segunda-feira, 31 de outubro de 2016

"O mundo está ficando leve demais"

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Para Gilles Lipovetsky, ciência e tecnologia disseminam noção de leveza.

Segundo filósofo francês Gilles Lipovetsky, a leveza é a máxima aspiração humana atual a sociedade contemporânea está se movendo sob o imperativo da leveza. Este é o novo tema do filósofo francês Gilles Lipovetsky, de 72 anos, um pensador que já escreveu sobre vários assuntos desprezados por muitos de seus colegas, como a moda e o luxo, e cunhou os termos "era do vazio" e "era hipermoderna". Em "Da Leveza, Rumo a uma Civilização Sem Peso" (Ed. Amarilys), ele analisa como o leve tornou-se a máxima aspiração humana e impôs-se em tudo: tecnologia, economia, publicidade, arquitetura, esporte, arte e política. Sem demonizar o seu tema, mas desvendando o seu uso muito além de um nível de moderação, ele sentencia nesta entrevista ao Valor: "O excesso de leveza prejudica a sociedade, a vida não pode ser leve em tudo".

Valor: Qual a origem desta "civilização da leveza"? 

Gilles Lipovetsky: O progresso tecnológico. Ele permitiu a fabricação de materiais cada vez mais leves. Máquinas que consomem cada vez menos energia. É um fator econômico. Temos aviões e carros mais velozes, mas mais leves. Enquanto no passado a leveza era apenas imaginária, hoje a ciência a faz real. Outro exemplo são os drones ou os smartphones de 200 gramas dentro de nossos bolsos que nos permitem contato com todo o universo! O segundo fator é a relação que temos hoje com os nossos corpos. Tudo condena a gordura e o peso. O corpo pesado é contra a beleza e a saúde.

Valor: Embora vivamos uma epidemia de obesidade...

Lipovetsky: O grande paradoxo é que, quanto mais consagramos a magreza, mais existem pessoas obesas. Existem 40% de norte-americanos acima do peso. Mais complexa é a questão quando há uma crescente paixão pelos esportes de deslizamento, surfe, skate, esqui, ou aéreos, que dão a sensação de leveza. Eles estão de acordo com o grande sonho da humanidade: voar. O terceiro fator, talvez o mais relevante, é o capitalismo de consumo. Ele é totalmente baseado na leveza. Eu chamo de "capitalismo de sedução". Ele celebra os valores leves: o prazer, a felicidade, a vida privada, o divertimento, as viagens... A leveza tornou-se um elemento essencial do crescimento econômico por meio do consumo. Ela não é mais um sonho, uma busca estética, é o "core" da tecnologia e, consequentemente, da economia.

Valor: Como a busca pela leveza altera o comportamento do consumidor?

Lipovetsky: Quanto mais celebram a leveza, mais as pessoas estão pressionadas pelo pesado. A civilização da leveza é regida pela coerção. A conquista da leveza é algo dolorosa. Nietzsche já nos havia alertado sobre isso [No livro, é citada a frase do filósofo alemão: "É bom o que é leve; tudo o que é divino se move com pés delicados"]. Muitas pessoas fogem do consumismo para as sabedorias antigas, como o budismo, a ioga, a meditação. São tecnologias da leveza. É um retiro do peso do consumismo. Uma busca do desenvolvimento pessoal na leveza.

Valor: A leveza é um problema a mais para a economia mundial ou pode ajudar?

Lipovetsky: No passado, o poder era ligado ao peso. O peso de um exército, o peso do castelo, o peso do canhão. Eram as indústrias pesadas. Hoje o que dá poder é a leveza. As empresas mais destacadas são o Google, o Facebook. Vendem mercadorias imateriais. Cada vez mais é a informação, a capacidade de poder gerar o mundo digital, o "big data". Com a nanotecnologia estamos no começo de um novo mundo. Michel Foucault criou o termo biopoder. Eu creio que o que nos caracteriza agora é o nanopoder e leva a uma "microfísica do poder". Esse universo nos promete coisas formidáveis. Vamos poder viver muito e com melhor saúde. Ao mesmo tempo, há ameaças: a sociedade da vigilância, o transumanismo, a inteligência artificial.

Valor: Como tudo, há também dois lados da leveza.

Lipovetsky: Tentei não demonizar a leveza. A leveza do capitalismo de consumo desenvolve uma leveza sem consistência. Não podemos construir uma sociedade sob o princípio da leveza. Por quê? É preciso que os homens trabalhem e trabalho necessita esforço. Existem duas levezas. Uma é consumista. Esta é como a leveza da folha, vai com o vento. Ela não permite construir nada. Creio que, muitas vezes, os homens sofrem porque eles são consumidores em excesso. O consumo é bom. Mas por si só não satisfaz totalmente. É impossível sustentar uma sociedade onde tudo é baseado nas marcas, na moda, em coisas que se vê nas séries de televisão. É um drama? Não. Mas podemos fazer melhor. Desenvolver outra forma de leveza. Mais construtiva. A leveza do artista.

Valor: Na sua opinião, como a leveza mudou a política?

Lipovetsky: A leveza produziu uma cidadania light. Isso se manifesta, sobretudo, na abstenção alta. Os eleitores votam quando querem. No entanto, a política não é leve. A desconfiança é grande. A política suscitou a rejeição do cidadão. O universo da leveza modificou certos aspectos da vida política. Não se pode moldar um político em um talk-show no qual se faz a geologia estética de um líder. Os problemas políticos não são leves: mundialização, aquecimento global, desigualdade social. Não creio, portanto, em uma cidadania light ou uma política leve. É preciso desenvolver o nível de educação política do cidadão.

Valor: No entanto, o seu livro aponta a leveza também na educação.

Lipovetsky: Sim. A educação leve, com poucas disciplinas, é uma educação sem obrigações. Pode haver algo de positivo, mas existe muito mais de negativo quando se busca uma leveza na educação. Não podemos conceber uma educação simplesmente com jogos eletrônicos, internet, vídeo, smartphones. A leveza é parte da vida. É preciso lhe dar essa parte. Os homens precisam da leveza como uma maneira de respirar. Mas o excesso de leveza prejudica a sociedade. A vida não pode ser leve em tudo. 
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Por Jorge Félix, para Valor, de São Paulo.  Caderno: Eu & Fim de Semana, impresso. pág.3.

Gente 'cult' tende a ser chata e afetada em suas opiniões

Luiz Felipe Pondé*

 "Os pós-modernos começam então a misturar coisas que normalmente não iriam juntas, como bolsa Prada com pijamas no Iguatemi, paletós caros com sandálias Havaianas no Copacabana Palace e, assim, desconstruir tudo o que foi tomado como evidência antes deles."

O mundo pós-moderno em que vivemos é um prato cheio para frescuras. A palavra "frescura" pode soar um pouco estranha para quem não possui um repertório um pouco mais sofisticado em filosofia. Se isso acontece com "frescura", quanto mais com a palavra "desconstruído", que tem em sua história gente chiquérrima, como o filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004). Quanto a "pós-moderno", então, nem me fale. Nada é mais chique do que algo ser pós-moderno. Voltaremos já ao que seria "pós-moderno".

Vamos por partes. Dizer que algo é uma "frescura" implica dizer que ela tem um frescor que lhe é peculiar, um certo tom de "novo", "avantgardiste", diria alguém versado em teoria da arte moderna. Portanto, sua raiz está no âmbito da natureza e da arte, ao mesmo tempo! Talvez, lá atrás, encontremos algum fenômeno a ver com mudança de estação do ano. Tal conceito também afeta qualquer teoria da moda.

Um detalhe: "frescura" sempre carrega alguma nuance de afetação. Quando algo ou alguém é "fresco", quer dizer que ele ou ela é um tanto exagerado (afetado) nas suas ações. Os mais velhos diriam: uma nota acima do necessário.

Na sua evolução semântica ("evolução semântica" quer dizer mudança de significado de uma palavra ao longo do tempo), a palavra "frescura" acabou assumindo um sentido próximo a "wannabe". O que quer dizer isso? Simples: "(to) want to be", em inglês, significa "querer ser algo","wannabe" significa "querer ser algo chique que não se é de verdade". Tipo gente que queria ser culta e por isso frequenta lugares "cult" para todo mundo pensar que é culta. Sacou? Conhece alguém assim? Aposto que sim. Gente "cult" tende a ser chata e afetada em suas opiniões.

E "descontruída"? Essa tem a ver com nossa época pós-moderna. Filósofos franceses chiques do final do século 20 se puseram a dizer (Jean-François Lyotard entre eles) que nossa época havia se cansado de "grandes narrativas". Em língua dos mortais, isso quer dizer ficar de saco cheio de muita teoria complicada e que é preciso ler muito para entender e, por isso mesmo, gastar o cérebro demais. Para os pós-modernos tudo é relativo e Shakespeare é igual a alguém batendo tambor repetidas vezes em algum recanto perdido do mundo.

