quarta-feira, 30 de abril de 2014

Instintos da espécie humana

Bruno Peron*
 

Nas linhas seguintes, proponho duas interpretações sobre a espécie humana:

1) eu desafio o status privilegiado que nos diferencia de outras espécies animais como seres dotados de inteligência e razão;

2) argumento que algumas atividades humanas nos situam abaixo de outros animais e caracterizam nosso papel colonizador-predatório na Terra.

Antes de desenvolver estas ideias, cujo conteúdo é um tanto desafiador para uma espécie que há poucos séculos acreditou que fosse a mais importante a habitar o planeta central do universo, exponho a definição de animal que encontrei num dicionário. De três acepções listadas, parafraseio a primeira que o situa como um ser vivo que tem células múltiplas, alimenta-se de outros seres vivos, tem capacidade de movimento e responde a estímulos. Até este ponto, tal definição cabe a uma infinidade de criaturas, inclusive humanas.

Porém meu questionamento diz respeito à segunda acepção de animal de acordo com o dicionário. Ela define-o como um ser irracional e que, por isso, opõe-se ao homem.

De acordo com esta linha que diferencia os seres humanos de outros animais, de fato contamos com atributos mais sofisticados (a razão) e mais complexos (a inteligência) que neles. Quantos exemplos temos de criação e manipulação de técnicas para facilitar nossa sobrevivência! O desequilíbrio entre o uso de instinto e de inteligência é o que dá à espécie humana um ar de superioridade no reino das coisas vivas deste planeta.

Entretanto, há que levar em conta que instinto é também um tipo de inteligência pelo qual os animais (incluindo-nos, de acordo com meu argumento) satisfazem suas necessidades de sobrevivência. O ser humano possui resquícios desta inteligência rudimentar quando suas paixões, vícios e más inclinações prevalecem sobre suas virtudes.

Deste modo, temos um clima de animalização do ser humano e de humanização dos outros animais, se tomarmo-nos como parâmetro para comparação. Isto significa que nosso instinto de preservação faz-nos cobiçar, invejar e matar seres da mesma espécie quando não houver impedimentos normativos (as leis, as morais, os costumes); frequentemente a razão se põe de lado para que humanos saciem seus apetites carnais.

Noutro relato, menciono que a organização laboral das abelhas e das formigas nos dá exemplos que nosso orgulho nos impede de observar, enquanto cachorros muitas vezes são de fato “o melhor amigo do homem” devido à sua companhia e fidelidade.

Estamos, assim, abaixo de outros animais no uso de nossa inteligência instintiva. Portanto, não somos uma espécie privilegiada, ainda que façamos uso da razão.

A segunda interpretação que gostaria de propor sobre a espécie humana é de que temos exercido um papel colonizador-predatório na Terra. E há os que já estão de olho na possibilidade de viver em estações espaciais, na Lua e em Marte.

Junto da pretensão de superioridade da espécie humana sobre os outros animais, há também um desejo frenético de controle, expansão e exploração. A história da humanidade tem exemplos de impérios influentes, de diásporas e migrações entre continentes, e de construção de estações científicas no Polo Norte e na Antártica.

O ser humano é sedento de território (daí a origem da globalização através das conquistas de além-mar), ainda que não possa estar de corpo em todos os lugares que conquista. É notável, porém, que temos escravizado as outras espécies para saciar nossas necessidades e temos construído abundâncias que põem o planeta em risco de extinção.

Está sempre conosco a decisão sobre se queremos aprimorar nossa inteligência ou disseminar no lodo da Terra os elementos de nossos instintos rudimentares.
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* Escritor e analista de relações internacionais.
Fonte: http://www.brunoperon.com.br/textos-sul-americanos/artigo.asp?id=361&lang=br
Imagem Internet

Fetichismo do dinheiro e a Graça de Deus: a novidade no Alegria do Evangelho (Parte V)

 Jung Mo Sung*
 
Neste quinto artigo da série sobre a novidade do documento Alegria do Evangelho, quero continuar a reflexão do artigo anterior sobre a tarefa das igrejas cristãs de anunciar o Deus revelado em Jesus, o Deus que estava na cruz com "o” justo; aquele que foi assassinado em nome de deus do Templo e do Império Romano. 

Segundo o papa, a adoração do ídolo-dinheiro leva as pessoas e a sociedade a se tornarem indiferentes, insensíveis, em relação aos sofrimentos dos pobres e à grave desigualdade social. (Para se ter uma ideia da dimensão da desigualdade social no mundo: segundo o Fórum Econômico Mundial de Davos, 1% mais rico detém 46% da riqueza mundial; e 85 pessoas, a riqueza equivalente a metade da população mundial. Você não leu errado, 85 pessoas detém equivalente a quase a metade.) É preciso entender que as pessoas não se tornaram insensíveis porque são más. Pelo contrário, podem ser pessoas de "bem”, cumpridoras das regras morais e religiosas. Essa insensibilidade social não nasce de algum desvio individual no campo da moral ou religioso, mas é fruto da cultura em que estão imersas essas pessoas.

E por que diante dessa situação, que faz conviver pessoas miseráveis ao lado de poucas ostentando carros de milhões de reais, domina indiferença social? É claro que se perguntados, todos vão dizer que são contra essa situação e favor de mudanças. Mas, se perguntado se estão dispostos a reduzir o seu nível de ganho e consumo (por ex, com mais impostos para programas sociais), vão levantar várias "desculpas” (por ex, a culpa é da corrupção, mais imposto diminui o crescimento econômico...) para dificultar medidas que realmente possam modificar a situação. No fundo, há uma indiferença em relação a esse grave problema. Diante dessa situação, não bastam mais "pregações morais ou religiosas” criticando a desigualdade social (sobre a crise ambiental, nos próximos artigos). É preciso entender o porquê dessa insensibilidade. E o documento Alegria do Evangelho oferece uma pista.

Ele diz: "na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura duma eco­nomia sem rosto e sem um objetivo verdadeira­mente humano.” (n.55) O papa faz um paralelo entre "o bezerro de ouro” e o fetichismo do dinheiro hoje. Nesse sentido, o tema do dinheiro/economia se tornou uma questão teológica central, assim como é a "luta” entre Bezerro de Ouro –que foi chamado de Javé pelos seus adoradores– e o Deus-Javé.

E o que é o fetichismo? O conceito de "fetiche”, que Marx usa para analisar a mercadoria (O Capital, vol I, Livro I, cap. 1), designa a inversão da relação entre o sujeito e objeto. O ser humano é o sujeito do trabalho e o produto ou a mercadoria é o objeto resultado da ação do sujeito. Porém, no sistema de mercado capitalista ocorre uma inversão profunda: as pessoas não se relacionam porque são pessoas-sujeitos, mas sim porque são portadoras de mercadorias que podem ser trocadas por outras mercadorias. Por ex, se você não tem dinheiro (um tipo especial de mercadoria), não pode ir a Shopping fazer compras (isto é, fazer o seu dinheiro estabelecer relação de troca com outra mercadoria), nem "dar um role”. Como (quase) tudo é comprado e vendido no mercado, você só estabelece relações com outras pessoas na medida em que é portadora do dinheiro/mercadoria.

Na experiência do cotidiano isso é expresso com a ideia de que você vale o quanto tem. Se você não tem nada, é pobre, não vale nada e, portanto, não é "ninguém”. Nesse fetichismo do dinheiro, a fonte da dignidade humana está no dinheiro. Por isso as pessoas querem mais dinheiro do que precisam, desejam sem limite, porque querem "ser” mais através de "o” único caminho que conhecem: ter mais dinheiro.

