quinta-feira, 31 de março de 2011

Manuel Castells - Entrevista

''As redes sociais ajudam a democracia''. Entrevista com Manuel Castells

Nos últimos anos e também no seu livro mais recente,
Comunicação e Poder, Manuel Castells teorizou 
sobre a instauração de um progressivo equilíbrio 
entre os velhos poderes midiáticos
(comunicação de massa, entretenimento, sociedade de telecomunicações, 
produções televisivas etc.) e as novas oportunidades oferecidas 
pela telefonia móvel, pelas redes sociais e por todos 
aqueles dispositivos quase sempre mais difundidos em nível global.
Parece ter se tratado de um balanço sem um resultado predeterminado. 
O que está atualmente ocorrendo no mundo árabe parece, 
de repente, convalidar o fim desse equilíbrio.

Antecipamos parte da entrevista com Manuel Castells, que será publicada no próximo número da revista Reset. A reportagem é de Giancarlo Bosetti, publicada no jornal La Repubblica, 29-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Parece que ocorreu algo revolucionário: em um certo ponto, foi definitivamente ultrapassado um limiar crucial. Está de acordo?
Sim, já que, se tivéssemos acompanhado de perto o que está ocorrendo nas sociedades de todo o mundo, principalmente na faixa da população acima dos 30 anos, teríamos nos dado conta de que os sinais já estavam aí. No meio livro publicado em agosto de 2009, a análise proposta indicava já claramente como as redes horizontais de comunicação típicas da Internet e do wireless ofereciam aos movimentos sociais oportunidades de grande duração, maiores em termos de automobilização e auto-organização, a partir do momento que a comunicação é a chave de toda atividade humana e que a Internet e o wireless definitivamente rompeu o monopólio da comunicação filtrada por governos e empresas. O poder está na antena do próprio dispositivo de comunicação móvel, porque é o que conecta entre si as mentes das pessoas.

Vivemos hoje em um contexto de transparência? Entre as faixas mais altas e as mais baixas da sociedade e o poder político, assistimos talvez a uma mudança irreversível?
É irreversível porque a tecnologia da comunicação opera uma desintermediação da comunicação de massa e porque nos encontramos no meio da revolução digital. A partir do momento em que é muito difícil conseguir controlar as redes (o Egito tentou isso e fracassou totalmente), o mundo em que vivemos é caracterizado por um fluxo em grande parte livre de comunicação. Certamente, os mensageiros podem ser identificados e punidos, mas as mensagens seguem em frente pelo seu caminho. Dessa forma, se os poderes existentes não podem controlar as mentes, as pessoas são livres, pelo menos intelectualmente. Como isso se traduz em autonomia social e liberdade política depende dos processos específicos e das sociedades específicas, mas certamente estamos assistindo à aurora de uma nova era de profundas mudanças sociais e políticas.

As tecnologias horizontais de "autocomunicação de massa" (como o senhor chama) parecem produzir consequências diferentes nos contextos diferentes. Em situações dramáticas, em sociedades opressivas e pobres, parece que elas se tornaram verdadeiramente uma arma de liberdade, um instrumento de segurança, revolucionário. Nas sociedades ricas, ao contrário, não parece que essas tecnologias sejam capazes de ajudar a esfera política a manter sob controle o populismo galopante. Ao contrário.
Não estou de acordo. Em todos os casos, a Internet está favorecendo os movimentos populares e uma expressão mais livre da sociedade, deixando de lado o establishment político. A questão é que os modos em que a liberdade é explorada não são garantidos pela própria liberdade. Nos EUA, Obama não teria sido eleito sem o emprego da Internet em uma extraordinária campanha popular que mobilizou jovens e minorias. Mas o Tea Party também é um movimento popular, semifascista e populista, e para a sua difusão e influência a Internet também se revelou crucial, porque Obama perdeu a batalha para conquistar a mente das pessoas, e a esquerda está completamente desmobilizada, apesar do fato de a batalha do Wisconsin (um exemplo de caro velho movimento de trabalhadores) aparecer hoje como um sinal de contra-ataque. Não podemos ceder ao determinismo tecnológico. A Internet garante a comunicação livre, mas os conteúdos dessa liberdade dependem dos atores sociais.

Qual é a sua reação diante de mudanças tão fortes na nossa região?
Penso que a Europa está atravessando uma profunda crise política. As instituições, os partidos, os líderes estão aprisionados na sua própria história, nos seus próprios interesses pessoais e, em alguns casos, na sua própria corrupção. Estão completamente retirados da sociedade e, particularmente, da sociedade futuro, isto é, das gerações mais jovens e das mulheres. A Itália é paradigmática nesse sentido. O fato de que um personagem corrupto e desagradável como Berlusconi possa ser eleito mais de uma vez está ligado ao desconforto que os italianos já alimentam com relação a toda a classe política. Nesse ponto, é essencial a reconstituição da autonomia política em nível da base popular, e isso depende conjuntamente da instauração de comunicações horizontais entre os indivíduos que bypassem [passem por cima da autoridade] a captura das mídias tradicionais. Nesse sentido, o mundo árabe, na sua forma laica e democrática, pode indicar o caminho para a Europa, séculos depois que a cultura árabe já iluminou as até então bárbaras sociedades cristãs.
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Fonte: IHU online, 31/03/2011

TED NIELD – Entrevista



O homem que ama os meteoros
O geólogo britânico afirma que os meteoros não mataram os dinossauros 
e podem, na verdade, trazer mais vida ao planeta.

Ted NIeld, ex-presidente da Associação dos Escritores Britânicos da Ciência, enfrenta uma batalha inglória: acabar com a má fama dos meteoros. Em seu livro recém lançado, Incoming! or , Why We Should Stop Worrying and Learn the Meteorite ( A chegada! Ou, Por que Nós Devemos Parar de Temer e Aprender a Amar os Meteoritos. Inédito em português),  geólogo britânico defende esses corpos celestes – fragmentos de asteroides, cometas ou de planetas desintegrados – e diz que eles estão longe de nos causar algum mal. Em entrevista à GALILEU,
ele explica por que os meteoros são tão importantes para a ciência. E, ao mesmo tempo, nos causam tanto medo e fascínio.

Por que não devemos ter medo dos meteoros? Eles não trazem desastres e mortes?
Nield – Essa é uma impressão que carregamos desde 1980, quando foi descoberto que os dinossauros – e todas as outras espécies que sumiram na grande extinção que  ocorreu há 65 milhões de anos – foram aniquilados, em parte, por um grande choque de meteoro. Acredito que essa foi apenas uma entre muitas causas. Assim como tivemos cinco grandes extinção nos últimos 600 milhões de anos e somente uma foi ligada à queda de meteoro. Além disso, novas evidências mostram que há 470 milhões de anos aconteceu um bombardeamento massivo da Terra por meteoros que parece ter tido o efeito oposto e aumentado a biodiversidade do planeta. A teoria é que os meteoros esterilizaram uma área de centenas de quilômetros, onde teriam surgido novas espécies.

Afinal, eles causaram a extinção dos dinossauros?
Nield – Não há dúvida de que um grande meteoro atingiu o planeta há 65 milhões de anos e ajudou os dinossauros a sumirem da face da Terra. Mas, quando os meteoros caíram, a vida desses animais já estava ameaçada, provavelmente pelos gases emitidos por grandes erupções vulcânicas na Índia. Hoje em dia, a chegada de um meteoro de dez quilômetros de diâmetro poderia não ser tão mortal, pois as condições da Terra são diferentes e não temos vulcões em erupção. A chance de morrermos devido a meteoros atualmente é 1 em 720 mil. O projeto Spaceguard, da Nasa, tem mapeado as órbitas de objetos próximos a Terra nós últimos 20 anos. Já identificou 75% delas e não descobriu nenhum meteoro capaz de nos atingir num futuro próximo.

Quantas mortes já ocorreram pela queda desses corpos celestes?
Nield – Não há registro de mortes humanas causadas pelo choque de meteoritos.  Até a famosa história do cão que teria morrido quando um meteorito caiu na cidade de Nakhla, no Egito, em 1911, provavelmente é uma farsa para chamar a atenção sobre a cidade.

Como a imagem deles mudou durante a história?
Nield – Na era pré-científica, antes da Renascença, as pessoas pensavam nos meteoros com presságios. Se eram bons ou ruins, dependia da posição social. Reis os encaravam como sinais de vitórias futuras. De vez em quando acertavam. Camponeses os viam como mau agouro, e, por razões misteriosas, nunca se enganavam.