Os pós-modernos começam então a misturar coisas que normalmente não iriam juntas, como bolsa Prada com pijamas no Iguatemi, paletós caros com sandálias Havaianas no Copacabana Palace e, assim, desconstruir tudo o que foi tomado como evidência antes deles. Daí chegamos a "frescuras desconstruídas" de nossa conversa de hoje.

Uma coisa que se adora desconstruir hoje em dia é a comida. Quando todo mundo acha que pode fazer comida gourmet, é melhor você se ater à comida da sua avó. Vou dar um exemplo real que me foi contado por uma amiga, recentemente. Olha só que primor de frescura (comida fresca que quer parecer inteligente e chique).

Um restaurante "top" na França. Num dado momento, é servido a ela uma "espuminha" com uma coisa escura e dura no meio do prato, completamente indecifrável. Mulher educada e com trânsito no mundo sofisticado, fica perplexa diante da dificuldade de identificar tamanha "desconstrução" do que seria muito banal, como carne, peixe, salada ou algo semelhante. Na sua modéstia típica de quem é de fato elegante, pergunta para o inteligente chef o que viria a ser aquilo.

Surpresa! Você não imaginaria a resposta, assumindo que você não seja uma dessas pessoas frescas que acham que comida deve ser inteligente.

A revelação máxima: a coisa escura era uma pedra. Pedra com espuminha. A desconstrução máxima do que seria comida: uma pedra. Nenhum animal come pedra. Mas humanos desconstruídos, sim. Hoje em dia está na moda fazer espuminha de tudo na comida. De todas as cores: vermelho, amarelo, azul, verde, marrom...

A ideia dessa comida desconstruída é que você chupe a pedra molhando ela na espuminha até secar o prato e a pedra. Alguém poderia se perguntar qual o limite da desconstrução gourmet. Que tal baratas africanas com espuminha de fezes seca?
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião, ciência. Escreve às segundas.
Imagem de  Ricardo Cammarota/Folhapress
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/10/1827817-gente-cult-tende-a-ser-chata-e-afetada-em-suas-opinioes.shtml
 

A INDIFERENÇA

A. Pereira Caldas*




 "A indiferença é um dos flagelos do nosso tempo. 
E merece uma justa atenção."

É uma atitude aparentemente vulgar, sem grande visibilidade, quase discreta… Poderá mesmo confundir-se com egoísmo em vários casos e circunstâncias. No entanto, quando dessa atitude transparece a possibilidade de se sentir no poder da indiferença a influência nos sombrios jogos de bastidores do dia-a-dia, onde muita coisa se ganha ou se perde.

A indiferença surge, assim, como um elemento a acrescentar aos muitos outros, bons e maus, que “fabricam” a atualidade, sobretudo no domínio geopolítico – esse lugar virtual, esse trono, onde se decide, à revelia “dos poderes menores”, grande parte do futuro do mundo e da humanidade.

Parece estranho, é verdade, que a diferença seja tão importante como aqui se dá a entender. Mas é, não se duvide. Por exemplo, a democracia e os países que a praticam não passariam de autênticas anedotas políticas, evidentemente sem um mínimo de graça. E os indiferentes seriam capazes de “travar” qualquer decisão importante para resolver um problema grave para o planeta.

Claro que estes exemplos não passam disso mesmo: de exemplos mais ou menos radicais e, convenhamos, até de um certo mau gosto…

Mas, em toda esta problemática, há ainda outro aspecto particularmente interessante. E importante. É que há duas formas de se ser indiferente, uma a que poderíamos chamar facultativa, isto é, a indiferença seria uma atitude voluntária, usada como protesto ou sinónimo de desacordo; e outra forma, essa em que a indiferença é quase uma imposição, como sucede nas religiões ou nos casos que põem em causa os seus princípios fundamentais.

No meio de tudo isto, uma coisa é certa: a indiferença é um dos flagelos do nosso tempo. E merece uma justa atenção.
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* Jornalista português. Texto em português de Portugal.
Fonte: http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?cont_=ver2&id=5901- 30/10/2016

domingo, 30 de outubro de 2016

DIFÍCIL TAREFA

 Lya Luft*
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 Para entender quem somos, quem queremos ser, quem podemos ser – não o que os outros, a turma, a sociedade, querem que sejamos –, é preciso parar pra pensar.
 
Quando crianças, o tempo para nós é sempre “agora”: brincar, mamãe, com sorte mais carinho do que violência, coisas desse tipo. Somos imediatistas. Depois, ainda pequenos, contamos o tempo pelas vezes em que teremos de dormir: “Quantas vezes tenho de dormir até o Natal? Até o aniversário?”.

Saindo do limbo da infância, começamos a ter projetos. Precisamos ter projetos. Nos dizem que temos de ter projetos, mais do que desejos ou sonhos, porque estamos ficando “grandes” e precisamos ser responsáveis. Alguns sonhos e desejos podem se transformar em projetos cada vez mais complexos e a mais longo prazo, à medida que nos tornamos adultos. Com eles chegam as frustrações: eu queria ser rico, acabei remediado, queria ser famoso, sou um anônimo. Eu queria se médico, acabei taxista. Eu queria ser modelo, virei uma acomodada dona de casa; eu quis viajar o mundo, e só agora, quase na velhice, vou conhecer o Rio.

A frustração tem a medida do desejo que não se realizou, ou da nossa incapacidade de nos adaptarmos ao real – sem perder a capacidade de voar. Não é preciso pisar na Lua para ser bem-sucedido, nem ter um Everest de dólares para se sentir bem na própria pele, isso que eu chamo de “ser feliz”. Gostar do que conseguimos: fazer caber nossas alegrias, isso que fazemos, desde que não nos humilhe nem degrade. Por que não posso ser bem-sucedida tendo uma casa simples mas acolhedora e uma família em que, apesar das brigas naturais, nos apoiamos uns aos outros em lugar de criticar? Por que conduzindo pessoas num táxi não posso fazer bem a elas e sustentar minha gente? Por que não sendo modelo, mesmo assim não posso me achar bonita, simpática, rica de emoções e coisas boas?

O problema maior é descobrir quem somos, o que desejamos e o que podemos. Ignorar, superar, os preconceitos, as regras, as receitas de ser bem-sucedido e feliz. Empoderamento, palavra clichê do momento (até rimou), me aborrece um pouco. Por que teríamos de ser todos poderosos? Importa, mais que isso, sermos decentes, dignos, úteis, amorosos, compassivos, criativos, e capazes de ver – mesmo na correria desta vida moderna – a beleza das nuvens disparando no céu, a dança das copas das árvores ou das ondas do mar quando venta forte. De telefonar para o amigo em dificuldade, dedicar um tempo aos filhos, ou aos pais, escutar o parceiro com carinho, enfim, sermos humanos sem maior complicação.

Para entender quem somos, quem queremos ser, quem podemos ser – não o que os outros, a turma, a sociedade, querem que sejamos –, é preciso parar pra pensar. “Parar pra pensar? Nem pensar! Se eu paro pra pensar, desmorono”, é a frase mais comum. Então esse deveria ser nosso heroísmo fundamental: interromper a agitação, um momento que seja, clarear a paisagem interior dominando a impaciência e o pessimismo. Enfrentando como podemos a realidade de um país confuso num mundo conturbado, na floresta de enganos em que se desperdiçam bons amores e desejos. Assim talvez sejam menos dolorosas as inevitáveis frustrações que por toda parte espreitam – porque viver, e conviver, sem perder a bondade nem a coragem, é difícil tarefa.
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* ESCRITORA.
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a8062546.xml&template=3916.dwt&edition=29985&section=70
Imagem da Internet

Capitalismo, ideologia do individualismo e solidão no século XXI

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Capitalismo, teu nome é solidão. Os seres humanos, mamíferos ultrassociais cujos cérebros precisam do estímulo do outro, estão sendo separados por mudanças tecnológicas e pela ideologia do individualismo. Este apartamento é causa de uma epidemia de doenças psiquicas.

O que poderia denunciar mais um sistema do que uma epidemia de doença mental? Pois ansiedade, estresse, depressão, fobia social, desordens alimentares, automutilação e solidão atingem cada vez mais pessoas em todo o mundo. A última ocorrência — divulgação de dados catastróficos sobre a saúde mental das crianças inglesas — reflete uma crise global.

Há muitas razões secundárias para esse sofrimento, mas a causa fundamental parece ser a mesma em todos os lugares: os seres humanos, mamíferos ultrassociais cujos cérebros estão conectados para responder uns aos outros, estão sendo separados. Mudanças econômicas e tecnológicas, assim como a ideologia, desempenham o papel principal nessa história. Embora nosso bem-estar esteja indissociavelmente ligado à vida dos outros, onde quer que estejamos dizem-nos que só prosperamos pelo auto-interesse competitivo e extremo individualismo.

