    (Foto: Divulgação)

“A felicidade é revolucionária: tenha a coragem de ser feliz”. Intitula-se Ti voglio felice. Il centuplo in questa vita[Quero-te feliz. O cêntuplo nesta vida] o novo livro do Papa Francisco, que chega a todas as livrarias italianas a partir do dia 16 de novembro.

Publicado pela Libreria Pienogiorno (272 páginas), que administra seus direitos internacionais, em colaboração com a Libreria Editrice Vaticana, o livro representa a conclusão natural do best-seller anterior “Ti auguro il sorriso” [Desejo-lhe o sorriso], que, publicado nas principais línguas por algumas das mais importantes marcas editoriais do mundo e que na Itália já chegou à sua 13ª edição, tornou-se o livro mais difundido do pontífice nos últimos anos.

“Ti voglio felice” é o novo manifesto do Papa Francisco para uma autêntica autorrealização nestes tempos difíceis e entrelaça as palavras do pontífice com as dos livros e dos filmes de que ele mais gostou, de Borges a Dante, de Dostoiévski a Santo Agostinho, de Fellini a Tolkien. Por meio de um caminho concreto que absolutamente não ignora as dificuldades da existência, mas as enfrenta, as sublima, as supera.

O jornal Il Fatto Quotidiano, 16-11-2022, publicou uma prévia do livro: os 15 passos para a felicidade indicados por Francisco. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis os passos.

1. Leia dentro de você. A nossa vida é o livro mais precioso que nos foi entregue, e é justamente nesse livro que encontramos aquilo que se busca em vão de outras formas. Santo Agostinho compreendeu isso: “Entre novamente em você mesmo. No homem interior, habita a verdade”. É o convite que eu quero fazer a todos e que faço também a mim. Leia a sua vida. Leia dentro de você, como foi o seu percurso. Com serenidade. Entre novamente em você mesmo.

2. Lembre-se de que você é único, de que você é única. Cada um de nós está no mundo para se sentir amado em sua singularidade e para amar aos outros como ninguém pode fazer em seu lugar. Você não vive sentado no banco sendo reserva de alguma outra pessoa. Não, cada um é único aos olhos de Deus. Portanto, não se deixe “homologar”: não somos feitos em série, somos únicos, somos livres e estamos no mundo para viver uma história de amor, de amor com Deus, para abraçar a audácia de escolhas fortes, para nos aventurarmos no maravilhoso risco de amar.

3. Faça emergir a sua beleza! Não aquela de acordo com as modas do mundo, mas a verdadeira. A beleza de que eu falo não é aquela curvada sobre si mesma, como Narciso, que, apaixonado pela própria imagem, acabou se afogando no lago onde se refletia. Nem mesmo aquela que faz acordos com o mal, como Dorian Gray, que, passado o feitiço, viu-se com o rosto deturpado. Eu falo da beleza que nunca se apaga, porque é reflexo da beleza divina: o nosso Deus é inseparavelmente bom, verdadeiro e belo. E a beleza é um dos caminhos privilegiados para chegar até Ele.

4. Aprenda a rir de si mesmo. Os narcisistas se olham continuamente no espelho... Eu recomendo que, de vez em quando, você se olhe no espelho e ria de si mesmo. Riam de vocês mesmos. Vai lhes fazer bem.

5. Viva uma saudável inquietação, nos desejos e nos propósitos, aquela inquietação que sempre impulsiona a caminhar, a nunca se sentir “chegado”. Não se isole do mundo trancando-se em seu quarto – como um Peter Pan que não quer crescer – mas seja sempre aberto e corajoso.

6. Aprenda a perdoar. Todo mundo sabe que nem sempre é o pai ou a mãe que deveria ser, o esposo ou a esposa, o irmão ou a irmã, o amigo ou a amiga que deveria ser. Todos estamos “em déficit” na vida. E todos precisamos de misericórdia. Lembre-se de que você precisa perdoar, precisa de perdão, precisa de paciência. E lembre-se de que Deus sempre precede e perdoa você primeiro.

7. Aprenda a ler a tristeza. No nosso tempo, ela é considerada apenas um mal a ser evitado a todo o custo, mas pode ser um sinal de alerta indispensável, que nos convida a explorar paisagens mais ricas e férteis que a fugacidade e a evasão não permitem. Às vezes, a tristeza funciona como um semáforo e nos diz: está vermelho, pare! Acolha-a, seria muito mais grave não experimentar esse sentimento.

8. Tenha sonhos grandes. Não se contente com aquilo que é devido. O Senhor não quer que estreitemos os horizontes, não nos quer estacionados à margem da vida, mas correndo para metas altas, com alegria e com audácia. Não fomos feitos para sonhar apenas com as férias ou com o fim de semana, mas para realizar os sonhos de Deus neste mundo. Ele nos fez capazes de sonhar para abraçar a beleza da vida.

9. Não dê ouvidos a quem vende ilusões. Uma coisa é sonhar, outra é ter ilusões. Quem fala de sonhos e vende ilusões é um manipulador da felicidade. Fomos criados para uma alegria maior.