Qual seria a importância dos meteoros para a ciência?
Nield: Eles são os objetos mais antigos que alguém pode segurar. Os planetas se formaram a partir da nebulosa solar. Os meteoros são a parte dessa matéria primordial que nunca foi transformada em planeta.

Você acredita na hipótese de que a vida tenha sido trazida por um meteoro e não surgida na Terra?
Nield – Os meteoritos contêm elementos químicos orgânicos – substâncias normalmente associadas à vida, mas que também se formam de modo inorgânico no espaço. Moléculas como aminoácidos, os “tijolos” das proteínas, são regularmente encontradas em alguns meteoros. A ideia de que a Terra teria sido semeada por essas moléculas, dando início à vida, não é cientificamente absurda. Só não foi comprovada.

Isso tudo significa que deveríamos amar os meteoros?
Nield – O importante é que não deveríamos demonizá-los. Eles são um fenômeno natural, que pode ser tanto bom quando ruim. Não deveríamos temê-los. Devemos entendê-los, e, se necessário, lidar com eles.
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Reportagem por: Guilherme Rosa
Fonte: Revista GALILEU impressa, Ed.237, abril/2011

Sorria, você está sendo taggeado

Imagem da Internet
O sítio Face.com desenvolveu um poderoso software 
de reconhecimento facial e apresenta três aplicativos 
(Photo Finder, Photo Tagger e Celibrity Findr
que reconhecem fotos para o Facebook e o Twitter.
A reportagem é de Mariano Blejman e está publicada 
no jornal Página/12, 29-03-2011. 
A tradução é do Cepat.

Até pouco tempo atrás, o software de reconhecimento facial pertencia ao fechado mundo das agências de segurança. Aeroportos, postos de migrações ou estádios de futebol incorporaram a tecnologia de reconhecimento de rostos: concretamente, tirar uma foto de uma pessoa e identificá-la por suas características biométricas. Com a segurança internacional como estímulo (ah, o terrorismo), avançaram no desenvolvimento de algoritmos cada vez mais complexos e secretos que permitem identificar com até 99,7% de chances uma pessoa simplesmente escaneando o rosto. O software “identificador de rostos” entrou na moda em filmes como Missão Impossível 2 ou a saga de Jason Bourne, e também começou a aparecer ultimamente em câmaras fotográficas digitais, que permitem detectar sorrisos e buscar imagens similares.
Pois bem, o que acontece quando 600 milhões de pessoas – digamos, todos os usuários do Facebook – tiverem à sua disposição uma tecnologia capaz de identificar fotos próprias e “taggear” as de seus amigos? Como pode um usuário do Facebook saber quem de seus amigos está subindo fotos próprias? Ou, para terror das ONGs que zelam pela privacidade: pode-se identificar alguém cuja imagem está num perfil público do Facebook simplesmente tirando uma foto na rua? A maioria dessas respostas pode ser dada pelos criadores do Face.com, uma companhia que desenvolveu uma plataforma aberta de reconhecimento facial. Até agora, graças ao Face.com, cerca de 15.000 programadores estão desenvolvendo aplicativos de reconhecimento facial para a internet, redes sociais e celulares. “Estamos conscientes dos problemas que podem ocorrer com este software e somos muito cuidadosos quanto às condições de segurança”, conta David Speiser, porta-voz do Face.com, ao Página/12. O Face.com é uma empresa israelense dirigida por Gil Hirsch.
Em março de 2009, o Face.com lançou o Fhoto Finder, um aplicativo para o Facebook que – usando seu algoritmo de reconhecimento facial – escaneava álbuns pessoais e “de amigos” para descobrir fotos próprias não identificadas. O objetivo não era desenvolver o aplicativo comercialmente, mas demonstrar o poder de seu algoritmo. Atualmente, uma versão beta continua em funcionamento no Facebook, mas ainda não está acessível ao público – e talvez ainda por um bom tempo –, ainda que funcione por convite. Alguns meses depois, o Face.com lançou ao público o Photo Tagger, um aplicativo “para aumentar a produtividade”, segundo Speiser, que permite “marcar” várias fotos “próprias” ao mesmo tempo. “Quando sobes fotos ao Facebook o aplicativo sugere que há 12 fotos tuas, 15 da tua noiva, 35 fotos da tua mãe, e permite criar todos os taggs ao mesmo tempo”, conta Speiser. O motivo do crescimento do Face.com foi manter aberta, livre e gratuita sua plataforma de desenvolvimento para que outros possam trabalhar sobre o seu algoritmo e pensar seus próprios aplicativos.
A filosofia do Face.com é que se a informação está no âmbito público (perfis disponíveis, álbuns de fotos abertos) então se pode trabalhar sobre eles. E, ao contrário de outros sistemas de identificação de rostos, trabalha sobre fotos comuns antes que de imagens “para passaportes”, que têm regras mais estritas de enquadramento e iluminação. Contudo, o aplicativo Celebrity Findr, também desenvolvido pelo Face.com, vai mais longe, e permite tirar fotos de “celebridades”, identificá-las rapidamente e mandá-las ao Twitter com uma porcentagem aproximada de confiabilidade de 70%. Em dois anos, o buscador do Face.com escaneou mais de 20 bilhões de fotos e identificou mais de 52 milhões de rostos. E tem entre os principais concorrentes o Apple iPhoto, o Google Picasa e o Polar Rose.

“Na minha página na internet não subo foto minha. 
As pessoas que sobem dados pessoais no Facebook,
fotos com seus filhos ou amigos, 
estão correndo sérios riscos. 
É um escândalo porque em termos 
de segurança é terrível.
Como foi dito no começo, a evolução do software de reconhecimento facial melhorou nos últimos cinco anos a uma velocidade inédita. Segundo Juan Carlos Muller, da Creative House, uma empresa argentina que trabalha com o buscador dos alemães do Cognitech, é uma ferramenta de identificação que tem quase o mesmo nível de confiabilidade da impressão digital. Este software é usado em postos de fronteira dos Estados Unidos, Europa, Austrália, Nova Zelândia e Bolívia e ganhou nos últimos “tests” internacionais do Face Recognition Vendor Test, e tem como grande concorrente em nível mundial o L1. Também o Cognitech – segundo Muller – está desenvolvendo aplicativos junto para um dos grandes portais mundiais da internet. Seria o Google? Logo veremos.
Entre as toneladas de informações depositadas voluntariamente no Facebook por um de cada dez habitantes do planeta, as implicações sobre o software de reconhecimento facial na vida cotidiana são cada vez mais imponderáveis e difíceis de manejar. Muller – que se dedica a este tema todos os dias de sua vida – está mais do que consciente disso: “Na minha página na internet não subo foto minha. As pessoas que sobem dados pessoais no Facebook, fotos com seus filhos ou amigos, estão correndo sérios riscos. É um escândalo porque em termos de segurança é terrível. Contudo, em termos jurídicos a identificação legal por reconhecimento de rosto é algo que sempre existiu”, acredita Muller. Segundo o blog oficial do Facebook, 90% de seus usuários sobe ao menos uma foto. São carregados cerca de 100 milhões de fotos por dia na grande rede social. “É insano”, escreveu Sam Odio, gerente de produtos fotográficos do Facebook.
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Fonte: IHU online, 31/03/2011

Cortejados e cortejadores

Fernando Reinach*

As refinadas danças entre casais e as brigas 
entre pretendentes são parte importante 
do processo de escolha dos parceiros sexuais. 
Afinal, todos têm interesse em combinar 
seus genes com os genes de parceiros fortes, 
saudáveis e bem adaptados ao ambiente. 
Isso garante uma maior chance de 
sobrevivência para os filhos.   