No Reino Unido, homens que passaram a vida inteira em espaços públicos – na escola, na universidade, no bar, no parlamento – nos doutrinam para que permaneçamos sozinhos. O sistema educacional torna-se a cada ano mais brutalmente competitivo. O emprego é uma luta quase mortal com uma multidão de outras pessoas desesperadas caçando empregos cada vez mais raros. Os modernos feitores dos pobres atribuem à culpa individual a circunstância econômica. Intermináveis competições na televisão alimentam aspirações impossíveis, no exato momento em que as oportunidades reais estão cada vez mais reduzidas.

O consumismo preenche o vazio social. Mas, longe de curar a doença do isolamento, intensifica a comparação social a ponto de, depois de consumir todo o resto, começarmos a ser predadores de nós mesmos. As mídias sociais nos unem e nos separam, possibilitando que quantifiquemos nossa posição social e vejamos que outras pessoas têm mais amigos e seguidores do que nós.

Como Rhiannon Lucy Cosslett documentou brilhantemente, meninas e jovens mulheres alteram, como rotina, as fotos que postam para parecer mais bonitas e mais magras. Alguns celulares com dispositivos “de beleza” fazem isso sem que você peça; agora você, magra, pode tornar-se sua própria inspiração. Bem-vindo a uma distopia pós-Hobbesiana: uma guerra de todos contra todos

Haverá algum encantamento nesses mundos interiores solitários, nos quais tocar foi substituído por retocar, e mulheres jovens estão se afundando de agonia? Estudo recente realizado na Inglaterra sugere que uma em cada quatro mulheres entre 16 a 24 anos automutilaram-se e uma em cada oito sofrem de distúrbio de estresse pós-traumático. Ansiedade, depressão, fobia ou distúrbio compulsivo-obsessivo afetam 26% das mulheres nesse grupo etário. Parece ser uma crise de saúde pública.

Se a ruptura social não é tratada tão seriamente quanto um membro quebrado, é porque não podemos vê-la. Mas os neurocientistas podem. Uma série de artigos fascinantes sugere que a dor social e a dor física são processadas pelos mesmos circuitos neurais. Isso pode explicar a razão por que, em várias línguas, é difícil descrever o impacto da ruptura de vínculos sociais sem as palavras que usamos para designar injúria e dor física. Tanto em humanos quanto em outros mamíferos sociais, o contato social reduz a dor física. Essa é a razão por que abraçamos nossas crianças quando elas se machucam: o afeto é um analgésico poderoso. Opiáceos aliviam tanto a agonia física quanto a angústia da separação. Talvez isso explique a ligação entre o isolamento social e a drogadição.

Experimentos resumidos no jornal Psicologia & Comportamento do mês passado sugerem que, diante de uma escolha entre dor física ou isolamento, os mamíferos sociais escolherão a primeira. Macacos-prego mantidos sem alimento e contato por 22 horas irão juntar-se a seus companheiros antes de comer. Crianças que experimentam negligência emocional, segundo certas descobertas, sofrem piores consequências de saúde mental do que crianças que sofreram tanto negligência emocional quanto abuso físico: apesar de hedionda, a violência envolve atenção e contato. A automutilação é frequentemente usada como forma de tentar aliviar sofrimento: outra indicação de que a dor física não é tão ruim quanto a dor emocional. Como o sistema prisional sabe muito bem, uma das formais mais efetivas de tortura é o confinamento em solitária.

Não é difícil perceber quais podem ser as razões evolucionárias para a dor social. A sobrevivência entre os mamíferos sociais é significativamente ampliada quando eles estão ligados por fortes laços ao resto do grupo. Os animais isolados e marginalizados são os que mais provavelmente serão apanhados por predadores, ou morrerão de fome. Assim como a dor física nos protege de lesões físicas, a dor emocional nos protege de danos sociais. Ela nos leva a nos reconectar. Mas muita gente acha isso quase impossível.

Não é surpresa que o isolamento social esteja fortemente associado a depressão, suicídio, ansiedade, insônia, medo e percepção de ameaça. Mais surpreendente é descobrir o leque de doenças físicas que ele causa ou exacerba. Demência, pressão sanguínea alta, doenças cardíacas, AVCs, queda de resistência a vírus, até mesmo acidentes são mais comuns entre pessoas cronicamente solitárias. A solidão tem um impacto na saúde física comparável a fumar 15 cigarros por dia: parece aumentar o risco de morte precoce em 26%. Isso se dá, em parte, porque eleva a produção do hormônio do estresse cortisol, que inibe o sistema imunológico.

Estudos realizados tanto em animais como em humanos sugerem uma razão para o bem-estar alimentar: o isolamento reduz o controle dos impulsos, levando à obesidade. Como aqueles que estão na base da pirâmide socioeconômica são os que têm maior probabilidade de sofrer de solidão, será esta uma das explicações para a forte ligação entre baixo status econômico e obesidade?

Qualquer pessoa pode perceber que algo crucial — muito mais importante do que a gande maioria dos problemas que nos atormentam — deu errado. Por que razão continuamos mergulhados neste frenesi de autodestruição, devastação ambiental e deslocamento social, se tudo o que isso produz é uma dor insuportável? Essa pergunta não deveria queimar os lábios de todos os que estão na vida pública?

Há instituições de caridade maravilhosas fazendo o que podem para lutar contra essa maré. Trabalharei com algumas delas como parte do meu projeto sobre solidão. Mas, para cada pessoa que elas alcançam, muitas outras são deixadas para trás.
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Texto por  George Monbiot, Outras Palavras | Tradução: Inês Castilho
Fonte:  http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/10/capitalismo-ideologia-individualismo-solidao-seculo-xxi.html

sábado, 29 de outubro de 2016

Belchior, esse desespero é moda em 2016

Belchior
Belchior: 70 anos de sonho, de sangue e de América do Sul
 
No aniversário de 70 anos do cantor, celebrado no dia 26, selecionamos 15 versos do álbum “Alucinação”, de 1976, que ajudam a entender o Brasil hoje
Sha


Eu sou apenas um rapaz latino americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior
Um hino para o jovem contemporâneo que está ralando para encontrar seu lugar ao sol na cidade grande e desconfia da pregação do colega dos Jardins sobre as virtudes da meritocracia.

Sons e palavras são navalhas. E eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém
Fica a dica para quem entrou nos grupos de Facebook e Whatsapp em busca de amizade e aplausos.

O passado é uma roupa que não nos serve mais
Um lembrete para quem viu no figurino dos sobreviventes do governo Sarney um bote salva-vidas dos desafios políticos de 2016.

Apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais
Sobretudo quando ouvimos, em pleno 2016, que o homem (49% da população, 90% no Congresso) não leva jeito para ajudar nas tarefas de casa, que o sonho de toda mulher é casar, ser mãe e cuidar do lar e que ela e suas roupas são as únicas responsáveis pela violência de gênero.

Quem me deu a ideia de uma nova consciência e juventude está em casa, guardado por Deus contando vil metal
Ou virou apelido na planilha da Odebrecht.
Alucinação Belchior
Capa do disco Alucinação, de Belchior, lançado há exatos 40 anos e que ainda fala muito sobre nós
Ano passado eu morri. Mas neste ano eu não morro.
Mantra para o que sobrar de nós em 2017

A única forma que pode ser norma é nenhuma regra ter, é nunca fazer nada que o mestre mandar, sempre desobedecer, nunca reverenciar.
Repare que quem mais reverencia as velhas autoridades (religiosas, políticas, financeiras) é justamente quem mais confunde pensamento crítico com doutrinação. Sabem de nada, mas não são inocentes.

Minha alucinação é suportar o dia a dia. Meu delírio é a experiência com coisas reais.
Porque hoje em dia, quando se anuncia o perigo da invasão russa pelo Twitter, está tudo tão de ponta-cabeça que, mesmo sóbrios, já não sabemos quando a notícia é delírio e quando o delírio é notícia. A lucidez é insuportável

Amar e mudar as coisas me interessa mais
Ou, num mundo de privilégios consolidados, podemos agir como haters – aqueles sujeitos online que berram, xingam, latem e mordem a qualquer sinal de mudança

Não cante vitória muito cedo. Não me leve flores para a cova do inimigo. As lágrimas dos jovens são fortes como um segredo: podem fazer renascer um mal antigo
Um alerta aos que imaginavam que a guerra estava ganha ao fim da ditadura e agora não sabem explicar tantos cartazes espalhados pela Paulista em dia de protesto.

Sempre é dia de ironia no meu coração
Ainda hoje é, às vezes ou quase sempre, o único remédio.