Os problemas sociais dos pobres são problemas de pessoas que são "ninguém”, por isso não são importantes e a sociedade se torna indiferente a esses problemas. Só são tratados quando essa desigualdade cria problemas para as "pessoas de bem”, as que têm dinheiro.

Diante desse tipo de mundo, é preciso oferecer um caminho alternativo. "O Caminho” que Jesus propõe é o reconhecimento de que todos os seres humanos são dignos, não importando se é rico ou pobre, homem ou mulher, branco ou negro ou indígena, religioso ou não, ... Isso porque Deus a ama a todos gratuitamente e por causa dessa graça os problemas de pessoas consideradas "ninguém” são problemas importantes para Deus e para todos que descobriram a Verdade sobre a condição humana. Esse Caminho e essa Verdade nos levam à Vida.

A insensibilidade social frente aos problemas sociais precisar ser desmascarada e superada pela "teologia da graça”.
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*Teólogo. Prof. Universitário. Escritor. Autor, com Hugo Assmann, do "Deus em nós”, Paulus. Twitter: @jungmosung
Fonte: Adital
Imagem da Internet

Por que somos todos macacos (“y otras cositas más”)

Henrique A. Camargo*

Foi fantástica a ação de Daniel Alves ao comer a banana atirada em sua direção durante um jogo do Barça. A atitude ganhou o mundo. Foi de uma espontaneidade e inteligência tão grandes, que furou até mesmo uma iniciativa preparada por Neymar e um time de comunicadores. No escurinho dos bastidores, eles armavam uma ação com o mesmo roteiro. Então, melhor que tenha sido com a simplicidade de Dani e ganhado força com o carisma de Neymar. Assim, a coisa toda tem mais legitimidade e abafa qualquer especulação sobre o oportunismo da situação. O que vale é a mobilização que essa campanha está causando. #Somostodosmacacos é o que eu chamaria de comunicação do bem.

Ah… Sobre oportunismo, estou ignorando a ação da empresa de um apresentador de TV. Pelo que acompanho desse homem, sua aura de bom moço só acende quando as câmeras estão ligadas. Mas esse julgamento prefiro deixar para a opinião pública.

Voltando ao que interessa, mais do que um ato contra o racismo, #somostodosmacacos enfatiza a incompreendida obviedade: todos os homens, mesmo que não sejam macacos, são iguais e fazem parte da mesma raça humana.

Mas daí alguém pode argumentar que as diferenças entre brancos e negros são gritantes sim e que definitivamente não são parte da mesma raça (talvez nem da mesma espécie).

Pois bem, para responder a essa questão podemos apelar para os fatos científicos. Em fevereiro, o Mercado Ético publicou um artigo do filósofo Roberto Malvezzi, que leva justamente o mesmo título da campanha: Somos todos macacos (tenho certeza que Neymar e seus criativos se inspiraram nesse texto). Nele, o articulista aponta que “entre os seres humanos, a identidade genética é de 99,9%. Todos nós temos origem na África e pode haver mais diferença entre dois louros que entre um louro e um africano”. Com tamanha semelhança, o argumento de raças vai pelo ralo.

Mas essa história de compatibilidade genética não para por aí. O DNA humano é tão semelhante ao de outros animais, que fica difícil acreditar que somos tão diferentes assim. (Saiba mais aqui) Olha só, chipanzés compartilham 99% dos genomas humanos. Olhando sob essa perspectiva não é difícil perceber que #somostodosmacacos no sentido literal da frase. Mas também somos parentes próximos dos camundongos. Sim, temos 97,5% de semelhança genética com esses adoráveis roedores. Nos gatos, essa relação é de 90%, e na mosca da fruta, de 60%. Até vegetais como o repolho têm alguma coisa de humano, com 40% de compatibilidade entre os DNAs. Vegetariano que sou, não vou conseguir evitar o sentimento de canibalismo em minhas próximas refeições.

Talvez esses testes de DNA não sejam tão conclusivos quanto aqueles do programa do Ratinho, mas uma coisa é certa: toda a vida na Terra, desde a mais inteligente até a mais primitiva, tem algum grau de parentesco entre si. E assim sendo, começo a entender a complexa relação de amor e ódio entre os humanos e a Natureza. #somostodosumagrandefamilia
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*Henrique é jornalista e pelo exercício da profissão apresenta uma forte tendência ao ceticismo. Para expressar sua busca pela neutralidade, veste roupas de tons neutros e sem estampas – com exceção daquelas belas camisas e camisetas coloridas que sua esposa gosta de presenteá-lo. Mas apesar de cético, acredita nas mudanças climáticas, na possibilidade de sua mitigação e na construção de um mundo mais amigável para a maioria das pessoas. Com um herdeiro a caminho, quer deixar um mundo melhor para seu filho e essa geração que se anuncia. Além de diretor de redação do Mercado Ético, é especialista em Gestão Socioambiental para a Sustentabilidade pela Fundação Instituto de Administração (FIA)
Fonte: (Mercado Ético)

O marketing do espírito humano e a conquista dos alunos da geração Z

Jéssica de Almeida Santos* 
 
A geração "Y” ficou para trás. Já estabelecida no mercado de trabalho e envolta com as suas dificuldades em conquistar o equilíbrio entre a realização profissional e pessoal, cede espaço à "Z”. Esta, porém, pasmem, não tem ideia do que acontecerá com seu futuro. Quer apenas desfrutar o hoje. O vasto acesso à informação permite a esses jovens sentir que o mundo cabe em suas mãos. Num ambiente de excessos, a opinião de seus amigos é confiável e mais influente do que a das marcas. É o que aponta estudo inédito sobre a "Geração @ e as Mudanças dos Consumidores Teen”, realizada pela Enfoque Pesquisa de Marketing. 

Uma das principais etapas na vida dos "Z” é entrar na faculdade. Entretanto, muitas instituições de Ensino Superior ainda torcem o nariz quando o assunto é tratar o aluno como o seu principal cliente, ignorando seu perfil, receios e desejos. As mais de 2400 Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil, que concentram os sete milhões de alunos matriculados no País, vivem dilemas que antes não preocupavam a alta administração. O marketing, outrora uma área de luxo, torna-se um setor estratégico e fundamental no processo de entender as necessidades dessa geração e oferecer atrativos que retenham o estudante durante todo o curso. Além disso, espera-se que ele construa uma admiração pela marca e saia da faculdade com um alto índice de satisfação e identificação, a ponto de voltar para cursar pós-graduação, indicar a instituição ou simplesmente reencontrar amigos e professores. 

O mercado de educação particular representou, em 2012, quase 1% do PIB brasileiro. Com receitas que giram em bilhões, muitas IES lançam mão de estratégias ultrapassadas e enfadonhas na hora de captar o aluno pertencente a uma geração imediatista, impaciente e intensa. Enquanto o "Y” está saindo e ocupando o seu espaço no mercado de trabalho, o "Z” está em seu processo de escolha. Para ele, é natural começar um curso, pausar e continuar em outro, até que o conhecimento almejado seja construído. Júlio César de Castro Ferreira, especialista em comunicação digital e psicopedagogia, reforça que esses jovens não querem prender-se a apenas uma área de conhecimento, pois o seu desejo em experimentar é tão ampla quanto as possibilidades que se apresentam a partir desse novo nível de conectividade. Qual curso de graduação escolher? Por que passar quatro anos em uma faculdade, se é possível viajar e conhecer o mundo? 