William H. Piel and Antonia Monteiro/Divulgação
William H. Piel and Antonia Monteiro/Divulgação
Cortejados e cortejadores

No Homo sapiens, esse fenômeno é complexo e sofisticado. São as trocas de olhares, as cantadas, as ficadas e o namoro que antecedem o acasalamento. Mas o objetivo é o mesmo, conseguir um parceiro capaz de aumentar as chances de sobrevivência dos descendentes, tudo incluído na rubrica amor e paixão.
Foi Darwin quem notou que o processo de seleção dos parceiros sexuais é uma força poderosa na evolução das espécies. Ele chamou esse processo de seleção sexual. Quando as fêmeas de uma espécie escolhem sempre os machos mais coloridos, resultam, ao longo de gerações, os coloridíssimos pavões. Se a fêmea escolhe o macho vencedor após uma luta entre machos, resultam machos enormes munidos de "armas" poderosas, como chifres.
Na maioria dos casos, os machos assumem o papel de cortejadores, dançam, exibem-se ou se envolvem em disputas. As fêmeas, no papel de cortejadas, detêm o poder, observam e escolhem. Os cortejadores (geralmente machos) acabam por desenvolver a parafernália vistosa ou bélica; as fêmeas, discretas, não exibem seu verdadeiro poder.
Mas existem muitos casos nos quais os papéis estão invertidos: as fêmeas se exibem e os machos escolhem. Nesses casos, são elas as vistosas. Em que grupo se encaixa o Homo sapiens é um assunto muito debatido nos bares e entre evolucionistas. O interessante é que agora foi descoberta uma espécie de borboleta em que machos e fêmeas se alternam no papel de cortejados e cortejadores.
A borboleta africana Bicyclus anynana chamou a atenção dos biólogos porque sua coloração varia ao longo do ano. Como ela cresce e se reproduz em poucas semanas, diversas gerações ocorrem durante um ano. Mas as borboletas que nascem e se reproduzem nas diferentes estações do ano são diferentes. Durante o período de chuvas, as borboletas fêmeas nascem muito coloridas, com várias esferas negras com um centro branco nas asas. Nessa época, os machos que nascem são relativamente descoloridos. Essa situação se inverte na época da seca. Faz algum tempo que se sabe que essa diferença de coloração depende do grau de umidade presente durante o período de desenvolvimento das larvas e pupas. O problema era saber por que essas borboletas possuem esse complexo sistema de alternância de cores.
Os cientistas estudaram o comportamento de casais. Observaram que, nas borboletas que nasciam na época da chuva, são os machos que assumem o papel de cortejadores. Eles dançam em volta das cortejadas, abrindo e fechando as asas, de modo a induzir a cortejada a mostrar sua beleza (as esferas negras com centro branco). Mas esse comportamento se inverte na época das secas, quando as fêmeas assumem o papel ativo e os machos se deixam cortejar.
Para verificar qual dos sexos possuía o poder de escolher o parceiro, os cientistas utilizaram um truque. Pintaram o centro branco das manchas das asas de machos e fêmeas nascidos nas diferentes épocas e observaram quem acabava por se acasalar depois de quatro dias de convivência. Observaram que, nas borboletas da época da chuva, eram os machos quem escolhiam as fêmeas (as sem manchas brancas tinham pouco sucesso em encontrar um par). Isso explica a coloração mais forte das fêmeas nessa época do ano. Mas na época da seca ocorria o contrário: as fêmeas escolhiam e os machos sem mancha branca não acasalavam. Nos dois casos, os que dançavam e forçavam o parceiro a mostrar as manchas eram os que detinham o poder de escolher o parceiro.
É o primeiro exemplo bem documentado da alternância de papéis entre cortejado e cortejadores em uma espécie animal. Ainda não se sabe qual a vantagem dessa alternância de papéis entre os sexos, mas a presença desse duplo sistema de seleção sexual explica por que ambos os sexos apresentam cores vistosas. Essa descoberta demonstra que, ao contrário do que se acreditava, o padrão de seleção sexual pode não ser único em cada espécie animal. A diversidade de comportamentos sexuais, como sempre, é maior que imaginamos. Se você às vezes gosta de cortejar e ser escolhido, mas em outras gosta de ser cortejado e exercer o poder da escolha, não se preocupe. Talvez exista um pouco de borboleta em você.
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*BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: DEVELOPMENTAL PLASTICITY IN SEXUAL ROLES OF BUTTERFLY SPECIES DRIVES MUTUAL SEXUAL ORNAMENTATION. SCIENCE, VOL. 331 
Fonte: Estadão online, 31/03/2011

Aquela aurora

Luis Fernando Verissimo*
 Imagem da Internet
Em São Paulo acabam de fundar um partido que se declara nem de esquerda, nem de direita nem de centro. Um partido de nada, a favor de tudo, ou exclusivamente a favor de si mesmo. Tudo bem. "Esquerda" e "direita" são termos obsoletos e "centro" hoje é sinônimo de PMDB, ou de uma névoa ideológica. O novo partido paulista não vem preencher um vácuo, vem institucionalizar o vácuo. Seu nome evoca o passado, quando o Getúlio, para não dizerem que o Brasil não era uma democracia, inventou dois partidos opostos, o PTB e o PSD. Justiça seja feita: o novo partido surge representando nada, mas com saudade de um tempo em que as siglas, mesmo falsas, significavam alguma coisa.
Bom mesmo era o século 19, quando tudo isso começou. Como no texto do Paulo Mendes Campos que fala das primeiras horas do Gênese, com "o mundo ainda úmido da criação", se poderia descrever com o mesmo encanto aquele outro início. Quando a História, por assim dizer, entrou na história e tudo recebia seus nomes verdadeiros. Uma segunda Criação. Hegel ainda quente, Marx lançando suas ideias explosivas como granadas, o passado e o futuro sendo redefinidos com rigor científico e a modernidade tecnológica e modernidade social (ou, simplificando, a máquina a vapor e a nova consciência proletária) prestes a se fundir para transformar o mundo. "Bliss it was in that dawn to be alive", êxtase era estar vivo naquela aurora, escreveu o poeta Wordsworth sobre a Revolução Francesa. A esquerda poderia dizer o mesmo do século 19. Naquela aurora não havia dúvida sobre a inevitabilidade histórica do socialismo.
Mas êxtase também espera a direita numa volta idílica ao século 19. Foi o século de reação à Revolução, da restauração conservadora na Europa depois do terremoto republicano e do nascente capitalismo industrial sem remorso. Os que hoje propõem a "flexibilização" dos direitos dos trabalhadores conquistados em anos de luta (como os que os ingleses defendiam nas ruas de Londres, há dias) babariam com o que veriam no velho século: homens, mulheres e crianças trabalhando 15 horas por dia, sem qualquer amparo, e sem qualquer encargo legal ou moral, fora os magros salários, para seus empregadores. A perfeição. Antes que a pregação socialista a estragasse.
Século 19, terra de sonhos. Tanto para a esquerda quanto para a direita, antes que tudo virasse um mingau só. 
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* Escritor. Colunista de vários jornais.
Fonte: Estadão online, 31/03/2011

Charge do dia

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Fonte: Estadão online, 31/03/2011