Se você vier me perguntar por onde andei no tempo em que você sonhava, de olhos abertos lhe direi: amigo, eu me desesperava
O velho conflito hamletiano dos que veem o mundo e se desesperam e os que não veem, ou fingem não ver, e esperam sentados o paraíso, a salvação, a canonização, as férias, as fotos do jantarzinho top, etc 

Tenho 25 anos de sonho, de sangue e de América do Sul
Por aqui, as veias seguem abertas para quem, após os 25, não tem como única saída o aeroporto para fazer compras na América do Norte

São Paulo violento, corre o rio que me engana
E, agora, acelera!

Quero desejar, antes do fim, pra mim e os meus amigos, muito amor e tudo mais; que fiquem sempre jovens e tenham as mãos limpas, e aprendam o delírio com coisas reais.
Faz 40 anos. E ainda não aprendemos
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por Matheus Pichonelli publicado28/10/2016 13h30
FONTE:  http://www.cartacapital.com.br/cultura/belchior%2C%20esse-desespero-e-moda-em-2016

Mentira puxa mentira – e o cérebro se adapta, aponta estudo científico

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Uma mentira puxa a outra. E quem mente uma vez, tende a mentir cada vez mais. Esta é a conclusão a que chegaram neurologistas da Universidade College London (UCL) no estudo chamado “O cérebro se adapta à desonestidade”.

No experimento, os voluntários foram incitados a mentir repetidamente. E, dependendo da gravidade da mentira, eles eram recompensados financeiramente. O resultado surpreendeu até os próprios pesquisadores.

“O estudo é a primeira evidência empírica de que o comportamento desonesto cresce se ele for repetido”, afirma Neil Garret, neurologista do Departamento de Psicologia Experimental da UCL.

O experimento

No experimento, 80 pessoas visualizaram fotografias de copos preenchidos com diferentes quantidades de moedas de um centavo. Em seguida, os voluntários foram orientados por um computador a aconselhar um parceiro (um ator, desconhecido dos voluntários), que tinha visto os mesmos copos em imagens desfocadas, sobre quanto dinheiro os copos continham.
No primeiro experimento, os participantes foram recompensados pela honestidade. “Eles foram informados de que, quanto mais precisa fosse a avaliação do parceiro, ambos – voluntário e parceiro – receberiam mais dinheiro”, explicou Garret.

No segundo experimento, um dolo proposital foi recompensado com lucros para ambos. E, num terceiro, explicou-se aos participantes de que a mentira prejudicaria somente o parceiro.
“As pessoas mentiram mais quando ambos podiam tirar proveito”, disse a cientista Tali Sharot, coautora do estudo. “Se a situação beneficia apenas a si próprio, mas prejudica outra pessoa, mente-se menos.”

Quando indagado se existem mentiras boas e mentiras ruins, Garret disse: “Pode-se afirmar que mentiras sempre são piores quando prejudicam a pessoa ludibriada. Descobrimos que as pessoas mentem mais se as duas pessoas podem tirar proveito da mentira – em contraste com a situação em que a mentira vai custar algo ao enganado. Mas o observado crescimento foi o mesmo em ambos os cenários.”

Os participantes diferiram bastante no grau de desvio da verdade e na taxa em que sua desonestidade aumentou. Mas a maioria dos participantes tinha em comum o fato de que caíram num padrão de mentiras – e eles aumentaram a intensidade de suas lorotas ao longo do tempo.

Reação do cérebro

Durante os experimentos, mais de um quarto dos voluntários foram observados por meio de imagens de ressonância magnética. A parte do cérebro que controla as emoções – as amígdalas – reagia fortemente quando os indivíduos tinham mentido.

Assim foi, ao menos, no início. Quanto mais atrevidas eram as mentiras, menos as amígdalas demonstravam alguma reação – um processo que os cientistas chamam de “adaptação emocional”.
“Na primeira vez em que trapaceia na declaração do imposto de renda, por exemplo, uma pessoa deve se sentir mal”, disse Sharot. “Mas quando volta a fraudar, ela já se adequou. Há menos reações negativas que possam restringir seus atos.”

“Seja na infidelidade, no doping no esporte, na manipulação de dados científicos ou fraude financeira – os charlatões nos lembram que os pequenos atos de desonestidade têm aumentado continuamente ao longo do tempo”, salientou Sharot. “E, de repente, pessoas chegam ao ponto de cometer crimes grandes.”

Ou seja, quanto mais se mente, mais hábil a pessoa se torna na propagação de mentiras. Este parece ser um resultado claro do estudo científico. E, portanto, também uma justificativa do porquê de não se confiar mais em alguém que uma vez mentiu.
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Fonte: http://ucho.info/mentira-puxa-mentira-e-o-cerebro-se-adapta-aponta-estudo-cientifico 29/10/2016

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

É possível ser idólatra ou iconoclasta à condição de não ser boçal

 Contado Calligaris*
 
Ilustração do Mariza para a coluna do Contardo de 27 de outubro de 2016
 Mariza/Editoria de Arte/Folhapress
 
Em 1995, durante um programa da TV Record, um bispo da Igreja Universal chutou uma estátua de Nossa Senhora Aparecida. Não sei se era uma manifestação contra Nossa Senhora (para mostrar que ela não é Deus) ou contra as imagens em geral (para mostrar que elas não contêm nenhuma faísca da divindade). 

O bispo foi condenado por vilipêndio e discriminação da religião dos outros. Três anos depois, Marcello Crivella, outro bispo da Universal, cantor, senador e hoje candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro, lançou a canção "Um Chute na Heresia", na qual ele defende o bispo chutador e conclui assim repetidas estrofes: "Se ela é Deus, ela mesmo me castiga". 

Ou seja, deixem nós bispos chutarmos as estátuas dos outros e recebermos a conta no reino dos céus. Então, eu poderia chutar a canela de Crivella e esperar para ver: se tiver uma parcela de divindade nele, Deus me punirá, certo?

Enfim, Crivella expressou diante de seus rebanhos outras ideias interessantes. Por exemplo, sugeriu que filho de mãe que pensou em abortar pode crescer homossexual ou traficante. Também ele declarou que a Igreja Universal elegerá um presidente da República "que vai trabalhar por nós e por nossas igrejas" (eu achava que um presidente, uma vez eleito, trabalhasse pelo Brasil e por seu povo).
Enfim, o discurso que serve para arregimentar um rebanho é quase sempre boçal: ele propõe ideias mínimas que possam ser compartilhadas pelo maior número. A maioria dos presentes desaprova a homossexualidade, o tráfico e o aborto? Pois é, vamos combinar tudo numa ideia só: a mãe que pensa em aborto etc. 

Mas voltemos à "heresia" de quem venera as imagens. Existe uma tragédia de Eurípides (480 - 406 antes de Cristo), "Helena", que é encenada raramente. 

Para entender o enredo, é preciso lembrar como dizem que começou a guerra de Troia (entre 1.300 e 1.200 antes de Cristo). Páris, filho do rei de Troia, viajou para Esparta e se apaixonou por Helena, mulher do rei local, Menelau. Páris raptou Helena (ou Helena fugiu com ele, tanto faz). Menelau e todos os gregos foram para Troia e sitiaram a cidade por dez anos, até Ulisses inventar o famoso cavalo de Troia, que os troianos trouxeram para dentro de sua cidade sem saber que escondia soldados gregos. 

Essa guerra é contada na "Ilíada" de Homero. Na volta para casa, os gregos, e especialmente Ulisses, tiveram percalços infinitos, contados na "Odisseia", também de Homero. 

Agora, na origem dessa história toda, três deusas gregas estavam brigando para saber quem era a mais bonita, e Páris foi chamado para ser juiz. Ele escolheu Afrodite, a qual o recompensou com o amor de Helena. 

Só que, na tragédia de Eurípides, as duas perdedoras conspiraram para que a Helena que foi para Troia com Páris não fosse a mulher de Menelau, mas um ídolo –uma cópia perfeita, como um robô de "Westworld", a nova série da HBO. 

Gregos e troianos se estriparam durante dez anos por um ídolo, enquanto a verdadeira Helena estava escondida no Egito (no fim, "happy ending": Menelau a reencontra). 

Em suma, a guerra de Troia inaugura a literatura e a cultura ocidentais com dois ídolos: Helena e o famoso cavalo. 

Não é de estranhar; seria possível contar toda nossa história (ou, no mínimo, a história da arte ocidental) como uma meditação sobre as manifestações possíveis do que é ausente ou invisível. O objeto amado que idealizamos está no corpo aparente de quem amamos? E nosso corpo é um ídolo de nossa alma? E os mortos, seus retratos e seus monumentos, o que são? E como se manifesta Deus no mundo? 

A cristandade nunca parou de debater como, em Jesus, a natureza humana convivia com a divina –justamente para evitar que ele fosse considerado o ídolo (visível e encarnado) de um Deus invisível. Também discutimos para saber se o pão e o vinho na eucaristia são o corpo e o sangue de Cristo –mesma pergunta: seriam ídolos? 