10. Seja revolucionário, vá contra a corrente. Na cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é “aproveitar” o momento, que não vale a pena se comprometer, fazer escolhas definitivas, porque não se sabe o que reserva o amanhã. Peço que você seja revolucionário, que se rebele contra essa cultura que, no fundo, acredita que você não é capaz de assumir responsabilidades. Tenha a coragem de ser feliz.

11. Arrisque, mesmo que você erre. Não observe a vida da sacada. Não confunda a felicidade com um sofá. Não seja um carro estacionado. Antes, deixe os sonhos florescerem e tome decisões. Arrisque. Não sobreviva com a alma anestesiada e não olhe para o mundo como se fosse um turista. Faça-se ouvir! Expulse os medos que lhe paralisam. Viva! Dê o melhor na vida!

12. Caminhe com os outros. É feio caminhar sozinho. Feio e entediante. Caminhe em comunidade, com os amigos, com aquelas pessoas que lhe amam: isso lhe ajuda a chegar à meta. E, se você cair, levante-se. Não tenha medo dos fracassos, das quedas. Na arte de caminhar, o que importa é não “ficar caído”.

13. Viva a gratuidade. Quem não vive a gratuidade fraterna faz da própria existência um comércio frenético, sempre medindo aquilo que dá e aquilo que recebe em troca. Deus dá de graça, a ponto de ajudar até quem não é fiel, e “faz nascer seu sol sobre os maus e sobre os bons” (Mt 5,45). Recebemos a vida de graça, não pagamos por ela. Portanto, todos podemos dar sem esperar algo em troca. É o que Jesus dizia a seus discípulos: “De graça recebestes, de graça dai” (Mt 10,8). E é o sentido de uma vida plena.

14. Olhe para além da escuridão. Esforce-se para ter olhos luminosos até mesmo dentro das trevas, não deixe de buscar a luz em meio à escuridão que muitas vezes carregamos no coração e vemos ao nosso redor. Levantar o olhar do chão, não para fugir, mas para vencer a tentação de ficar deitado no chão dos nossos medos. Este é o perigo: que sejam os nossos medos que nos sustentem. Ficar trancados nos nossos pensamentos chorando sobre nós mesmos. Este é o convite: levante o olhar!

15. Lembre-se de que você está destinado ao melhor. Deus quer o melhor para nós: quer-nos felizes. Não estabelece limites e não nos pede juros. No reino de Jesus, não há espaço para segundas intenções, para pretensões. A alegria que ele nos deixa no coração é alegria plena e desinteressada. Nunca é uma alegria diluída, mas é uma alegria que nos renova.

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/624037-lembre-se-de-que-voce-e-unico-15-pequenas-licoes-de-felicidade-do-papa-francisco

Angustiada nação do futebol

Torcedores protestam numa partida da Bundesliga em Dortmund.  

Torcedores protestam numa partida da Bundesliga em Dortmund. picture alliance/dpa

A Copa do Mundo no Qatar é ofuscada na Alemanha 

por discussões sobre direitos humanos e raiva da Fifa.


Quando se trata de esporte, a Alemanha se autodenomina uma nação do futebol. A Federação Alemã de Futebol é a maior associação do mundo com mais de 7 milhões de membros, 2,2 milhões de jogadores organizados em mais de 24.000 clubes. O futebol é o esporte mais popular na televisão, especialmente quando as seleções nacionais estão jogando numa Copa do Mundo. Mas desta vez, na Copa do Mundo Masculina no Qatar, as coisas são diferentes – pelo menos no início da Copa do Mundo. Uma pesquisa entre os torcedores mostrou que mais da metade dos entrevistados não planejava assistir “nenhum jogo” durante o torneio. Mesmo que tais números possam mudar no decorrer do torneio e certamente dependendo do sucesso da equipe alemã, nunca houve nada parecido com isto na Alemanha.

Em outra pesquisa, dois terços acharam que era muito ou inteiramente errado que a Copa do Mundo fosse realizada no Qatar. Isto coincide com o protesto visível e gritado de muitos torcedores nos estádios alemães durante os jogos da Bundesliga, que precederam a Copa do Mundo.

O debate sobre os direitos humanos se sobrepõe ao esporte

Há muitas razões para este clima, mas as mais discutidas certamente são a situação dos direitos humanos, especialmente a repressão à comunidade LGBTQI+ e a proibição legal da homossexualidade no Qatar. Além disso, existem as condições de vida dos trabalhadores nas obras da Copa do Mundo, que têm sido fatais por muitos anos, mas que, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), melhoraram consideravelmente por último, também devido à pressão internacional. Mas, com o momento incomum no inverno alemão, sem festas populares da torcida e telões públicos, o desgaste da associação mundial de futebol Fifa, a situação mundial incerta, a crise energética e a inflação também contribuíram para a falta de interesse.

A ministra alemã das Relações Externas, Annalena Baerbock, fala o que a maioria das pessoas na Alemanha provavelmente está pensando, quando ela sublinha a importância primordial dos direitos humanos, por um lado, e expressa compreensão pela situação dos atletas, por outro. “Nosso mundo é baseado nos direitos humanos e é por isso que os direitos humanos são indivisíveis. Isso se aplica tanto às conferências climáticas quanto aos grandes eventos esportivos”, disse a ex-atleta de competição. Ao mesmo tempo, “quando os atletas participam de tais eventos, eles não devem ser punidos, se outras coisas não dão certo politicamente”, acrescentou a ministra. “E é por isso que estou mantendo meus dedos cruzados, é claro, não apenas pelo time alemão, mas por todos”, porque, “eu sou um grande fã do futebol”. Ela também tem isso em comum com muitos alemães.