"Fazer" uma doença

CONTARDO CALLIGARIS*
Imagem da Internet

A desventura pode até ser terrível, mas console-se: se você for vítima ou culpado, você vai aparecer na foto
VÁRIOS LEITORES pediram que eu insistisse no mesmo tema da semana passada: por que a culpa é um de nossos jeitos preferidos para dar sentido ao mundo? Como é possível que, diante de uma desgraça, o fato de sentirmo-nos culpados constitua, para nós, uma espécie de conforto?
Todos conhecemos as expressões usuais pelas quais, por exemplo, Fulano ou Fulana podem eles mesmos admitir que "fizeram um câncer" -e não foi porque fumaram dois maços de cigarros por dia durante a vida inteira, nem porque, verão após verão, deitaram no sol para bronzear a pele, sem protetor algum. Nada disso: a expressão "fazer uma doença", em geral, indica outro tipo de responsabilidade. Mas vamos devagar.
Não é raro que a primeira reação de quem recebe um diagnóstico maligno consista em procurar uma intenção escusa da qual ele poderia ser a vítima. Envenenaram a água da cidade; o ar é repleto de resíduos daquela fábrica cuja chaminé solta fumaça a cada noite; há um dentista que tem consultório acima do meu, ninguém sabe quantos raios-x ele faz por dia, será que ele isolou sua sala do jeito certo ou será que a radiação chega até aqui?
Na mesma linha, Deus ou o diabo podem ser os mandantes de minha desgraça. Deus, porque ele quer colocar à prova minha fé, como ele já fez com Jó. O diabo, porque ele é príncipe aqui na terra e todo o mal vem dele.
Essas reações parecem ter o mesmo propósito dos delírios paranoicos: elas acusam um agente externo (Deus, o diabo ou os vizinhos) para que o mundo ganhe sentido, ou seja, no caso, para que o mal que se abate sobre a gente tenha uma explicação. "Adoeci porque alguém me quis mal": graças a essa crença, não sofro por acidente nem por acaso, mas sou vítima de uma vontade que me castiga ou me testa. O que se ganha com isso? Antes de responder, mais uma observação.
Em geral, quando temos intenções que preferimos esconder de nós mesmos, uma boa solução é atribui-las a outros. Portanto, não seria de todo estranho que a gente acusasse Deus e todo mundo por males que nós mesmos causamos.
Desse ponto de vista, reconhecer que nós somos os primeiros culpados de nossa desventura seria um progresso. Algo assim: até que, enfim, o cara se tocou, não foi Deus, não foi o demônio, nem a usina química no morro atrás da casa, foi ele mesmo que "fabricou" sua doença.
Geralmente, a explicação deste "fabricar sua doença" passa quer seja por uma poética do estouro (emoções contidas e silenciadas tiveram que se expressar e explodiram numa neoplasia), quer seja por uma poética da erosão (as mesmas emoções reprimidas foram atacando o corpo como a famosa gota que cava a pedra, não pela força, mas caindo repetidamente).
Tanto faz: o que me importa dizer é que entre acusar a Deus e todo mundo e acusar a nós mesmos não há progresso algum.
A posição de vítima (Deus, o diabo e os vizinhos me querem mal) e a posição de culpado (eu fabriquei minha doença porque meu inconsciente é meu verdadeiro inimigo), ambas são chamadas a "explicar" o mal que nos assola, porque, aparentemente, preferimos sofrer de um mal explicado a sofrer de um mal aleatório. Por que isso? Simples: tanto se eu for a vítima escolhida por Deus e pelo mundo quanto se eu for a vítima de mim mesmo, apesar de doente, eu me manterei nas luzes da ribalta.
Em suma, agimos e pensamos como se nosso sofrimento pudesse ser aliviado por uma compensação narcisista: a desventura é terrível, mas, ao menos, como vítima ou como culpado, sairei na foto. Não é uma consolação?
Talvez. Mas é uma consolação custosa, porque, nessa foto em que sou vítima ou culpado, a desventura é o que me define, o que me resume.
De fato, qualquer sofrimento seria um fardo mais leve se ele pudesse aparecer como quase sempre é: um mal sem sentido, que não faz parte de nenhum plano e não é fruto de nenhuma vontade escusa, nem da nossa.
Teste de boa saúde: estamos bem quando podemos ser atropelados sem ter que considerar que alguém tentou nos matar ou que nós mesmos nos jogamos nas rodas do caminhão, empurrados por impulsos inconfessáveis.
Um amigo querido morreu de um câncer que ele não fabricou e que não lhe foi imposto nem por Deus nem pelo diabo nem pelos vizinhos. Ele dizia: os males reais são suficientemente graves para que a gente não se esforce para lhes acrescentar mil sentidos imaginários. 
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*Psiquiátra. Escritor. Colunista da Folha
Fonte: Folha online, 31/03/2011

terça-feira, 29 de março de 2011

Mariá Giuliese - Entrevista

Em que nível de maturidade você está?

A especialista Mariá Giuliese, psicanalista, diretora-executiva da Lens & Minarelli e grande conselheira de presidente e executivos, em O Jogo da Transição – Sua carreira em movimento (Editora Évora) destaca que, assim como é feito um checkup da saúde periodicamente, é preciso analisar em qual momento sua carreira se encontra e quais são as providências recomendadas a se tomar.
Para falar sobre o livro, voltado para o autoconhecimento profissional, Mariá concedeu entrevista exclusiva para os assinantes da HSM Management. Confira!
Em sua obra, você propõe um “trabalho preventivo na saúde da carreira”. Quais as doenças mais comuns e como preveni-las?
As doenças mais comuns são estresse, depressão, angústia, burnout (quando há esgotamentos físico e mental), síndrome de pânico, colite, gastrite e até uso de álcool e drogas. Para prevenir sugiro dois vértices: um do profissional e outro da empresa. No vértice da pessoa, é preciso conhecer seus limites e ter um olhar atento para quando aparecerem os primeiros sinais de alerta. Para a empresa, sugiro construir um ambiente com liderança saudável e regras claras, onde as pessoas possam manifestar seu ponto de vista sempre tratado com respeito.
Como são as sete fases citadas no livro e em qual dessas o profissional se descobre?
Na primeira e segunda infâncias nos construímos como profissionais. Na adolescência nos questionamos e procuramos saber qual tipo de profissionais somos. Em ambas estamos mais propensos a correr riscos. O jovem adulto ainda tem seus lados criança e adolescente. Na maturidade já nos conhecemos bem. No pós-carreira ou mudamos ou saímos do mundo corporativo para prestar serviço de outra maneira. Em cada uma o indivíduo se apropria de seu destino e história e constitui-se como sujeito pessoal e profissional no tempo certo, a sua maneira.
Como o ser humano pode ser mais possibilista e não determinista frente a um mundo corporativo e sociedade tão em constante progresso e demanda por agilidade e cobranças? 
A realidade mais próxima de você é você mesmo. Então se conheça e ajuste sua realidade ao que julga mais adequado e interfira no ambiente. É interessante levar em conta que quando uma pessoa faz terapia ela melhora, e isso também reflete em vantagens na família, no trabalho. Seu mundo se beneficia.
Quando ser bem-sucedido no mundo corporativo sobrepuja as vidas pessoal e social, quer dizer que nem todo bem-sucedido é de fato aquele que tem sucesso?
A pessoa precisa conferir o que tem de fato valor para ela, se consegue manter-se alinhado com seus princípios, interesses e vocações. Mesmo que você tenha muito dinheiro e um cargo de alto-escalão, mas sua vida pessoal, seus relacionamentos sociais e sua saúde estejam prejudicados, não pode se considerar bem-sucedido.
A autocobrança e o medo de não corresponder às expectativas é resultante do próprio funcionário da corporação ou da sociedade como um todo?
De ambos. Construímos dentro de nós mesmos um sensor de autocobrança. Até um tempo atrás o problema estava na pessoa tida como doente e que não conseguia enfrentar as adversidades. Hoje sabe que o meio e a cultura da empresa adoecem os trabalhadores. Otto Kernberg, psiquiatra alemão que cito em meu livro, fala que pessoas com patologias graves, encontradas inseridas em corporação com liderança saudável e objetiva portam-se como pessoas normais - e pessoas consideradas saudáveis, num ambiente de altíssima pressão se comportam como doentes.
O que é mais conveniente: o empregado se adequar à empresa ou esta se adequar ao funcionário?
Nenhuma. É importante que o profissional se conheça melhor e veja dentro daquela empresa que contribuição pode dar, e esta também conheça melhor as pessoas que estão lá dentro e crie condições suficientes para que todos deem o seu melhor. Em tudo genericamente. Não há nada mais cruel pretender que alguém dê algo que não pode ser dado.
Qual é o momento mais adequado para um profissional optar por mudanças em sua carreira?
Quando o profissional se sente desconfortável. Sempre faça sua própria reflexão, siga mais sua intuição e percepção em vez de ligar para discursos externos, confie mais em você. Nunca perca a capacidade de análise crítica mais estruturada do ambiente. 
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FONTE: http://www.hsm.com.br/artigos/280311 

Justin Fox - Entrevista

 
Finanças: Em entrevista ao Valor, o escritor Justin Fox 
fala sobre a "crença" que promoveu graves crises financeiras, 
como a de 1929 e a de 2008.

O mercado nem sempre tem respostas infalíveis, diz autor

Bloomberg
O autor Justin Fox: "Os economistas parecem impelidos
a acreditar que as coisas vão dar certo no mercado"
 
Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, em agosto de 1945, o astrofísico M.F.M. Osborne viu-se sem emprego. Até então diretor do Laboratório de Pesquisa da Marinha americana, que desenvolvia um sistema de rastreamento e destruição de submarinos rivais, Osborne passou a estudar, de forma autônoma, tudo aquilo que o desafiava como astrofísico e como matemático. Esses desafios incluiam entender a hidrodinâmica do salmão em migração e a aerodinâmica dos insetos. Aquilo o absorveu por 14 anos, quando suas conclusões sobre o novo desafio autoimposto fez tremer o debate público americano: Osborne queria entender por que os investidores compram determinadas ações e por que os preços sobem e descem sem que, por detrás desses movimentos, exista necessariamente uma explicação racional.
A equação matemática desenvolvida por Osborne no início de 1959, quase simultaneamente ao estudo do economista Paul Samuelson em torno do mesmo tema, serviu de sustentação para uma das mais poderosas teorias econômicas do século XX: os mercados financeiros são eficientes e racionais porque são movidos por investidores que fazem um "caminho aleatório" pelas ações, trocando uma série delas entre si, proporcionando ganhos exponenciais que, se isolados da ação governamental, fazem do mercado um ser soberano.
Esse é o mundo teórico que Justin Fox, diretor editorial do "Harvard Business Review", resolveu estudar. As dúvidas em torno do funcionamento do mercado e o comportamento dos investidores sempre foram os pontos de encontro entre os economistas e os acadêmicos de áreas diversas, como matemática e estatística. Já em 1900, o matemático francês Louis Bachelier fez do seu doutorado um estudo sobre o tema - quando Samuelson, que ganharia o Prêmio Nobel de Economia em 1970, descobriu a tese de Bachelier, mais de 50 anos depois de concluída, os estudos sobre as ações nas universidades americanas eram a vedete do momento.
As equações de Osborne e a redescoberta de Bachelier, por parte de Samuelson, foram os primeiros passos para que, ao longo da década seguinte, diversos economistas, matemáticos, estatísticos e um astrofísico desenvolvessem um arcabouço teórico que, basicamente, concluía que o trabalho dos administradores de fundos e mesas de tesouraria não servia para nada - ou, nas palavras do economista Eugene Fama, da Universidade de Chicago, em 1970, os mercados eram eficientes e racionais o suficiente para prover os investidores dos mesmos ganhos que aqueles auferidos por "investidores profissionais". Para o mais destacado dos defensores da teoria dos mercados racionais, Milton Friedman, os investidores são como jogadores de sinuca: não há uma teoria que rege seus movimentos. "Eles simplesmente sabem o que fazer", escreveu em 1959.
"Há um mito, desde o fim do século XIX, que perdeu força após 1929 e voltou a ganhar evidência nos anos 1950", diz Fox, "de que os mercados são capazes de encontrar respostas infalíveis", e que estas beneficiam todos os agentes - empresas, investidores e a economia como um todo. Autor de "O Mito dos Mercados Racionais: Uma História de Risco, Recompensa e Decepção em Wall Street", lançado neste mês pela Best Business no mercado brasileiro, Fox conversou com o Valor sobre a "crença" que promoveu crises financeiras como a de 1929 e a mais recente, desencadeada em 2008.
"Os economistas parecem impelidos a acreditar que as coisas vão dar certo no mercado, encontrando inclusive explicações racionais e equações matemáticas que justifiquem a ação livre do mercado financeiro", diz Fox.
Quando a teoria veio abaixo pela primeira vez, depois que o crash da Bolsa de Valores de Nova York em outubro de 1929 gerou a Grande Depressão nos Estados Unidos, o primeiro grande entusiasta, o economista Irving Fischer, foi à bancarrota por investimentos malfeitos. Da segunda vez, no entanto, o "grande vendedor" da teoria de mercados racionais, o Nobel de Economia de 1976, Milton Friedman, já não estava presente - morreu em novembro de 2006, dois anos antes da explosão da crise.
"Conversei muito com Friedman, que tinha consciência de seu papel na formação de expectativas nacionais, isto é, sabia que ele era o paladino da teoria, o economista que tornava palatável a todos a ideia de que os mercados se autorresolviam", diz Fox, para quem Friedman, hoje, teria uma explicação "bem razoável" para a explosão da crise de 2008 - e, sim, envolveria o Estado como vilão, não como salvador do mercado.
A missão autoimputada de Fox era levantar a história do desenvolvimento das ideias e por que tanta gente estudou o mercado de ações entre os anos 1950 e os anos 1980, quando a teoria deixou o campo acadêmico e virou consenso internacional, sob os governos de Ronald Reagan, nos EUA, e de Margaret Thatcher, no Reino Unido.
Eram tempos em que a máxima de Jacob Marschak, de que "ser um economista implica ser um estatístico", ressoava em economistas como Fama, Samuelson e Friedman, e matemáticos, como Harry Markowitz, que, em 1952, apresentou um estudo pioneiro mostrando que os investidores sabem, por intuição, que um portfólio diversificado é mais "seguro" que uma aposta única. O entusiasmo em torno do tema era tanto que dois economistas, Kenneth Arrow e Gerard Debreu, chegaram a desenvolver um modelo (chamado de "modelo Arrow-Debreu") que provava matematicamente a existência da mão invisível do mercado, parábola criada por Adam Smith em 1776.
"Realmente queria entender por que essa crença ganhou tanta força, e mesmo hoje, depois que eventos como o crash da Bolsa em 1987 ou a explosão da bolha nas ações de empresas de internet em 2000, e o mais grave deles, a crise de 2008, continua arregimentando tantos debates", afirma Fox, para quem, no entanto, a resposta não é fácil.
Os leitores, diz ele, deram respostas divididas. Aqueles que são investidores não gostaram porque queriam encontrar uma resposta que os ajudassem nas suas apostas. Aqueles que não são investidores, mas querem ser, diz Fox, também não gostaram porque esperavam encontrar dicas de como entrar no mercado. Por outro lado, o Nobel em Economia de 2009, Paul Krugman, escreveu no "The New York Times" que o livro era obrigatório para quem quer entender o mercado financeiro, e Martin Wolf, principal colunista do "Financial Times", escreveu resenha elogiosa ao trabalho.
"Encontrei Larry Summers [principal conselheiro econômico dos governos de Bill Clinton e Barack Obama, além de sobrinho de Paul Samuelson e Kenneth Arrow] pouco antes de publicar o livro, e ele me aconselhou a colocar algumas dicas de investimentos como forma de atrair leitores", conta Fox. "Mas não se trata de dizer o que fazer, mas entender como grandes pensadores em diferentes áreas chegaram a uma ideia de que os mercados são racionais", diz ele, para quem os tempos de Estado grande, vividos hoje, não vão durar muito. "É curioso que, diferentemente da Grande Depressão, poucos bancos faliram, justamente porque a ação estatal foi mais rápida e incisiva. Os bancos estão maiores agora do que estavam em 2008, e os Estados estão mais endividados. Quem vai aplicar em títulos públicos, que pagam juros baixos para incentivar a economia, se o mercado de ações está lá, inclusive com empresas maiores?", pergunta o escritor.
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 "O Mito dos Mercados Racionais: Uma História de Risco, Recompensa e Decepção em Wall Street"De Justin Fox. Tradução de Gabriel Zide Neto. Editora Best Business, 476 págs., R$ 59,90
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Reportagem Por João Villaverde, de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico online, 29/03/2011

Caiu a ficha!

