sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Existe psicopatia infantil? O tema após um massacre de pets

Por Isadora Rupp

Imagem de câmara de segurança mostra um garoto de camiseta azul em cima de uma cadeira enquanto pula cercado em fazendinha de animais

 

FOTO: Reprodução Garoto pula cercado em fazendinha de animais

Discussão surgiu após menino matar 23 animais de pequeno porte no interior do Paraná. Termo foi abandonado em manual mais recente de diagnóstico de transtornos mentais

Uma criança de 9 anos de idade invadiu um hospital veterinário e matou 23 animais de pequeno porte – a maioria coelhos e porquinhos-da-índia. O caso ocorreu no domingo (13) em Nova Fátima, interior do Paraná, e chocou a cidade de pouco mais de 7.000 habitantes. 

O episódio também suscitou debates nas redes sociais sobre se a atitude da criança é algum tipo de “psicopatia infantil”. 

Neste texto, o Nexo explica se esse tipo de transtorno existe e como a criança que matou os animais deve ser acompanhada. 

O caso em Nova Fátima 

No domingo (13), uma criança de 9 anos invadiu um hospital veterinário na cidade de Nova Fátima, interior do Paraná, e matou 23 animais de pequeno porte, como coelhos e porquinhos-da-índia. 

Imagens de câmeras de segurança do local mostram o menino, acompanhado de um cachorro, chegando ao espaço por volta das 19 horas. Ele pulou o muro e soltou os animais, que estavam em um cercado. 

Segundo a médica veterinária Brenda Rocha Almeida Cianciosa, uma das sócias do local, imagens das câmeras de segurança mostram que o garoto ficou cerca de 40 minutos no local chutando os bichos. Alguns foram arremessados contra a parede e tiveram as patas arrancadas. A Polícia Militar disse que alguns animais foram esquartejados. 

O local onde os bichos estavam acomodados tinha sido inaugurado no dia anterior, em comemoração ao Dia das Crianças. O hospital fez uma espécie de “mini fazendinha” para visitação. O autor do ataque estava na inauguração junto com um grupo de crianças. 

Em entrevista para a TV Record, Cianciosa lamentou o episódio. “Foi muito triste. Um dia antes, a gente tinha acabado de realizar um sonho. No outro dia, nos deparamos com essa cena horrível”, afirmou.  

Segundo a PM, o menino mora com a avó e não tem histórico de violência. Ainda de acordo com os policiais, ele deu detalhes sobre como realizou as ações. A conversa com a criança ocorreu na presença da avó. 

Por ter apenas 9 anos de idade, o menino é inimputável e não pode ser responsabilizado, conforme determina o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). O caso foi apresentado para a Polícia Civil. Cabe ação indenizatória contra os responsáveis pelo menino. 

O que é psicopatia 

O episódio repercutiu nas redes sociais e comentários questionaram se o menino poderia ser diagnosticado com “psicopatia infantil” por conta da sua atitude – de ter participado da inauguração da fazendinha e voltado no dia seguinte para maltratar e matar os animais. 

Para o psicólogo Maycon Torres, professor do Departamento de Psicologia da UFF (Universidade Federal Fluminense), é preciso voltar à evolução histórica do termo “psicopata” dentro da psiquiatria para explicar o fenômeno. 

Segundo ele, no século 19, qualquer pessoa com um transtorno mental era vista como psicopata. Com a evolução do saber psiquiátrico, o termo ficou muito restrito a um perfil de pessoas que têm como principal traço fazer mal a outras pessoas. 

“São pessoas que têm noção da regra, das leis, sabem o que é certo e errado, mas apresentam algum tipo de prazer e algum tipo de ganho em fazer mal a outras pessoas. É onde entram os serial killers, por exemplo”, disse Torres ao Nexo

Atualmente, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria, abandona o termo psicopata e traz a noção de transtorno de personalidade antissocial. São pessoas sem nenhum deficit cognitivo, com plena capacidade de compreensão das regras, mas que têm um padrão persistente e repetitivo de fazer mal a outras pessoas. 

“Não necessariamente na radicalidade do assassinato, mas de enganar, mentir, ter uma tendência à agressão física e verbal, tendência à agressão sexual, e não apresentam necessariamente nenhum tipo de remorso. Elas conseguem fazer uma justificativa para todos os seus atos”, afirmou o psicólogo. 