O goleiro alemão Neuer veste a braçadeira “One Love” durante um jogo-teste.
O goleiro alemão Neuer veste a braçadeira “One Love” durante um jogo-teste. picture alliance/dpa

Impopular federação mundial Fifa

Participar e protestar é também a atitude da Federação Alemã de Futebol (DFB). O avião, em que a seleção nacional alemã voou para os preparativos da Copa na vizinha Omã, foi adornado com a mensagem “Diversidade Ganha”. No entanto, a DFB, juntamente com outras seis associações europeias, não conseguiu vencer a resistência da Fifa e decidiu não deixar seu capitão de equipe usar uma braçadeira com o lema “One Love”. A Fifa havia proibido o “slogan”, em si mesmo inofensivo, e ameaçado não só com multas mas, segundo a DFB, com consequências “maciças”. O jogador da seleção alemã Leon Goretzka afirmou: “Como time, nós saudamos todos os sinais de diversidade e contra a discriminação. Nós não queremos construir rixas, mas pontes. Símbolos, como a braçadeira do nosso capitão, devem manifestar exatamente estes sinais e contribuir para o diálogo”. A reputação da Fifa na Alemanha, má já de antemão, foi completamente arruinada com isso. O diário “Süddeutsche Zeitung”, por exemplo, escreve sobre “métodos como num filme de gangsters”, e um dos maiores grupos varejistas da Alemanha suspendeu imediatamente seu patrocínio da DFB. Embora a concessão da Copa do Mundo de 2006 à Alemanha também seja suspeita de corrupção, a concessão das Copas do Mundo à Rússia em 2018 e ao Qatar em 2022 deu prosseguimento a essa triste “normalidade” da corrupção.

Pintura especial do avião no voo da seleção alemã para o Omã.
Pintura especial do avião no voo da seleção alemã para o Omã. picture alliance/dpa

DFB apoia o Nepal

De qualquer maneira, a DFB passou desde então por um doloroso e muitas vezes caótico ato de autopurificação – e é uma defensora ferrenha dos direitos das minorias e dos trabalhadores explorados. O presidente da DFB, Bernd Neuendorf, apresentou um projeto no Qatar, no qual 200.000 euros da fundação da equipe nacional alemã beneficiarão uma Vila Infantil SOS para órfãos no Nepal, em cada um dos próximos cinco anos. Daquele país vêm muitos trabalhadores para o Qatar. Trata-se de evitar uma nova geração de trabalhadores migrantes e, portanto, de melhorar as condições das pessoas no seu país de origem, disse Neuendorf.

© www.deutschland.de

Fonte:  https://www.deutschland.de/pt-br/topic/vida/alemanha-copa-do-mundo-direitos-humanos-qatar-fifa?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=KW47_2022

Você no futuro

Ruy Castro*

 

Apoiadores de Bolsonaro assistem ao debate do segundo turno
 na TV Bandeirantes pelo celular - Rivaldo Gomes - 16.out.22/Folhapress

Cientistas se preocupam com os efeitos em quem passa o dia olhando para um smartphone

Antes que me acusem de aversão à tecnologia e de querer voltar à era do orelhão, aviso logo. Os dados dos parágrafos seguintes foram levantados por instituições como as Universidades de Toledo (Ohio) e da Carolina do Sul, o Hospital de Coluna Och (NY) e a empresa de telecomunicações Toll Free Forwarding, todas nos EUA, e publicados na revista BMJ Global Health, reconhecida pela OMS. Gente séria, como se vê.

Os dados se referem aos impactos provocados pela adesão maciça a certas tecnologias. Um deles, causado pelos fones de ouvido, já é perceptível: a sinaptopatia coclear — perda de contatos sinápticos entre as células ciliadas da cóclea. Eu sei, parece piada de stand-up búlgaro, mas significa que a pessoa está ficando surda. A culpa é dos decibéis que entram pelas orelhas e, graças aos fones, podem chegar a 112 dB (o limite ideal é de 80 dB para adultos e 75 dB para crianças). O problema não são os fones nem importa que se esteja escutando João Gilberto ou os Rolling Stones, e sim o volume.

Mas o grande vilão para os cientistas é o smartphone, e o que ele gerará de alterações nas novas gerações. Entre as consequências de ficar o dia todo olhando para a tela, estão o esforço extra que os músculos do pescoço têm de fazer para sustentar a cabeça baixa, o desequilíbrio na coluna, uma irreversível corcunda e algo que deveria preocupar os vaidosos: o queixo duplo.

Pela posição com que passam horas segurando o smartphone, o cotovelo em 90 graus também pode provocar um desgaste nos ligamentos e a mão evoluir para um formato de garra. E não está descartado o futuro surgimento de uma segunda pálpebra, para proteger os olhos da luz do dispositivo.

Mas os que estão mais sujeitos a uma consequência grave são os bolsonaristas. Pelo lixo que engolem dia e noite pelas redes sociais, já não distinguem um fato das fake news que eles mesmos inventam.

* Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues. 

Fonte:  https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2022/11/voce-no-futuro.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newscolunista 28/11/2022

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2022/11/voce-no-futuro.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newscolunista

Sou contra a 'escola em casa' porque as famílias não estão com a bola toda

Luiz Felipe Pondé*

Ilustração de Ricardo Cammarota para a coluna de Luiz Felipe Pondé
 

Quem defende 'homeschooling' acaba pedindo a Deus ou a extraterrestres para dar um golpe de Estado no Brasil

Sou contra. "Homeschooling", ou "escola em casa", é uma daquelas modinhas que a direita brasileira importou da direita americana, como arma para todos e fake news como liberdade de expressão. O maior argumento contra os bobocas da direita hoje é eles terem vícios semelhantes aos inteligentinhos da esquerda: importar todo tipo de lixo americano. Os EUA são o maior produtor de lixo cultural do mundo.

Sou contra a "escola em casa" porque não acho que as famílias estão com essa bola toda. Assim como desconfio de gente que quer ficar falando de sexo —ou similares— com crianças, desconfio de pais que querem educar seus filhos em casa.

O argumento máximo a favor da escola formal é a pluralidade de ambientes que ela oferece. Claro que nessa pluralidade vai todo tipo de risco, mas quem disse que as famílias não são um risco também? Principalmente aquelas que querem ter o monopólio dos "valores" —eita expressão brega essa "valores"— na formação dos filhos. Acho gente muito esquisita esse povo que defende a "escola em casa".

Evidente que há uma parte da escola que acontece em casa. Pais que se importam tanto com a escola deveriam tirar dez em toda tarefa para casa dos filhos. Mas, não. Quem defende a "escola em casa" o faz por uma forma peculiar de arrogância. Entende a si mesmo como especialista em tudo.

No lado diametralmente oposto aos pais que correm atrás de especialistas de forma paranoica para fazer diagnósticos psicopatológicos dos filhos, os defensores da "escola em casa" são também uma forma teratológica —não sabe o que é? Olhe no Google— da paternidade e maternidade loucas do mundo contemporâneo.

Não duvido que existam países que pratiquem essa forma de escola. O que por si, não prova nada. Mas, a realidade do Brasil é que a "escola em casa" é capricho de classe média obcecada com ser a única fonte de mundo dos filhos —o que, por si só, já deve levantar suspeitas. Quem defende a "escola em casa" acaba pedindo a Deus ou a extraterrestres para dar um golpe de Estado no Brasil.

A realidade do Brasil é "escola em lugar nenhum" porque grande parte das crianças não vão a escola nenhuma. Grande parte das famílias não tem estrutura para garantir nem a ida das crianças para a escola formal, quanto mais "escola em casa". Por isso, toda essa discussão é jogar no lixo tempo de resolução para os problemas sérios da educação no Brasil.

Não entremos aqui num debate profundo sobre educação porque ela simplesmente não comporta profundidade nenhuma. A questão é urgente demais para as complexas combinações da inteligência. A questão é puro desespero. É necessário botar as crianças na escola porque do contrário o país vai para o saco, mais do que já está. E escola aqui é escola formal, onde elas deviam passar o dia todo.

Sim, a educação é rasgada por modas ideológicas, professores pregadores, infraestrutura lixo. As escolas privadas são empresas submetidas ao mercado e a queda na natalidade. As universidades são instituições em que burocratas, marqueteiros e politiqueiros dominam o território. Aluno importa como renda. A gente sabe disso tudo. Não há nenhuma grande teoria na educação afora muita idealização da própria atividade ou modas de autoajuda e motivacional. Ou ela é política, ou é psicologia ou é vendas. Por isso mesmo não cabe nenhuma profundidade no assunto.

O problema é mais de engenharia do que de ciências humanas. Quando uma situação fica tão miserável quanto a educação no Brasil, a única atitude possível é a busca do razoável. No caso, instalações decentes, professores treinados, crianças com dentes na boca, ambiente seguro, comida sem veneno, carga horária completa, ler, escrever, fazer conta, aprender a conviver com outras crianças que serão os adultos do futuro.

Vale acrescentar que a família brasileira é, em grande parte, tão miserável quanto as outras instituições brasileiras. Portanto, esse fetiche com uma educação em que a família é responsável pelos "valores" —de novo essa expressão brega— a serem passados para os filhos é papo furado. Arrogância e blá-blá-blá.

* Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e "Política no Cotidiano". É doutor em filosofia pela USP. 

Ilustração de Ricardo Cammarota para a coluna de Luiz Felipe Pondé 

Fonte:  https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2022/11/sou-contra-a-escola-em-casa-porque-as-familias-nao-estao-com-a-bola-toda.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newscolunista

A função da linguagem na construção do autoengano bolsonarista

 Por Jair de Souza*

Foto: Twitter/Reprodução

O povo brasileiro está vivenciando um momento crucial para a história de toda a humanidade. O porvir dos embates que estão se desenrolando em nosso país vai ser também, em grande medida, determinante para o desenlace da luta global contra o ressurgimento do nazismo.

