Por Guilherme d'Oliveira Martins
De 14 a 20 de outubro de 2024
O Papel da Literatura na Educação (Paulinas,
2024) da autoria do Papa Francisco constitui uma importante reflexão
sobre a importância da leitura, da literatura e da arte como fatores de
enriquecimento humano e de emancipação.
UMA CARTA OPORTUNA
A carta intitulada O Papel da Literatura na Educação (Paulinas,
2024) da autoria do Papa Francisco constitui uma boa surpresa e uma
leitura para todos, que pretende despertar para o amor pela leitura,
propondo uma nova atitude para os cristãos em geral, para os candidatos à
formação eclesiástica e para os leitores em geral, visando abrir espaço
à leitura de obras literárias. A função pedagógica da obra é, assim,
evidente, constituindo um precioso apelo à valorização do livro e da
leitura. De facto, a literatura tem um efeito, inequivocamente positivo,
de "educar o coração e a mente do pastor" para "um exercício livre e
humilde da própria racionalidade", bem como para o "reconhecimento
fecundo do pluralismo das línguas humanas". Deste modo, ler amplia a
sensibilidade humana e permite "uma grande abertura espiritual". De
facto, deve haver uma preocupação dos cristãos de "tocar o coração dos
seres humanos contemporâneos para que eles possam comover-se e abrir-se
diante da proclamação do Senhor Jesus". "A contribuição que a literatura
e a poesia podem oferecer é de valor inigualável". Contudo, se o Papa
refere em especial o caso dos cristãos, pode considerar-se que esta
carta é dirigida a todas as pessoas, considerando a leitura e a arte
fatores de aproximação entre todos no sentido do respeito mútuo, da
imaginação, do pluralismo e da criatividade. São incontestáveis os
benefícios de um bom livro que, "muitas vezes no tédio das férias, no
calor e na solidão de alguns bairros desertos", torna-se "um oásis que
nos distancia de outras escolhas" e que, em "momentos de cansaço, raiva,
deceção, fracasso", pode ajudar-nos a superar tais momentos e a "ter um
pouco mais de serenidade". Porque talvez "essa leitura abra novos
espaços interiores" que nos ajudem a não nos fecharmos "naquelas poucas
ideias obsessivas", que "nos prendem de maneira inexorável". Aliás,
muitas vezes as experiências com redes sociais têm conduzido a um
fechamento ou a uma lógica de circuito fechado, que a literatura e a
reflexão contrariam. E o Papa Francisco recorda que as pessoas
costumavam dedicar-se à leitura com mais frequência "antes da
onipresença dos meios de comunicação social, das redes sociais, dos
telefones celulares e de outros dispositivos". Enquanto um produto
audiovisual pode ser "mais completo", a verdade é que "a margem e o
tempo para 'enriquecer' a narrativa ou interpretá-la são geralmente
reduzidos", todavia a leitura de um livro desafia o leitor a um papel
mais ativo, porque a obra literária é "um texto vivo e sempre fértil".
Acontece que, quando lê, “o leitor é enriquecido com o que recebe do
autor", tantas vezes distante no espaço e no tempo, mas que nos permite
ir além e isso permite fazer florescer a riqueza de sua própria pessoa.
Assim, importa alcançar um acesso privilegiado, através da literatura,
ao coração da cultura humana e, mais especificamente, ao coração do ser
humano. Porque, na prática, a literatura tem a ver "com o que cada um de
nós deseja da vida" e "entra em uma relação íntima com nossa existência
concreta, com as suas tensões essenciais, com os seus desejos e os seus
significados".
AS VIRTUALIDADES DA LEITURA
O
Papa Francisco adverte ainda para que não se leia por obrigação,
devendo-se selecionar as leituras "com abertura, surpresa e
flexibilidade". E assim enuncia as consequências positivas que decorrem
do "hábito de ler", como ajuda a "adquirir um vocabulário mais amplo", a
desenvolver a própria inteligência, a estimular a imaginação e a
criatividade, permitindo que as pessoas aprendam a exprimir as suas
narrativas de uma forma mais rica, melhorando a capacidade de
concentração, reduzindo os níveis de deficit cognitivo, e
acalmando o stress e a ansiedade. Em termos concretos, a leitura
"prepara-nos para compreender e, assim, enfrentar as várias situações
que podem surgir na vida", continua Francisco, "ao ler, mergulhamos nas
personagens, nas preocupações, nos dramas, nos perigos, nos medos de
pessoas que acabaram por ultrapassar os desafios da vida". E com Jorge
Luis Borges podemos chegar a definir literatura como a possibilidade de
"ouvir a voz de alguém". E esse alguém, próximo ou distante no tempo e
no lugar, torna-se um valioso companheiro, com quem temos possibilidade
de dialogar, transformando esse intercâmbio num fator de compreensão
mútua e de reconhecimento comum.
A literatura permite, afinal, “fazer eficazmente a experiência da vida”.
E se a nossa visão ordinária do mundo é “reduzida” e limitada pela
pressão que os objetivos operacionais e imediatos do nosso agir exercem
sobre nós “também o serviço – cultual, pastoral, caritativo – pode
tornar-se” somente algo a fazer, o risco passa a ser o cair na busca
duma “eficiência que banaliza o discernimento, empobrece a sensibilidade
e reduz a complexidade”. Assim, na "nossa vida quotidiana", devemos
aprender “a distanciarmo-nos do imediato, a reduzir a velocidade, a
contemplar e a escutar. Isto pode acontecer quando, de modo
desinteressado, uma pessoa se detém para ler um livro. É necessário
“recuperar formas hospitaleiras e não estratégicas de relacionamento:
ocorre distância, lentidão, liberdade para uma abordagem da realidade,
em palavras simples, a literatura nos permite "treinar o nosso olhar
para buscar e explorar a verdade das pessoas e das situações", "nos
ajuda a dizer nossa presença no mundo". Além disso, insiste o Papa,
"lendo um texto literário" vemos através dos olhos dos outros,
desenvolvemos "o poder empático da imaginação", "descobrimos que o que
sentimos não é só nosso, é universal, e, por isso, até a pessoa mais
abandonada não se sente só”. E assim descobrimos que aquilo que sentimos
não é apenas nosso, é universal, e por isso descobrimos alguém que nos
acompanha.
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