quinta-feira, 30 de abril de 2015

SOCORRO, NÃO CONSIGO MAIS LER LIVROS.

 Wagner Brenner
 

Não consigo mais ler livros.

Não que eu não queira. Simplesmente não consigo.

Sou um leitor, desde que me entendo por gente.

Sempre li muito. E continuo lendo.

Mas de uns anos para cá, me alimentar compulsivamente de internet tem causado um efeito colateral que ainda não consigo explicar muito bem.

Só sei que agora, toda vez que pego um livro nas mãos, não consigo ler, canso rápido. Se o texto não “embala” logo, preciso de muito esforço para continuar com a leitura.

E não é só com o livro de papel. A mesma coisa acontece com o livro digital. Não tem nada a ver com o tipo de apoio.

Tem a ver com a extensão do texto.

Essa situção tem me deixado agustiado.

Será que desaprendi a ler? Será que fiquei preguiçoso?

Será que agora só consigo ler coisas curtinhas e, de preferência, com uns links?

Acho que não.

Na verdade, nunca li tanto como agora. Passo o dia inteiro lendo. Mas leio cacos, fragmentos.

Sim, o efeito é conhecido e foi previsto anos atrás.

Sai o disco, entra a música.

Sai o filme, entra a série.

Sai a série, entra o curta do Youtube.

Sai a mesa de bar, entra o Facebook.

Sai o livro, entra o post, o artigo.

Tudo o que era consumido em pacote-família, em tabletão, agora é consumido em formato M&M’s.

A gente já sabia que isso acontecer, faz tempo. Mas o que eu ainda não tinha sentido na pele é que esse fenômeno do snack culture iria me TIRAR algo e me IMPEDIR de ler textos longos. Porque uma coisa é você perceber que existe uma nova maneira de ler (circular e não linear) e passar a usá-la.

Outra coisa é você perder sua capacidade de concentração.

Eu queria adicionar o jeito novo, mas não queria perder o jeito velho.

A internet causou em mim, e talvez em você, uma diminuição na atenção, um efeito similar ao do Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH). Não que essa dificuldade de concentração seja um TDAH (que é neurobiológico e tem causas genéticas), mas tem essa característica em comum. Aliás, os próprios parâmetros de diagnóstico de TDAH tem sido frequentemente revistos justamente por conta dessa alteração de comportamento, especialmente em escolas.

Já tentei de tudo, busquei aquelas ficções bacanas, cheias de escapismo, com viagens para lugares distantes, coisas que eu devorava durante a adolescência…mas 10 minutos depois o que escapa é minha atenção mesmo.

Fico voltando para o começo do parágrafo, sabe? Nem a biografia do Steve Jobs eu consegui terminar.

Fico repetindo para o autor “vai, já entendi, conta logo, pára de enrolar”.

Esse é outro sintoma: fiquei mais factual e perco fácil a paciência com aquela fase de contextualização e envolvimento com os personagens.

Meu kindle tem, neste exato momento, a ridícula marca de 18 livros iniciados.

Estou fazendo com eles a mesma coisa que faço com as músicas no meu iPhone, que fatalmente acabam tomando uma “skipada” depois de alguns segundos (tirando as do Zappa, que felizmente ainda ouço cada nota com prazer até o fim). Pô, eu ouvia aqueles álbuns inteiros do Pink Floyd… agora isso seria inimaginável.

Sei que isso tudo soa como algo ruim, mas nem isso eu tenho certeza.

A civilização humana já passou por isso muito antes da internet, por exemplo quando passamos da comunicação exclusivamente oral e acrescentamos a escrita. Colocar conteúdo por escrito livrou nossa memória e permitiu textos bem mais longos e precisos. Agora estamos de volta aos conteúdos curtos, mas ainda mais precisos. E, se um dia desenvolvermos a telepatia, certamente as palavras vão nos parecer ineficientes demais. Formas diferentes de trocar conteúdos, histórias.

Enfim, um post pouco conclusivo, mais desabafo mesmo, para ver se tem mais gente nesse barco.

Estou assustado por não conseguir mais ler um livro inteiro.
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*  Fundador do Update or Die, editoria e criação. 
Fonte:  http://www.updateordie.com/2012/10/03/socorro-nao-consigo-mais-ler-livros/
Imagem da Internet

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Sabia que anda a sentar-se mal na sanita?

Quem o diz é Giulia Enders, no livro "A Vida Secreta dos Intestinos". Falámos com a autora e, afinal, o órgão mais subestimado do corpo humano ainda tem segredos. 


Apesar do tema, esta não é uma conversa de merda. Giulia Enders fala como escreve, de uma forma ligeira que descomplica o que a ciência tende a complicar. É simpática, divertida q.b. e não mostra qualquer desconforto quando o assunto são os intestinos. A postura não é, à partida, a de quem aos 25 anos é autora de um bestseller já traduzido em 24 países e que vendeu 1,3 milhões de exemplares só no país que a viu nascer (Alemanha).

O livro A Vida Secreta dos Intestinos (Lua de Papel) chegou esta terça-feira, 28 de abril, ao mercado nacional, motivo pelo qual o Observador se encontrou com Enders para uma conversa atípica. Formada em gastroenterologia na Universidade Goethe, em Frankfurt, a jovem médica dedicou-se a um dos órgãos mais subestimados do corpo humano, aquele que facilmente desperta vergonha alheia e é lembrado apenas quando a vontade aperta.
Mas acontece que há mais sobre os intestinos do que simplesmente levá-los connosco à casa de banho.
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A autora, Giulia Enders

O que faz uma rapariga na casa dos 20 anos ganhar interesse por esta área?
Quando tinha 17 anos apanhei uma doença de pele muito estranha e fiquei surpreendida porque os médicos apenas me davam pomadas para pôr nas feridas. Na altura pensei “vou estar neste corpo toda a vida e não sei, na verdade, como funciona; sei como conduzir um carro, mas não sei quase nada sobre isto”. Quando comecei a ler sobre o assunto fiquei chocada: percebi que os intestinos são um órgão com muita responsabilidade, que faz imenso. São parte do nosso metabolismo e representam dois terços do nosso sistema imunitário. Quando li sobre os intestinos percebi que o órgão podia causar doenças de pele. No meu caso, a minha condição alterou-se quando mudei de dieta, pelo que já não como glúten e consumo muito pouca lactose. A minha pele ficou boa outra vez. Mas não penso que esta seja uma solução universal. As doenças têm sempre mais elementos — há os genes e o ambiente, entre outras coisas.

Estamos a tratar mal os nossos intestinos?
Sim, mas não lhes queremos mal. Não somos pessoas más, apenas não sabemos [como tratá-los], porque com o intestino há tantas coisas que não vemos. Por isso, fazemos coisas erradas. Agora, com a industrialização e a comida processada, maltratamos os nossos intestinos porque não lhes damos as bactérias saudáveis de que precisam e que são capazes de os nutrir, como se colocassem, por dentro, loção nos intestinos. Durante o dia estamos tão ligados ao computador e ao cérebro que nos esquecemos que temos algo mais agarrado ao corpo. Às vezes é muito bom ter o intestino nas nossas mentes, até porque as pessoas tendem a ignorar quando têm dores de barriga. E isso não se devia fazer.
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Modus Operandus dos intestinos, uma das ilustraçõ / D.R

A sociedade é muito pudica em relação aos intestinos?
Não lhe chamaria pudica. Eu compreendo, eu era exatamente igual há alguns anos. Penso que é uma reação normal tendo em conta um órgão que basicamente conhecemos por defecar, por irmos à casa de banho. Então, porque pensaríamos que é o melhor herói de sempre?

E é mesmo o melhor herói de sempre?
Para mim, é. Porque o efeito [de descoberta] foi tão forte. Quando apenas o conhecemos por defecar e, depois, descobrimos que faz todas estas coisas incríveis por nós e que, se trabalharmos juntos, uma pessoa pode-se sentir tão bem… Acho que isso mostra um grande potencial. Eu gosto realmente dele.

Mas não há uma certa vergonha em falar dos intestinos?
Sim. Isso é muito normal, mas eu vejo frequentemente, junto dos meus leitores e audiências, que a vergonha vai-se embora muito depressa se apenas tivermos mais conhecimento. E o que é bonito é que ganhamos uma boa relação com os nossos intestinos. Às vezes tem um impacto mesmo bom.

O órgão também precisa de ser mais discutido entre a comunidade científica?
Sim, mas felizmente estamos a chegar a esse ponto. Alguns médicos percebem agora a questão dos probióticos. No que diz respeito às crianças, pode ser muito saudável tentar que elas consumam os probióticos em vez de tomar medicação que possa ter efeitos secundários. Mas o mesmo se passa com pessoas mais velhas com problemas de digestão — é bom que os probióticos estejam a chegar cada vez mais aos consultórios dos médicos. E é importante que se faça mais pesquisa sobre o assunto.

Quando diz probióticos…
Probióticos são bactérias vivas que, estando nos intestinos, trazem benefícios à nossa saúde. Podem estar na comida que ingerimos, especialmente na comida fermentada — fermentar a comida é, na verdade, uma das coisas mais antigas que os humanos fazem para preservar os alimentos e, apesar de termos todas estas tecnologias, continua a ser a forma mais saudável de o fazer. Os probióticos são realmente bons para nós. Usámo-los durante anos e deixámos de os usar há algumas décadas, numa altura em que começaram a surgir algumas doenças da civilização.
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Os intestinos podem influenciar o nosso humor.