A análise da evolução histórica do capitalismo nos mostra que o fascismo é um dos recursos extremos ao qual as forças do grande capital apelam em seus intentos de aniquilar a resistência popular em períodos de sérias crises existenciais para esse sistema de exploração social. As peculiaridades adotadas pelo fascismo sofrem variações em função das especificidades presentes em cada povo, região ou momento em que o mesmo aparece.

No Brasil da atualidade, em razão de seu acentuado caráter racista, o fascismo apresenta-se com uma faceta mais afinada com o nazismo hitlerista do que com a vertente mussoliniana com a qual despontou na Itália. E, precisamos dizê-lo sem subterfúgios, em nossas terras tupiniquins, o nazismo se incorporou adotando as formas típicas do bolsonarismo. Para que não subsista nenhuma dúvida, o bolsonarismo é, sim, a feição com a qual a mais extremada corrente ideológica do grande capital se impôs em solo brasileiro. Portanto, para todos os efeitos práticos, um bolsonarista pode e deve ser equiparado a um nazista.

Porém, analogamente ao que sucedeu quando o movimento comandado por Adolf Hitler começou a ganhar expressão na Alemanha, é a inoculação virulenta de um ódio cego e doentio contra certos grupos humanos o que também dá o tom na aglutinação das forças da podridão bolsonarista no Brasil. Por aqui, a herança do colonialismo acentuou o ódio de classe a o acoplou à perfeição ao ódio de raça, uma vez que, entre nós, ser pobre e ser negro são quase que sinônimos.

Os pilares da ideologia bolsonarista, assim como os de sua inspiradora alemã, não se sustentam na verdade. No entanto, a essência de sua existência mentirosa jamais é admitida. Em contraposição a suas principais características efetivas, o bolsonarismo costuma adotar palavras e explicações inteiramente opostas aos objetivos práticos que persegue com tenacidade. Em outras palavras, é a hipocrisia que permeia, norteia e prevalece em tudo o que diz respeito ao bolsonarismo. Para melhor expressar este fenômeno, vamos dar umas breves pinceladas em alguns dos principais pontos desta nefasta maneira de ver e sentir o mundo.

Reconhecidamente, os bolsonaristas estão entre os maiores entreguistas que nossa pátria já produziu. Todos eles odeiam a mera possibilidade de imaginar que o Brasil se torne uma nação livre, independente e soberana. Segundo eles, nosso país e nosso povo deveriam se manter inteiramente subjugados ao domínio e aos interesses das grandes potências do capitalismo ocidental, em especial, dos Estados Unidos. Ultrapassando inclusive os desígnios de Donald Trump, os bolsonaristas cultivam irrestritamente a ideia do “America First” (“Os Estados Unidos em primeiro lugar”). O acolhimento do termo América em referência exclusiva aos Estados Unidos é outro ponto que reforça o nível de sua submissão ideológica a seus mentores estadunidenses.

Assim, já se tornou habitual na gestão bolsonarista de governo isso de vestir a camiseta amarela da seleção, cantar o hino nacional, gritar loas a nossa pátria, ao passo que o petróleo e nossas principais riquezas naturais vão sendo entregues a grupos capitalistas estrangeiros.

Não obstante serem notórios por seu elevado grau de depravação, a começar pelo de seu expoente máximo, por sua falta de apego à moralidade ou   à ética, os bolsonaristas gostam de se apresentar como paladinos da defesa das tradições familiares e dos bons costumes. Porém, basta fazer uma sondagem pelos buscadores da internet para constatar que quase todos os casos recentes de podridão moral têm como protagonistas gente marcadamente associada ao bolsonarismo. Apesar disto, eles persistem na afirmação de que estão engajados numa guerra sem quartel em defesa da família, da moral e dos bons costumes.

No tocante à religião, o bolsonarista é um típico inimigo de tudo o que a figura de Jesus simboliza. Se o nome de Jesus está intrinsecamente ligado à justiça, à solidariedade, à fraternidade, à paz e ao amor, a motivação que impulsa os bolsonaristas vai em sentido diametralmente oposto. Os bolsonaristas vivem em função do ódio, da opressão, da guerra, da injustiça e do egoísmo. Se em seu legado de vida Jesus nos ensinou a repartir o pão e a amparar os mais necessitados, os bolsonaristas, por sua vez, cultuam a diabólica teologia da prosperidade, ou seja, aquela ideologia com a qual seus adeptos se aferram a seus mesquinhos interesses egoístas. Em outras palavras, não existe nenhuma possibilidade de ser seguidor de Jesus tendo por base essa desumana maneira de pensar.

Nos últimos tempos, vem-se evidenciando que a base de apoio do bolsonarismo político está constituída majoritariamente por seguidores de igrejas que se dizem cristãs, tanto de denominações evangélicas como católicas. Como admitir que um cristão de verdade seja também um bolsonarista convicto? Há uma contradição insuperável nessas duas categorias. Assim como ninguém pode servir a Deus e ao diabo ao mesmo tempo, não existe nenhuma possibilidade de se estar bem com Jesus e com o bolsonarismo. O bolsonarismo sintetiza a perversidade contra a qual Jesus sempre lutou.

