Estudo revela que homogeinização
interfere na identificação de processos
de desigualdades educacionais
MARIA ALICE DA CRUZ
Pesquisa desenvolvida para doutoramento do economista e professor Sergio Stoco na Faculdade de Educação (FE) oferece novos significados para o conceito de vulnerabilidade social, que pode ser aplicado em pesquisas de avaliação ou orientação de políticas educacionais. O pesquisador explica que, quando se estratifica uma população, a partir de uma variável de nível socioeconômico, para identificar os processos de desigualdades educacionais, o que se obtém é uma medida que homogeniza e sintetiza características, como por exemplo, renda familiar, escolaridade da mãe, analfabetismo, entre outros.
Os indicadores construídos a partir destas variáveis permitem distinções de grandes agregados populacionais e certa medida de concentração da desigualdade, mas não são eficientes para diagnosticar o funcionamento do fenômeno social, em sua opinião. “Essas variáveis não servem para avaliar condições sociais porque, por ser síntese, condensa, transforma tudo em igual e estático”, explica.
O economista acredita que um olhar mais atento para o sistema educacional e as relações sociais vinculadas à escolarização demonstram que as desigualdades continuam existindo, apesar da universalização do ensino fundamental, pois apenas se transfigurou a forma de apresentação dessas desigualdades. Na opinião de Stoco, por contribuírem no desenvolvimento de políticas públicas, pesqusas que utilizam fatores associados ao desempenho escolar deveriam interpretar os estratos sociais, a partir de variáveis multidimensionais. “E mesmo se pensar em estratos, tem considerar que, entre as famílias pobres, a pobreza não é igual para todo mundo. Todos têm a mesma condição de acesso e qualidade a equipamentos de educação, saúde, programas de assistência, condições de infraestrutura urbana, entre outros?” Ele acrescenta que todas essas variáveis de condição socioeconômica se relacionam com as escolhas que as famílias fazem para defi nir a trajetória educacional dos seus filhos.
A falta de uma exploração mais abrangente de fatores que envolvem a vulnerabilidade social pode induzir ao uso inadequado dos resultados de pesquisas, segundo o professor. Como exemplo, ele cita estudos que vincularam o desempenho escolar ao uso de computador. “Muitos defendem que o computador melhora notas da escola. Mas podemos afirmar que, se foram colocados computadores para todos, o desempenho dos estudantes na escola irá melhorar de forma generalizada? Isso não é uma certeza.” Stoco enfatiza que as pesquisas só mostravam que havia relação entre o uso de computadores e as melhores notas, mas não dizia que se todos tivessem computadores melhoraria o rendimento. “Isso mostra o uso inadequado do resultado da pesquisa para justificar a formulação de políticas. Minha tentativa é demonstrar que para fazer um indicador que fosse mais adequado para demonstrar essas relações temos de compreender todas as condições sociais envolvidas. Não posso falar só de uma parte”, explica.
Para complementar, ele diz que o computador representa uma capacidade física (ativo material) que a pessoa tem. “É bom para a escola, dentro de um contexto, mas um computador parado não serve para nada”, diz Stoco. Para ele, se não houver uma relação dessa máquina com o objetivo pedagógico de busca e uso de informação para construção de conhecimento, o computador se torna um adorno. Para um resultado eficiente, conforme Stoco, não pode existir somente o computador, mas devem-se construir os sentidos materiais e simbólicos em ambiente favorável à aprendizagem, o que significa reconhecer a visão e expectativas das famílias, como elemento fundamental do processo, bem como a valorização dada por elas a determinados bens culturais.
“Sabemos que de todas as crianças que entram na escola, algumas vão se adaptar à cultura escolar e outras não.” Diante desse fato, Stoco salienta que é preciso saber como as relações se constroem para cada criança. Ao valorizar um determinado padrão de comportamento, escolas e algumas pesquisas consideram apenas o olhar da escola, o que acaba reforçando as desigualdades e segregando, de acordo com o professor. “Por exemplo, a criança tem de ser incentivada pela mãe para ir à escola, mas esse incentivo é igual em todas as famílias?” Ele acrescenta que a realidade da família nem sempre permite que os pais participem de atividades estabelecidas pela escola, entre elas conselho escolar, reunião de pais e acompanhamento das tarefas. Daí a necessidade de compreender as diferentes condições e posições que as famílias ocupam na sociedade, o que obriga a ampliar as variáveis na hora de analisar o problema, enfatiza o economista.