Antonio Delfim Netto*
 
Caiu a ficha! A expressão não é elegante, mas cabe como uma luva aos economistas que ao pretenderem criar uma "ciência", construíram uma "religião": uma "ciência econômica" que acredita em leis naturais que governam o funcionamento do sistema econômico e são, portanto, independentes da história, da geografia, da psicologia, da antropologia etc.
Tal crença apoiada numa formalização útil, mas exagerada para lhe dar um ar "científico", interditou ou reduziu à heterodoxia visões alternativas do mundo e produziu o míope "pensamento único" que empobreceu a economia política. Está agora a desfazer-se sob os nossos olhos, sob a pressão de velhíssimos ortodoxos! Esses tentam, desesperadamente, entender como foi possível a crise de 2007/2009 que emergiu como uma "surpresa" numa conjuntura que parecia de plena tranquilidade e atribuída ao sucesso daquela "ciência monetária"...
Economistas quiseram 
criar uma ciência 
e criaram uma 'religião'
Nada pode demonstrar melhor essa tragédia do que as contribuições de brilhantes economistas (todos do "mainstream") à conferência "Repensando a Política Macroeconômica". Ela foi organizada às expensas do FMI, por Olivier Blanchard (economista-chefe do FMI e autor de dois clássicos, um dos quais, desde 1989, dominou o estudo "sério" da macroeconomia), David Romer (autor da bíblia "Macroeconomia Avançada"), Joseph Stiglitz (Nobel, 2001) e Michael Spence (Nobel, 2001).
Na semana passada (dia 23) Blanchard publicou um minúsculo e devastador artigo "O Futuro da Política Macroeconômica: Nove Conclusões Tentativas", resumindo os resultados da conferência (obviamente, uma visão pessoal, mas seguramente não viesada):
1ª) Entramos num magnífico ("Brave") mundo novo, muito diferente do que vivíamos em termos do exercício da política macroeconômica;
2ª) Na velha discussão entre o papel relativo dos mercados e do Estado, o pêndulo avançou - pelo menos um pouco - na direção do Estado;
3ª) Há distorções sérias e muito maiores do que pensávamos na macroeconomia. Elas foram ignoradas porque supúnhamos que fossem pertinentes à microeconomia. Quando integramos as finanças à macroeconomia descobrimos que suas distorções são relevantes para a segunda e que a regulação precisa ser aplicada também aos reguladores. A economia comportamental e sua prima, a finança comportamental, são peças centrais da macroeconomia;
4ª) A macroeconomia tem múltiplos objetivos e muitos instrumentos (ferramentas) para implementá-los. A política monetária precisa ir além da estabilidade inflacionária. Precisa acrescentar o PIB e a estabilidade financeira como objetivos e incorporar medidas macroprudenciais entre os seus instrumentos. A política fiscal é mais do que "gastos" menos "receitas" e seus "multiplicadores" que influenciam a economia. Existem, potencialmente, dezenas de instrumentos, cada um com seus próprios efeitos dinâmicos que dependem do estado da economia e das outras políticas;
5ª) Temos muitos instrumentos e não sabemos exatamente como utilizá-los. Em muitos casos, não temos certeza sobre o que eles são, como e quando devem ser utilizados e se vão ou não funcionar. Por exemplo, nós não sabemos de fato, o que é a liquidez. Logo, "relação de liquidez" é apenas a continuação do que não sabemos;
6ª) Esses instrumentos são potencialmente úteis, mas levantam problemas por seu custo político. Por outro lado, os instrumentos podem ser mal utilizados. Ficou claro nas discussões que muitos pensam que existem razões plausíveis para o controle de capitais, ou para a política industrial (que todos sabem ter limites), mas o governo pode escolhê-los porque não lhe convém, politicamente, usar os instrumentos macroeconômicos corretos;
7ª) Para onde vamos, então? Em termos de pesquisa econômica o futuro é excitante. Há um imenso número de questões que devemos esclarecer e sobre as quais devemos trabalhar;
8ª) Os problemas são difíceis. Como não sabemos bem como usar os novos instrumentos e eles podem, potencialmente, ser mal utilizados, como devem proceder os formuladores da política econômica? O melhor é uma política cuidadosa e de pequenos avanços. O pragmatismo é fundamental;
9ª) Devemos ser modestos em nossas esperanças. Vão acontecer novas crises que não antecipamos. A despeito de todo nosso esforço podemos assistir a outras, no velho estilo das clássicas crises de crédito. Seria possível nos livrarmos delas com uma boa teoria dos agentes e uma regulação correta ou elas são parte do comportamento humano (endógenas ao sistema de economia de mercado) de forma que não importa o que façamos, elas sempre nos visitarão?
Abre-se, portanto, um vasto campo de conhecimento a ser explorado. Não devemos desanimar ou nos deixar enganar por essa visão relativista (de aparência quase niilista com relação a uma "ciência econômica"). O conhecimento acumulado nos últimos 300 anos, de cunho menos pretensioso, que transcende "escolas", "ideologias" e "idiossincrasias" - a velha economia política - é, comprovadamente, rico de ensinamentos para a boa governança do Estado. Ele mostra a importância absoluta da boa coordenação entre a política fiscal e a política monetária, do incentivo correto aos agentes, da boa regulação dos mercados e a necessidade do respeito às identidades da contabilidade nacional.
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* Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail contatodelfimnetto@terra.com.br
Fonte: Valor Econômico online, 29/03/2011

Carlo Ginzburg - Entrevista

O verdadeiro, o falso e o fictício
Carlo Ginzburg

Por César Fraga*

No final de 2011, por conta de sua passagem por Porto Alegre, o historiador italiano Carlo Ginzburg concedeu entrevista exclusiva ao Extra Classe, por ocasião de sua conferência no projeto Fronteiras do Pensamento. Trata-se do autor de Os andarilhos do bem (1976) e Os queijos e os Vermes (1976), obras que colocariam em evidência o conceito de micro-história, que privilegia personagens comuns em detrimento dos grandes vultos. Em Os Queijos..., livro que o tornou mundialmente conhecido, influente e objeto de estudo no meio acadêmico, Ginzburg se notabilizou por explorar o cotidiano e o ideário de um moleiro perseguido pela Inquisição na Itália do século 16, chamado Domenico Scandella, conhecido por Menocchio. Nesta entrevista, Ginzburg nos fala de sua trajetória como intelectual, sobre os conceitos que ajudou a forjar, além de criticar informações falsas que circulam na internet e o excesso de fragmentação dos textos, intensificado pela massificação das ferramentas de busca on-line.
 
Extra Classe – O que é euforia da ignorância?
Carlo Ginzburg – Este é um termo que uso para descrever meu sentimento quando inicio o estudo de um novo assunto. Ou seja, eu não sei nada e estou aprendendo. É algo que eu gosto muito. E esta é uma das razões pelas quais eu nunca me tornei um especialista. Na verdade, eu busco evitar me tornar um especialista ao trabalhar com assuntos diferentes, porque eu tenho de aprender algo o tempo todo a partir do zero.


" Mas eu sou totalmente contra algumas correntes, em especial as acadêmicas norte-americanas, que dizem que a fronteira entre a história ficcional e a real é o sangue "
EC – De que forma seus pais, o professor e tradutor Leone Ginzburg e a romancista Natalia Ginzburg , influenciaram ou ainda influenciam em seus escritos e na sua forma de pensar?
Ginzburg – Eu fui influenciado por ambos de forma profunda. Meu pai foi um filologista que escreveu sobre história, literatura e apesar de ter morrido quando eu tinha apenas cinco anos, ele sempre foi muito presente na minha vida, não apenas pelo seu trabalho, mas também pelo seu compromisso político. Ele se envolveu com o movimento antifascista nos anos 30, passou dois anos na cadeia e trabalhou nas atividades de resistência à ocupação nazista em Roma, onde morreu em 1944, numa prisão controlada pelos nazistas. Eu nunca tive nenhum tipo de envolvimento comparável ao dele e nem tive comprometimento político, mas como um exemplo, ele foi muito importante. Minha mãe foi uma romancista e eu aprendi muito com ela e com seus livros e penso que meu prazer em escrever está relacionado com seu exemplo. Apesar de eu escrever sobre temas históricos, aprendi muito com os romances.

EC – Como um apaixonado por ficção escolhe por ofício escrever história e sobre a História?
Ginzburg – Em primeiro lugar, historiadores utilizam muitos tipos de narrativas e há um conteúdo que fica entre a narrativa ficcional e a narrativa histórica. Mas eu sou totalmente contra algumas correntes, em especial as acadêmicas norte-americanas, que dizem que a fronteira entre a história ficcional e a real é o sangue. Ou seja, não há uma distinção rigorosa. Isso está errado e é uma atitude perigosa com implicações políticas. Eu acho que existe uma competição que vem se desenhando por muito tempo, séculos, talvez milênios, entre a narrativa ficcional e a narrativa histórica. Historiadores aprenderam com poetas e romancistas e existe a competição da realidade. Mas nós podemos aprender muito com os romancistas e outros estilos também. Por exemplo, Balzac, que eu menciono em um dos meus textos, diz “Eu serei o historiador do século XIX”.

EC – Como o senhor vê livros de História que utilizam técnicas da ficção?
Ginzburg – Existem algumas técnicas que estão sendo usadas por historiadores e outras que estão sendo usadas pelos romancistas, e elas podem se misturar. Por exemplo, eu escrevi um texto sobre o estranhamento como técnica, que é a ideia de que você olha para algo e não o entende por completo, então você descreve o evento. A ideia de opacidade é o primeiro passo para aprofundar o conhecimento, eu acho que isso pode ser usado numa perspectiva histórica também. Por exemplo, existe um ótimo livro de Karl Polanyi, um economistra, antropólogo e historiador húngaro, chamado The Great Transformation (A Grande Transformação), que trata da revolução industrial no século 19 na Inglaterra sem apresentar o fenômeno, de uma forma nunca antes feita, mas é um ótimo livro. Então a ideia de não entender o assunto é o primeiro passo para aprofundar o conhecimento. Me parece que essa técnica, que vem sendo usada em textos ficcionais, também pode ser usada em contextos históricos. Existem alguns exemplo famosos em Tolstói, quando Natacha se apaixona por Anatol. Ela olha para o balé e há uma descrição sem sentido, ou seja, a ideia de descrever eventos inexpressivos como o primeiro passo para o conhecimento me parece uma abordagem cognitiva muito poderosa.

EC – Qual aspecto da História lhe interessa mais?
Ginzburg – Não importa. Nós tendemos a usar analogias, mas você pode começar de um exemplo e pode começar a usá-lo num contexto diferente. Ao imaginarmos alguém descrevendo o sistema da escravidão, podemos pegar muitos aspectos deste assunto como um sistema, mas o que aconteceria se disséssemos que nós não entendemos o que é escravidão, que vamos tentar olhar para a escravidão para o um fenômeno desconhecido? Estou citando a escravidão, pois sei que o Brasil já passou por isso. Mas o que eu quero dizer é, tente voltar um pouco no tempo e dizer, eu não entendo o que é isso.