Os "Z”, nascidos em meados da década de 1990, não são capazes de imaginar suas vidas sem computador, celular, redes sociais e chats. Diferentemente de seus pais, sentem-se à vontade quando ligam ao mesmo tempo a TV, rádio, telefone, música e internet. Júlio Cesar reforça, ainda, que não são mais influenciados pela mídia de massa e não aceitam ser consumidores passivos. Para eles, a opinião de terceiros, principalmente dos amigos, é decisiva para a tomada de decisão, normalmente formada e sacramentada nas redes sociais. Valorizam muito as empresas e instituições que dão atenção a sua opinião e viabilizam uma interação aberta com o seu público. 

O marketing focado no produto e nas vendas ficou para trás. Estamos numa época voltada aos valores. O jovem, quando em processo de escolha, leva em conta muito mais do que os fatores tradicionais que as faculdades costumam destacar em suas campanhas de captação de alunos: preço, localização e corpo docente. Ele quer mais. Philip Kotler, em seu livro "Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano”, defende que estamos na era da sociedade criativa e do marketing do espírito humano. Em um mundo colaborativo e interligado, os consumidores expressivos são os que mais usam as redes sociais. Eles criticam marcas que têm impactos sociais, econômicos e ambientes negativos na vida das pessoas. 

As redes sociais são parte fundamental na vida dos adolescentes brasileiros para se socializarem, conhecerem pessoas, terem reconhecimento e autoestima. Em seus perfis, eles se mostram como querem ser vistos, geram e compartilham conteúdo constantemente. E esse espaço é fundamental na escolha de uma universidade. 

Dessa maneira, as IES precisam aumentar a sua presença nas redes sociais e torná-las um espaço oficial de interação com os jovens. Eles querem tirar as suas dúvidas em um chat no Facebook, em vez de ligar e esperar um atendente lhe dar a informação. E uma vez que optaram pela IES, esperam encontrar na fanpage da sua faculdade as respostas para os seus problemas acadêmicos e também todas as informações sobre eventos, cursos e conteúdos relevantes sobre as suas áreas de interesse. Considerando que esses alunos são envoltos em um mundo de games, cabe às IES pensar em conteúdos mais atrativos em sala de aula, capacitando o professor – primordial nesse processo – a usar a tecnologia para tornar as aulas mais interessantes. 

Essa preocupação em captar alunos deve estender-se a outros processos de relacionamento. É fundamental estabelecer um padrão de qualidade na prestação de serviços durante todo o período do curso. A mesma IES que mostrou ao aluno o quanto podia oferecer deve ouvi-lo e atendê-lo quando ele precisar. Isso enquanto o jovem ainda está em sala de aula, já que a tendência é que a educação à distância ocupe cada vez mais o espaço da presencial: o número de matrículas subiu de 40 mil, em 2002, para 1,1 milhão, em 2012, de acordo com o Ministério da Educação. É a modalidade que mais cresce no País e hoje representa mais de 15% do total de estudantes. Estratégias de marketing para captação e retenção de alunos somente terão sucesso se considerarem todas essas transformações do mundo. 
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*Jéssica de Almeida Santos é profissional de Marketing da Faculdade Santa Marcelina (FASM).
Fonte: Adital

terça-feira, 29 de abril de 2014

Pais só dentro do casamento

Fabrício Carpinejar*

 
Há pais que somente são pais dentro do casamento. Quando se separam, deixam a paternidade com a ex-esposa. Largam os filhos.

Não continuam pais quando solteiros e divorciados. Eles exercem a paternidade para agradar a atual mulher. Para impressionar. Para transparecer seriedade. Para sinalizar que pretendem constituir família. Para ostentar planos e projetos de gente grande.

Não seguem com os filhos após o relacionamento. Abandonam as crianças, como se fossem enteados de ocasião.

A paternidade é vista como um capricho do romance, não uma decisão para a vida inteira. Realizam o sonho de mãe de cada mulher, indiferente ao pesadelo paterno que podem impor com sua futura ausência.

Assumem os filhos em nome da esposa, ótimos e afetuosos com seus dependentes enquanto têm interesse na companheira.

Depois desaparecem, espaçam as visitas, estreitam os telefonemas, mudam de perfil, rompem os laços.

Não carregam culpa, capazes de engravidar de novo em outra história e repetir a dedicação e o consequente êxodo. A alienação com filhos anteriores não impede a reincidência. Formam uma segunda família do zero, absolutamente desmemoriados.

A paternidade aparece como um ciclo do namoro, jamais como responsabilidade integral. É um contexto provisório, uma circunstância da sedução. Desprezam o caráter permanente do envolvimento filial.

Esses pais amam seus filhos a partir das mulheres, não além das mulheres.

São pais de fachada, que usam as crianças para sensibilizar a alma feminina. São pais psicopatas do amor.
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* Fabrício Carpinejar Blog de Fabricio Carpinejar. Caracterizado por Luis Fernando Verissimo como "usina de lirismo", Fabrício Carpinejar tem prosa absolutamente desconcertante e confessional. Poeta, cronista, jornalista e professor, 41 anos, é autor de 26 livros e já recebeu prêmios literários do país como Jabuti, APCA e Olavo Bilac É apresentador da TV Gazeta, da TVCOM e da RBSTV, comentarista da Rádio Gaúcha e colunista do jornal Zero Hora e das revistas Pais & Filhos e Isto É Gente. 
Fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/fabricio-carpinejar/posts/2014/04/28/pais-so-dentro-do-casamento-534072.asp

Especialistas definem ato de Daniel Alves como inovador e contundente contra o racismo


Especialistas definem ato de Daniel Alves como inovador e contundente contra o racismo Reprodução/Vine

Lateral do Barcelona e da Seleção comeu fruta atirada por torcedor em jogo do Campeonato Espanhol


Um protesto original, inteligente, muito mais contundente contra o racismo, por seu caráter inovador, do que discursos ou denúncias. É dessa forma que especialistas ouvidos por Zero Hora qualificam o inesperado ato de Daniel Alves, que comeu uma banana jogada em sua direção por torcedores do Villarreal, em partida disputada domingo, na Espanha.

Despertado pelo gesto do lateral do Barcelona, o craque Neymar lançou uma campanha nas redes sociais, conclamando as pessoas que condenaram a ação do torcedor do Villarreal a publicar selfies comendo banana sob a hashtag somostodosmacacos, rapidamente acolhida por celebridades e brasileiros comuns.

Situação rotineira nos campos europeus, o caso de racismo ganhou uma dimensão planetária a partir do ato de Daniel Alves, gerando comentários do presidente da Fifa, Joseph Blatter, e de grandes nomes do esporte. 

Para Roberto Romano, professor de política e de ética da Unicamp, "trata-se de um ato político transcendental", comparável à Marcha do Sal, através da qual a Índia, liderada por Mahatma Gandhi, se insurgiu, de forma pacífica, contra o império britânico. Em 1930, sob a liderança de Gandhi, milhares de indianos se dirigiram ao mar para coletar o próprio sal de cozinha, contrariando a determinação do Reino Unido, que os obrigava a adquirir o produto industrializado. Meses depois, a lei seria abolida.

Para Romano, o jogador do Barcelona teve a lucidez de introduzir na discussão do racismo um elemento novo, que foge ao convencional, pelo qual o ofendido reage de maneira irritada, mas não vê o debate ganhar consequência prática. Em sua visão, o baiano Daniel Alves, que reforçava o orçamento da família trabalhando na roça na infância, compôs, sem palavras, "uma imagem extremamente eloquente, superior a muitas pregações que, por vezes, se tornam monótonas".

— Foi um gesto genial, de uma felicidade ética absoluta. Ele deu um choque. Seu gesto simbólico terá mais peso do que muitos discursos. Fiquei orgulhoso em tê-lo como compatriota — emociona-se Romano, que, envolvido com uma palestra em Marília, não teve tempo, nesta segunda-feira, de postar a foto de uma banana em seu blog, como fizeram milhares de pessoas em todo o planeta.