Apesar de serem subestimados, os intestinos são um órgão capaz de nos influenciar a vários níveis. Como assim?
Os micróbios dos intestinos, segundo se pensa, são importantes em algumas áreas. Uma delas está relacionada com o metabolismo. Percebeu-se que havia diferentes tipos de floras intestinais. Pessoas que eram obesas tinham certos tipos de bactérias ou tinham menos diversidade — podemos dizer que tinham um intestino mais limpo, mas na verdade apenas era menos diverso e isso fazia com que ficassem mais vulneráveis a doenças metabólicas, como diabetes e elevada pressão arterial. Todas essas coisas ainda estão a ser investigadas.

A segunda parte a ter em conta é que os intestinos podem influenciar o nosso sentido de humor. Agora estou diferente, já não penso que a minha vida é estúpida, penso “se calhar é melhor ir beber um chá e comer algo ligeiro para fazer bem a digestão”. Penso também no que comi na noite anterior. É uma questão de ter mais consideração pelos ritmos — podemos descobrir se somos pessoas com digestões lentas ou rápidas. E talvez não seja boa ideia comer algo dois minutos antes de irmos dormir: as pessoas podem testar por si próprias se têm pesadelos depois de comer algo pesado antes de ir dormir. Não gosto de dizer às pessoas para não comer nessas situações, mas para tentar perceber o que funciona.

Então os intestinos podem fazer com que pensemos de forma mais positiva sobre a vida?
Essa é a hipótese, mas ainda não está provada. Mas temos dados científicos muito fortes nesse sentido, ainda que estejamos numa fase de testes.
“Quem sofre de síndrome de intestino irritado sente muitas vezes uma pressão ou gargarejo desagradáveis no abdómen, tendendo ora para a diarreia ora para a obstipação. Os afetados sofrem também frequentemente de ansiedade ou depressão acima da média. (…) As possíveis causas de semelhante estado podem ser minúsculas infeções (as chamadas micro-infeções), uma flora intestinal inadequada ou intolerâncias alimentares não diagnosticadas, todos estes problemas verificados em permanência durante um largo período de tempo.”
Em A Vida Secreta dos Intestinos, pág. 132
No livro escreve que andamos a ir à casa de banho de forma errada, isto é, que defecamos de forma errada.
Há um músculo que está à volta dos últimos centímetros do intestino grosso que, na posição sentada ou em pé — as posições de trabalho que temos há mais de 400 anos –, aperta os intestinos como um laço, empurrando-o numa certa direção e formando uma dobra. Este músculo faz com que os nossos esfíncteres não tenham de ter o trabalho todo. Quando queremos ir à casa de banho de uma forma mais fácil — e digo isto considerando pessoas que têm dificuldade em ir ao WC — podemos ficar de cócoras ou podemos colocar um banco para os pés quando nos sentamos na sanita. Desta maneira o músculo fica relaxado porque a última parte do intestino, os últimos centímetros, está aberta e direita. É mais fácil. Numa floresta não se ficaria tentado a sentar-se, mas sim a ficar de cócoras.
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A posição correta para se ir à casa de banho.

Diz também que os intestinos têm um cérebro.
Não é assim tão rebuscado. O cérebro é um órgão muito isolado e precisa de saber o que se passa no resto do corpo, precisa dessa informação. Os intestinos têm informação muito válida porque têm a segunda maior coleção de neurónios depois do cérebro. E com todos esses neurónios podem saber, por exemplo, que tipo de hormonas estão no sangue, como estão os micróbios, etc. Podem reunir este tipo de informação e comunicá-la ao cérebro, que tem em conta a informação para criar um estado de espírito. As pesquisas mais recentes indicam que os intestinos têm um papel muito importante nesse estado de espírito.

O que é que as fezes dizem sobre nós?
Falemos da obstipação, por exemplo. As pessoas pensam que a obstipação é ir poucas vezes à casa de banho, mas tem que ver sobretudo com a consistência das fezes — se são muito duras, e porque temos de fazer pressão, podem criar hemorroidas e, consequentemente, pequenos estragos. Podem até criar varizes nas pernas. Há quem relacione com isso um AVC. A pressão é uma manifestação má e, se calhar, ela deriva do estilo de vida, mas também pode ser uma condição presente desde nascença caso a pessoa seja muito lenta a fazer a digestão. Em causa estão pessoas que comem muito pouca fibra (basicamente pão branco) ou que não bebem água o suficiente. Mas também está relacionado com os probióticos.

O que mais podemos não saber sobre os nossos intestinos?
Não sabemos, por exemplo, como os intestinos funcionam quando vamos à casa de banho, isto é, não sabemos que há dois esfíncteres — apenas temos conhecimento que há um exterior que podemos controlar. Gosto muito do facto de haver dois, porque o primeiro tem uma ligação ao cérebro, pelo que “percebe” se podemos ir à casa de banho e se vamos incomodar alguém, enquanto o interior [o segundo] não tem qualquer ligação/conexão aos ouvidos ou aos olhos, a nada. Apenas está conectado com o interior do nosso corpo, pelo que se preocupa somente com o que sentimos a esse nível — se há algo que precisa, ou não, de sair. O objetivo do esfíncter interior é fazer com que eu me sinta bem. Não se preocupa com mais ninguém. Gosto do processo em que ambos os esfíncteres têm de funcionar em conjunto. Isto mudou-me. Antes nunca conseguia ir à casa de banho fora da minha casa, agora estou muito diferente porque o esfíncter interno foi promovido — finalmente há alguém que apenas pensa em mim e que me diz que devo ir à casa de banho.
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A digestão tida como um bailado, dado o trabalho delicado das fibras 
nervosas envolvidas no processo.

Tem algum conselho para tratar melhor os nossos intestinos?
O primeiro conselho é mesmo conhecer melhor os nossos intestinos, não aceitar uma dor de barriga ou a diarreia que aparece às vezes — ter noção de como é que os intestinos estão a funcionar. O segundo conselho é olhar para trás na casa de banho e ver o que produzimos. Não é preciso falar disso com os amigos, mas se se ignorar por completo é possível que não nos apercebamos de uma mudança pouco saudável. Ver se a consistência e as cores estão bem e, depois, puxar o autoclismo. Controlar as fezes de tempos a tempos é uma coisa básica. O terceiro conselho passa por alimentar bem os bons micróbios.

Já agora, como é que andar pelo mundo a falar de fezes?
Na verdade, é bom. É o meu assunto preferido. Eu gosto de falar sobre isso porque sinto que é muito importante. Sinto que, independentemente de onde vá, não interessa qual o país ou a pessoa, há sempre uma ligação muito humana em relação a isto. Porque é humano, todos nós o fazemos. E se soubermos mais sobre isso vamos sentir-nos melhor.
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Reportagem por Ana Cristina Marques 
AnaCC_Marques
Fonte: Site de Portugal O Observador, acesso 29/04/2015

Reinventar o Estado. E a democracia também?


A quarta revolução
Chama-se a "A Quarta Revolução" e explica ao que vem: "A corrida global para reinventar o Estado". É um livro que levanta muitas questões e também abre algumas pistas, de que aqui deixamos um excerto.
“O Estado terá de mudar drasticamente de forma ao longo das próximas décadas. No mundo emergente acabou a era de crescer durante a noite. No Ocidente a era do mais está a chegar ao fim. Está na hora da Quarta Revolução.” Este é, porventura, o ponto central deste livro de Adrian Wooldrige e John Micklethwait que analisa a evolução das formas de Governo nos últimos séculos e constata que a Europa, ou o Ocidente como um todo, estão a perder a capacidade de liderar pela eficiência e pelo exemplo. Mas que, ao mesmo tempo, modelos aparentemente mais eficientes, como alguns que têm surgido na Ásia, têm grandes defeitos como democracias liberais. Onde estará o futuro?

Uma vida melhor para todos os cidadãos tornou-se parte do contrato com o Leviathan. Isso abriu o caminho à aberração do comunismo, mas também à terceira grande revolução: a invenção do moderno Estado-providência. Também este mudou muito em relação ao que os seus fundadores, como Beatrice e Sidney Webb, imaginaram; mas é nesse Estado que nós, no Ocidente, hoje vivemos. Na Europa Ocidental e na América tem dominado sem contestação desde a Segunda Guerra Mundial – exceto durante os anos 80 do século xx, em que Margaret Thatcher e Ronald Reagan, inspirados por pensadores liberais clássicos como Milton Friedman, temporariamente detiveram a expansão do Estado e privatizaram os altos comandos da economia. Alcunhamos isto de meia revolução porque, embora remontasse a algumas das ideias fundadoras da segunda revolução «liberal», acabou por não fazer nada para reverter a dimensão do Estado.

Nos últimos 500 anos a Europa e a América foram a única fonte de ideias novas sobre o Estado. Nem todas funcionaram bem mas, mesmo nos seus desvios mais grotescos do fascismo e do comunismo, o Ocidente continuava a esforçar-se, pelo menos na teoria, em forjar o futuro. O resto do mundo ia atrás. 
 