Nenhuma pessoa em sã consciência refutaria que os postulados da famigerada teologia da prosperidade vão inteiramente na contramão de tudo o que Jesus sempre pregou em sua vida. Aqueles que se atrevem a fazer a defesa do bolsonarismo por meio do nome de Jesus sabem que estão agindo sorrateiramente para inculcar nos mais incautos valores que têm muito mais a ver com a maldade inerente ao capitalismo selvagem, com a essência do nazismo, ou seja, do bolsonarismo.

Portanto, não devemos permitir que nenhum bolsonarista possa se valer da manipulação para impor interesses que atentam contra o conjunto de nossa nação. Nosso povo aspira a um mundo de justiça, de solidariedade, de amparo aos mais carentes, de amor e de paz. Para contribuir com a luta no rumo desses objetivos, devemos travar uma forte batalha contra os preconceitos do nazismo e de sua versão brasileira, o bolsonarismo. Por mais que faça uso deturpado da linguagem, o bolsonarismo se caracteriza pela maldade que lhe é intrínseca.

Todos os que nos interessamos pelo estudo da linguagem temos clareza do poder que as palavras exercem sobre nossa própria mente. Muitas vezes, elas são empregadas com o propósito de autoengano, buscando justificar um posicionamento em favor de causas que sabemos não serem dignas. Em vista disto, cabe a cada um de nós desmascarar a hipocrisia praticada pelos bolsonaristas na tentativa de suavizar sua consciência diante das atrocidades induzidas por suas práticas malignas.

*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ
Fonte:  https://desacato.info/a-funcao-da-linguagem-na-construcao-do-autoengano-bolsonarista/

Raphael: «Para nada en la vida ser humilde sobra»

 

Raphael: «Para nada en la vida ser humilde sobra»

Un suelo cualquiera se convierte en escenario cuando lo pisa Raphael (Linares, 1943). Y el telón en este teatro será inexistente para que nunca baje. El lado bueno de este artista es el izquierdo para los asuntos de la imagen. Han pasado 53 años de la publicación de Aquí! (Hispavox, 1969) y sigue calcando el mismo perfil que enseñaba en aquella portada: mirada distante pero directa, con el cuello cubierto. Escribía Robert Louis Stevenson en El extraño caso del doctor Jekyll y el señor Hyde (Longmans, Green & co, 1886) que «el hombre no es uno realmente, sino dos». Y en el caso de Raphael, él sigue siendo aquel.

Es la una y cuarto de la tarde y Raphael está haciendo una entrevista por teléfono mientras pasea por las oficinas de su discográfica. Acaba de despachar a otro medio hace unos minutos. Le preguntan por la actualidad con cierto puntillismo, por lo que se intuye, pero tiene cintura (y tablas de sobra) para responder a ciertas cuestiones. Cuenta en su haber discográfico con 84 discos publicados a lo largo de una carrera de casi 60 años. Hoy, departe sobre Victoria (Universal, 2022), compuesto y producido por Pablo López, que ha aceptado un encargo de los que ponen a prueba la madera del músico. A la una y media, Raphael cuelga y se prepara para la siguiente y última entrevista, esta que usted está a punto de leer.

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–Como escribe Gabriel García Márquez en Cien años de soledad, ¿el llanto más antiguo de la historia del hombre es el llanto del amor?

–Gran amigo… Es una pregunta con muchísima profundidad, pero yo diría que sí.

–¿Por qué razón?

–Porque lo ha dicho Gabriel García Márquez… (risas) y Márquez pesa mucho.

–Era amigo tuyo.

–Mucho.

–Y Cien años de soledad tu libro favorito…

–Sí, mucho. Recuerdo la época que él vivió en México. Éramos muy íntimos. Hacíamos paellas los domingos y esas cosas.

–¿¡Paellas!?

–Bueno, arroz… Éramos un grupo de gente maravilloso. Eran tiempos maravillosos… ¡Qué pena!

–¿Cuál es tu Macondo?

–Está en el aire.

–¿Como el amor?

–No sé si como el amor, pero está en el aire.

–¿Sigues sintiéndote un águila?

–Soy un poco águila, sí.

–¿Solo un poco?

–No. Soy un águila. Un pajarito no soy. (Risas)

–Pero eres tauro, que dicen estar con los pies en la tierra.

–Sí, es verdad. Pero soy águila también. Si yo me tuviera que dibujar, sería el águila que agarra al toro y lo lleva porque tiene la ventaja de que vuela.

–Y tiene buena vista.

–No necesita gafas. (Risas)

–Francisco Umbral te definió como «la expresión viva de nuestro kitsch. Una muestra del barroco sentimental».

–¡Chúpate esa mandarina! ¿Qué quiere decir?

–Pues…

–Vamos a despertarle y que nos lo cuente. (Risas) Ya sabes cómo era nuestro querido amigo. El día que presentó un libro mío (¿Y mañana qué?), a la mitad dijo que, ya desde entonces, esa parte le interesaba menos porque ya me iba bien. Vamos, que a él le gustaba cuando yo lo pasaba mal. (Risas)

–«Todo escritor profesional sabe que es más interesante la pobreza que la riqueza, más sugestivo el fracaso que el éxito, es más importante [Fiodor] Dostoievski que Corín Tellado», añadió.

–No… Que si no, muerto de hambre, no tiene ni para comer. ¿Qué mérito tiene? Esas cosas de son Paco Umbral… ¡Un genio!

