Perspectivas:
Tempestade à vista: envelhecimento,
mais globalização e disputas geopolíticas .
Robert Shapiro:
enquanto a globalização aumenta o retorno dos investimentos,
a competição segura os salários
Futurologia não é um exercício a ser levado muito a sério. Mas há modos e modos de imaginar horizontes. E este livro de Robert Shapiro - ex-subsecretário de Comércio dos Estados Unidos (1998-2001), principal conselheiro econômico de Bill Clinton e conselheiro de Al Gore e John Kerry - não se perde em leviandades. O autor até admite onde pode errar. O resultado é uma leitura inquietante.
Três forças globais, segundo Shapiro, estão se combinando para formar uma "tempestade" que varrerá o planeta num prazo de 10 ou, no máximo, 15 anos: o envelhecimento da população, o aprofundamento da globalização - sobretudo a dos serviços - e o rearranjo da geopolítica mundial em torno de uma única potência militar e econômica: os Estados Unidos.
O envelhecimento da população e seus diversos impactos sobre a contabilidade da previdência social, impostos, mercado de trabalho, salários e renda das famílias já constitui sério problema em grande parte dos países. China, Estados Unidos e Japão, por exemplo, compensaram a queda de produtividade com a desregulamentação de mercados, investimentos em tecnologia ou com políticas de imigração. O mesmo se vê na Europa.
Mas Shapiro traça um cenário ainda mais dramático: até 2020, a população idosa, no mundo, crescerá de 35 a 60%, forçando a elevação dos gastos públicos, o aumento de tributos e os déficits dos governos. Na Europa, o número de idosos que recebem pensões públicas e assistência médica aumentará cerca de 3% por ano, nos próximos dez anos, enquanto o total de habitantes em idade de trabalho cairá em torno de 1%. No Japão, o número de idosos equivalerá a mais de metade da população economicamente ativa. E esse [e um problema que só tenderá a se agravar: o número de crianças japonesas e europeias que, quando adultas, estarão trabalhando e pagando impostos em 2025 e 2035 está caindo mais rapidamente do que a população economicamente ativa.
Enquanto a população envelhece, a globalização se aprofunda. Em 2020, a maior parte dos produtos manufaturados e dos serviços consumidos por europeus, americanos e asiáticos terá origem em países em desenvolvimento, porque ali se pagam baixos salários. A China e a Indonésia produzirão bens pesados para o mercado europeu; a Turquia e a Romênia, para a Europa; e a América Latina, para o mercado americano. As manufaturas pesadas importantes terão desaparecido das economias avançadas.
Os serviços terão destino semelhante. O desenvolvimento de softwares permitirá às companhias fracionar um serviço complexo - de projeto de pesquisa e desenvolvimento a diagnósticos médicos, passando por áreas de controle de estoque - e distribuir tarefas entre empresas capacitadas em qualquer parte do mundo. A exemplo do que tem ocorrido com a manufatura, os preços dos serviços cairão, assim como a oferta de emprego nos países desenvolvidos.
Sem alternativas para elevar preços, nesse cenário demograficamente explosivo e de concorrência global, as empresas se voltam para empregos e salários para cortar custos. O céu já se tornou cinzento sobre a Europa e os Estados Unidos, onde renda e emprego estão estagnados ou em queda. Dez em cada 100 trabalhadores americanos estão desempregados e 4,5 milhões vivem do seguro-desemprego.
Quando as mudanças demográficas e as pressões econômicas entrarem em rota de colisão, uma parcela de rendas da sociedade será reivindicada para pensões públicas e serviços de assistência à saúde, por meio da elevação de impostos e desaceleração dos investimentos.
Nesse cenário, os conflitos internacionais não assumem a forma de confronto entre países poderosos, mas de tensão entre países conectados por redes globais de comércio e informação e países fora desse circuito. Assim, "órfãos ideológicos" do socialismo bradam contra as instituições responsáveis pela administração de interesses econômicos divergentes (OMC, FMI etc.) ou atacam os direitos tradicionais de propriedade intelectual, açulados pelo Brasil, Argentina e Índia, afirma Shapiro.
O terrorismo islâmico inscreve-se na mesma órbita periférica à globalização. Coreia do Norte e Irã poderão confrontar os Estados Unidos e aliados, mas Shapiro descarta a eventualidade de conflitos entre grandes potências. Não obstante, considera provável que a China, em 2020, terá se tornado concorrente militar do poder americano e estará disputando influência no Norte, Sul e Sudeste da Ásia.
As três "forças históricas", como ele diz, aprofundarão a desigualdade econômica no planeta: enquanto a globalização aumenta o retorno dos investimentos, a competição segura os salários. Mais que isso: a ideia substituirá ativos fixos como fonte de riqueza. Hoje, dois terços do valor contábil de uma grande companhia já são seus ativos intangíveis - patentes, direitos autorais, bancos de dados, marcas e qualificação de recursos humanos.
A prosperidade dos países, nos próximos dez anos, dependerá da capacidade de lidarem com essas três forças. As perspectivas, na China são mais positivas: a força de trabalho ganhará 90 milhões de pessoas até 2015, quando o efeito da baixa fertilidade começará a aparecer. Em 2020, o país poderá estar em primeiro lugar, no mundo, em termos de comércio global, e será grande investidor em empresas americanas e europeias, contanto que seu antiquado setor de serviços e o sistema financeiro não prejudiquem o progresso.
Shapiro não aprofunda a análise das perspectivas de futuro dos países latino-americanos. Aqueles que permanecerem "fechados" e não investirem em infraestrutura e em educação ficarão entre os perdedores. Políticas de estímulo ao empreendedorismo e redução das restrições a investimentos estrangeiros estão entre as recomendações de Shapiro. Mas, para manter o progresso nos próximos 10 a 15 anos, os países em desenvolvimento - inclusive a China - terão, sobretudo, de aceitar o "limite estratégico dos negócios modernos", representado pela proteção da propriedade intelectua
"A Previsão do Futuro"
Bloomberg
Robert J. Shapiro. Tradução de Mario Pina. Best Business.
518 págs., 64,90
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Reportagem: Por Claudia Izique , para o Valor, de São Paulo
Fonte: Valor Econômico online, 31/08/2010