sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Amy: mais uma flor que murchou prematuramente

Frei Antônio Moser*

A cobertura dada à morte de Amy Winehouse quase pode ser comparada àquela dada por ocasião da morte da Princesa Diana e de outros vultos que marcaram o imaginário popular. Com uma personalidade tão complexa que ultrapassa qualquer tentativa de compreensão, como muitos observaram, ela teve uma ‘morte anunciada’. Só que, ao contrário de outras mortes anunciadas de pessoas eliminadas por mãos criminosas, ao que tudo indica, ela deu fim à própria vida de maneira progressiva e sistemática.
Mas essa característica não chega a ter traços de originalidade, pois, imediatamente após a morte da cantora, os noticiários se encarregaram de relembrar uma dezena de outros ícones de estranho estilo de vida, que a precederam, mais ou menos na mesma idade e no final de uma trajetória predefinida. Como também não chega a ser original o fato de poucas horas após o anúncio da morte trágica - último capítulo de uma vida também trágica, seus CDs haverem batido recordes de venda.
Diante disso, já é hora de se perguntar sobre o porquê de tanta comoção e exaltação. De alguma forma, a comoção é compreensível, pois faz parte dos contornos de qualquer tragédia. O que fica mais difícil é compreender a exaltação de uma figura que viveu tão estranhamente quanto morreu. Amy não apenas ocupou grandes espaços na mídia, como também os comentários colhidos normalmente assumiam contornos de uma espécie de beatificação laica. Não apenas de uma pessoa, mas, principalmente, de um estilo de vida.
Com certeza, a conjugação de comoção e exaltação já repercute intensamente na mente de um grande número de pessoas que não só trilham caminhos parecidos, como também sonham ter um fim similar. Entre os inúmeros comentários, um chamou a atenção: lá no fundo, Amy, como seus companheiros de ’carreira’ trágica, alimenta o sonho de morrer jovem para permanecer eternamente jovem.
"Num mundo cada vez mais contraditório,
no qual a força das religiões se choca
com um apregoado liberalismo total,
esses fatos deveriam levantar questões de fundo
para entender as razões que movem
 um número crescente de pessoas
que já não desejam viver."
Claro que a vida e a morte de Amy vieram a calhar com as polêmicas no que se refere à liberação das drogas. Sobretudo, com os valores semeados nos mais diversos veículos de comunicação e, não poucas vezes, por meio da voz abalizada de personalidades que, um dia, foram referência de outros valores. Mesmo fugindo a um moralismo fácil, não se pode, fazendo uso do bom senso, deixar de perguntar se a trágica morte de tantos jovens não é um grito desesperado de quem não encontra razões para continuar vivendo numa sociedade que só coloca diante deles o vazio existencial.
Num mundo cada vez mais contraditório, no qual a força das religiões se choca com um apregoado liberalismo total, esses fatos deveriam levantar questões de fundo para entender as razões que movem um número crescente de pessoas que já não desejam viver. Para além das inúmeras contradições sociais, com certeza, temos mais probabilidades de entender a complexidade da vida se centramos nossas buscas no mundo dos valores. Nesse sentido, de acordo com os valores ou contravalores que são cultivados, a vida vai se revelar como marcada de sentido ou vazio existencial, já descrito por Jean-Paul Sartre em suas obras, sobretudo no livro que leva o significativo título A náusea.
Dessa forma, podemos concluir que a vida e morte de Amy, a ‘Severina’ que conquistou status de celebridade que foge à compreensão racional, não foi inútil em meio a tantas outras vidas e mortes inúteis. Sua vida e morte se constituem grito lancinante de que, por estes decantados caminhos, não vale a pena viver e muito menos morrer.
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* Professor de Teologia Moral e Bioética
Fonte: Jornal Online Edição 1160 - 5 a 11 de setembro de 2011
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