quarta-feira, 9 de outubro de 2024

No mundo rico, os idosos nunca tiveram tanto dinheiro. Nem foram tão avarentos

Por The Economist

Os baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964) têm bolsos cheios, e a escolha de onde gastar exercerá uma enorme influência no crescimento econômico global.

 Os baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964) têm bolsos cheios, e a escolha de onde gastar exercerá uma enorme influência no crescimento econômico global. Foto: luciano - stock.adobe.com

Os baby boomers, nascidos entre 1946 e 1964, acumularam grande riqueza; mas, em vez de gastar, estão tentando preservá-la ou mesmo aumentá-la

Os baby boomers nasceram entre 1946 e 1964, e são a geração mais sortuda da história. A maior parte desse recorte, que totaliza 270 milhões de pessoas em todo o mundo rico, não combateu em guerras. Alguns puderam ver os Beatles ao vivo. Eles cresceram com uma forte expansão econômica.

Nem todos são ricos, mas, no seu conjunto, acumularam grande riqueza, por causa de uma combinação de taxas de juros em queda, desaceleração na construção de habitações e rendimentos elevados. Os baby boomers americanos, que representam 20% da população do país, possuem 52% da riqueza líquida nacional, no valor de US$ 76 trilhões.

Agora que está se aposentando, o que essa geração fará com seu dinheiro? A questão é importante para mais do que apenas operadoras de cruzeiros e clubes de golfe. Os boomers têm bolsos cheios, e a escolha de onde gastar exercerá uma enorme influência no crescimento econômico global, na inflação e nas taxas de juros.

Mas acontece que os boomers são notavelmente mesquinhos – não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo rico. Eles não estão gastando sua riqueza, e sim tentando preservá-la ou mesmo aumentá-la. A grande questão para a economia nas décadas de 2020 e 2030 não será a razão de os boomers gastarem tanto, como muitos previam, e sim por que eles gastam tão pouco.

Os economistas têm um modelo simples de como as pessoas gastam à medida que envelhecem. Na juventude, as despesas das pessoas excedem seus rendimentos, pois elas contraem empréstimos para investir no ensino ou para comprar a sua primeira casa. Na meia-idade as pessoas acumulam dinheiro para a aposentadoria. E na velhice gastam mais do que ganham, financiando seu estilo de vida com a venda de bens (como casas) e a poupança.

Muitos pesquisadores que seguem essa “hipótese do ciclo de vida” argumentam que, à medida que os boomers se aposentam, o resultado serão taxas de juros e inflação mais elevadas. Um número crescente de boomers gastando livremente exigirá bens e serviços de um conjunto cada vez menor de trabalhadores, levando a uma elevada inflação salarial.

Conforme os boomers deixam de acumular riqueza e passam a gastá-la, o equilíbrio global entre poupança e investimento mudará, levando a juros mais elevados, sugerem Charles Goodhart e Manoj Pradhan, talvez os mais famosos defensores desse ponto de vista.

No entanto, evidências recentes lançaram dúvidas sobre a noção de que uma onda de gastos estaria a caminho. Itália e Japão, os países de média etária mais alta do mundo, apresentam inflação e taxas de juro baixas há anos. Os acadêmicos apontam para o “quebra-cabeça da desacumulação de riqueza”, uma observação de que os mais velhos gastam o seu lucro mais lentamente do que prevê a hipótese do ciclo de vida.

Um artigo de 2019 de Yoko Niimi e Charles Horioka, dois economistas, observa que as pessoas no Japão gastam apenas 1% a 3% do seu patrimônio líquido por ano, o que significa que muitos morrem ricos. Na Itália, Luigi Ventura, outro economista, e Horioka concluem que 40% dos idosos aposentados continuam a acumular riqueza. Ao caminhar por qualquer cidade italiana, a mensagem é clara. Os italianos idosos gostam de conversar – e isso é grátis.

Nossa análise indica que o enigma da desacumulação da riqueza está se tornando ainda mais intrigante, pois os boomers são mais avarentos do que as gerações anteriores.

Algumas evidências vêm dos mercados financeiros. Os gestores de investimentos criaram índices que acompanham os preços das ações de empresas que têm um bom desempenho quando os mais velhos gastam muito.

Um índice produzido pela provedora de dados MSCI inclui empresas que fornecem tratamentos para doenças relacionadas com a idade, lazer e turismo, e produtos antienvelhecimento para a pele.

Nos cinco anos mais recentes, o índice teve um desempenho inferior ao do mercado de ações, registrando um retorno de um ponto percentual a menos por ano em uma base anualizada. Os investidores apostam que os boomers sejam acumuladores, e não esbanjadores.

Como os idosos estão se comportando pelo mundo

Analisamos dados dos lares de vários países ricos. Falemos primeiro dos EUA. No passado recente, os idosos se comportaram em grande parte conforme o esperado pelos modelos econômicos.

Em meados da década de 1990, as pessoas com idades entre 65 e 74 anos gastavam 10% mais do que ganhavam, consumindo a sua riqueza.

Mas, desde 2015, as pessoas deste grupo pouparam cerca de 1% do seu rendimento. Os boomers também são mais propensos do que as gerações anteriores a dizer que poupam, indica uma pesquisa do Federal Reserve. Em 1995, 46% dos lares de aposentados afirmavam ter poupado no ano anterior. Em 2022, 51% dos lares de aposentados o faziam.

No Canadá, a taxa de poupança das pessoas com mais de 65 anos caiu durante a década de 2000. Mas, por volta de 2015, depois de os boomers terem começado a se aposentar, o declínio cessou. Mais recentemente, a taxa aumentou.