Integrante do grupo de articulação do Fórum Social Mundial para o Movimento Negro, José Antônio dos Santos da Silva não viu na ação de Daniel Alves a atitude de quem se conforma ante uma situação impossível de ser modificada. Enxerga, ao contrário, um ato de repúdio, só que feito de forma madura.

— Ele fez seu protesto de forma elegante e não agressiva. Que todas as entidades de defesa dos direitos humanos sigam seu exemplo — torce. 

Como Roberto Romano, José Antonio valoriza o fato de Daniel Alves não ter jogado a banana de volta ao torcedor.

— Esse seria um gesto tão grosseiro quanto o da torcida. Ficou demonstrada a nossa superioridade em relação a essas pessoas — avalia.

Advogado e militante da causa negra, Antônio Carlos Côrtes espera que a legislação, como a brasileira, tipifique os crimes raciais. Ele se diz convencido de que o gesto de Daniel Alves provocará uma conscientização do mundo do futebol para o problema do racismo. Fonte de energia, a banana foi a forma encontrada pelo jogador para mostrar que está cansado da situação.

— Ao comer a banana, ele procura demonstrar que é um ser humano como qualquer outro. Seu ato foi de protesto, não de conformismo — afirma o advogado, que vê na educação a única forma de solução para este problema.

Sociólogo do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS, Alex Niche Teixeira elogia a capacidade de Daniel Alves de desqualificar o gesto racista do torcedor. Como alguém pode pretender ser superior se come banana da mesma forma que aquele a quem pretendeu diminuir, indaga. Ele vê paralelo entre o ocorrido e o que faz a torcida do Inter, ao enfraquecer o gesto de alguns torcedores gremistas usando a figura do macaco como seu símbolo.

— O que Daniel Alves fez não resolve a questão do racismo, mas inova na forma de estabelecer o debate — interpreta Alex, sem desconhecer o valor de que as outras formas de denúncia, como a feita recentemente pelo ex-árbitro Márcio Chagas.

Outros casos de racismo
22/6/2011
Aos 44 minutos do segundo tempo, o ex-lateral Roberto Carlos, do Anzhi Makhachkala, abandona o gramado após um torcedor do Krylya Sovetov jogar uma banana em campo.

3/1/2013
Em amistoso entre Milan e Pro Patria, da quarta divisão italiana, o meia Boateng deixa o gramado ao ouvir gritos racistas e é acompanhado por jogadores de seu time e até do rivall.

1º/12/2013
Após discussão com o zagueiro Spolli, do Catania, supostamente com insultos raciais, o atacante Balotelli, do Milan, ameaça deixar o gramado e é contido pelos demais jogadores de sua equipde.
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Fonte: ZHESPORTES
 Foto: Reprodução / Vine
Luís Henrique Benfica

'O contato que estabeleço com os jovens alimenta meu horizonte de esperança'

 
Ainda hoje o exercício da religiosidade é um desafio para muitos povos. Persistem, em várias partes do mundo, preconceitos fomentados por posturas de discriminação com o "religiosamente diferente" e, atitudes como esta, impedem a sociedade de avançar na construção do ecumenismo 
e do diálogo inter-religioso. 

Estas são algumas das reflexões de Edward Guimarães, que estará em Fortaleza, Ceará, de 1 a 4 de maio deste ano para participar do o I Encontro Nacional de Juventudes e Espiritualidade Libertadora.
 
O teólogo acredita que a juventude contemporânea, por estar inserida em um contexto culturalmente plural e multirreligioso, saberá construir convivências e interações muito mais bonitas e fecundas que as gerações anteriores. Edward Guimarães ministrará a oficina de Espiritualidade e Ecumenismo no encontro nacional que reunirá teólogos de todo os pais e convidados da América Latina, que está sendo organizado pela Adital e demais parceiros.

Durante a entrevista , o teólogo respondeu também questionamentos sobre o avanço político das igrejas, ciências teológicas, ciências da religião, Teologia do Pluralismo e a relação entre ecumenismo e espiritualidade.

O avanço político de igrejas voltadas para um discurso moralista e conservador pode influenciar na divisão das comunidades cristãs, ou faz parte de um processo natural de evolução da religião?
Edward: Por um lado, a religião, como produto cultural, está presente em todos os âmbitos da vida humana. Não poderia ser diferente na política. Por outro, atualmente, de fato, de modo visível nos diversos meios de comunicação, ampliou-se a presença e a tentativa de influência sociopolítica de representantes de diversas denominações cristãs, sobretudo, no parlamento brasileiro (Senado, Câmera Federal, Estadual e Municipal).

Assusta-nos, neste caso, o cunho tradicionalista, conservador e, muitas vezes, alicerçado em um fundamentalismo bíblico moralista e anacrônico. Esta presença tem se caracterizado por posturas polêmicas e/ou unilaterais e, o que é pior, sem diálogo com a sociedade, bem como sem compromisso com políticas públicas estruturantes. Além disso, apresenta-se distante dos anseios de dignidade e das históricas bandeiras levantadas pelos grupos de fé e política, movimentos populares, associações, centrais sindicais, ONGs e demais grupos da sociedade civil em vista da construção da sociedade sustentável, justa, inclusiva, garantidora do acesso à cidadania e aos direitos básicos para todos.

Este fenômeno, no meu modo de entender, não deve ser considerado como uma espécie de etapa natural do processo de evolução da religião. Ao contrário, trata-se de estratégias de disputa de território, de poder e de influência sociopolítica. Há estudos que apontam e comprovam, inclusive, o interesse de grandes grupos econômicos a financiar esse tipo de presença religiosa conservadora em toda América Latina e Caribe.

Determinados posicionamentos morais, mesmo quando deles discordamos, podem ser definidos e talvez legitimamente defendidos no âmbito particular e interno de uma organização religiosa específica, livremente constituída, em país que se declara democraticamente laico e que defende a liberdade de culto. Porém, quando colocados de forma contundente, imperativa e impositiva para toda sociedade geram divisão e conflito. Isso acontece em relação aos membros das demais tradições religiosas, mas também, e sobretudo, com os cidadãos ou grupos que deles divergem ou neles não se reconhecem. Como exemplo, podemos citar o caso da condenação da homossexualidade ou do reconhecimento da união civil homoafetiva como algo abominável.

Em termos de diversidade religiosa, tais posturas agravam os conflitos pela falta de diálogo, intolerância e "demonização” de quem pensa de modo diverso. Neste caso, como nos diversos desafios da convivência em contexto de pluralismo o diálogo crítico, a tolerância e o respeito mostram-se balizas do melhor caminho para a paz.

Em pleno século XXI exercer livremente sua religião não é possível para muitos povos na Terra. Para o senhor, como é possível a religião ser um instrumento de separação entre as pessoas? O que esperar para as próximas gerações?
Edward: Nós ainda estamos dando os primeiros passos na consolidação de sociedades multiculturais. Muitas pessoas, infelizmente, vivem isoladas ou a margem dos processos e não participam das benesses dos diversos aspectos da globalização ou mundialização. No campo religioso, os desafios ainda são gigantescos. Há muitos preconceitos fomentando posturais de discriminação do religiosamente diferente. Muitas tradições religiosas ainda alimentam o sonho de, um dia, ser reconhecida por todos como a única religião verdadeira. Os adeptos de algumas tradições religiosas ainda se aproximam dos membros de outras denominações com posturas apologéticas, agressivas e/ou proselitistas. Em outras palavras, querem demostrar, muitas vezes a ferro e fogo, a superioridade da própria religião e desejam que o outro deixe a própria religião, ou mesmo a postura a-religiosa assumida em sua autonomia, e converta-se à crença por ele veiculada.