Claro, somos sempre tentados pela possibilidade de tomar os ídolos pela coisa mesma. Há quem sonhe com bonecos de silicone, há quem venere um imagem como se fosse Deus e há quem ache que Deus pode estar nas letras da Escritura, mas nunca nas imagens. 

É possível ser idólatra ou iconoclasta, amar ou odiar as imagens, à condição de não renunciar à maravilhosa complexidade da experiência humana. Ou seja, à condição de não ser boçal. 
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* Italiano, é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Reflete sobre cultura, modernidade e as aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias). Escreve às quintas.
Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2016/10/1826498-e-possivel-ser-idolatra-ou-iconoclasta-a-condicao-de-nao-ser-bocal.shtml

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Capitalismo, teu nome é solidão

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"Os seres humanos, mamíferos ultrassociais 
cujos cérebros estão conectados para 
responder uns aos outros, estão sendo separados. 
Mudanças econômicas e tecnológicas, 
assim como a ideologia, desempenham 
o papel principal nessa história. 
Embora nosso bem-estar esteja indissociavelmente 
ligado à vida dos outros, onde quer que estejamos
 dizem-nos que só prosperamos 
pelo auto-interesse competitivo e 
extremo individualismo".

O artigo é de George Monbiot, jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido, traduzido por Inês Castilho e publicado por Outras Palavras, 24-10-2016.

Eis o artigo.

O que poderia denunciar mais um sistema do que uma epidemia de doença mental? Pois ansiedade, estresse, depressão, fobia social, desordens alimentares, automutilação e solidão atingem cada vez mais pessoas em todo o mundo. A última ocorrência — divulgação de dados catastróficos sobre a saúde mental das crianças inglesas — reflete uma crise global.

Há muitas razões secundárias para esse sofrimento, mas a causa fundamental parece ser a mesma em todos os lugares: os seres humanos, mamíferos ultrassociais cujos cérebros estão conectados para responder uns aos outros, estão sendo separados. Mudanças econômicas e tecnológicas, assim como a ideologia, desempenham o papel principal nessa história. Embora nosso bem-estar esteja indissociavelmente ligado à vida dos outros, onde quer que estejamos dizem-nos que só prosperamos pelo auto-interesse competitivo e extremo individualismo.

No Reino Unido, homens que passaram a vida inteira em espaços públicos – na escola, na universidade, no bar, no parlamento – nos doutrinam para que permaneçamos sozinhos. O sistema educacional torna-se a cada ano mais brutalmente competitivo. O emprego é uma luta quase mortal com uma multidão de outras pessoas desesperadas caçando empregos cada vez mais raros. Os modernos feitores dos pobres atribuem à culpa individual a circunstância econômica. Intermináveis competições na televisão alimentam aspirações impossíveis, no exato momento em que as oportunidades reais estão cada vez mais reduzidas.

O consumismo preenche o vazio social. Mas, longe de curar a doença do isolamento, intensifica a comparação social a ponto de, depois de consumir todo o resto, começarmos a ser predadores de nós mesmos. As mídias sociais nos unem e nos separam, possibilitando que quantifiquemos nossa posição social e vejamos que outras pessoas têm mais amigos e seguidores do que nós.

Como Rhiannon Lucy Cosslett documentou brilhantemente, meninas e jovens mulheres alteram, como rotina, as fotos que postam para parecer mais bonitas e mais magras. Alguns celulares com dispositivos “de beleza” fazem isso sem que você peça; agora você, magra, pode tornar-se sua própria inspiração. Bem-vindo a uma distopia pós-Hobbesiana: uma guerra de todos contra todos

Haverá algum encantamento nesses mundos interiores solitários, nos quais tocar foi substituído por retocar, e mulheres jovens estão se afundando de agonia? Estudo recente realizado na Inglaterra sugere que uma em cada quatro mulheres entre 16 a 24 anos automutilaram-se e uma em cada oito sofrem de distúrbio de estresse pós-traumático. Ansiedade, depressão, fobia ou distúrbio compulsivo-obsessivo afetam 26% das mulheres nesse grupo etário. Parece ser uma crise de saúde pública.

Se a ruptura social não é tratada tão seriamente quanto um membro quebrado, é porque não podemos vê-la. Mas os neurocientistas podem. Uma série de artigos fascinantes sugere que a dor social e a dor física são processadas pelos mesmos circuitos neurais. Isso pode explicar a razão por que, em várias línguas, é difícil descrever o impacto da ruptura de vínculos sociais sem as palavras que usamos para designar injúria e dor física. Tanto em humanos quanto em outros mamíferos sociais, o contato social reduz a dor física. Essa é a razão por que abraçamos nossas crianças quando elas se machucam: o afeto é um analgésico poderoso. Opiáceos aliviam tanto a agonia física quanto a angústia da separação. Talvez isso explique a ligação entre o isolamento social e a drogadição.

Experimentos resumidos no jornal Psicologia & Comportamento do mês passado sugerem que, diante de uma escolha entre dor física ou isolamento, os mamíferos sociais escolherão a primeira. Macacos-prego mantidos sem alimento e contato por 22 horas irão juntar-se a seus companheiros antes de comer. Crianças que experimentam negligência emocional, segundo certas descobertas, sofrem piores consequências de saúde mental do que crianças que sofreram tanto negligência emocional quanto abuso físico: apesar de hedionda, a violência envolve atenção e contato. A automutilação é frequentemente usada como forma de tentar aliviar sofrimento: outra indicação de que a dor física não é tão ruim quanto a dor emocional. Como o sistema prisional sabe muito bem, uma das formais mais efetivas de tortura é o confinamento em solitária.

Não é difícil perceber quais podem ser as razões evolucionárias para a dor social. A sobrevivência entre os mamíferos sociais é significativamente ampliada quando eles estão ligados por fortes laços ao resto do grupo. Os animais isolados e marginalizados são os que mais provavelmente serão apanhados por predadores, ou morrerão de fome.

Assim como a dor física nos protege de lesões físicas, a dor emocional nos protege de danos sociais. Ela nos leva a nos reconectar. Mas muita gente acha isso quase impossível.

Não é surpresa que o isolamento social esteja fortemente associado a depressão, suicídio, ansiedade, insônia, medo e percepção de ameaça. Mais surpreendente é descobrir o leque de doenças físicas que ele causa ou exacerba. Demência, pressão sanguínea alta, doenças cardíacas, AVCs, queda de resistência a vírus, até mesmo acidentes são mais comuns entre pessoas cronicamente solitárias. A solidão tem um impacto na saúde física comparável a fumar 15 cigarros por dia: parece aumentar o risco de morte precoce em 26%. Isso se dá, em parte, porque eleva a produção do hormônio do estresse cortisol, que inibe o sistema imunológico.

Estudos realizados tanto em animais como em humanos sugerem uma razão para o bem-estar alimentar: o isolamento reduz o controle dos impulsos, levando à obesidade. Como aqueles que estão na base da pirâmide socioeconômica são os que têm maior probabilidade de sofrer de solidão, será esta uma das explicações para a forte ligação entre baixo status econômico e obesidade?

Qualquer pessoa pode perceber que algo crucial — muito mais importante do que a grande maioria dos problemas que nos atormentam — deu errado. Por que razão continuamos mergulhados neste frenesi de autodestruição, devastação ambiental e deslocamento social, se tudo o que isso produz é uma dor insuportável? Essa pergunta não deveria queimar os lábios de todos os que estão na vida pública?

instituições de caridade maravilhosas fazendo o que podem para lutar contra essa maré. Trabalharei com algumas delas como parte do meu projeto sobre solidão. Mas, para cada pessoa que elas alcançam, muitas outras são deixadas para trás.
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Fonte:  http://www.ihu.unisinos.br/561604-capitalismo-teu-nome-e-solidao 26/10/2016
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Reflexões sobre o estilo Temer

Juremir Machado da Silva* 
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Um homem precisa ter estilo. É verdade que, em certo sentido, todos temos estilo. Para bem ou para mal. O que conta, no entanto, é o estilo que se impõe como uma marca bem-sucedida. Alain Delon (minhas velhinhas suspiram ao ler este nome desconhecido das mais jovens) tinha estilo. Marlon Brando também. Foram os homens mais bonitos que vi no cinema. Entrevistei Alain Delon, em Berlim, quando ele já era apenas um estilo decadente. Mesmo assim, vi os rastros do seu passado. A beleza havia dado lugar a uma nostalgia incontida.