De acordo com Torres, esse diagnóstico só pode ser fechado em uma pessoa após os 18 anos: justamente porque entende-se que a infância e a adolescência são períodos de mudanças hormonais, cerebrais e de comportamento, e de desenvolvimento no contexto de educação, familiar e social. 

O transtorno de conduta 

Na infância e na adolescência, quando o indivíduo apresenta problemas no controle de emoções, violação de direitos do próximo, conflito com normas e figuras de autoridade que geram prejuízos ao funcionamento social da criança e do adolescente, a psiquiatria identifica o transtorno de conduta. 

O transtorno de conduta começa na infância e é percebido em atos que transgridem regras sociais e ferem o direito dos outros de forma repetitiva. Maus tratos aos animais é um dos sinais de alerta. A doença é mais prevalente no sexo masculino. 

De acordo com a psiquiatra Gabriela Queiroz Pinheiro, do  Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo), o desenvolvimento do transtorno de conduta pode ser uma predisposição genética ou a consequência de fatores biológicos, psicológicos e sociais. 

Em entrevista ao Jornal da USP, a médica afirmou que falta de afeto na infância, exposição a conflitos familiares e violência doméstica, maus-tratos e vizinhança de risco podem contribuir para que o transtorno de conduta se manifeste. 

Segundo Pinheiro, a doença pode gerar, no futuro, o transtorno de personalidade antissocial, que também é mais frequente entre os homens e pode ser caracterizado como uma consequência do transtorno de conduta.

  Embora a condição seja complicada, ela é tratável, e pode ser revertida ou ao menos amenizada. O tratamento envolve acompanhamento psicológico e psiquiátrico, treinamento de habilidades sociais e acadêmicas e desenvolvimento de pontos fortes do paciente. 

“As intervenções e acompanhamento são possíveis. Psicoterapia e grupos terapêuticos vão ajudar esse sujeito a entender o que os atos significam e de que forma ela pode estabelecer laços, para melhorar a qualidade do laço social com o outro”, disse Torres. 

O acompanhamento necessário 

No caso do menino que matou os animais em Nova Fátima, o psicólogo Maycon Torres afirmou que um único episódio de violência, por mais chocante que seja, não pode ser considerado um sintoma ou uma característica de transtorno mental, ou algo determinante para fechar um diagnóstico de transtorno de conduta. 

“Temos que considerar que crianças podem, sim, apresentar alguns traços de maldade contra animais ou contra crianças menores do que elas. É um fenômeno relativamente comum elas beliscarem ou machucarem, mas dentro de limites. O que a gente tem que ficar mais atento é ao padrão de repetição. Se a partir de um episódio o mesmo episódio se repete, aí sim, é sinal de maior atenção”, disse Torres. 

De acordo com o psicólogo, a criança autora dos ataques deve ser acompanhada em uma estratégia que envolva o Conselho Tutelar, escola, família e atendimento em saúde mental – o dispositivo de saúde mental responsável pelo atendimento de crianças e adolescentes é o Capsi (Centro de Atenção Psicossocial). 

“É importante uma atenção em relação a ele, porque foi um episódio violento e impulsivo que violou o direito de outras pessoas. Não significa que a criança vai ter que ser acompanhada pelo resto da vida ou sofrer alguma intervenção medicamentosa. É importante um acompanhamento intersetorial que tome cuidado em não sentenciar essa criança a um futuro nefasto. Um episódio só, por mais grave que seja, não significa que o futuro esteja determinado”, afirmou Torres. 

De acordo com o jornal O Globo, o Conselho Tutelar de Nova Fátima informou que a criança e os familiares já estão passando por tratamento psicológico e recebendo assistência de profissionais. 

Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/10/17/psicopatia-infantil-menino-de-9-anos-mata-animais-no-parana?utm_medium=email&utm_campaign=Nexo%20%20Hoje%20-%2020241017&utm_content=Nexo%20%20Hoje%20-%2020241017+CID_8237265ab495f1bbf171fa5c669dbd7c&utm_source=Email%20CM&utm_term=Existe%20psicopatia%20infantil%20O%20tema%20aps%20um%20massacre%20de%20pets

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