–¿Te olvidas de ti mismo?

–No. Nunca. Ni me olvido de mí, ni de los míos. Nunca.

–¿En ningún momento?

–A veces sí, también, pero menos. A veces quisiera no verme un poquito ahogado por las situaciones; si no estoy bien, si estoy enfermo, siento que es un agobio, porque, para mí, cantar es un alivio. Entonces si ese día no estoy bien y yo sé que no lo estoy, siento un agobio tremendo.

"Si no estoy bien, si estoy enfermo, siento que es un agobio, 
porque, para mí, cantar es un alivio"

–Y eso que haces conciertos de dos horas y media o tres…

–Pero eso es igual. Hay días que no estás para dos horas y media ni para tres segundos. Hay días que no estás.

–¿Hablamos solo de la voz, de lo que tú sientas?

–Del estado. Hay días que no estás. Hay días que yo no me levantaría de la cama para nada, estaría durmiendo eternamente. Afortunadamente muy pocas veces me ha pasado eso, pero me ha pasado. En una vida tan larga profesionalmente pasa de todo.

–Cuando viste aquel teatro portátil en Cuatro Caminos, tú querías ser artista, ¿pero haciendo qué? ¿Valía solo con estar en el escenario?

–Exactamente. No artista… ni actor tampoco. Yo quería estar en el escenario, porque desde los cuatro años estaba en el escenario. Era la voz principal del coro y sin mí no se podía hacer nada.

–¡Como ahora!

–(Risas) Muchos años después. Entonces decidí que yo iba a ser de esos que estaban ahí arriba y no abajo aplaudiendo. No tenía yo idea de qué. Me imagino que de ser el solista del coro, yo era un niño que se las sabía todas. Cuando me examiné… ¿Sabes que los artistas, los que queríamos estar en esta profesión, teníamos que examinarnos?

–Sí. Y os daban un carnet.

–Sí. Pues a mí no me dejaron cantar. Salí y estaban Augusto Algueró, los hermanos García Segura, Agusto Algueró padre, Antonio Ruiz… Era una cosa con un pianista. Me llamaron: «¡Rafael Martos!». Y yo salí… pero ni canté. «Basta, se puede marchar», me dijeron. Fue en el Teatro Fuencarral de Madrid. «¿Cómo?», pregunté. «Que se puede ir, se puede ir». Y me fui llorando. Supuse que era un suspenso como la catedral de Burgos.

"Aquello se había roto y volvía solo con todos los honores al Teatro de Bellas Artes y México cuando yo ya era conocido"

–¿Cuánto tiempo estuviste en realidad en el escenario?

–Solo pude pasearme. O sea, el tiempo de salir, llegar al centro y al piano. Nada, 20 pasos. Y al mes siguiente, cuando pusieron los nombres, fui a la puerta y leí varios nombres conocidos, pero al único que habían aprobado era a mí. Cosa inverosímil. ¡Si no me habían dejado cantar! Pasaron dos o tres años y me encontré a Antonio (Ruiz), que trabajó con Los Chavalillos de España. Aquello se había roto y volvía solo con todos los honores al Teatro de Bellas Artes y México cuando yo ya era conocido. Dijo: «Inviten a Raphael, que además es amigo mío». Yo no tenía nada contra él, al contrario; le admiraba mucho siempre. «Pero Antonio… ¿Cómo que me invitas ahora? ¿Tú sabes lo que hiciste conmigo?». Se sorprendió: «¿Tú eras aquel niño?». Le contesté que sí, entonces me volvió a decir: «es que saliste de una manera…». Esa explicación, tres años después… ¡Imagínate! Si en la nota hubiera puesto «privado» y me hubieran dicho «es que vas a ser una estrella», ¿para qué íbamos a perder el tiempo? Era un trámite y me dejaron tres años sufriendo. (Risas)

–¿Cómo es eso de que actúas sin un telón para que nunca caiga?

–Yo nunca he dicho eso. Pero está bien… Me gusta.

–Se lo dijiste a Jesús Quintero.

–¿Eso lo he dicho yo? ¡Olé! Fíjate que no lo dudo. Es que va a ser horroroso, ¿tú te imaginas el último día? ¡Qué horror!

–¿Sabremos cuándo será el último día?

–Yo sí lo sabré.

–¿Cómo vas a saberlo?

–Porque habré decidido que pase. No voy a hacerlo de improviso.

–¿Estás preparado?

–Claro. Es que, si no estoy preparado, me da un síncope.

–¿Y ese día habrá telón?

–Y se moverá despacito.

–«No me he perdido ni una vez», cantas en Desde el principio. Siendo tan largo el camino, desde luego tiene mérito.

–Sí, pero esa es la fantasía de Pablo (López), que me quiere mucho y es un fan tremendo y saca todas esas cosas buenas de mí.

–¿Cómo ha sido la composición de ese disco? Manuel Alejandro escribía canciones pensando en ti, pero Pablo López es de otra generación mucho más posterior.