Desempenho
Stoco afirma que uma das questões a ser revistas é o uso social que se faz da nota de desempenho como sucesso escolar. “Quando associo uma nota ao desempenho escolar o sentido intrínseco é expressar uma posição em uma escala de aprendizagem”, pontua. O número obtido, em sua opinião, não é garantia de uma sociedade melhor, mais justa, menos desigual, com crescimento econômico ou maiores salários. Para ele, a nota em si não tem sentido social. Ela só tem sentido social porque as pessoas atribuem um valor material e simbólico à formação escolar: “As pessoas acreditam que um título escolar ou uma boa nota significam uma melhor condição. Mas essa expressão de valor é diferente para as diversas camadas sociais. Se a pessoa é estratifi cada como classe média, a cultura escolar faz parte do seu cotidiano, os pais são geralmente mais escolarizados, valorizam a participação em meios culturais como teatro,cinema, discussões críticas, isso gera uma pré-disposição de comportamento que valoriza certo padrão legítimo de cultura”, acrescenta.
Para a sociedade, a educação está associada a certa expectativa de projeção social, segundo Stoco. Mas para as famílias carentes, a preocupação material é mais premente. “Como consigo as condições materiais para produção e reprodução diária da minha sobrevivência?”, questiona. Essa imediatização dos objetivos, em sua opinião, também se transfere para o objetivo educacional. Sendo assim, o pesquisador acredita que não adianta colocar a criança diante de um currículo que aborde importantes temas da história, ciências e geografi a se para elas estes temas não têm significado na sua realidade. “Aliás, para a classe média, esses conhecimentos ganham um sentido material muito forte quando associado ao vestibular. A criança constrói desde muito cedo uma expectativa (objetivo educacional) de passar no vestibular e conseguir realizar uma carreira profissional e atingir determinado status social”, pondera.
Stoco esclarece que sua pesquisa não é uma prova da inviabilidade de se estudar fatores associados ao desempenho escolar, mas sim um alerta teórico e metodológico de que, do ponto de vista social, a realidade é mais complexa do que imaginar soluções de causalidade. O risco de uma visão simplista e enviesada da realidade é criar uma idealização (nas políticas públicas, na imprensa e um senso comum). “Meu objetivo é discutir do ponto de vista teórico, metodológico, a pertinência e robustez do conceito de vulnerabilidade social para a análise das desigualdades educacionais”.
Stoco acrescenta que a questão também não pode ser colocada como uma comparação entre crianças que frequentam a escola pública e a escola privada, pois as avaliações nacionais, desde a década de 1990, provam que não tem tanta diferença assim. Muitas famílias acabam por fazer um grande esforço para colocar seus filhos em escolas particulares, pois há uma difusão de mitos de que essas instituições são melhores que as públicas, porém, recorrendo a uma interpretação pedagógica das avaliações, quase de senso comum, será possível perceber que a diferença é mínima. Como demonstração, ele pondera: “A professora faz uma prova de história com um conteúdo a ser avaliado. Se a prova tem escala de 0 a 10, e o aluno tira 4, na escala de avaliação da professora, é muito provável que esta, proporcionalmente, é uma nota ruim em relação ao conteúdo trabalhado. Não aprendeu nem metade do conteúdo.” Ele acrescenta que na avaliação nacional acontece o mesmo, pois numa escala de zero a dez, todos tiram em torno de 4,5. Enquanto a particular tem nota 4,7, a pública tem 4,2. “A interpretação correta seria: as duas são ruins”, questiona. “Mas é claro que se olhar para poucas escolas elitizadas (o ranking das dez melhores públicas ou privadas), as diferenças são signifi cativas e não se restringem às características das escolas, pois há um efeito de seleção de estudantes”, complementa.
Para Stoco, é preciso resgatar o objetivo da educação. “Para que serve? Para as pessoas tirarem nota ou para formar a sociedade? Só existe desigualdade porque esta é uma característica estruturalmente inerente a nossa sociedade”. Ele destaca que a análise social sempre depende de uma concepção de sociedade, uma teoria social. Há uma linha de pensamento que analisa pela ótica da igualdade de oportunidades, essa linha de pensamento imagina a sociedade como organismo equilibrado, que por algumas questões conjunturais se desequilibra, e para retomar sua forma natural basta algumas ações focalizadas, segundo o economista. Já a concepção de realidade social utilizada na tese para desenvolver o conceito de vulnerabilidade social é de outra ordem. “A sociedade é desigual porque se estrutura na desigualdade e isto tende a condicionar as decisões educacionais das famílias. Como apresentamos na tese, não é provável que as trajetórias escolares sejam as mesmas se há tantas desigualdades de ordem sociodemográficas e econômicas, mesmo no caso de uma região tão rica como a RMC”, diz o economista.
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Tese: “Família, educação e vulnerabilidade social: o
caso da Região Metropolitana de Campinas”
Autor: Sérgio Stocco
Orientação: José Roberto Rus Perez
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
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Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/outubro2011/