Com atitudes como essas não conseguiremos conviver sem muros ou sem guerras e divisões entre as religiões e, portanto, entre as pessoas. Consequentemente não avançaremos na construção do ecumenismo e do diálogo inter-religioso.

Todas as tradições religiosas recebem e provocam influências das culturas onde lançam raízes e se edificam. A história nos mostra o quanto as religiões influenciam-se mutuamente. Não há religião quimicamente pura. Cada cultura que acolhe uma tradição religiosa oferece possibilidades novas no processo de inculturação. Por exemplo, se é verdade que o Judaísmo influenciou na formação do Cristianismo e, estas duas, na do Islamismo. Do mesmo modo, receberam influências desta última. O mesmo pode ser dito das religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda, e das diversas tradições indígenas em relação ao Cristianismo e vice-versa.

Todos precisamos ser educados para acolher, aprender a ser e a conviver em contexto de pluralismo cultural e multirreligioso, mas as juventudes contemporâneas trazem consigo algo novo. A maioria dos jovens atuais nasceu e cresceu em contexto de "aldeia global”. Estes estão a construir suas identidades diretamente mergulhados em contexto culturalmente plural e multirreligioso encontrado em qualquer cidade de médio ou grande porte. Além disso, estão constantemente conectados com rica diversidade de redes socioculturais e religiosas. O acesso ao pluralismo, portanto, é uma realidade cotidiana. Nesse sentido, acredito que as juventudes contemporâneas saberão construir convivência e interação muito mais bonita e fecunda que as gerações passadas deram conta de concretizar. O contato que estabeleço com os jovens alimenta meu horizonte de esperança.

O que a ciência teológica e as ciências da religião entendem por ecumenismo? Como se dá essa convivência entre diferentes ideias e concepções entre os estudiosos do tema?
Edward: Entende-se, geralmente, por ecumenismo o cultivo, entre pessoas de religiões diferentes, da postura de abertura, na verdade e no amor, de diálogo aprendiz, amável e cordial, pautado pelo reconhecimento da maneira de ser e de pensar do outro, pela busca da convivência solidária e fraternal. Trata-se de condição necessária para haver justiça e paz no mundo. Ecumenismo, concretamente, é sempre um desafio: criar condições de convivência tolerante, respeitosa e dialogal entre pessoas que constroem sua identidade social a partir de diferentes tradições ou denominações religiosas. Descobre-se que a pessoa humana é valor maior que a religião. Esta revela-se, dentre outras funções na vida humana, ser meio propício para a busca do sustento para a esperança, da realização espiritual e do sentido profundo para a existência.

Distinguem-se, pela complexidade implicada, dois níveis de ecumenismo. O primeiro, o chamado micro ecumenismo, ou simplesmente ecumenismo, compreende o desafio de construir diálogo, unidade e convivência sem violência, mútua condenação ou "demonização" entre diferentes denominações ou divisões dentro da mesma tradição religiosa. Por exemplo, o ecumenismo cristão entre os diversos cristianismos: ortodoxo, católico, protestante, evangélico, pentecostal, neopentecostal etc. Para além das diferenças, partem do reconhecimento do patrimônio comum, tais como a Bíblia, a fé em Deus Pai, a esperança da salvação em Jesus Cristo, a presença do Espírito Santo, o mandamento do amor ao próximo, dentre outros. Buscam construir, a partir daí, unidade, respeito mútuo, diálogo, convivência fraternal. Algumas ensaiam ou compartilham, inclusive, projetos de evangelização juntas. O segundo, o chamado macro ecumenismo, compreende o desafio de construir diálogo e convivência sem violência ou exclusão preconceituosa entre religiões distintas. Por exemplo, entre o Budismo e o Cristianismo, o Islamismo e o Hinduísmo, o Judaísmo e o Cristianismo, dentre tantas outras possibilidades. Quanto maior for a diferença no campo das doutrinas ou os muros de separação historicamente construídos, maior será o desafio de aproximação, reconhecimento mútuo da alteridade e da beleza, construção do diálogo, partilha de projetos, dentre outros.

Há muros históricos de ódio, separação e condenação, mas, com o tempo, os membros de cada tradição descobrem-se chamados a empenhar-se na superação de tais divisões e construir pontes de amizade e solidariedade, alicerçadas no respeito e na bondade. Já aconteceram, ao longo da história, passos tímidos e amistosos, outros ousados e concretos nos dois níveis, inclusive, com experiências de parcerias em estudos e projetos sociais solidários e ecológicos. No campo acadêmico da teologia e das ciências da religião, por exemplo, há publicações conjuntas de pesquisas, organização de congressos e outras tantas atividades. Mas muitos passos ainda precisam e podem ser dados.

O conflito de ideias e o debate não são experiências negativos, ao contrário, fazem parte do fenômeno humano, na busca do conhecimento, da verdade e da felicidade. Podem ser vivenciados em clima de abertura e sinceridade na busca da verdade e dos caminhos para a justiça e a paz.

Cite-nos um exemplo real e positivo de ecumenismo religioso. Como podemos multiplicá-lo na sociedade atual?
Edward: Há vários exemplos reais e positivos de ecumenismo religioso. Podemos citar, por exemplo, no nível macro, os famosos Encontros de Assis, promovidos pelo Papa João Paulo II, no dia 04 de outubro, entre líderes das grandes tradições religiosas; entre nós, há o "Carnaval da alma", um encontro entre membros das diversas religiões em Campina Grande, na Paraíba, durante o período do Carnaval; há também inúmeras passeatas e outras manifestações multirreligiosas empenhadas em lutar contra a intolerância e o preconceito religioso, dentre tantos outros. No nível micro, há a rica experiência de espiritualidade cristã ecumênica da Comunidade de Taizé; entre nós, a criação do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), do Fórum Ecumênico Brasil e do Conselho Mundial de Igrejas (CMI); a elaboração conjunta de Campanhas da Fraternidade pelas Igrejas Cristãs do Brasil; experiências de ação solidária conjuntas na promoção da cidadania; encontros de música gospel, promovidos por Igrejas Evangélicas, dentre muitos outros.

Entre os meios de multiplicar experiências ecumênicas destacam-se o investir na formação para o pluralismo religioso e as experiências de espiritualidade ecumênica libertadora. A educação e a espiritualidade são caminhos necessários para desconstruir posturas de intolerância, os falsos muros do fundamentalismo religioso e gestar nova mentalidade e prática religiosa alicerçadas na compreensão do pluralismo, não como ameaça, mas como expressão da riqueza do Mistério de Deus e do multicultural fenômeno humano.

Desejamos que cada tradição religiosa empenhe-se e contribua para o crescimento do ecumenismo e do diálogo inter-religioso. Concretamente, desejamos também que cada jovem participante do I Encontro Nacional de Juventudes e Espiritualidade Libertadora torne-se protagonista, no seu meio familiar, de trabalho ou estudo e na sua rede social, um construtor de pontes entre as diversas tradições de sabedoria e que ajudem a construir a cultura da paz e o intercâmbio entre os povos e nações.