"Cuando quedamos en vernos Pablo y yo, le dije que quería que me hiciera un disco. No una canción e ir probando, no; un disco entero. Se puso verde"

–Cuando quedamos en vernos Pablo y yo, le dije que quería que me hiciera un disco. No una canción e ir probando, no; un disco entero. Se puso verde. (Risas) Yo sabía que podía, porque tenía talento de sobra. Soy andaluz y eso lo sabemos. Además, le vi de pequeñito en un parque de atracciones que hay en Málaga. Su madre era una fanática, raphaelista hasta la médula, igual que todos los hermanos. «Yo sé que tú lo vas a hacer de maravilla, porque vas a estar escribiendo como si lo hicieras para el sum sum corda», le dije. Y así fue, efectivamente. No he tenido que decirle nada de nada de nada.

–Con Pablo López ya habías cantado con anterioridad.

–Es el mismo caso que el de Vanessa Martín. Convoqué, para el disco Infinitos bailes, a gente nueva. Mi hijo pidió unas canciones a Vanessa Martín para mí. Ella se enteró y me llamó, y fue a verme al WiZink. «Maestro», me dijo. «Me han contado que has pedido una canción mía». «Sí. ¿Te importa?». «Pero maestro… Yo le hago a usted la canción. No va a cantar cualquier cosa». Y ella empezó a trabajar y me hizo la canción. En ese grupo estaba también Pablo, que me trajo una canción [Semilla o flor] que era como un geranio, una cosa muy modesta. Un día vino a verme a un sitio en el que yo tocaba y me cantó, delante del público, Escándalo al piano. ¡Quitó a mi pianista y se puso él! Ese chico era pa’ mí. (Risas) Después quedé con él en su casa y ahí empezó la historia. Sus hermanos son fanáticos no, lo siguiente, y yo estuve viéndole en el Teatro Rialto en Madrid. Tiene tanto estilo… Lo tenemos los andaluces. En fin, en ese concierto, en vez de hablar de mí, se puso a tocar Yo soy aquel y todo el teatro empezó a buscarme hasta que me encontraron. Todo el mundo se puso en pie para ovacionarme. La gente bramó y Pablo no se aprovechó de la situación. Es un chico muy humilde.

–Para escribirte una canción o hacerte un disco, ¿hay que ser humilde?

–No sobra. Para nada en la vida ser humilde sobra.

–Estaba pensando en José Luis Perales.

–Perales es un tipo maravilloso, un tipo así también, como Pablo, y el más gracioso del mundo.

–¿Por?

–¿Tú no le has oído contar chistes?

–Le he entrevistado solo una vez.

–Pues si lo vuelves a entrevistar, dile de mi parte me que nadie en el mundo cuenta chistes como él. Es famoso. Cuenta unos chistes que te mueres.

Victoria es tu disco… ¿84?

"Yo debo de confundir los originales con las cientos de regrabaciones mías porque Riders in the sky está grabada tres veces, incluida en inglés"

–Yo en esto tengo mis dudas, pero seguramente tengan razón. Entre ellos está mi hijo, que no deja pasar una, pero yo debo de confundir los originales con las cientos de regrabaciones mías porque Riders in the sky está grabada tres veces, incluida en inglés. Eso ha abultado mucho y lo han dejado pelao.

–Llegaste a cantar Riders in the sky con Tom Jones…

–Sí. Canta muy bien.

–Comprende que impresiona…

–Y a mí también. Además, le regalé la camisa que yo llevaba.

–¿La negra?

–Sí. Se la puso y le quedaba bien. Buena gente el «minero» de Gales.

–¿Cuál ha sido el artista con el que te has sentido más pequeño estando a su lado?

–No, pequeño no.

–¿Ni con Rocío Jurado?

"Yo a Rocío la tenía en los altares. Tan buena, con esa voz que era toda la que quería y más..."

–No. Yo a Rocío la tenía en los altares. Tan buena, con esa voz que era toda la que quería y más… Un día, en un avión, yo iba en business y ella atrás. Me había buscado por el aeropuerto y me trajo un angelito que estaba tocando el tambor. Se acercó con él y me dijo: «Mira, este angelito tamborilero se muere por ir contigo tocando el tambor». Era maravillosa.

–¿Te llamaba…?

–Rapi. Mi Rapi.

–Nunca coincidisteis en el estudio para grabar Como yo te amo.

–No. Siempre era en estudios de televisión y la calidad no era la buena.

–Gabriel García Márquez decía que el secreto de una buena vejez no era otra cosa que un pacto honrado con la soledad. ¿Raphael no tiene soledades?

–No, pero podría tenerlas. Pero, a lo mejor, en estos tiempos en los que estoy dispuesto a entregar todo lo que tenga, mi conformismo me lleva al momento de hacer un pacto: «no me hagas daño, trátame bien».

–¿Eres conformista? ¿He escuchado bien?

–Soy conformista. Cuando ya no puedo hacer nada… Yo, primero lucho, pero no me voy a pasar la vida luchando por una cosa que no puede ser. Llegará un momento en el que piense: «¿Pa’ que? ¡Que le den!»

–¿Sigues pensando que morir en el escenario es antiestético?

–¡Sí!

–¿Por qué?

–Es el último momento que te van a ver tus fans y la gente que te quiere. ¡No! La estética es muy importante.

–¿Hasta el final?

–Sí. Hasta el final.

Fonte:  https://www.blogger.com/blog/post/edit/1573693655200632246/4591788618899339310