As voltas e reviravoltas de cada revolução, como veremos, foram significativas. O que é claro, todavia, é que nos últimos 500 anos a Europa e a América foram a única fonte de ideias novas sobre o Estado. Nem todas funcionaram bem mas, mesmo nos seus desvios mais grotescos do fascismo e do comunismo, o Ocidente continuava a esforçar-se, pelo menos na teoria, em forjar o futuro. O resto do mundo ia atrás. Chineses e russos seguiram o marxismo. A Índia, quando se tornou independente, em 1947, abraçou o fabianismo ao mesmo tempo que ateava fogo ao imperialismo britânico. Na América Latina, a despeito da relação de amor-ódio com os gringos de el norte, as economias da região fizeram um avanço claudicante há duas décadas quando abraçaram na sua maior parte «o consenso de Washington» (uma frase inventada por John Williamson para significar uma combinação de mercados abertos com uma prudente gestão económica). Mesmo em Pudong existe o reconhecimento de que, até recentemente, o modelo ocidental representou o padrão ouro da modernidade.
Os liberais vitorianos viam um Estado bem dirigido como requisito prévio da emancipação individual. Os seus sucessores fabianos viam o Estado-providência como requisito prévio da realização individual.
A liberdade e a democracia têm sido centrais para tal. A ascensão do Estado ocidental não foi só uma questão de organizar um funcionalismo público competente. Até o monstro de Hobbes, como veremos, era perigosamente liberal para ser proposto por um adepto da realeza, pois o Leviathan assentava na noção de um contrato social entre governantes e governados. Os liberais vitorianos viam um Estado bem dirigido como requisito prévio da emancipação individual. Os seus sucessores fabianos viam o Estado-providência como requisito prévio da realização individual. À medida que se expandiu, o Estado ocidental tem tendido a dar mais direitos às pessoas – o direito a votar, o direito à educação, aos cuidados de saúde e aos apoios sociais. Coisas como o acesso à universidade, que há um século era considerado um privilégio de homens brancos ricos, são vistas agora como um serviço público, nalguns casos um direito gratuito de toda a gente.

O Estado ocidental é agora, no entanto, associado a um outro traço: o inchaço. As estatísticas contam parte da história. Na América, a despesa do governo subiu de 7,5% do PIB em 1913 para 19,7% em 1937, para 27% em 1960, para 34% em 2000 e para 41% em 2011. Na Grã-Bretanha, subiu de 13% em 1913 para 48% em 2011, e a percentagem média em 13 países ricos trepou de 10% para cerca de 47%. 
 
O Estado ocidental é agora, no entanto, associado a um outro traço: o inchaço. As estatísticas contam parte da história. Na América, a despesa do governo subiu de 7,5% do PIB em 1913 para 19,7% em 1937, para 27% em 1960, para 34% em 2000 e para 41% em 2011. Na Grã-Bretanha, subiu de 13% em 1913 para 48% em 2011, e a percentagem média em 13 países ricos trepou de 10% para cerca de 47%. Mas estes números não captam totalmente o modo como o Estado se tornou parte do tecido das nossas vidas. O Leviathan da América reivindica o direito de nos dizer por quanto tempo precisamos de estudar para sermos cabeleireiros na Florida (dois anos) e o direito de monitorizar o nosso correio eletrónico. Também obriga os hospitais americanos a obedecer a 140 000 códigos nas maleitas que tratam, incluindo um para os danos resultantes de ser atingido por uma tartaruga. O governo costumava ser um parceiro ocasional na nossa vida, o contraente no outro lado do contrato de Hobbes, o guarda-noturno que olhava por nós no de Mill. Hoje é uma ama omnipresente. Em 1914, «um inglês sensato, cumpridor da lei, podia passar a vida inteira sem quase dar pela existência do Estado, para além da estação de correios e do polícia», observou uma vez o historiador A. J. P. Taylor. «Podia viver onde quisesse e como quisesse… Em termos gerais, o Estado agia apenas para velar por aqueles que não podiam velar por si mesmos. Deixava em paz o cidadão adulto.» Hoje, o inglês sensato, cumpridor da lei, não pode passar uma hora, quanto mais uma vida inteira, sem reparar na existência do Estado.
Há poderosas razões demográficas e económicas pelas quais muita gente pensa que o Estado continuará a crescer. Os direitos crescem à medida que as populações envelhecem. Os governos dominam áreas da economia, como a saúde e a educação, que são resistentes a melhorias da produtividade.
Tem havido tentativas periódicas de travar o agigantamento do Estado. Em 1944, Friedrich Hayek, com The Road to Serfdom (O Caminho para a Servidão), avisou que o Estado estava em risco de esmagar a sociedade que o dera à luz. De então para cá este tem sido um tema importante para os políticos conservadores. Em 1975, o atual governador da Califórnia, Jerry Brown, numa anterior encarnação, decretou uma «era de limites». Esta preocupação com os «limites» remodelou profundamente o pensamento sobre o Estado na década e meia seguinte. Nos anos 90 do século xx houve gente tanto de esquerda como de direita que assumiu que a globalização iria aparar o Estado: Bill Clinton proclamou que a era do Estado gigante tinha acabado. Na realidade, o Leviathan tinha apenas feito uma pausa para tomar fôlego. O Estado depressa recomeçou a crescer. George W. Bush aumentou o tamanho do Governo dos Estados Unidos mais do que qualquer outro presidente desde Lyndon Johnson, enquanto a globalização apenas aumentou a ânsia das pessoas por uma rede de segurança. Mesmo levando em conta os seus recentes contratempos, o Estado ocidental é mais poderoso do que qualquer Estado na história e mais poderoso, de longe, do que qualquer empresa privada. A Walmart pode ter a mais eficiente cadeia de distribuição do mundo, mas não tem o poder de prender as pessoas ou cobrar-lhes impostos – ou escutar os seus telefonemas. O Estado moderno pode matar pessoas do outro lado do mundo com o toque de um botão – e assistir em tempo real.

Um activista do Tea Party
Um activista do Tea Party

Há poderosas razões demográficas e económicas pelas quais muita gente pensa que o Estado continuará a crescer. Os direitos crescem à medida que as populações envelhecem. Os governos dominam áreas da economia, como a saúde e a educação, que são resistentes a melhorias da produtividade.

Mas a outra razão para o alastramento do Estado é política. Esquerda e direita têm lisonjeado os seus apetites, a primeira cantando os louvores de hospitais e escolas, a segunda dedicando serenatas às prisões, às forças armadas e às forças de polícia, e ambas criando regulamentos como se fossem confetes. O apelo a que «tem de se fazer alguma coisa», isto é, que tem de ser criado mais um regulamento ou mais um departamento, vem tantas vezes da Fox News ou do Daily Mail como da BBC ou do New York Times. Apesar de toda a preocupação com os «subsídio-dependentes» e as «rainhas da assistência social», a maior parte da despesa do Estado é sugada pelas classes médias, muitas delas conservadoras. Os eleitores sempre votaram a favor de mais serviços; do que se queixam algumas pessoas é de pagar mais por eles do que as outras. O cartaz apócrifo num comício do Tea Party avisando o «Monstro» para «tirar as mãos do meu Medicare» resume a hipocrisia dos americanos a respeito do Estado.

O negócio dos nossos políticos tem sido o de nos dar mais daquilo que queremos – mais educação, mais cuidados de saúde, mais prisões, mais pensões, mais segurança, mais direitos. E no entanto – eis o paradoxo – não estamos contentes. 
 
Para o melhor ou para o pior, a democracia e a elefantíase têm andado de mãos dadas. O negócio dos nossos políticos tem sido o de nos dar mais daquilo que queremos – mais educação, mais cuidados de saúde, mais prisões, mais pensões, mais segurança, mais direitos. E no entanto – eis o paradoxo – não estamos contentes.

Tendo sobrecarregado o Estado com as suas exigências, os votantes estão furiosos por isto funcionar tão mal. De Seattle a Salzburgo, a preocupação é a de que o sistema que tem servido tão bem o Ocidente se tenha tornado disfuncional, que, para usar uma frase das organizações de sondagens, as coisas estejam «fora dos trilhos», que as nossas crianças vão viver vidas mais humildes do que as nossas. Na América, o Governo Federal tem menos apoio do que Jorge III à época da Revolução Americana: apenas 17% dos americanos dizem que confiam no Governo Federal, menos de metade dos 36% verificados em 1990 e um quarto dos 70% registados nos anos 1960. O Congresso recebe regularmente uma taxa de aprovação de 10%. A militância nos partidos políticos desmoronou-se. Na Grã-Bretanha, menos de 1% da população está filiada num partido político. O número de Tories declinou de 3 milhões nos anos 50 do século xx para 134 000 hoje, um desempenho que teria posto qualquer empresa privada nas mãos de um administrador de falências. Nos EUA há agora mais gente que se identifica como independente do que como republicano ou democrata. Os únicos políticos com sangue na guelra parecem estar nos extremos – gente que não quer nenhum Estado ou se recusa a aceitar quaisquer reformas ou atribui a culpa de todos os males aos imigrantes ou aos banqueiros ou à União Europeia.
Talvez os americanos ainda tenham algum tempo para ignorar a realidade financeira; a eurocrise, em contraste, já é graficamente real.
A deriva para os extremos não é surpreendente dada a incapacidade do centro para enfrentar a realidade. Basta pegar nas duas maiores crises dos governos ocidentais, a trapalhada financeira americana e a euroderrocada, e ver os políticos centristas a comportarem-se como avestruzes. Quanto à primeira, os economistas concordam na sua maioria em que a solução requer uma combinação de cortes na despesa e subidas de impostos. Os economistas discordam apenas talvez quanto à respetiva proporção. Na maioria dos «ajustamentos financeiros» bem-sucedidos noutros países, os cortes têm feito a maior parte do trabalho, mas nunca o trabalho todo. No entanto, nas últimas eleições presidenciais americanas, todos os candidatos republicanos, sem exceção, rejeitaram a ideia de qualquer espécie de aumento de impostos. «Nem mais um tostão» era o refrão universal. Os democratas eram só ligeiramente menos insanos na sua granítica recusa de considerar qualquer redução de direitos sociais.