Em que consiste a "Teologia do Pluralismo”?
Edward: De maneira bem simples, podemos dizer que a Teologia do Pluralismo surge como um novo campo de investigação, análise e produção teológica cristã. Trata-se de campo de estudo e pesquisa que visa refletir, de um lado, sobre os entraves e dificuldades, por outro, sobre as possibilidades de superação e avanço no campo do ecumenismo e do diálogo inter-religioso. Por exemplo, refletir e demonstrar os limites de posturas "religiocêntricas", ou seja, a pretensão de uma denominação cristã conceber-se e apresentar-se como o único caminho de salvação (postura exclusivista). A Teologia do Pluralismo propõe ideias teológicas novas, com fundamentação bíblica, abertas para a construção de nova postura capaz de perceber e reconhecer a salvação cristã, por exemplo, presente nas outras religiões (postura inclusivista), até chegar a mentalidade predominante na atual Teologia do Pluralismo propriamente dita (postura de pluralismo): considera-se cada religião como potencial caminho de salvação para o adepto. Todas possuem suficiência salvífica, independente de qualquer relação com o Cristianismo. Deus não tem religião e seu projeto salvífico amoroso, para o cristão revelado em plenitude em Jesus Cristo, é universal, está presente e perpassa todas as culturas e religiões.

Como o senhor entende a relação entre ecumenismo e espiritualidade? De que forma o primeiro pode fortalecer a segunda e vice-versa?
Edward: A espiritualidade toca o mais profundo da pessoa e favorece o autoconhecimento, a integração e autoestima. Trabalha com delicadeza os sentimentos e ajuda no discernimento e purificação dos desejos do ser humano. Ela contribui para a conquista da liberdade interior, alimenta as reservas de esperança e provoca avanços no processo de humanização e "amorização". Quando a experiência de espiritualidade torna-se ecumênica, então, ela favorece a percepção do outro como irmão, como igual, pois centra-se na lógica da unidade no amor.

O ecumenismo consolida e ajuda a pessoa a internalizar dimensões mais amplas que tendem a universalidade: amor a vida, amor e serviço ao próximo, respeito, liberdade e dignidade. Quando vivido em contexto de espiritualidade libertadora, provoca a percepção de que cada ser humano como parte de "algo maior". Cada pessoa é contemplada como um rosto que interpela, alguém habitado por Deus, portador de centelha divina singular enquanto filho/a amado/a.

A espiritualidade ecumênica provoca o cultivo da acolhida e a disposição de colocar-se a serviço do outro. Favorece, portanto, aprofundamento do que significa concretizar o amor ao próximo: trata-se de aproximar do outro, acolhê-lo e promover a sua dignidade enquanto outro. O ecumenismo transformado em espiritualidade provoca o cultivo da abertura, promove o diálogo e o reconhecimento do outro enquanto outro. O pluralismo religioso, então, passa a ser acolhido como expressão da riqueza inesgotável do Mistério que denominamos Deus.

Qual a sua expectativa para o I Encontro Nacional de Juventudes e Espiritualidade Libertadora?
Edward: Estamos animados e cheios de entusiasmo com as possibilidades que o Encontro Nacional oportunizará aos participantes. Será um tempo forte de experiência libertadora de Deus e, portanto, vivência que nos possibilitará avançar na busca de sermos melhores, pois, libertados para a prática da justiça e do amor. Temos certeza de que todos sairemos de lá enriquecidos, com a aquela sensação de que "valeu a pena", "quem não veio perdeu" e de que "é preciso continuar essa caminhada, fazer desse encontro apenas o primeiro de uma série". Então, até maio, a gente se encontra em Fortaleza. Transformados pela "alegria do Evangelho", juntos na missão de participar, vivenciar, colocar-se a serviço e contribuir na construção da sociedade justa, solidária, inclusiva, ecumênica e sustentável.

Edward Neves M. B. Guimarães é mestre em Teologia Sistemática pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, onde, no Sistema Avançado de Formação (Anima) coordena o Centro de Estudos teológicos e pastorais (Cestep) e publicou pela Paulus, com João Batista Libanio, no contexto da JMJ 2013, a pesquisa Linguagens sobre Jesus. As linguagens da juventude e da libertação e, nos Cadernos do Núcleo de Estudos Sociopolíticos, publicou a pesquisa Traços do perfil contemporâneo do laicato da Arquidiocese de Belo Horizonte.
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Fonte:http://site.adital.com.br/site/noticia

Na doença não é possível separar corpo de alma

Valéria Cimatti Pavani*
 
Psique, alma e mente são simplesmente sinônimos e não ideias diferentes. Corpo, matéria, soma, cromossoma também são sinônimos e não componentes diferentes de uma mesma coisa. Psicossomático nada mais é do que a união entre esses elementos. Quando nasce um corpo, nasce um ser e esse ser se expressa através dessa relação natural corpo e mente. Por isso, não é possível separá-los. Podemos tentar separá-los apenas para entendê-los, porém, se os separarmos de fato, seria equivalente a separar um projeto de sua realização. Projeto no papel é apenas uma ideia, não tem vida concreta. Corpo sem alma é um projeto no papel, não tem vida.

Quando experimentamos uma sensação como medo, frio, tristeza ou fome, não conseguimos sentir nenhuma dessas "experiências”, ou qualquer outra, só no corpo ou só na mente. Muitas vezes percebemos que estamos com fome não pela sensação física, mas porque nos sentimos irritados. Às vezes percebemos que estamos com medo porque sentimos uma forte dor de barriga. Simples assim.

Mas o fato é que, na maior parte das vezes não percebemos essa relação. Portanto, não cuidamos dela adequadamente.

Como diz Platão em seu livro Timeo: "Quando a alma é forte demais para o corpo e se vê agitada por paixões violentas, abala-o inteirinho por dentro e o enche de doenças, ou o arruína de todo. Ocorre o inverso sempre que o corpo é grande e superior à alma dotada de pequena e débil inteligência. Para obviar a esses dois perigos, só há um recurso: não acionar a alma sem o corpo, nem o corpo sem a alma, para que, defendendo-se um do outro, consigam equilibrar-se e conservar a saúde.”.

O médico e psicanalista argentino Luiz Chiozza, numa conferência em São Paulo, utilizou um exemplo excelente para descrever a psicossomática, "o raio e o trovão são manifestações de um mesmo fenômeno, percebidas em momentos diferentes”. Ele segue: "no encontro de duas nuvens carregadas de eletricidade ocorre uma explosão que emite simultaneamente uma luz e um som”. A luz chega a nós antes do som, por quê? Simplesmente "por que nesse caso ela é mais rápida do que o som, mas aconteceram simultaneamente”, defendeu ele. Isso é a psicossomática, não conseguimos separar a relação corpo e mente, mas percebê-las de formas diferentes e em momentos distintos.

Por que algumas pessoas conseguem se curar de doenças graves e outras não? Simplesmente porque algumas conseguem restabelecer o equilíbrio da relação corpo e mente. Para isso, é necessário um trabalho adequado, interessado, entre paciente e o profissional que o ajuda. A cura não é mágica, é um trabalho, mas quando a vivemos, experimentamos como um milagre.

Vejo constantemente no meu consultório pessoas com diagnósticos médicos estranhos, exagerados e às vezes até errôneos. A psicossomática é mais antiga do que Freud, mas foi ele que corajosamente anunciou essa relação. Desde então, faz com que nós, profissionais da área de saúde que reconhecemos essa relação, tentemos entender e buscar caminhos, para ajudar a nós mesmos a curar nossas doenças, assim como preveni-las.

Com o avanço da medicina, infelizmente os caminhos para os tratamentos das doenças tenderam para cuidar de partes do corpo apartadas de todo o resto, como se essas partes não se relacionassem entre si. A psicologia, por sua vez, nasce associada à psiquiatria e como todo bebê, vem crescendo e tendo personalidade própria.

Por fim, atualmente contamos com a neurociência que nos ajuda a esclarecer assuntos que antes pareciam impossíveis de entendimento, temas que ficavam à mercê de crenças e não de explicações.