Michel Temer tem seu estilo. Nada a ver com o que foi o estilo de Delon e Brando. Os mais antigos usam o termo classe. Diz-se que as classes sociais não existem mais. Só a classe social. Hoje, Temer se manterá impávido, como gosta de se mostrar, à espera de uma vitória na votação da PEC 241, a medida que limitará por 20 anos os gastos da máquina pública, salvo se tudo der certo, ou errado, e for preciso mudar de rumo em 2018. Uma fonte das entranhas do governo me descreveu o estilo Temer nos bastidores na busca pelos votos necessários para aprovação do seu projeto considerado decisivo. Um estilo paradoxal. Estilo para sábado de manhã com ar descontraído.

Segundo minha fonte, cujo nome não divulgarei para dar ao texto um ar de mistério, Temer apareceu de surpresa no bunker da operação PEC 241. Estava acompanhado por apenas um ministro. Vestia calça jeans e camisa polo. Esbanjava jovialidade. Sentou-se, discutiu, deu palpites e, longe da sua formalidade habitual para consumo externo, comportou-se como um parceiro de luta. Recebeu uma lista com nomes de deputados e seus respectivos números de telefone. Retirou-se para um cantinho e ligou ele mesmo para cada um dos alvos da sua campanha.

Um presidente da República que digita números de telefone no celular representa alguma coisa. O quê? Duas hipóteses: Temer ainda não se acostumou totalmente com a liturgia do cargo; ou pretende impor justamente um estilo mais direto ao seu governo. Um amigo me contou que fez uma viagem com Lula. Dois assessores se revezavam digitando números de telefone e passando as ligações para o ex-presidente. Será a maneira de usar o telefone que separa Lula e Temer? Minha fonte é muita lúcida. Falando sobre os escândalos que abalaram o Brasil, resumiu: “Fui um conluio de partidos, um conluio da má política com o capitalismo”. Na veia. Nem todos pensam assim.

O grande pensador Gaston Bachelard dizia o que “inconsciente não se civiliza”. Eu, do alto da minha filosofia pedestre, digo que o inconsciente é um território sem mapa. Digo mais: o a corrupção, na política, é um inconsciente que não se civiliza, mas que tem cartografia. É só seguir o dinheiro, como diz Garganta Profunda, no filme Todos os homens do presidente, sobre o caso Watergate, que derrubou Richard Nixon do poder. A geografia da grana acaba com reputações. Leva de hotéis de luxo no exterior a colchonetes em Curitiba. A vida dá muitas voltas.
Algumas deles são sem volta.
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* Escritor. Sociólogo. 
Fonte:  http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2016/10/9194/reflexoes-sobre-o-estilo-temer/
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terça-feira, 25 de outubro de 2016

X, Y e Z, três gerações desiludidas com o futuro do Brasil. Entrevista especial com Ilton Teitelbaum

 Ilton Teitelbaum (Foto: Bernardo Speck | PUCRS)
Ilton Teitelbaum é bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, e mestre em Administração, com ênfase em Marketing pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente leciona na PUCRS.

“Estamos diante de mais uma geração de brasileiros que talvez não veja o Brasil dar certo. Essa é a questão, estamos indo para mais uma geração: a X já não viu, a Y não está vendo e a Z começa a não ver. É esse o desencanto que leva as pessoas a baixar a guarda. Eles olham para trás e veem que a coisa não vai dar certo; portanto, Nelson Rodrigues tinha razão”, diz Ilton Teitelbaum, coordenador da pesquisa “O jovem brasileiro e o futuro do país”, que entrevistou 1.700 jovens brasileiros com idade entre 18 e 34 anos, das classes B e C.

Segundo Teitelbaum, as respostas dos jovens à pesquisa refletem a desilusão e o desencanto que eles sentem em relação ao futuro do país, e as crises política e econômica são “o fator gerador” desse sentimento. “Esses jovens nasceram em uma época sem inflação, na era digital e por isso sonhavam que o Brasil poderia ser uma potência mundial. Como isso não aconteceu, gerou um impacto no pensamento deles, de tal modo que muitos pensam que em 10 anos não gostariam mais de estar no país”, diz. Esse sentimento, pontua, não é apenas geracional, mas diz respeito ao modo como várias gerações têm se sentido em relação à falta de perspectiva no Brasil, e “o fato é que há pouco orgulho em ser brasileiro, muito em função dessas questões políticas e econômicas, dessa instabilidade que sempre nos persegue”, lamenta.

Um dos dados que tem chamado a atenção na pesquisa é que 36% dos entrevistados gostariam de mudar para o exterior. Estados Unidos e Inglaterra destacam-se como os “destinos tradicionais”, mas a novidade “é o fato de os jovens terem interesse pela Alemanha, por ser a Europa que dá certo, e pelo Canadá, por esse ser, talvez, a versão light dos Estados Unidos, uma América menos América, uma América mais europeia”, informa o pesquisador na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line.

Apesar do desapontamento com o futuro, os jovens entrevistados destacam as políticas sociais como algo positivo feito no país nos últimos anos. “Estamos diante de uma geração que cresceu sob as benesses ou a boa influência de políticas de distribuição de renda. Não esqueçamos: Minha Casa Minha Vida, Fies ou ProUni fizeram com que muita gente estudasse. Nesse momento em que a discussão sobre livre mercado saltita para todos os lados, não podemos esquecer que a base da pirâmide foi beneficiada, sim, pelo período que agora se tenta denegrir”, pontua.

Ao comentar o resultado da pesquisa, Teitelbaum frisa que a pergunta que se coloca é: “Será que os jovens mudam o sistema ou o sistema que mudará os jovens? Também terminamos a pesquisa perguntando para onde vamos”. E acrescenta: “Acredita-se que um esforço coletivo é o que levará o Brasil para frente, mas ninguém confia em ninguém. O fato é que ou começamos a trabalhar no sentido de ser, efetivamente, uma nação, ou nosso futuro será muito igual ao passado recente e ao passado mais passado, vamos repetir a mesma coisa, porque o Brasil não consegue se planejar como um país e não consegue se fazer uma nação”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como foi realizada a pesquisa “O jovem brasileiro e o futuro do país”? Qual é o perfil e a idade dos entrevistados?
Ilton Teitelbaum – A pesquisa deste ano, que corresponde à edição futuro, é mais uma edição de um projeto que vem sendo realizado desde 2012, intitulado Projeto 18-34. Iniciamos esse projeto na grande Porto Alegre, a fim de compreender como os jovens se relacionavam com o dinheiro. Na verdade, a origem do Projeto era pesquisar a geração canguru, aqueles jovens que moram com os pais versus aquelas gerações que queriam sair de casa. A pesquisa acabou evoluindo e passou a comparar, dentro da então geração y, os jovens mais novos, que têm entre 18 e 24 anos, e os mais velhos, que têm entre 25 e 34 anos.

Em 2013, o foco da pesquisa foi investigar os sonhos e aspirações desses jovens, e realizamos uma edição nacional da pesquisa sobre consumo, hábitos e lazer dos jovens. As principais aspirações deles eram viajar e conhecer o mundo, depois ser feliz no trabalho e, em terceiro lugar, formar família. Dadas essas informações, ao final dessa pesquisa, surgiu a questão: O que é família para eles? Com isso nasceu a edição de 2015 da pesquisa, que foi o Projeto Família. Ao final desse projeto, surgiu outra grande pergunta: O que será o Brasil na mão dessas pessoas? Foi aí que se teve a ideia de pesquisar o futuro, que é justamente a edição deste ano.

O perfil da pesquisa, portanto, é entrevistar jovens que têm entre 18 e 34 anos, de classes B e C. Trata-se de uma pesquisa de produção regional, segundo o IBGE, e na edição deste ano foram analisados 1.700 questionários.

IHU On-Line - O senhor ficou surpreso com o resultado da pesquisa, já que boa parte dos jovens pretende sair do país? Quais são os dados mais relevantes da pesquisa deste ano?
Ilton Teitelbaum – São três os dados mais importantes: a política adquiriu uma importância para esse público, especialmente por conta da crise política que estamos passando desde 2013; o segundo aspecto diz respeito ao engajamento, pois a grande maioria se sente engajada, mas desconfia do engajamento alheio, desconfia que os outros são “engajados de sofá”, ou seja, só participam pela internet; e o terceiro ponto foi que 40% dos jovens pensam em ir embora do país.
O nosso complexo de vira-lata é endêmico, o Brasil nunca conseguiu se livrar disso desde que o Nelson Rodrigues inventou o termo, em 1950
 
O último dado está relacionado à desilusão, porque essa é a primeira crise para boa parte desses jovens que são da geração Z, que têm entre 18 e 22 anos. Esses jovens nasceram em uma época sem inflação, na era digital e por isso sonhavam que o Brasil poderia ser uma potência mundial. Como isso não aconteceu, gerou um impacto no pensamento deles, de tal modo que muitos pensam que em 10 anos não gostariam mais de estar no país.