European leaders pose during a family photo at an European Council leaders summit in Brussels on February 12, 2015. AFP PHOTO/Emmanuel Dunand        (Photo credit should read EMMANUEL DUNAND/AFP/Getty Images)
A rotina dos Conselhos Europeus

Poderá argumentar-se que talvez os americanos ainda tenham algum tempo para ignorar a realidade financeira; a eurocrise, em contraste, já é graficamente real. Vejam-se, no entanto, as eleições nas três maiores economias da zona euro. A contenda de França em 2012 foi um exercício de negação, sem que Nicolas Sarkozy ou François Hollande alimentassem qualquer ideia de cortes no que se tornou o Estado mais inchado do continente. Em 2013, apesar de o seu país estar a sofrer a pior crise registada desde o pós-guerra, um em cada quatro italianos não se maçou em ir votar – e mais de metade dos que foram escolheram ou Beppe Grillo, um antigo cómico, ou Silvio Berlusconi, um palhaço congénito. Ninguém acusaria Angela Merkel de farsante, mas até a sua fácil vitória na Alemanha em 2013 foi uma recusa nacional de enfrentar a realidade, pensando que a eurocrise era um problema do sul da Europa com os aforradores alemães a terem de apagar o fogo. Ninguém discutiu o facto de os bancos alemães ainda estarem de pé apenas porque os seus devedores do sul tinham sido resgatados.
O Ocidente perdeu a sua confiança na maneira como é governado.
Há algumas razões mecânicas para este cambaleio até ao limite da razão. Nos EUA, a traficância com os círculos eleitorais deixou muitos distritos congressionais nas mãos de extremistas enquanto na União Europeia o sistema de governação é um labirinto de irresponsabilização. Mas o facto é simplesmente que os eleitores – sejam bávaros furiosos com os italianos preguiçosos que vivem uma dolce vita à custa dos seus euros ou gregos furiosos com a austeridade da Sra. Merkel – estão frustrados com o sistema. Estão mesmo danados. Já não aguentam mais. O Ocidente perdeu a sua confiança na maneira como é governado.

O Estado terá de mudar drasticamente de forma ao longo das próximas décadas. No mundo emergente acabou a era de crescer durante a noite. No Ocidente a era do mais está a chegar ao fim. Está na hora da Quarta Revolução. 
 
O mesmo se pode dizer do mundo emergente. Após uma década de crescimento espetacular nos mercados emergentes, muitos têm agora o seu próprio debate sobre governação. Os pequenos príncipes chineses têm consciência de que haver mais progresso depende agora de melhorar o Estado, não apenas de abrir os mercados. E, como os seus pares da Índia, veem-se confrontados com a consequência desses mercados mais livres – uma classe média instruída, cada vez mais farta de um Estado obsoleto, muitas vezes corrupto. No Brasil, os manifestantes fixaram-se na corrupção: um em cada quatro brasileiros diz que pagou subornos. Na Turquia, a queixa é a da arrogância por parte do primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, que age mais como um sultão do que como um democrata. Gurcharan Das, um arguto comentador indiano, aponta que não há muito os seus compatriotas estavam dispostos a proclamar que «a Índia cresce durante a noite enquanto o governo está a dormir». Agora, tomam consciência de que a Índia não pode continuar a crescer enquanto as suas escolas forem de segunda e as estradas estiverem cheias de buracos. Mesmo a China não tem ficado imune: a frustração com as más escolas tanto se sente em Cantão como na Praça Tahrir ou nas favelas de São Paulo.

Portanto, tanto no Ocidente como no mundo emergente, o Estado está metido em sarilhos. O mistério está em haver tanta gente a assumir que é pouco provável uma mudança radical. O status quo, com efeito, é a opção menos provável. Como secamente observou uma vez o economista Herbert Stein: «Se uma coisa não pode continuar para sempre, para.» O Estado terá de mudar drasticamente de forma ao longo das próximas décadas. No mundo emergente acabou a era de crescer durante a noite. No Ocidente a era do mais está a chegar ao fim. Está na hora da Quarta Revolução.

Porque tem de mudar

Porque há de ser diferente esta época? Dominar o Leviathan será globalmente o cerne da política por uma confluência de três forças: a falência, a concorrência e a oportunidade. O Ocidente tem de mudar porque está a falir. O mundo emergente precisa de se reformar para continuar a caminhar em frente. Há uma competição global, mas é uma competição que se baseia tanto nas expectativas como no medo: há maneiras de governar melhor.

Com os baby-boomers a envelhecer, o Gabinete do Orçamento do Congresso calcula que a conta dos benefícios sociais só por si crescerá 60% ao longo da próxima década. O seu défice pode ser sustentável agora, mas os Estados Unidos têm de fazer uma escolha: puxar as rédeas a esses direitos, subir os impostos até níveis extraordinários ou tropeçar de crise em crise. 
 
A dívida e a demografia significam que o governo no mundo rico tem de mudar. Mesmo antes de ruir o Lehman Brothers os governos ocidentais estavam a gastar mais do que arrecadavam. O governo dos Estados Unidos teve saldos positivos apenas cinco vezes desde 1960; a França não tem nenhum desde 1974-75. A crise só fez aumentar a dívida, pois os governos endividaram-se, com toda a razão. Em março de 2012 havia uns 43 biliões de dólares de obrigações do Estado em circulação, comparados com apenas 11 biliões em fins de 2001. Isto é apenas uma fração das verdadeiras responsabilidades dos governos ocidentais se contarmos com as pensões e as prestações de saúde. Os números de muitas cidades são ainda piores: San Bernardino, na Califórnia, e Detroit, no Michigan, declararam-se em bancarrota por causa destas obrigações fora do balanço.

E quem vai pagar isto tudo? Na «velha Europa», por exemplo, a população em idade de trabalhar atingiu o seu pico em 2012, com 308 milhões – e prevê-se que decaia para 265 milhões até 2060. Estes trabalhadores terão de sustentar cada vez mais pessoas de idade. O rácio de dependência da velhice (o número de pessoas com mais de 65 anos em relação ao número de pessoas entre os 20 e os 64) subirá de 28% para 58% – e isto é assumindo que a União Europeia deixa entrar um milhão de jovens imigrantes por ano. Do outro lado do Atlântico, a América continua a taxar-se com impostos de país de Estado pequeno e a gastar como se fosse grande enquanto esconde as suas verdadeiras responsabilidades usando táticas que fariam corar Bernie Madoff. Com os baby-boomers a envelhecer, o Gabinete do Orçamento do Congresso calcula que a conta dos benefícios sociais só por si crescerá 60% ao longo da próxima década. O seu défice pode ser sustentável agora, mas os Estados Unidos têm de fazer uma escolha: puxar as rédeas a esses direitos, subir os impostos até níveis extraordinários ou tropeçar de crise em crise.

Populações cada vez mais idosas criam enorme tensão nos sistemas de pensões
Populações cada vez mais idosas criam enorme tensão nos sistemas de pensões

De seis em seis meses o Fundo Monetário Internacional publica o seu boletim financeiro, no qual a Tabela Estatística 13 tem o excitante título de «Economias Avançadas: Necessidades de Ajustamento Indicativas na Base dos Objetivos de Endividamento a Longo Prazo»; a sua coluna final faz uma estimativa de mais ou menos quanto, uma vez contabilizada a despesa relacionada com o envelhecimento, os governos precisam de cortar nos custos ou aumentar nas receitas em ordem a baixar a sua dívida para níveis razoáveis até 2030. Na América, o número é 11,7% do PIB, no Japão é 16,8% e a média no total dos países do G20 é de 9,3%. Podemos discutir algumas das exigências do FMI em relação a determinados países. Alguns economistas pensam que se mostra duro demais com a América, por exemplo. Argumentam que o FMI estabelece um objetivo desnecessariamente ambicioso para a redução da dívida do Estado (60% do PIB) e sublinham que uma pequena alteração quer nos números do crescimento quer na receita dos impostos faria uma grande diferença nas perspetivas da América. Mas as duas décadas passadas da história política da América sugerem que seria insensato apostar na capacidade do país para subir os seus impostos. E mesmo que os números de alguma maneira possam ser equilibrados, sem sérias reformas do seu setor público a América tornar-se-á num «conglomerado de seguros protegido por um grande exército permanente», com todo o dinheiro a ir para direitos sociais e Defesa, não sobrando nenhum para educação ou qualquer outra coisa.
Mesmo os políticos europeus mais consensualistas reconhecem que alguma coisa tem de mudar: a estatística favorita de Angela Merkel é a de que a União Europeia representa 7% da população do mundo, 25% do PIB mundial e 50% das despesas sociais.
No futuro previsível a ocupação do Estado ocidental será a de tirar coisas – muito mais coisas do que a maior parte das pessoas julga. Nalguns lugares, onde os governos conseguiram administrar as suas finanças espetacularmente mal, como a Grécia e algumas cidades americanas, essa retirada foi já dramática: em San Bernardino o advogado da cidade aconselhou as pessoas a «trancarem as portas e carregarem as suas armas» porque a cidade já não se podia permitir ter polícia. Mesmo os políticos europeus mais consensualistas reconhecem que alguma coisa tem de mudar: a estatística favorita de Angela Merkel é a de que a União Europeia representa 7% da população do mundo, 25% do PIB mundial e 50% das despesas sociais. Mas as políticas de introdução da mudança serão sangrentas, pondo em liça governos sem dinheiro que têm de cortar serviços contra eleitores agastados que querem manter os seus direitos sociais e contribuintes que querem receber mais em troco do seu dinheiro, contra poderosos sindicatos do setor público que querem preservar os seus privilégios. Se milhões de franceses saíram à rua quando o presidente Sarkozy elevou a idade da reforma de 60 para 62 anos, Deus sabe o que acontecerá quando François Hollande ou o seu sucessor for forçado a elevá-la para os 70.