EC – Por que o senhor considera Borges um escritor de segunda classe apesar de tê-lo influenciado via Ítalo Calvino?
Ginzburg – Borges foi um escritor muito talentoso, mas não explorou seu talento completamente. Eu não sou especialista em Borges, estou falando como leitor, mas acho que ele não se comprometeu com a representação e com a experiência da dor. Mas tem uma exceção, um conto que eu achei muito interessante, chamado Emma Zunz, que mostra um lado inesperado de Borges. Mas acho que ele se afastou disso e preferiu não correr riscos emocionais e intelectuais. Há um lado emocional que ele tenta controlar. É o que eu percebo. E é por isso que digo que ele poderia ser um escritor bem melhor nesse sentido. Mas veja bem, eu gosto muito dele e, na verdade, neste momento estou escrevendo um texto em que o utilizo.

EC – Por que o senhor considera Borges um escritor de segunda classe apesar de tê-lo influenciado via Ítalo Calvino?
Ginzburg – Borges foi um escritor muito talentoso, mas não explorou seu talento completamente. Eu não sou especialista em Borges, estou falando como leitor, mas acho que ele não se comprometeu com a representação e com a experiência da dor. Mas tem uma exceção, um conto que eu achei muito interessante, chamado Emma Zunz, que mostra um lado inesperado de Borges. Mas acho que ele se afastou disso e preferiu não correr riscos emocionais e intelectuais. Há um lado emocional que ele tenta controlar. É o que eu percebo. E é por isso que digo que ele poderia ser um escritor bem melhor nesse sentido. Mas veja bem, eu gosto muito dele e, na verdade, neste momento estou escrevendo um texto em que o utilizo.
" Periferia é um conceito multifacetado, estranho, porque você pode falar de periferia num contexto geográfico ou intelectual. Fenômenos marginais, especialmente anomalias, chamam a atenção para fenômenos maiores e centrais "


EC – É um novo livro? Do que trata?
Ginzburg – Não é um livro, mas um ensaio sobre alguns aspectos do ofício de historiador na atualidade.

EC – Quem seria um excelente escritor de primeira classe, na sua opinião?
Ginzburg – Se você me perguntar, os escritores que eu mais gosto são muitos como Tolstói, Standalone, Proust, Baudrillard, Dante, Leopardi etc... Eu acho que Borges gostava mais de jogos intelectuais e deveria ter feito mais isso, é o que penso, mas ele é muito inteligente e o admiro, repito.

EC – Como observar a História a partir de uma visão periférica?
Ginzburg – Periferia é um conceito multifacetado, estranho, porque você pode falar de periferia num contexto geográfico ou intelectual. Fenômenos marginais, especialmente anomalias, chamam a atenção para fenômenos maiores e centrais. A ideia de começar com fenômenos considerados marginais é algo que eu relamente gosto. Meu argumento para isso é que se você começa pelo fato considerado normal, não conseguirá prever todas as anomalias, mas se você começar por elas, as normalidades surgirão facilmente. Ou seja, de um ponto de vista cognitivo, anomalias são mais produtivas.

EC – Se o senhor fosse escrever Os queijos e os vermes nos dias de hoje, seria uma obra diferente? Por quê?
Ginzburg – Certamente eu escreveria um livro diferente, mas a questão é que eu escreveria um livro diferente porque ele já foi escrito. Essa é a razão. Por exemplo, a introdução do livro é ao mesmo tempo agressiva e defensiva, e isso não é uma justificativa, porque eu escrevi o livro para ser único, mas ele seria diferente simplesmente pelo fato de já existir.

EC – O que o senhor considera uma visão míope ou provinciana da História?
Ginzburg – Eu diria que a perspectivas etnocêntricas por definição são provincianas.

EC – Como o senhor classifica o que é verdadeiro, falso ou fictício em narrativas históricas e qual o perigo de não haver essa distinção?
Ginzburg – Meu argumento tem sido de que não há uma distinção que seja importante apenas para historiadores, elas são importantes para todo mundo. Se você está pagando com uma nota em dinheiro, você pode se perguntar, ela a verdadeira ou falsa? E de repente nos damos conta de que não apenas pelas mentiras, incluindo as mentiras politicamente oficiais, nós todos lidamos com esses três elementos para sobreviver neste mundo. É por isso que digo que não são problemas técnicos, mas problemas relacionados ao dia a dia de todos.

EC – Como o senhor classifica o que é verdadeiro, falso ou fictício em narrativas históricas e qual o perigo de não haver essa distinção?
Ginzburg – Meu argumento tem sido de que não há uma distinção que seja importante apenas para historiadores, elas são importantes para todo mundo. Se você está pagando com uma nota em dinheiro, você pode se perguntar, ela a verdadeira ou falsa? E de repente nos damos conta de que não apenas pelas mentiras, incluindo as mentiras politicamente oficiais, nós todos lidamos com esses três elementos para sobreviver neste mundo. É por isso que digo que não são problemas técnicos, mas problemas relacionados ao dia a dia de todos.

EC – Sua obra de maior renome, Os queijos e os vermes, se enquadraria em qual dessas categorias narrativas?
Ginzburg – Eu tentei escrever uma narrativa verdadeira, usando estratégias que foram parcialmente suportadas pela ficção, mas o objetivo é a verdade.

EC – O senhor tem algum trabalho em andamento para ser publicado?
Ginzburg – Muitos, mas no momento estou envolvido num projeto relacionado a uma abordagem comparativa das religiões, mais especificadamente com a expansão colonial europeia, usando-a como um mapa de trabalho para comparação dessas religiões.

EC – Por que o Google é um poderoso instrumento de pesquisa histórica e de cancelamento da História ao mesmo tempo?
Ginzburg – Trata-se de um instrumento muito poderoso, mas também é igualmente perigoso. Existem perigos e potencialidades. Este assunto foi, de fato, a essência da minha palestra em Porto Alegre onde destaquei, entre outras coisas, que a escola e a internet possuem interdependência. Quem sabe ler um livro devagar, saboreando-o aos poucos, também sabe fazer um bom uso do grande número de informações que está na web. Por outro lado, quem não possui aprendizado anterior com o livro, pode não saber distinguir o que é falso, e há muita coisa falsa on-line. A internet não só referencia os livros, ela os pressupõe.

EC – Como o senhor vê o Google Books?
Ginzburg – A privatização de bens públicos instrumentalizada por esta ferramenta, monopolizando- os, por meio da digitalização de obras é evidente e tem sido amplamente discutida. Entre os críticos do Google Books estão pessoas como Robert Darnton, no New York Review of Books (revista norte-americana de artigos sobre literatura e cultura) e também por Roger Chartier, presidente do Conselho Científico da Biblioteca Nacional da França, e meu amigo pessoal. Chartier defende que precisamos saber como dominar os instrumentos de conhecimento. Para ele, o Google Books, por conta dessa monopolização e da forma como os conteúdos são apresentados, induz a uma leitura fragmentada, que isola frases e palavras e apaga a especificidade dos suportes materiais.