O nosso complexo de vira-lata é endêmico, o Brasil nunca conseguiu se livrar disso desde que o Nelson Rodrigues inventou o termo, em 1950, depois da derrota para o Uruguai na Copa do Mundo. E o fato é que há pouco orgulho em ser brasileiro, muito em função dessas questões políticas e econômicas, dessa instabilidade que sempre nos persegue.

IHU On-Line – O senhor compreende esse desencanto e essa desilusão como algo geracional ou momentâneo, por conta da atual situação econômica e política do país, ou como algo que faz parte da história do Brasil, porque não é a primeira vez que gerações sentem essa desilusão? Diria que o resultado da pesquisa teria sido outro no primeiro governo lula, onde havia uma euforia e inclusive uma expectativa de melhoria de vida?
Ilton Teitelbaum – O problema não são as gerações, o problema é o país. Uma geração é um grupo de pessoas que sofre a influência de um ambiente, por isso esses jovens são digitais, por isso eles são ansiosos e por isso alguns deles têm dificuldades de relacionamento. A geração Z está muito mais parecida com a X, que é a minha: são focados em carreira, com alguma ambição, mas os jovens de hoje são extremamente digitalizados e têm dificuldade de se relacionar.

Respondendo a tua pergunta, diria que não é um efeito geracional, mas talvez os jovens de hoje sejam mais deprimidos, tenham mais ansiedade e, portanto, menos resiliência, menos tolerância à frustração, porque vivem em um mundo em que tudo é muito rápido e porque são filhos de gerações que tentaram compensar uma série de coisas dando a eles o que não tiveram. Parte desses jovens representam ¼ de primeiros universitários da família, filhos de gente pobre, em que todo mundo se juntou para tentar fazer com que esse cara estudasse.

Então, não é uma questão de efeito geracional, eles estão tendo, nesse momento, o impacto do país em que se vive. Talvez, por isso, a reação deles em um mundo globalizado, de fronteiras menores, seja a de dizer: “Eu não quero mais ficar aqui”. A minha geração foi para a rua pedir Diretas, a minha geração não foi para a rua com pautas, e eles foram para a rua protestar.
*Uma vez que não há consenso sobre os anos limítrofes de cada geração, a tabela apresenta uma média simples das datas mais comuns, exibindo na legenda concepções mais abrangentes e mais restritas de cada caso. (Fonte: Wikipedia)

IHU On-Line - O senhor diria que o Brasil é um país que oferece poucas condições para que haja melhoria de vida efetiva de geração para geração?
Ilton Teitelbaum – Esse é um problema de países subdesenvolvidos. A Argentina e o Uruguai sofrem a mesma coisa, e basta ver que existem 30 milhões de mexicanos morando nos Estados Unidos, e um Uruguai e meio morando fora do Uruguai. Nos momentos de crise, os argentinos foram embora do seu país. Os argentinos não têm dinheiro dentro do país, e o grande problema da Argentina é que o sistema financeiro não existe, porque eles nunca acreditaram na moeda. O problema, portanto, é de países que nunca conseguem dar certo, e o que estamos vendo é um recorte, nesse momento, dessa geração dizendo: “Agora o mundo está menor, eu estou vendo o problema pelas redes sociais e quero ir para o mundo que dá certo, quero ir para o Canadá”.

IHU On-Line - Canadá, EUA, Reino Unido e Alemanha são os destinos mais citados pelos jovens entrevistados. Eles comentam o que diferencia esses países do Brasil e por quais razões gostariam de morar neles?
Ilton Teitelbaum – Estados Unidos e Inglaterra são destinos absolutamente tradicionais. O que é novo na pesquisa é o fato de os jovens terem interesse pela Alemanha, por ser a Europa que dá certo, e pelo Canadá, por esse ser, talvez, a versão light dos Estados Unidos, uma América menos América, uma América mais europeia. Parece que não é tão fácil assim entrar no Canadá, mas existe uma ilusão de que é mais fácil entrar lá do que nos Estados Unidos.

Depois de tanto tempo estudando gerações, insisto: vivemos muito sob o efeito do ambiente, e as reações também são típicas de quem acabou sendo criado dentro de um ambiente e até preparado para que tudo desse certo. Claro que no primeiro governo Lula, se eu fizesse esse tipo de pesquisa, não daria esse tipo de resultado, mas nós não estamos no primeiro governo Lula, estamos depois da metade do segundo governo da Dilma. Um período em que as coisas não deram certo, que não se fez a transição do Bolsa Família para o Bolsa Empreendedor, que não se investiu em estrutura, não se preparou o Brasil para crescer e, mais do que isso, se descobriu, como diria George Orwell, que “ao fim e ao cabo os porcos todos foram caminhar em dois pés e tomar whisky com os seres humanos”, ou seja, todos ficaram muito parecidos, como mostra A revolução dos bichos.

IHU On-Line – A partir da pesquisa é possível identificar que visão geral esses jovens têm do cenário político e econômico?
Ilton Teitelbaum – A última parte da pesquisa é quantitativa e aparecem contradições: eles dizem que têm planos e que vão arriscar e lutar por eles até o fim, eles acreditam no empreendedorismo, seja no sentido de ser dono do próprio negócio, seja por necessidade de ser empreendedor na própria carreira. Por outro lado, existe um desencanto e aí entra essa salvaguarda de dizer que, se nada der certo, vão embora do país.

A questão política e econômica, nesse caso, não é comentada, ela é o fato gerador de tudo isso que estamos vendo. Mas observamos, pelo que eles manifestaram, que o comportamento deles é muito pautado por 2013. Foi quando, na avaliação deles, o país começou a não dar certo, aí tiraram o governo, colocaram outro que eles nem gostam tanto assim, e a leitura é a de que estamos mais uma vez diante de mais uma geração de brasileiros que talvez não veja o Brasil dar certo. Essa é a questão, estamos indo para mais uma geração: a X já não viu, a Y não está vendo e a Z começa a não ver. É esse o desencanto que leva as pessoas a baixar a guarda. Eles olham para trás e veem que a coisa não vai dar certo; portanto, Nelson Rodrigues tinha razão.

IHU On-Line – O senhor comentou que eles têm simpatia pelo empreendedorismo. Essa é uma geração que apostaria mais no livre mercado ou preferiria que houvesse uma intervenção estatal nos rumos da economia, por exemplo?
Essa é uma geração que ainda é de esquerda e centro-esquerda; não estamos diante de uma geração de liberais
 
Ilton Teitelbaum - Essa é uma geração que ainda é de esquerda e centro-esquerda; não estamos diante de uma geração de liberais. Se olharmos – e perguntamos isso –, ainda tem uma grande maioria que foi forjada em ser de esquerda e ser por esquerda. Tem uma preponderância de mais de 50% de jovens que se consideram de esquerda e centro-esquerda, principalmente por suas experiências de vida, e o desencanto com o PT, não me parece, por enquanto, ter afetado a posição deles. Mas há uma divisão entre eles, de aproximadamente 52% a 48%, que representa, inclusive, a divisão que existe hoje no Brasil.

IHU On-Line - Os jovens que querem sair do país são também de esquerda e centro-esquerda?
Ilton Teitelbaum - Esse cruzamento não foi feito. Segundo os dados, 64% dos jovens dizem que não querem sair do país, mas chama a atenção que 36% querem. Eles ainda estão esperando que as coisas se resolvam, se dispõem a ajudar, mas também dizem que o governo tem que ajudar.

IHU On-Line – Aparece na pesquisa, por exemplo, em relação ao futuro, o que seria uma vida adequada para essa geração em termos de trabalho e renda?
Ilton Teitelbaum – Não. Dessa vez não perguntamos quanto eles querem ganhar. Mas a partir da análise dos dados das edições, posso dizer que estamos diante de uma geração que não almeja ficar rica, mas que quer ganhar o suficiente para ter acesso aos pequenos luxos. O jovem de hoje não é um jovem patrimonialista; ele é despojado, quer ter pequenos luxos ou prazeres e, acima de tudo, poder viver e compartilhar experiências. Com isso, vem a história de viajar e conhecer o mundo.

Alguns anos atrás, talvez hoje isso esteja um pouco mais amenizado, o jovem se dispunha a abrir mão do emprego para poder passar um tempo fora, mas naquela época tínhamos pleno emprego, diferente de hoje. Alguns dizem – eu ainda não trabalhei em cima desses dados – que a geração Z puxa mais para o lado da X. Não sei se isso se confirma em relação ao patrimonialismo também, mas em relação à ambição e ao foco na carreira, sim.

IHU On-Line – Qual é o significado de morar fora do país, para eles?
Ilton Teitelbaum – Morar fora do país vem como um todo, inclusive como oportunidade de continuar estudando. Um dos jovens disse que gostaria de estudar fora do país porque teria mais chances. Ele parou de estudar porque o pai não tinha mais como pagar a faculdade de Direito.