Os grupos de interesses (incluindo muitas pessoas que trabalham para o Estado) têm-se mostrado notavelmente bem-sucedidos em sequestrar os governos. O exemplo do Japão é assustador: durante décadas não conseguiu remediar o seu sistema político esclerótico enquanto a sua economia definhava. A União Europeia parece estar a seguir uma trajetória similar. 
 
Esta batalha irá direita ao coração da democracia. Os políticos ocidentais adoram gabar as virtudes da democracia e urgir os outros países, do Egito ao Paquistão, a abraçá-la. Argumentam que «uma pessoa, um voto» é a cura de tudo, da pobreza ao terrorismo. Mas a prática da democracia no Ocidente está a divergir cada vez mais do ideal, com o Congresso do Estados Unidos poluído pelo dinheiro e pelo facciosismo, os parlamentos europeus afligidos pela deriva e o público em geral crescentemente descontente. A verdade pouco edificante é que a democracia ocidental se tornou bastante flácida e estafada quando se dedicava principalmente a dar coisas. Os grupos de interesses (incluindo muitas pessoas que trabalham para o Estado) têm-se mostrado notavelmente bem-sucedidos em sequestrar os governos. O exemplo do Japão é assustador: durante décadas não conseguiu remediar o seu sistema político esclerótico enquanto a sua economia definhava. A União Europeia parece estar a seguir uma trajetória similar.
A Ásia de orientação chinesa oferece um novo modelo de governo que põe em causa dois dos valores mais caros ao Ocidente: o sufrágio universal e a generosidade de cima para baixo (top down).
Se a falência é o primeiro incentivo da mudança no Ocidente, a concorrência é o segundo. Por muitas frustrações que o governo lhe faça sentir, o mundo emergente está a começar a produzir algumas ideias chamativas, erodindo de caminho a vantagem competitiva do Ocidente. Para quem tenta discernir o futuro dos cuidados de saúde, a tentativa da Índia para aplicar as técnicas da produção em série aos hospitais é parte da resposta, tal como o sistema brasileiro de transferências condicionais de dinheiro é parte do futuro da assistência social. Mas a questão vai mais fundo do que isso. A Ásia de orientação chinesa oferece um novo modelo de governo que põe em causa dois dos valores mais caros ao Ocidente: o sufrágio universal e a generosidade de cima para baixo (top down). Esta «alternativa asiática» é uma estranha mistura de autoritarismo e Estado pequeno, cujo melhor símbolo é Lee Kuan Yew, que há muito governa Singapura. Tem sido um severo crítico da democracia desenfreada do Ocidente, mas também do seu Estado-providência, que compara com um buffet em que se pode comer tudo o que se quiser: coisas que deviam ter visado os pobres, tais como propinas universitárias gratuitas e cuidados de saúde gratuitos para os mais velhos, tornaram-se direitos da classe média, empolados e insustentáveis. E a China está a tentar seguir o exemplo de Singapura em vez do do Ocidente, tanto no que respeita ao Estado social como no referente à democracia. Nos últimos dois anos alargou a cobertura das pensões a mais 240 milhões de pessoas do campo, bastantes mais do que o número de pessoas cobertas pelo sistema de pensões públicas da América, mas também quer claramente evitar os excessos americanos.

Tal como nas revoluções anteriores, a ameaça é clara: bancarrota, extremismo, deriva. Mas também é clara a oportunidade: a possibilidade de modernizar uma instituição que carregámos com um excesso de responsabilidades. 
 
É fácil encontrar falhas no modelo asiático – e neste livro referimos muitas delas. Singapura é muito pequena. A eficiência governamental da China desconjunta-se ao nível local. Até agora o mundo emergente não tem aproveitado a oportunidade de dar saltos em frente que a tecnologia lhe tem oferecido. O Brasil encaminha-se para uma crise das pensões ao lado da qual até as da Grécia e de Detroit serão uma brincadeira de crianças. A Índia poderá ter uns quantos dos mais inovadores hospitais do mundo, mas tem algumas das piores estradas e alguns dos políticos mais preguiçosos. Mas não nos deixemos enganar e ser levados a pensar que o mundo emergente está muito atrás de nós. Os burocratas da CELAP têm razão: os dias em que o Ocidente tinha o monopólio do governo inteligente passaram há muito.

Isto aponta para a terceira força: a oportunidade de praticar um «melhor governo». A crise do Estado ocidental e a expansão do Estado emergente estão ambas a chegar a um momento auspicioso: as novas tecnologias oferecem uma hipótese de melhorar dramaticamente a governação, mas também obrigam a colocar velhas questões, como a mais básica de todas: «Para que serve o Estado?» Tal como nas revoluções anteriores, a ameaça é clara: bancarrota, extremismo, deriva. Mas também é clara a oportunidade: a possibilidade de modernizar uma instituição que carregámos com um excesso de responsabilidades.
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Fonte: Site de Portugal: O observador, 28/04/2015

“Distribuíram papéis a avisar que eu era pedófilo

 
Trevor era um treinador de liceu nos EUA até ser condenado por abusar dos seus atletas. Repetidamente. Está numa lista de pedófilos e contou-nos o que isso é. A AR está a discutir um registo destes.
A prisão nem foi muito dura.

“No primeiro dia sentei-me à mesa do refeitório para comer e havia lá uns tipos que me perguntaram: ‘És assassino ou bufo?’.”

Depois de pousar o tabuleiro, Trevor (nome fictício) respondeu-lhes: “Não, sou pedófilo”, assumindo a sua culpa.

“Eles até se riram, talvez porque não estivessem à espera de que eu fosse tão honesto com eles”, recorda ao telefone com o Observador.

“Foi canja. A sério. Envolvi-me em tudo o que havia para fazer na prisão, todo o tipo de atividades. Passei o meu tempo a melhorar-me e a ajudar os outros. Toda a gente naquela prisão sabia que eu era uma pessoa honesta.”

Havia outros condenados por crimes sexuais que eram constantemente agredidos — alguns até foram esfaqueados. De tempo a tempo, durante um ou dois minutos, era comum não se conseguir ouvir mais nada além do som furioso de hélices a rodar. Era a pressa de um helicóptero que tentava voltar ao hospital a tempo de estancar o sangue de uma facada ou de reanimar alguém que se tentou enforcar. Quanto a Trevor, nunca lhe fizeram um arranhão.

Em março de 2008, após cinco anos e meio atrás de grades, foi-lhe permitido passar o resto da pena (originalmente, oito anos de prisão efetiva e trinta de suspensa) em liberdade condicional. O bom comportamento compensou.

Havia, porém, dois requisitos associados a esta concessão. O primeiro foi-lhe imposto pelo agente de liberdade condicional: Trevor não poderia voltar a viver na sua vila do nordeste americano onde nasceu, cresceu e abusou sexualmente de pelo menos quatro rapazes com idades entre os 13 e os 15 anos. A segunda condição já é lei federal nos EUA desde 1994: enquanto fosse vivo, o seu nome completo, morada de casa e de trabalho, juntamente com uma fotografia sua, estariam numa lista de agressores sexuais disponíveis na Internet de forma pública.

Em Portugal, a Assembleia da República (AR) vai discutir esta quarta-feira uma lei semelhante à norte-americana. A votação é na sexta-feira e deverá contar com o apoio dos partidos da maioria. O projeto de lei prevê que todos os pais que apresentem razões fundamentadas para suspeitar que alguém em particular já foi condenado por prática de crimes sexuais com menores possam confirmá-lo junto das autoridades. Conhecida como “lista dos pedófilos”, esta lei é mais branda do que a dos EUA, onde o registo inclui qualquer tipo de agressores sexuais e o seu acesso é permitido a qualquer pessoa. Ainda assim, o Conselho Superior do Ministério Público teceu longas críticas ao documento que vai ser votado na sexta-feira na AR, referindo que este viola os “princípios basilares do ordenamento jurídico, como seja o da reinserção do agente por força do cumprimento da pena”, indo por isso contra a Constituição.

Da prisão para um albergue de sem-abrigo

Impedido de voltar à casa dos pais, sem dinheiro nem emprego, Trevor passou as suas primeiras 40 noites de liberdade num albergue para sem-abrigo. Ao fim desse tempo, conseguiu alugar um quarto a 75 dólares por semana. “Estive lá dois anos, e não houve um dia em que eu não me tenha desunhado a trabalhar para conseguir sair de lá.” Trabalhou nas obras e numa cadeia de fast-food até que o advogado, que é hoje o seu melhor amigo, lhe ofereceu emprego num restaurante italiano do qual é dono. Mais tarde, contratou Trevor para ser seu contabilista.

Enquanto isso, conforme a lei requer, reportou às autoridades cada uma das suas mudanças de emprego; apresentou-se ao agente de liberdade condicional uma vez por mês; foi à esquadra local tirar uma fotografia de três em três meses, para que a sua imagem no registo nunca ficasse desatualizada; e frequentou as sessões de tratamento e terapia obrigatórias para todos aqueles que já foram condenados por crimes sexuais nos EUA.

Trevor começou a notar que, quando pegava na sua carrinha para ir até ao trabalho ou às compras, alguns carros, sempre os mesmos, o seguiam durante vários quilómetros. 
 
Finalmente a mãos com alguma estabilidade, Trevor conseguiu mudar-se para uma casa numa vila a 15 minutos do trabalho. Nunca lá tinha vivido.