EC – Mas a fragmentação da leitura e do pensamento é um fenômeno que precede a existência da web?
Ginzburg – Sim, a fragmentação da leitura não é uma novidade que surge com a web. Nenhuma teoria explica as inumeráveis conexões que são rapidamente desencadeadas quando lemos um texto. O índice, por exemplo, foi inventado para ler a Bíblia e para ajudar a encontrar trechos, o que se tornou bastante útil para preparar aulas e sermões.
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(* Com tradução de Grazieli Gotardo)
cesar.fraga@sinprors.org.brFonte:  http://www.sinprors.org.br/extraclasse/mar11/entrevista.asp  

Pré-conceitos e preconceitos

SUZANA HERCULANO-HOUZEL*
Imagem da Internet

Certas generalizações são baseadas só em valores pessoais e não casam com a realidade

MUITAS VEZES é preciso decidir rápido. Visitando uma cidade em uma parte desconhecida do mundo, aonde você topa ir de ônibus? Por onde anda a pé, a quem confia sua câmera para tirar uma foto?
Boa parte do que fazemos tão bem e decidimos tão rápido é graças a ideias que o cérebro formula como generalizações baseadas em experiências prévias. Esses são nossos pré-conceitos: noções já concebidas anteriormente, prontas para o uso na hora do aperto, quando uma decisão rápida for necessária.
Tais pré-conceitos, quando bem fundamentados em experiências, costumam se mostrar acertados e úteis: ônibus bem cuidados prometem uma viagem mais segura; ruas limpas, bem iluminadas e cheias de passantes tendem a ser tranquilas; e uma pessoa bem vestida tem boas chances de saber operar sua câmera -e também não sair correndo com ela...
Contudo, alguns pré-conceitos são baseados não em experiências, mas apenas em valores pessoais que não necessariamente casam com a realidade. Esses são os pré-conceitos preconceituosos.
Exemplos infelizmente comuns são que homens devem ser mais inteligentes do que mulheres, pessoas negras, mais violentas do que pessoas brancas, pessoas magras ou altas ou de cabelos claros, mais capazes do que as gordas ou baixas ou de cabelos escuros.
Curiosamente, muitas vezes pessoas que são alvo de preconceitos são elas mesmas pré-conceituosas no mesmo sentido. Um estudo constatou que, tanto em negros como em brancos, a amígdala reage mais veementemente, gerando mais ansiedade a retratos de rostos desconhecidos de negros do que de brancos, enquanto o resto do cérebro associa mais facilmente palavras negativas aos primeiros, e palavras positivas aos últimos. Preconceituosos ou não, a questão é que os pré-conceitos influenciam nossas escolhas, e o que deveria ser vantagem vira problema quando nossas decisões prejudicam os outros sem razão.
Felizmente, o próprio cérebro tem a solução, quando quer: o córtex pré-frontal, ao se reconhecer infundadamente pré-conceituoso, é capaz de vetar opiniões, decisões e até ações. Leva tempo e requer esforço, é verdade.
Mas vale a pena: é a diferença entre ter pré-conceitos, o que todos temos, e deixar que eles se transformem em ações preconceituosas.

*SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com
Fonte: Folha online, 29/03/2011 

RICHARD ROGERS - ENTREVISTA

Cidade não pode ter guetos, seja para negros ou pobres



ARQUITETO RESPONSÁVEL PELO CENTRO POMPIDOU, EM PARIS, ELOGIA RIO E CURITIBA E AFIRMA QUE SÓ MUSEUS NÃO BASTAM PARA REVITALIZAR REGIÕES


Roland Halbe - set.05/Museum of Modern Art/ Bloomberg News

Terminal do aeroporto de Barajas, em Madri, concebido pelo Richard Rogers Partnership e pelo Estudio Lamela

MARIO CESAR CARVALHO
DE SÃO PAULO

Se tivesse feito uma única obra, o Centro Georges Pompidou, em Paris, o arquiteto Richard Rogers já teria entrado para a história. O Beaubourg quebrou a assepsia que dominava os prédios dos anos 70 e antecipou o conceito de museus para grandes massas.
Mas Rogers fez muito mais: criou o mais contemporâneo dos aeroportos (o terminal cinco de Heathrow, em Londres) e arranha-céus antológicos, como as sedes da Lloyds, em Londres, e da TV japonesa, em Tóquio.
Aos 81 anos, deve fazer os seus primeiros trabalhos no Brasil. Esteve aqui por duas semanas para discutir projetos no Rio (ligados às Olimpíadas de 2016) e em São Paulo (com a prefeitura).
À Folha, o esquerdista que tem o título de barão defende que as cidades não podem virar guetos de ricos ou de pobres. "Um área só para ricos contraria a ideia de cidade."

 


Folha - Os arquitetos repetem que São Paulo e Rio são um desastre. O trânsito é horrível, não há áreas verdes e há favelas por todos os lados. O sr. concorda?
Richard Rogers - Não. O Rio é a cidade mais bonita que já vi. A paisagem é maravilhosa. Há praias por todos os cantos, o calçadão criado por Burle Marx é fantástico, em qualquer lugar que você vá é possível ver as montanhas e o mar.
Visitei Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, a favela que tem um elevador. O problema social é terrível, há esgoto correndo nas ruas, há lixo em toda a parte. Mas esse não é um problema só do Rio: é um problema global. O terrível é a diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos.

O sr. viu as obras que foram feitas nessa favela?
Gostei das mudanças, principalmente do elevador. É um bom começo porque aproxima a favela da cidade. O problema é como distribuir os benefícios da cidade nessas áreas, como fazer os ricos ficarem mais próximos das favelas e como fazer a favela ficar mais perto dos ricos. Essa mistura é essencial para integrar esses dois mundos.

O sr. acha que é possível integrar mundos tão separados?
A integração é a única solução para as cidades. Em Londres, não temos favelas. Mas temos pessoas vivendo em habitações sociais, que são subsidiadas pelo governo. São prédios privados, nos quais o governo pode colocar pessoas pobres na porta ao lado de alguém muito rico. Um área só para ricos contraria a ideia de cidade.

O que fazer quando ricos não querem pobres ao lado?
O sistema londrino obriga bairros ricos a terem habitações sociais. Esse tipo de sistema já é aplicado na Holanda, na Dinamarca e na Suécia. É preciso criar leis para ter essa integração.
O problema de pobres e ricos no Brasil é igual ao que existia entre brancos e negros nos Estados Unidos. Cidades não podem ter guetos, seja para negros ou pobres.

O sr. acredita em soluções para o trânsito com avenidas?
Isso é impossível. Não há soluções para o trânsito com carros. Estradas e avenidas para carros ocupam 60% da área de Los Angeles. É uma estupidez. Quanto mais estradas você abre, mais congestionamento você terá.
É preciso ter um sistema de transporte público realmente bom. Londres proibiu a abertura de estacionamentos na área central. Também é preciso controlar o número de carros que não estão em condições razoáveis. Há ainda pedágio para entrar no centro de Londres.
Tudo isso ajudou a criar um dos melhores sistemas de transporte público do mundo. Em Londres, 93% das pessoas usam transporte público.

O sistema de ônibus em Curitiba seria uma solução para cidades mais pobres?
Claro. Você precisa ter metrô e ônibus de alta qualidade. É inacreditável que em São Paulo as pessoas aceitem andar de carro a dez quilômetros por hora. A pé é mais rápido. É preciso cobrar mais impostos de carros para melhorar o transporte público.

O que São Paulo pode fazer?
Cingapura, como Curitiba, é um bom modelo. Lá, os impostos de carros são altíssimos e há pedágio no centro. É preciso restringir carros para ter mais espaço público. Espaço público é a principal razão para as pessoas gostarem de viver em cidades.

Como uma cidade faz para ter mais espaços públicos?
Precisa ter parques em todos os distritos. Curitiba fez isso. Jaime Lerner fez um trabalho brilhante. Curitiba é um modelo mundial. Um dos segredos é controlar as forças do mercado.

Como se faz isso?
As cidades precisam de leis para controlar as forças do mercado. Ajudei o primeiro ministro Tony Blair a preparar um plano para as cidades governadas pelo Partido Trabalhista.
O plano dizia que as pessoas têm direito a espaços públicos, assim como têm direito a água. Que as cidades devem ter leis que obriguem bairros ricos a ter habitações sociais. E têm de limitar os carros no centro.

Durante a crise de 2009, o ex-presidente Lula reduziu os impostos de carros para manter os empregos e as vendas.
Não é uma boa ideia. Emprego é uma questão séria, mas é preciso adotar soluções que não levem à desertificação do mundo ou ao fim da floresta amazônica. Um terço da poluição do mundo vem dos carros. Reduzir imposto de carro não faz o menor sentido hoje.

O sr. e Renzo Piano criaram na metade dos anos 70 o Beaubourg, em Paris. Por que ele fascina tanto as pessoas?
SP e Rio têm prédios brilhantes de arquitetura moderna, como os de Niemeyer. Mas em Paris não havia isso. Foi uma surpresa. Fizemos um prédio para abrigar todos os tipos de pessoa e que tivesse interação com a cidade. O Beaubourg é popular porque é um palácio da diversão.

O governo de SP tenta recuperar uma área degradada, a Luz, com museus e salas de concerto. Isso funciona?
Não. Você precisa de usos mistos para recuperar uma área. Não faz sentido uma área só com shopping ou escritórios. Os governos estão fascinados com museus, mas só isso não funciona.
Meu escritório fica numa área de Londres onde as pessoas não podiam ir há 15 anos de tão perigosa que era. Hoje é uma das melhores áreas de Londres. Isso ocorreu porque há escritórios, moradias e museus. Quanto mais misturado, melhor.
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FONTE: Folha online, 29/03/2011