Eles fazem uma comparação entre o que é bom lá e ruim aqui, ou seja, lá eles têm mais distribuição de renda, mais estrutura e mais condições humanas, e aqui só é bom porque o brasileiro é legal; e o melhor do Brasil é o brasileiro. Por outro lado, um ponto destacado por eles são as políticas sociais. Estamos diante de uma geração que cresceu sob as benesses ou a boa influência de políticas de distribuição de renda. Não esqueçamos: Minha Casa Minha Vida, Fies ou ProUni fizeram com que muita gente estudasse. Nesse momento em que a discussão sobre livre mercado saltita para todos os lados, não podemos esquecer que a base da pirâmide foi beneficiada, sim, pelo período que agora se tenta denegrir.

IHU On-Line - Qual a opinião dos jovens em relação ao ProUni?
Ilton Teitelbaum - Quando perguntamos o que tem de bom no Brasil, as políticas sociais são um dos pontos destacados. Eu não sei se eles as veem como algo 100% positivo ou como algo que ainda se salva; eles estão com uma visão muito negativa do Brasil.

IHU On-Line - O que se pode esperar em relação ao futuro do país a partir desses dados, em que boa parte de jovens que poderiam contribuir para o país pensam em deixá-lo?
Ilton Teitelbaum – Terminamos a pesquisa com a seguinte pergunta: será que os jovens mudam o sistema ou o sistema que mudará os jovens? Também terminamos a pesquisa perguntando para onde vamos. Acredita-se que um esforço coletivo é o que levará o Brasil para frente, mas ninguém confia em ninguém. O fato é que ou começamos a trabalhar no sentido de ser, efetivamente, uma nação, ou nosso futuro será muito igual ao passado recente e ao passado mais passado; vamos repetir a mesma coisa, porque o Brasil não consegue se planejar como um país e não consegue se fazer uma nação. Estamos sempre divididos, sempre temos o problema de uma elite que acha que o povo não sabe votar; de um povo que desconfia de uma elite; de uma esquerda que não gosta da direita, de uma direita que não gosta da esquerda. O Brasil faz carnaval junto muito bem, mas temos demonstrado que somos um país em que, na hora que deveríamos nos unir, sempre nos separamos.

IHU On-Line - O que seria fundamental para construir essa ideia de nação que não existe?
Todas as pessoas têm que acreditar um pouco mais que vai dar certo, mas o problema é que ninguém mais está conseguindo acreditar que dará certo
Ilton Teitelbaum – Temos uma crise de confiança, precisaríamos ter um governo que representasse, que demonstrasse um plano, precisaríamos de um empresariado que parasse de achar que tudo que não é ele que faz, está errado, especialmente aqui no Rio Grande do Sul, onde estamos na “república dos caranguejos”. Então, estamos sempre generalizando tudo. O grande ponto seria começar a entender o mundo sob os olhos dos outros, tendo um pouco mais de empatia. Fala-se, fala-se, mas o que vemos é sempre o outro que não presta e eu sou o que faço certo. Vemos os jovens reproduzindo isso.

Eu não tenho a solução, se tivesse, essa seria a resposta de 1 milhão de dólares. Ter um futuro passa por conseguir congregar e ter uma ideia de “pegarmos todos juntos”, só que para isso temos que acreditar no país, no governo. Seja com Estado mínimo ou Estado máximo, o povo precisa acreditar no governo que tem. Confesso, sinceramente, que não sei se tem solução. Já fui muito mais otimista em relação a isso, já peguei várias bandeiras nessa vida, mas cansei um pouco. O mais triste não sou eu; estou olhando pelos olhos dos outros e estou vendo muita gente “baixando o farol”. A expressão é antiga, mas cabe ser usada aqui: uma agenda mais positiva talvez fosse necessária. Todas as pessoas têm que acreditar um pouco mais que vai dar certo, mas o problema é que ninguém mais está conseguindo acreditar que dará certo.
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Fonte:  http://www.ihu.unisinos.br/maisnoticias/noticias/159-entrevistas/561408-x-y-e-z-tres-geracoes-desiludidas-com-o-futuro-do-brasil-entrevista-especial-com-ilton-teitelbaum

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Vivemos em um mundo simulado?

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 Para a autora, a dramaturga Camila Appel, a morte é o próximo tabu --depois do sexo-- a ser quebrado. 
Blog traz informações, entrevistas e o desenvolvimento 
do tema pelas diversas áreas do pensamento.
 
Por Camila Appel
 
O criador do PayPal, Elon Musk, fez uma afirmação polêmica em certa entrevista:“A chance de não vivermos em um mundo simulado por computador é uma em bilhões”. Para minha surpresa, Elon Musk não só pensou e pensa nisso constantemente, como considera a simulação uma probabilidade real.

O Bank of America foi mais longe e afirmou, em comunicado oficial, acreditar haver de 20 a 50% de chance de estarmos vivendo em uma simulação do tipo Matrix. O relatório, enviado a clientes, também diz que, se o mundo for mesmo uma simulação, nós nunca saberemos disso. E aborda a possibilidade dessa simulação ser feita por nossos descendentes.

Esse é o tipo de conversa que temos em um bar com metade da mesa torcendo o nariz para o esquisito que levantou o assunto. Só que Elon Musk vai bem além da figura do adolescente apaixonado pela trilogia Matrix. Ele é um empreendedor visionário, fundador da Tesla Motors – de automóveis elétricos, da XSpace – seu projeto de construção de foguetes reutilizáveis, e da SolarCity – empresa voltada para energia solar. Em 2015 lançou a OpenAI – empresa sem fins lucrativos que se propõe a democratizar o acesso à inteligência artificial.

O homem que inspirou Robert Downey Jr para seu “Homem de Ferro” , construiu um império de 44 bilhões de dólares apostando em uma economia de energia totalmente sustentável, renovável e interplanetária. Recentemente, Musk apresentou seu plano para colonizar Marte a partir de 2024, com o envio de missões tripuladas a bordo de naves da SpaceX e a criação de uma cidade autossustentável no planeta.

Sobre a questão do mundo simulado, Musk justifica seu raciocínio: “Há 40 anos, tínhamos o Pong – dois retângulos e um ponto (o videogame que inaugurou a indústria de games), hoje temos simulações em 3D com milhares de pessoas jogando simultaneamente, e em breve teremos realidade virtual, realidade aumentada… é uma tecnologia que se aprimora a cada ano. Se assumirmos um mínimo de taxa de melhoria no futuro, os games se tornarão indistinguíveis da realidade”.

Seu conceito é estatístico. Se o homem for capaz de criar uma inteligência idêntica a ele mesmo (hipótese da singularidade tecnológica), essa inteligência fará o mesmo reproduzindo milhões de realidade simuladas, uma dentro da outra. A chance de estarmos na realidade original seria muito baixa.

Musk considera provável já estarmos vivendo nessa tipo de imersão, mas obrigatório que ele faça parte do nosso futuro. Ele chegou a dizer: “Há duas opções: ou criaremos um mundo virtual indistinguível da realidade ou a civilização deixará de existir” – se não chegarmos a esse avanço é porque algum evento calamitoso brecou nosso desenvolvimento e nos extinguiu.

Essa discussão encontra aparato acadêmico no campo do transumanismo. O filósofo Nick Bostrom (leiam esse artigo aqui), da Universidade de Oxfort, Inglaterra é um dos grandes nomes da área. Autor do best-seller “Superintelligence: Paths, Dangers, Strategies” (2014), ele defende existir 20% de chance de já estarmos imersos em uma simulação criada por nossos descendentes.

O vídeo abaixo aborda o modelo das três possibilidades para o futuro da humanidade.

Há diversos vídeos no Youtube buscando explicar a teoria do mundo simulado. Separei esse daqui para vocês.

 https://youtu.be/J0KHiiTtt4w

 https://youtu.be/VqULEE7eY8M

Musk já disse, também, que a ausência de notícias de vida fora da Terra é um argumento a favor da simulação. “É como quando você está jogando um game de aventura, você consegue ver as estrelas no fundo mas não consegue alcançá-las”. O Paradoxo Fermi tenta traduzir o conflito entre a alta probabilidade de vida extraterrestre com a falta de evidências.

Outro que trouxe leve credibilidade aos “doidos” da ficção cientifica foi Stephen Hawking. O famoso cientista disse que nosso planeta deve se preparar para uma invasão alienígena.

Um ponto que me chama atenção é imaginarmos alienígenas como uma referência de nós mesmos, como uma projeção humana. Consideramos alienígenas como “um reflexo em um espelho distorcido”, como argumenta esse vídeo aqui. Buscamos sinais de seres que se comportariam como nós, se comunicariam como nós e precisariam dos mesmos nutrientes para sobreviver. Mas “é possível encontrarmos ideias mais criativas de imaginar como alienígenas inteligentes possam existir, ainda que não sejam detectáveis por nós”.
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FONTE: http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/21/vivemos-em-um-mundo-simulado/