Inicialmente, reparou que nenhum dos 5 mil habitantes daquele lugar lhe deu as boas vindas. Já depois de estar completamente instalado, apercebeu-se de que nenhum dos vizinhos se aproximava dele, nem para cumprimentá-lo. Mais tarde, começou a notar que, quando pegava na sua carrinha para ir trabalhar ou às compras, alguns carros, sempre os mesmos, o seguiam durante vários quilómetros.

Só quando já estava a viver há dois anos na vila é que um vizinho se aproximou dele, “com ar de quem queria fazer uma pergunta ou duas”.

— Você é mesmo pedófilo?

— Isso é uma coisa do passado. Mas como é que soube?

A resposta parecia óbvia – todos os seus dados, tal como os crimes que cometeu, estavam disponíveis na Internet –, mas havia mais. Só aí é que explicaram que na altura em que ninguém lhe deu as boas vindas, todas as casas daquela vila receberam um papel com o seu nome, morada e fotografia. “Distribuíram papéis a dizer que eu era pedófilo.”

– Ah, que agradável!, respondeu ao vizinho.

Jogos de computador e álcool

Trevor sempre gostou de desporto. Jogou beisebol, basquetebol, “tudo o que há debaixo do sol”. Em 1990, com 20 anos, sentou-se no banco e passou a ser treinador. Trabalhou com equipas masculinas e femininas, entre idades tão diversas como crianças de seis anos ou atletas de liceu.

Era, como se costuma dizer nos EUA suburbanos, community-driven. Orientado para a comunidade. Além do seu papel no desporto local, era frequente fazer voluntariado, ajudava a angariar dinheiro para financiar projetos na vila e até fez parte do conselho diretivo da escola secundária. A sua família era das mais afluentes e conhecidas naquele pedaço de terra, muito em parte por terem a loja mais requisitadas daquele lugar. O pai, um homem conhecido e influente, chegou a ser presidente da assembleia municipal. O apelido que partilhavam era sinónimo de sucesso e Trevor era o mais jovem exemplo disso.

Até que, em 2002, um dos seus antigos atletas o acusou de abuso sexual enquanto este era menor. Quando a bomba caiu, poucos naquela comunidade julgavam que poderia haver pior do que aquilo. Enganaram-se: dia após dia, surgiram novas queixas. Ao todo, mais de dez rapazes garantiram que foram abusados por Trevor entre os 13 e os 17 anos de idade. Durante dias a fio, este assunto dominou as manchetes dos jornais locais.

O treinador deixava-os jogar no seu computador – algo que nem todos tinham na altura – enquanto lhes oferecia álcool. Já de noite, adormeciam. Horas depois, acordavam e reparavam que Trevor os apalpava e lhes fazia sexo oral. 
 
O julgamento durou quase duas semanas. Ao início, Trevor declarou-se inocente. Por isso, as suas vítimas tiveram de contar, repetida e exaustivamente, como o seu treinador abusou deles. A imprensa descreveu os relatos como “dolorosos”.

Ficou provado em tribunal que Trevor, após conseguir a confiança de alguns dos seus atletas e das respetivas famílias, os convidava um a um para a sua casa. Numa primeira fase, levava-os até à vivenda onde morava com os pais. Noutra, mais tarde, o local escolhido era a autocaravana para onde foi viver sozinho. O treinador deixava-os jogar computador – algo que nem todos tinham, nos anos 90 – enquanto lhes oferecia álcool. Já de noite, vencidos pelo cansaço e levados pelo torpor da bebida, adormeciam. Horas depois, acordavam enquanto Trevor os apalpava e lhes fazia sexo oral.
O tribunal determinou que esta história se repetiu ao longo de 12 anos com pelo menos quatro rapazes entre os 13 e os 15 anos – todos eles atletas de Trevor, sendo que um era também seu primo afastado. Na reta final do julgamento, confessou os crimes e pediu desculpas às vítimas. Foi condenado a 30 anos de prisão suspensa e oito de pena efetiva.

“Hoje sou uma pessoa melhor”

Ao longo da conversa de mais de uma hora com o Observador, não houve nenhuma frase que Trevor tivesse repetido tanto quanto esta: “Hoje sou uma pessoa melhor”.

Desde que foi preso até hoje, frequenta sessões de terapia individual e de grupo. “Foi fundamental para me tornar na pessoa que sou hoje. Não tenho nada a esconder, o que me tira um peso enorme de cima. Sou um livro aberto, e isso é o que mais importa. Deixei tudo para trás.”

Ainda assim, não há um dia em que não se recorda do seu passado. Além de estar na lista de agressores sexuais para o resto da vida, Trevor sabe que não se pode aproximar de escolas, creches, parques infantis ou qualquer outro sítio frequentado maioritariamente por crianças. E embora possa visitar a vila onde cresceu e cometeu os seus crimes, continua legalmente impedido de voltar a viver lá. Também não pode ver os sobrinhos mais novos, ambos estudantes de liceu, por ordem do tribunal. “Eu dou-me muito bem com a mãe deles, que é a minha irmã. Quando eu estava na prisão eles vinham todos visitar-me, mas agora que estou em liberdade não posso vê-los. É irónico, não é?”

Trevor garante que não é pedófilo e duvida que alguma vez o tenha sido. “Não posso dizer isto com toda a certeza, mas o facto de, naquela altura, eu ainda não ter declarado abertamente a minha homossexualidade não ajudou (…). Na altura dos crimes eu ainda não sabia que era gay, só queria experimentar. Mas nunca forcei ninguém a fazer nada”. Diz ter feito vários testes de polígrafo após ter saído da prisão e que nenhum deles provou que tinha atração sexual por menores. Mas, ao mesmo tempo, reconhece que merece estar na lista de agressores sexuais.

Porquê?

“Porque cometi esses crimes. Mas preferia que fosse algo só durante dez anos e não para a vida. Não sei… Eu não sou ninguém para dizer mal disto. Mas já vi tanta coisa… Olha para os traficantes, vendem droga às crianças e fritam-lhes o cérebro todo? Não sou fã disso. Comparando isso com o que eu fiz… Não sei. Eu sou o mau da fita e eles é que são os fixes. É assim que as coisas funcionam aos olhos da sociedade. Eu não acredito nisso. Eu tento evitar ter pena de mim próprio, mas às vezes quando olho para aquilo que eu fiz comparado com o que outras pessoas fizeram… Não sei.”

Há estudos que indicam que apenas 3% dos norte-americanos são contra a existência de listas públicas com dados de agressores sexuais. 
 
São poucos os norte-americanos que acompanham Trevor nesta relativização. Numa sondagem de junho de 2005, isto é, poucos anos depois dos ataques de 11 de setembro 2001, a maior preocupação em matéria de segurança para os inquiridos não eram atos terroristas, mas sim os agressores sexuais. Ao todo, 66% puseram estes como a sua maior preocupação, ao passo que apenas 36% escolheram o terrorismo como primeira opção na sua escala de medo.

Outro estudo, também de 2005 mas desta vez concentrado apenas no estado da Flórida, indicou que 95% de inquiridos estavam a favor de o público ter acesso ao nome e fotografia dos agressores sexuais. 85% acharam ainda que a morada também devia estar disponível; 77% querem uma descrição geral do carro do sujeito, sendo que 61% preferiam ter logo a matrícula completa. Só 3% dos inquiridos é que afirmam que nenhuma informação devia ser pública, negando aquilo a que os defensores desta lei chamam de “o direito que o público tem de saber”.

Os predadores sexuais são incuráveis?

Nos EUA, um dos mais acérrimos defensores desta lei é a advogada Nina Salarno Ashford. A presidente da Crime Victims United (Vítimas de Crime Unidas) invoca esse mesmo “direito à informação”, argumentando que “saber o que está à nossa volta não tem como ser prejudicial”.

“Eu não entendo muito bem como é possível alguém opor-se a que haja um registo onde todos os agressores sexuais estão incluídos”, diz ao telefone com o Observador, ciente de que a maioria dos seus compatriotas partilham esta ideia. “O registo é uma ótima ferramenta, é fundamental para as autoridades quando se sabe que uma criança foi magoada. É a primeira ferramenta a que a polícia recorre na fase inicial da investigação, porque se há alguém a magoar as nossas crianças, então temos de encontrar essa pessoa rapidamente. Por isso é uma maneira de responder logo à pergunta ‘quem é que pode ter feito isto e onde é que eles moram?’ quando há uma situação destas.”

Além do “direito à informação”, outra das traves-mestras da argumentação desta advogada californiana é a “certeza de que os predadores sexuais nunca se curam”. Ashford garante que em toda a sua carreira nunca viu nenhum caso de reabilitação total de um pedófilo ou outro tipo de agressor sexual. Por isso, defende pena de prisão desde 25 anos até perpétua logo à primeira ocorrência (a maior parte dos estados norte-americanos esperam até ao terceiro crime para aplicar esse castigo). “Sinceramente, não tenho qualquer tipo de compaixão para uma pessoa que cometeu um crime sexual contra uma criança. Eles têm perturbações incuráveis e não é seguro que estejam à solta.”

Se, por um lado, a maioria da opinião pública dos EUA partilha as ideias de Ashford, o mesmo não se pode dizer da comunidade académica daquele país que se debruça sobre este tema. A maior parte daqueles que estudam a problemática das agressões sexuais (quer do ponto de vista psicológico, legal ou social) e a eficácia que as listas públicas destes predadores apresentam argumentos que vão contra a maré.