Nesse sentido, Freud cientifica o inconsciente para nós. Mas, por muito tempo precisamos acionar a nossa fé para acreditar nele e hoje, a neurociência não deixa dúvidas sobre a sua existência. Somos mais inconscientes do que conscientes das nossas ações. Porém, ao menos atualmente sabemos que temos inconsciente.

Os mistérios sobre a vida ainda são muitos, mas já podemos contar com informações que nos permitem cuidar bem melhor de nós mesmos se estivermos dispostos.
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* Valéria Cimatti Pavani é psicóloga Clínica e autora do livro "TIMO: uma nova direção”.
Desenvolveu a terapêutica do "Timo”, no qual faz uma abordagem do ser humano, através da busca simultânea do equilíbrio físico e psíquico.
Fonte: Adital online, acesso: 29/04/2014

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Mistérios e extremos

Daniel Galera*

O escritor japonês Yukio Mishima e a relação entre a leitura e os exercícios físicos

O japonês Yukio Mishima é um dos meus escritores favoritos. Finalmente assisti ao filme “Mishima — Uma vida em quatro tempos”, dirigido por Paul Schrader em 1985. É uma biografia cinematográfica das mais estranhas, no bom sentido. Com produção de Francis Ford Coppola e George Lucas, tem trilha sonora de Philip Glass e uma produção de arte excêntrica. Trechos sobre a vida do escritor, filmados em preto e branco, se alternam com encenações coloridas e quase bregas de algumas de suas principais obras, tais como “O pavilhão dourado” e “Cavalo selvagem”. A narrativa é excêntrica, porém eficiente, e dá conta dos principais elementos da vida de Mishima: a avó possessiva que o criou na infância, a homossexualidade e o culto ao corpo, a devoção às tradições imperiais, o ritual solitário de escrita de sua prolífica obra, o exército particular que criou e liderou para, no auge de sua trajetória, invadir uma instalação militar e cometer suicídio ritual.

O texto do filme é em grande parte extraído de “Sol e aço”, um ensaio poético e autobiográfico que, se não me engano, foi a última coisa que ele escreveu. Nele, Mishima diz que é preciso investigar o significado da morte ao mesmo tempo com o espírito — a investigação intelectual — e com a carne — a investigação física. Em primeiro lugar, o exercício talha o corpo para exercer um contraste com a morte e, assim, ressaltá-la como objeto da busca intelectual. “O que salva a carne de ser ridícula é a presença da morte que reside num corpo vigoroso e saudável”. À época da leitura, associei suas palavras à minha própria relação com os exercícios físicos e com a leitura. Sempre tive a sensação de que são mundos complementares. Nunca achei que a mente habitasse o corpo. Mente e corpo são a mesma coisa, e a sensação de que uma habita o outro é apenas uma piada não intencional da consciência. 

Desse ponto em diante, Mishima afirma sua ambição de alcançar uma combinação entre a arte e a ação. “Agora entendo que o tipo de tarefa de polir a imaginação para a morte e o perigo acaba tendo o mesmo significado de afiar a espada. (...) Manter a morte na alma dia a dia, focalizar cada momento à luz da morte inevitável, colocar em um mesmo lugar nossos mais sinistros presságios e nossos sonhos de glória... se isso era tudo, então era suficiente transferir ao mundo da carne o que há muito tempo eu vinha fazendo no mundo do espírito”. 

Homem e artista radical que era, Mishima levou a ideia a um patamar de ação extremo, que incluía lutas marciais, glorificação do militarismo e da coragem física et cetera. Não tenho a mesma disposição. Essas coisas só me interessam num plano estético. Mas entendo bem do que ele fala nesse outro trecho: “Minha paz estava mais do que em qualquer lugar — só ali, aliás — nos pequenos renascimentos que ocorriam imediatamente após o exercício. Agitação contínua, mortes contínuas sem parar, fuga incessante da fria objetividade — nesse momento, eu não podia mais viver sem esses mistérios. Nem é preciso dizer: dentro de cada mistério, uma minúscula imitação da morte”. 

Os movimentos repetidos da natação, a concentração na respiração e no desenho das braçadas, a visão limitada, o ruído da água agitada, o deslizamento eficiente de um nado vigoroso e bem coordenado podem levar a um autoabandono que nos põe em contato com os mesmos mistérios que estimulam o intelecto. Essa experiência física é ao tempo antagônica e complementar ao espírito. A face antagônica é bastante clara, como Mishima exemplifica: “Suponha que eu agite os braços. Ao fazê-lo, perco parte do sangue intelectual. Suponha que eu me permita, mesmo que por um instante, a pensar antes de dar um golpe. Nesse momento, meu movimento está condenado ao fracasso”. A face complementar parece mais insondável. Mishima sonha com o lugar onde as duas coisas devem se encontrar, “um território afim àquele reino supremo onde movimento torna-se repouso e repouso, movimento”. Ele conclui que esse princípio maior onde arte e ação se encontram só pode ser a própria morte.

Parte do perfil de Hermano, protagonista do meu romance “Mãos de Cavalo”, é inspirada na leitura de “Sol e aço” — sua relação meio masoquista com os exercícios, o esforço de sobrepujar por meio do intelecto a obsessão com o sangue e a covardia. Mishima fez de si mesmo um personagem heroico, encarnou sua visão de mundo radical. Hermano é uma encarnação mais banal, ambígua e hesitante das mesmas ideias. E nisso sou como ele. Não sou um homem de extremos intelectuais ou físicos. Me contento com — ou estou limitado a — uma faixa média de pensamento e experiência. Tenho certeza de que isso está claro no meu comportamento e também no que escrevo. E tudo bem. Tenho um segredo, não espalhem: não se encontra o mistério somente nos extremos.

Do Blog: Para quem quer ler mais:  Marguerite Yourcenar escreve sobre Yukio Mishima

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* Colunista do jornal O Globo.
Fonte: Globo online, 28/04/2014
Imagem da Internet

Uma Igreja online é realmente uma Igreja? Um debate

Este mês, Ed Stetzer abordou a delicada questão das Igrejas online na revista Christianity Today.

Publicamos aqui, como resposta, a opinião do sociólogo da religião Tim Hutchings, membro do CODEC, uma iniciativa de pesquisa para o estudo da comunicação cristã na era digital do St John's College, em Durham, no Reino Unido. O artigo foi publicado no sítio Big Bible Project, 17-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Uma Igreja online é realmente uma Igreja? Bem, a resposta de Ed é principalmente não. Cada Igreja deveria ter uma presença online, diz ele, mas elas deveriam usar essa presença para levar as pessoas para longe de "estarem sozinhas na frente da tela" e rumo a "estarem em comunidade com os outros".

Eu gosto de Igrejas online – tenho estudado, escrito e vivido com Igrejas online por muitos anos, como acadêmico e participante. Então, como é que alguém como Ed Stetzer – pastor norte-americano, implantador de Igrejas, presidente de uma empresa de pesquisa, professor visitante em missiologia em dois seminários diferentes – pode ser tão hostil sobre elas?

Ed é, ele mesmo nos assegura, um grande fã da internet:

"Se uma Igreja não estiver online, então ela não está se envolvendo com a cultura. A Igreja precisa estar onde as pessoas se reúnem, e elas estão online e em sites de mídia social."

Devemos fazer uma pausa aqui por um momento. Esse é um terrível ponto de partida para qualquer teologia sobre a internet. Muitas pessoas passam muito tempo online, mas as pessoas com acesso à internet não são "a cultura". Toda Igreja precisa descobrir para qual cultura está ministrando, e isso não significa que toda Igreja deva se comunicar às mesmas pessoas da mesma forma. Essa é uma questão sobre a qual alguns de vocês podem discordar de mim!