Na Coreia do Sul, entre 2019 e 2023, a taxa de poupança das pessoas com mais de 65 anos saltou de 26% para 29%, um aumento maior do que em outros grupos etários.

Na Grã-Bretanha, os aposentados gastam uma parcela cada vez menor do que recebem. Na Austrália, no início da década de 2000, as pessoas com mais de 65 anos não poupavam quase nada do seu rendimento. Em 2022, economizaram 14% disso.

Na Alemanha, de 2017 a 2022, a taxa de poupança dos aposentados aumentou de 17% para 22%. E, no Japão, a taxa de poupança para os idosos disparou. Os aposentados representam cerca de 40% dos gastos totais dos consumidores no Japão, menos do que há uma década, embora haja muito mais deles.

Poucos boomers estão mudando para casas menores, o que liberaria dinheiro para as coisas boas da vida. Os boomers com ninhos vazios possuem 28% das casas americanas com três ou mais quartos, de acordo com a Redfin, uma empresa imobiliária.

Todo boomer que se preze tem um quarto vago. Na verdade, na Inglaterra, cerca de 20% de todos os quartos são quartos extras.

Um apartamento espetacular com vista para o Coliseu, de propriedade de Jep Gambardella, o protagonista de 65 anos de “The Great Beauty”, um filme sobre os boomers de Roma, acomoda sete pessoas. Apenas Jep mora lá.

Pelo menos eles sabem festejar

Talvez os boomers parem de acumular. Muitos são mais saudáveis do que os seus antecessores, o que lhes permitiu adiar a aposentadoria e acumular mais riqueza.

Em todo o clube da OCDE, constituído maioritariamente por países ricos, a participação na força de trabalho de pessoas com idades compreendidas entre os 55 e os 64 anos atingiu recentemente um nível histórico de 66%, acima dos 58% registrados em 2011. Os governos introduziram legislação contra o etarismo, encorajando as pessoas mais velhas a aderirem ao mercado de trabalho.

No entanto, pode haver forças mais profundas em jogo, tornando os boomers relutantes em gastar o que ganharam e, por sua vez, pressionando para baixo as taxas de juro e a inflação. Três fatores se destacam: “deixar uma herança”, a pandemia de covid-19 e preocupações com os cuidados.

Muitos boomers reconhecem a sorte que têm por terem acumulado tamanha riqueza. Eles querem transmiti-la aos seus filhos, muitos dos quais estão lutando para comprar uma casa ou pagar as mensalidades da faculdade.

A pesquisa de Ventura e Horioka, centrada na Europa, conclui que o desejo de deixar uma herança muitas vezes contribui em grande medida para explicar por que razão os aposentados não gastam a sua riqueza.

É difícil avaliar se os boomers têm um desejo de deixar uma herança mais forte do que as gerações anteriores, embora algumas evidências apontem nesta direção.

O fluxo de heranças dos mortos para os vivos, como porcentagem do PIB, está aumentando rapidamente em todo o mundo rico. Os americanos herdam cerca de 50% mais anualmente do que herdavam anualmente nas décadas de 1980 e 1990, por exemplo. Os irlandeses herdam cerca do dobro.

Depois, houve a pandemia. Os idosos enfrentaram graves riscos diante da covid. Muitos desenvolveram hábitos de eremita, dos quais lutam para se livrar. Em 2022, os boomers norte-americanos gastaram 18% menos em termos reais em jantares fora do que em 2019.

Os chefes da Darden Restaurants, que administra redes como Olive Garden, uma franquia de massas, observaram recentemente que a freguesia com mais de 65 anos “ainda está abaixo do que era antes da covid”.

Na Itália, outro local onde se come massas, os gastos dos aposentados em restaurantes estão caindo rapidamente. Ao saborear um negroni em um bar com vista para o Coliseu, percebemos gente da geração Y, da geração X e alguns membros da geração Z.

Mas, se são tão ricos, onde estão todos os boomers? Agora que compram menos experiências, muitos acumulam riqueza quase por acidente.

O último fator é o “risco de longevidade”. Muitos boomers viverão até os 100 anos ou mais, o que significa que muitos passarão um terço de suas vidas na aposentadoria.

Isto representa um encargo financeiro, especialmente para aqueles que eventualmente poderão necessitar de cuidados médicos 24 horas por dia.

De acordo com uma pesquisa do Employee Benefit Research Institute, um centro de estudos, nos EUA a porcentagem de aposentados muito confiantes de que terão “dinheiro suficiente na aposentadoria” caiu de mais de 40% em meados da década de 2000 para menos de 30% hoje.

Esses medos estão mudando o comportamento. Um estudo realizado pelo Institute for Fiscal Studies, um centro de estudos britânico, conclui que aqueles que acreditam ter probabilidade “zero” de necessitar de pagar por cuidados de longa duração gastam mais rapidamente a riqueza.

No entanto, para muitas pessoas que se preocupam com a possibilidade de eventualmente perderem a mobilidade ou desenvolverem demência, os riscos de gastar muito hoje parecem grandes demais. Um artigo de 2014 calcula que 13,5% da riqueza agregada americana é atribuível à poupança para despesas médicas na velhice.

Analisando o caso do Japão, Niimi e Horioka chegam a uma conclusão extraordinária. Muitos aposentados japoneses não estão apenas poupando para os custos dos seus próprios cuidados, mas também para os dos seus pais, que ainda estão vivos. Em um mundo envelhecido, cuidar do básico parece mais urgente do que desfrutar de drinques em frente ao Coliseu. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Fonte:  https://www.estadao.com.br/economia/the-economist-idosos-ricos-avarentos/

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