Reincidência “entre os 10 e os 15%”

É o caso de Elizabeth Letourneau, diretora do Centro Moore para a Prevenção de Abuso Sexual da Universidade de Johns Hopkins e também presidente da Associação pelo Tratamento de Abusadores Sexuais nos EUA. Contactada pelo Observador, a académica refere que “neste momento, dos 24 estudos que já foram feitos sobre estas medidas no nosso país, 20 demonstram que não há relação nenhuma entre a existência de um registo público e a reincidência destes crimes”. Após mais de uma década a estudar este tema, Letourneau determina que a taxa de reincidência está “entre os 10 e os 15%”.

(Em Portugal, a taxa de reincidência entre pedófilos é de 17,6%, segundo números da Direção Geral dos Serviços Prisionais. Um número consideravelmente aquém daqueles que foram apresentados pela ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, que em mais do que uma ocasião referiu um estudo que apontaria para uma taxa de reincidência de 80%. A polémica estalou quando o autor desse trabalho académico, o psicólogo clínico Mauro Paulino, disse ao “Diário de Notícias” que desconhecia “estudos que tenham esse tipo de percentagens”. O semanário Expresso fez manchete a 28 de março com o título “Ministra manipulou dados sobre pedofilia”.)

Para Letourneau, a reintegração de agressores sexuais depois de serem libertados é essencial. “Quanto mais tempo uma pessoa está inserida numa comunidade, menor é a probabilidade de reincidirem”, começa, evocando um estudo que coordenou. “A taxa de reincidência no caso das pessoas que estão numa comunidade há 10 anos é praticamente nula. Se olharmos para aqueles que estão no mesmo sítio há 20 anos, então vemos que nenhum voltou a praticar crimes sexuais.”

Roger N. Lancaster, autor do livro “Sex Panic and the Punitive State” (sem edição portuguesa), diz ao Observador numa entrevista por Skype que “o principal resultado dos registos públicos de agressores sexuais nos EUA é a criação de uma população de cerca de 800 mil pessoas para a qual é quase impossível arranjar emprego ou casa”. Ou seja, mais pessoas do que aquelas vivem em Boston ou Seattle e quase tantas quanto habitam São Francisco. Isto porque, explica Lancaster, “estas listas incluem desde pessoas que deram um apalpão a alguém a pedófilos que acabaram por matar as crianças das quais abusaram”.

Em linha com aquela que também é a opinião de Letorneau, Lancaster acredita que o registo público de agressores sexuais não tem sido eficaz a proteger as crianças destes crimes. “Estas listas criam uma sensação falsa de segurança.” A maior parte dos abusos acontecem depois de o predador sexual conseguir uma relação de confiança com a criança e com aqueles que estão à volta desta. Raramente o estereótipo do pedófilo que vai à procura de criancinhas no jardim infantil é verdadeiro. É mais comum os crimes serem cometidos por amigos próximos, pais, avós, primos, tios e por aí fora.”
Ou treinadores de beisebol, como Trevor confirma: “Eu era próximo das famílias de todos os miúdos, era amigo deles… Era muito próximo de toda a gente. E depois fiz coisas terríveis, muito terríveis, que mudaram a minha vida para sempre.”
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Reportagem por  João de Almeida Dias 
Fonte: Site de Portugal: Observador.pt - acesso 29/04/2015
Imagem da Internet

terça-feira, 28 de abril de 2015

É oficial: cientistas modificaram o ADN de embriões humanos

 
 Embrião humano numa fase muito precoce do seu desenvolvimento Reuters 

 Corriam rumores de que várias equipas estariam a utilizar uma nova técnica para alterar os genes de embriões humanos. Os primeiros resultados acabam de ser oficialmente 
publicados, confirmando as suspeitas.

Até há poucos anos, a ideia de alterar a cor dos olhos – ou qualquer outro atributo genético – de um futuro bebé não era praticável. Mas com a invenção, em 2012, de uma técnica simples e rápida (chamada CRISPR/Cas9) que permite “editar” o ADN – alterando e corrigindo genes-alvo previamente escolhidos –, este objectivo ficou de repente muito mais próximo.

Há uns meses, começaram a surgir rumores de que várias equipas no mundo estariam a testar esta hipótese com embriões humanos – pondo novamente na ordem do dia o debate em torno da obtenção de bebés “feitos à medida". E no mês passado, duas cartas foram publicadas por dois grupos de cientistas, respectivamente nas revistas Nature e Science, contra as tentativas de utilização da nova técnica para esse tipo de manipulação genética, dita da linha germinal, que afectaria não apenas o próprio embrião, mas a sua descendência. Na Nature, os cientistas iam mais longe, apelando a uma moratória voluntária sobre quaisquer investigações deste tipo até se debaterem as questões éticas.

Porém, até há dias, ninguém sabia ao certo se essas investigações estavam efectivamente a ser realizadas. Mas agora, já não há margem para dúvidas: uma equipa de cientistas chineses acaba de publicar, na revista Protein & Cell, um artigo onde é descrita, pela primeira vez, a manipulação genética experimental, graças à referida técnica, de dezenas de embriões humanos.

“Penso que esta é a primeira publicação de resultados sobre a aplicação da técnica CRISPR/Cas9 a embriões humanos numa fase de pré-implantação e, como tal, este estudo constitui um marco e ao mesmo tempo um alerta”, diz George Daley, especialista em células estaminais da Universidade de Harvard (EUA), co-signatário da carta na Science, citado numa notícia da Nature. “Este estudo deve servir como um aviso muito sério para qualquer profissional que ache que a tecnologia está pronta a ser testada para erradicar genes causadores de doenças.”

Diga-se já agora que, segundo o seu autor principal – Junjiu Huang, da Universidade Sun Yat-sen em Guangzhou (China) –, o artigo fora rejeitado tanto pela Nature como pela Science, em parte devido a considerações éticas. Quanto à Protein & Cell (que a Science qualifica de "obscura revista online chinesa"), tê-lo-á publicado, segundo a revista New Scientist, apenas um dia após o ter recebido. Ou seja, sem que tenha havido tempo para detectar possíveis falhas de metodologia.

Seja como for, estes autores tomaram diversas precauções para não ser acusados de transgredir as regras éticas internacionais em vigor. Nomeadamente, utilizaram embriões que não eram viáveis porque tinham sido fecundados por dois espermatozóides, possuindo portanto um número anormal de cromossomas. Os embriões provinham de uma clínica de fertilidade e iriam ser descartados.

Todavia, esses embriões conseguem desenvolver-se até um estádio muito preliminar, mas suficiente para os fins do estudo. Recorrendo à nova técnica – que, quando utilizada para fins terapêuticos em células humanas adultas ou em modelos animais, tem demonstrado grande potencial para a medicina personalizada –, a equipa de Huang decidiu tentar “editar” um gene, chamado HBB, cujas mutações provocam uma doença do sangue, a beta-talassemia, potencialmente mortal.

Como relata ainda a Nature, injectaram para isso, utilizando a técnica CRISPR/Cas9, os fragmentos genéticos necessários para localizar e “corrigir” o gene em questão. E a seguir, esperaram 48 horas – o tempo suficiente para a técnica agir e os embriões chegarem a  ter oito células. Dos 71 embriões que sobreviveram à operação, a equipa testou os genes de 54 e constatou que apenas 28 tinham sido “editados” no sítio certo. E que desses, apenas quatro embriões tinham integrado o gene HBB no seu ADN.

Para estes autores, isso significa que a técnica ainda está muito longe de ser aplicável a embriões humanos. Não só a taxa de sucesso é muito baixa, como os cientistas detectaram um grande número de mutações noutros locais do ADN embrionário, literalmente “fora do alvo” – o que coloca claramente em dúvida a segurança da técnica em embriões para fins de procriação.

Huang disse ainda à Nature que ele e a sua equipa quiseram “mostrar os seus resultados ao mundo para que as pessoas soubessem o que se passaria realmente, em vez de continuarem a falar da questão sem informação concreta”. Agora, estes cientistas tencionam melhorar a eficácia da técnica recorrendo, a partir daqui, a células adultas e experiências com animais, algo que em si não levanta considerações éticas imediatas. O que não impede que, na opinião de todos, a publicação dos resultados só venha reforçar a urgência de abordar as implicações éticas futuras.
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Reportagem por 

Existe um estilo cristão de habitar a web: o que está marcado pela caridade


Entrevista com o autor da tese doutoral "Aproximação dos aspectos morais do uso das redes sociais digitai

No mês de março desse ano, Juan Carlos Vásconez defendeu uma tese de doutorado bem singular: as redes sociais, desde o ponto de vista da teologia moral. O título explica melhor: "Aproximação aos aspectos morais do uso das redes sociais digitais”. Para conhecer mais de perto este binômio teologia-tecnologia fizemos uma entrevista com o Dr. Vásconez. Acompanhe-a a seguir:

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ZENIT: Não se passaram muitos anos desde que a internet começou a se tonar global. A tecnologia tem crescido a um ritmo acelerado, mas parece que a ética que deve acompanhar esse crescimento ficou para trás. É assim mesmo? Existe um divórcio entre ética e tecnologia, especialmente no ambiente digital?
- John Carlos Váscone: a tecnologia é essencial, em boa parte, para os homens e mulheres de hoje, e temos que aprender a contar com ela e canalizá-la para que o seu uso nos ajude a desenvolver-nos como pessoas. A forma mais adequada de fazê-lo é aprender a viver as virtudes nesse âmbito, em vez de desqualificar uma realidade que, por outra parte, não está necessariamente predeterminada ao mal. Todos nós temos testemunhado como o progresso, em mãos erradas, pode transformar-se, e se transformou, e em um avanço terrível do mal. Se o progresso técnico não caminha junto com a formação ética do homem, com o crescimento do homem interior (cf. Ef 3, 16; 2 Cor 4,16), não é um progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo. Na verdade, surge um perigo quando o progresso técnico não é contrabalançado com a reflexão e a responsabilidade, quando o homem se pergunta só o como, ao invés de considerar os porquês que o levam a agir. São muitos os autores que nos previnem deste perigo. Infelizmente, muitas vezes, ao imperativo ético "se deves, podes”, os interesses comerciais tentam estabelecer o contrário: “se podes, deves”. É quase impossível rejeitar a inovação tecnológica, mas não pode levar-nos a esquecer que o seu uso deve ser virtuoso: este será sempre o melhor comportamento ético. Nem tudo o que experimentamos no corpo e na alma deve ser resolvido desabafando. Nem tudo o que é possível fazer deve ser feito. Nem todos os avanços tecnológicos ou todos os recursos são bons para todas as pessoas. É necessário pensar. Aos poucos, a sociedade vai estabelecendo normas básicas de “etiqueta digital”, o mínimo para comportar-se bem. Mas isso não é suficiente; convém perguntar-se em cada caso: "isso, para mim, em que me ajuda ou em que me obstaculiza?” e agir em conformidade. Agora, não é possível definir normas predeterminadas para todas as pessoas, mas cada um deve ver quais coisas lhe convém, não só porque facilitam o seu trabalho, mas porque melhoram a sua relação com os demais e com Deus.

ZENIT: Não é muito comum encontrar teses doutorais que, a partir da teologia, abordem as redes sociais. Em si, a literatura especializada nesta área é bastante escassa. Por que escolher este caminho? O que as redes sociais contribuem para a teologia e o que a teologia às redes sociais?
- Juan Carlos Váscone: é cada vez maior o número de pesquisadores que estudam o fenômeno, embora as abordagens sejam muito diferentes. Alguns, como Clay Shirky ("Cognitive surplus”) ou Andy Clark ("Supersizing the mind"), destacam as forças revolucionárias da democratização da informação e da expansão da consciência que o desenvolvimento tecnológico causou. Enquanto que outros, como Nicholas Carr ("Surperficiales") ou Sherry Turkle ("Alone Together") lamentam a perda de capacidade de reflexão e de socialização no mundo real e defendem a superioridade das formas por acima da transmissão cultural. Eu acho que para entender o papel do homem com relação à tecnologia da comunicação, especificamente as redes sociais, são muito enriquecedoras as contribuições de Bento XVI. A maioria de seus escritos sobre o tema estão concentrados nas mensagens para as Jornadas Mundiais das Comunicações Sociais. Tem sido uma das principais fontes para este trabalho de pesquisa que foi dirigido na Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma. Parece-me que o estudo permite conjecturar que a principal motivação para usá-las é o caráter relacional que têm e que potenciam, a necessidade de aumentar as formas de se relacionar com outras pessoas, a facilidade para estar em constante contato com amigos ou familiares. Por tanto, não é errado afirmar que as redes sociais são uma resposta contemporânea para uma realidade muito humana: a necessidade do outro. A necessidade de socializar responde à natureza humana. Pode variar em sua forma de acordo com os tempos, mas é sempre uma manifestação do homem modelado à imagem e semelhança de Deus. Neste sentido se poderia afirmar que as redes sociais destacam o aspecto social do ser humano.

ZENIT: Em sua tese doutoral fala que Deus pode querer dizer-nos algo perante este auge digital. Qual seria essa mensagem?
- John Carlos Vascone: A tecnologia está cada vez mais presente no cotidiano de grande parte da humanidade. O fácil acesso a telefones celulares e computadores, juntamente com a dimensão global e a presença capilar da Internet, multiplicaram os meios para enviar instantaneamente palavras e imagens a longa distâncias, em segundos. Desta nova cultura de comunicação se derivam muitos benefícios: as famílias podem permanecer em contato, embora os seus membros estejam muito distantes uns dos outros; os estudantes e pesquisadores têm acesso fácil e imediato a documentos, fontes e descobertas científicas; etc. Além disso, a natureza interativa dos novos meios de comunicação facilita formas mais dinâmicas de aprendizagem e de comunicação que contribuem para o progresso social. Temos muito trabalho ainda, começando por cobrir a brecha digital (neste sentido é muito valiosa a iniciativa do Papa de Scholas Occurrentes). A necessidade do outro, a capacidade de ficar conectados com as pessoas que amamos, sem importar as distâncias, a fabulosa capacidade de dar informação valiosa – e o que é mais valioso do que a Boa Nova – a um grande número de pessoas, são muitas das vantagens que podemos gozar hoje em dia para construir um mundo melhor.

ZENIT: A tese de doutorado na qual trabalhastes durante anos se propõe oferecer pautas para o comportamento cristão nas redes sociais. Existe uma maneira cristã de habitar a web?
- Juan Carlos Váscone: Claro que existe um estilo cristão de habitar a web: é o que está marcado pela caridade, pelo amor a Deus e aos outros, começando com as pessoas mais próximas a você. Portanto, é oportuno refletir sobre como essas tecnologias nos afetam na vida diária, como mudam as nossas relações com os outros e, é claro, como influenciam na nossa relação pessoal com Deus. Por exemplo, é importante proteger alguns momentos de silêncio durante o dia para cultivar um relacionamento com Deus. São João Paulo II falava de "zonas de silêncio efetivo e uma disciplina pessoal, para facilitar o contato com Deus". Recentemente, o Papa Francisco disse: "Hoje, os meios de comunicação mais modernos, que são indispensáveis, especialmente para os mais jovens, podem tanto dificultar como ajudar a comunicação na família e entre famílias”. É necessário, portanto, aprender a usar as ferramentas de comunicação, para que realmente sejam meios que unam as pessoas, e não obstáculos que as separem e levem ao isolamento. É uma tarefa que não pode reduzir-se ao seguimento de umas normas, mas que implica o desenvolvimento de atitudes pessoais e hábitos positivos: se trata, em definitiva, de aprender a viver as virtudes no mundo digital. A Igreja como mestra de humanidade, tem muito a dizer para o mundo e, perante o progresso técnico, não aconselha somente prudência e cautela, mas também coragem e decisão. O crescimento nas virtudes é o único caminho que permitirá implementar este conselho.

ZENIT: Dado que a sua investigação foca especialmente nas virtudes cardeais e sua relação com as redes sociais (especialmente a virtude da prudência), qual contribuição, linha de ação ou relação as virtudes têm com o uso das redes sociais? É possível falar de um uso “virtuoso” das redes sociais ou de um modo virtuoso de relacionar-se nelas?
- Juan Carlos Váscone: Embora a caridade sempre será a virtude mais importante, devemos enfatizar a primazia da prudência entre as virtudes humanas necessárias para agir de forma coerente no mundo digital. A prudência com relação às redes sociais está presente desde o primeiro momento, já que é preciso esclarecer previamente se realmente constitui uma melhoria para a própria vida, se é necessário ou conveniente participar ou não; e determinar em qual ou quais vale a pena ter um perfil, etc. Cada rede social tem a sua própria dinâmica de funcionamento que é preciso entender antes de começar a interagir. Também é um comportamento maduro ponderar com quais meios ou dispositivos se revisará ou se publicará. A forma de interagir dentro de uma plataforma também deverá estar marcada pela prudência que, em muitas ocasiões aconselha focar a atenção mais na qualidade das próprias conexões que na quantidade. É mais importante selecionar temas que vale a pena escrever, e refletir sobre eles o suficiente para que as contribuições sejam valiosas, ou seja, do que dizer muitas coisas insignificantes rapidamente. Serão atos de prudência: cancelar ou silenciar contatos da própria lista quando estes compartilhem informação que possa ser nociva ou irritante; rever as opções de privacidade para saber quem pode ver os conteúdos que publicamos; cuidas as normas de etiqueta digital (não escrever com maiúsculas, não usar palavrões, não publicar fotografias pessoais ou de terceiros, que sejam irritantes, etc.). Também será um ato da prudência desenvolver algumas habilidades práticas que vêm do conhecimento técnico, já que nos preparam para aproveitar mais eficazmente a rede social. Para formar a virtude da prudência é indispensável pedir conselho e, nos meios digitais, é talvez mais importante encontrar um bom conselheiro. Diz Santo Tomas de Aquino que até mesmo “é uma nota de excelência contar com outras pessoas que possam ajudar-nos”. Sempre vale a pena pedir a alguém com discernimento para consultar o nosso perfil e nossas interações para dar-nos sugestões e recomendações: não se trata de um "controle externo", mas simplesmente de deixar-nos ajudar em nossa vida nos ambientes digitais para ir formando critério.

ZENIT: Em alguns momentos da sua tese você fala da "santificação" das redes sociais. O que você quer dizer com isso?
- Juan Carlos Váscone: Quero dizer que as redes sociais não são apenas uma ferramenta que melhora a extensão e o nível da comunicação, mas que, de certo modo, passaram a constituir um ambiente, um lugar. Tornaram-se em um dos tecidos conectivos da cultura, através do qual se expressa a identidade, se desenvolve o trabalho e nos relacionamos uns com os outros. Portanto, poderíamos acrescentar que parte da tarefa do cristão que participar nelas será santifica-las, porque também devem ser um espaço para expressar com alegria e naturalidade a sua identidade cristã.
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Fonte:  ROMA, 27 de Abril de 2015 (Zenit.org) - 
Reportagem  Por Jorge Henrique Mújica
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