Continuando, chegamos ao argumento real. Ed Stetzer pensa que a Igreja online é ruim porque se destina a substituir a Igreja local, e, se as pessoas deixarem de ir à sua Igreja local, elas podem acabar deixando de entender o que a "Igreja" realmente é: "uma reunião de crentes sob o domínio de Jesus Cristo, que pratica duas ordens: procura fazer avançar o Seu reino e considera cada um responsável nessa aliança". A Eucaristia está disponível nas Igrejas online, mas "é melhor se feita na comunidade física". Precisamos de Igrejas em que a "mídia social reforça a comunidade ao invés de evitá-la".
Oh, rapaz. Por onde podemos começar?

A minha abordagem em um debate como esse é sempre olhar para o que as pessoas reais estão realmente fazendo. Alguns de vocês podem preferir começar por verificar as referências bíblicas de Stetzer (2Jo 12, se vocês estão se perguntando), mas eu estou mais interessado em saber se as pessoas realmente se comportam da forma como Stetzer diz que elas se comportam. Não adianta usar a Bíblia e a teologia para criticar uma cultura se você não tomou tempo para descobrir o que essa cultura realmente é.

Clint Schnekloth faz uma observação semelhante no seu novo livro Mediating Faith, uma teologia da internet escrita para um público cristão, mas baseada em pesquisa acadêmica. De acordo com Clint, "a teologia, em certo grau, é etnografia (...) a etnografia pode ser uma excelente teologia cristã". A etnografia é o estudo das pessoas, passando tempo com elas, compartilhando as suas atividades e conversando com elas. Clint argumenta que é assim que devemos começar o nosso estudo teológico da internet. A única maneira de entender as Igrejas online é através da "imersão no contexto real do mundo virtual, a fim de aprender a linguagem, participar e ser mediado por ele. Dessa forma, a teologia pode ser um exercício em uma experiência realmente etnográfica do virtual, ao invés de uma conversa virtual sobre o virtual que alguém assume como real".

Para mim, a crítica de Ed Stetzer sobre as Igrejas online mostra uma ausência de etnografia. Não se pode perceber nesse artigo que Stetzer tenha se preocupado em passar algum tempo nas Igrejas online, conversando com as pessoas que as usam e descobrindo o que elas fazem e por quê. Ele não parece estar ciente da diversidade de Igrejas online (como a LifeChurch.tv, St Pixels, i-church e a Cathedral of Second Life), ou a diversidade de razões para usá-las. Como resultado, Stetzer acaba escrevendo sobre "o virtual que ele assume como real" e não vê o que realmente está acontecendo.

Stetzer admite três motivações para ir à Igreja online: "evitar o tráfego", "doença" ou "estar em um país onde o evangelho é perseguido". Mas ele acha que esses são casos excepcionais. As pessoas que vão à Igreja online podem citar essas razões, mas o que elas realmente estão fazendo é "evitar (intencionalmente ou não) a comunidade real". Talvez esses sejam motivos para alguns – a doença certamente é –, mas os fiéis com quem eu conversei estão muito mais interessados em explorar novas formas de culto, em ouvir uma boa pregação e em encontrar oportunidades para serem criativos ao servir os outros.

Os motivos mais comuns que ouvi na minha pesquisa estavam realmente baseados em relacionamentos e comunidade. No ambiente online, as pessoas podem rezar juntas, discutir teologia, conhecer fiéis de todo o mundo, discutir suas vidas, partilhar suas preocupações e apoiar umas às outras, durante todo o dia, todos os dias, e essas são oportunidades que muitas Igrejas físicas realmente não oferecem.

Stetzer assume que as Igrejas online são uma ameaça para as Igrejas locais, uma substituição, mas na minha pesquisa eu encontrei muito, muito poucas pessoas realmente agindo dessa forma. Quase todos com quem falei já estavam participando de uma Igreja local e não precisavam de ninguém para conduzi-los à comunidade local. Eles já estavam lá, obrigado. Eles estavam participando de forma online porque a comunidade online acrescentava novas dimensões para as suas vidas e para a fé. Se as pessoas deixaram de frequentar uma Igreja local, elas tiveram razões fortes, geralmente doença ou abuso – não eram pessoas que poderiam participar de uma Igreja local neste presente momento e elas certamente não tinham começado a participar de forma online só porque são preguiçosas.

O artigo de Stetzer também tenta comparar a Igreja online com uma visão idealizada e não realística da Igreja local. Precisamos partilhar a Eucaristia em uma comunidade física, diz ele, porque há mais alegria em uma conversa face a face do que em escrever cartas, de acordo com a Bíblia, e também porque, no seu grupo de oração, as pessoas choram muito e se abraçam. Ok, mas chorar e abraçar não são coisas que acontecem durante a Eucaristia em qualquer Igreja que eu já tenha participado, e uma comunidade online não tem muito em comum com o envio de uma carta há dois mil anos. Para muitas pessoas, participar de uma Igreja local não é assim de forma alguma.

Então, pense nisso como um argumento mal-humorado em defesa da teologia etnográfica. Não despreze as pessoas que você não entende, nem idealize a sua própria comunidade de tal forma que não possa ver os seus defeitos. Se você quiser dizer alguma coisa sobre o mundo, vá viver no mundo por um tempo, com seus olhos abertos, descubra o que as pessoas realmente fazem e com o que elas se preocupam e por quê. E, quando você estiver escrevendo teologia, prove para o seu leitor que as suas ideias têm algum fundamento na experiência real.
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Fonte: IHU online, 28/04/2014

Da angústia

LETICIA WIERZCHOWSKI*

 

Numa caminhada vespertina, escutei de uma amiga querida e cheia de talento que a sua angústia era às vezes avassaladora. Confesso que me espantei (sou eu mesma, caros leitores, uma angustiada-mor) porque essa amiga sempre me pareceu uma flor de serenidade, e muitas vezes, subindo pelo teto do meu quarto, pensei nela como um ideal de equilíbrio a ser alcançado. Demos muitas voltas nós duas naquela caminhada, e não fizemos apenas as nossas pernas trabalharem. Ora, todo o criativo é um ser angustiado por natureza. O ato de criar é em sua gênese um ato de não conformidade. Quando eu crio alguma coisa – seja um romance, uma música ou um vestido – é porque não estou satisfeito com aquilo que já existe e que se encontra ao meu alcance. Eu busco alguma coisa ainda não vislumbrada, e é a minha angústia com o que me rodeia, ou o meu olhar sobre essa angústia, que me faz ir em frente – ou seja, criar. Com os anos, aprendi a respeitar a angústia, pois ela me abre a porta das possibilidades.

A angústia é a mola propulsora da minha criatividade, o grande problema é lidar com ela. Quando fico muito tempo sem escrever, esse sentimento que serve como azeite para as minhas engrenagens mais profundas e impalpáveis, costuma vazar para outros espaços e, por vezes, causa os seus problemas – bem utilizada, correndo pelo cano do trabalho criativo, a minha velha angústia é como a água saindo pela torneira: é fundamental no meu dia a dia. O problema é quando ela escapa da tubulação, infiltrando-se pelas paredes da minha vida real, alagando espaços estanques, confundindo tudo. Às vezes acontece – talvez por isso eu esteja sempre às voltas com um novo enredo, um livro infantil ou romance a ser terminado. Dançamos, minha angústia e eu, um infindável tango pelos dias e noites, e ocasionalmente até fazemos bonito, senhoras e senhores. Às vezes, eu a guio; noutras – a maioria – é a angústia quem me guia. E eu lembro de Nietzsche e simplesmente me deixo levar.
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* Escritora.
Fonte: ZH online, 28/04/2014
Imagem da Internet