sábado, 3 de setembro de 2011

Economia e gratuidade

Bernard Ginisty*
Com o período de férias [de verão europeias] que está prestes a terminar, logo reencontraremos os ritmos de vida mais habituais. A sociedade da mercadoria manifesta claramente as suas convicções profundas. O jogo produção-consumo constitui o ritmo essencial. Não somente produção e consumo de coisas, mas visão de si mesmo como quantidade-mercadoria a ser gerenciada mediante planos de carreira ou, mais prosaicamente, com as esperas na fila dos centros de emprego.
Ao mesmo tempo, a nossa época conhece os tempos da especulação selvagem, em que uma única operação da bolsa pode permitir que se adquira patrimônios que uma vez precisavam do trabalho de vidas inteiras. O fascínio idolátrico pelo reino da mercadoria financeirizada ocultou qualquer outra relação com o tempo, já que – como repetimos – "time is money": "A racionalidade ocidental desdobrou uma economia segundo a qual o tempo deve ser produtivo, útil, rentável. Por isso, dar o próprio tempo, dispensá-lo ou perdê-lo, deixá-lo passar são as únicas maneiras de resistir hoje à economia geral do tempo" (1).
"Só a gratuidade dá sentido à arte
de viver humanamente."
Esse trabalho indispensável de resistência e de invenção de novos paradigmas econômicos foi analisado particularmente por Elena Lasida no seu livro Le goût de l'autre. La crise, une chance pour réinventer le lien (O gosto do outro. A crise, uma oportunidade para reinventar o vínculo). Elena Lasida leciona economia solidária no Institut Catholique de Paris. De origem uruguaia, ela conheceu a emigração e as fronteiras: "A fronteira, a falta e a estrangeiridade – escreve ela – marcaram muito o meu olhar sobre a economia" (2).
Com muita inteligência, ela extrai dos textos bíblicos conceitos como a criação, a aliança, a promessa que esclarecem a economia a partir de uma nova luz e lhe dão novamente toda a sua riqueza existencial: "A economia é um lugar de vida, um lugar em que se aprende a viver, um lugar em que se constrói a própria vida pessoal com a dos outros. A economia (...) nos obriga permanentemente a definir as nossas finalidades e nos ensina a fazer escolhas" (3).
Essa reflexão a leva a repensar a economia não como a multiplicação dos bens de consumo, mas sim como a promoção em cada um de suas próprias capacidades criadoras: "É o fato de participar na criação dos bens, ao invés de beneficiar-se deles, que permite considerar uma vida como verdadeiramente humana. O sentido do desenvolvimento muda assim de objetivo: a melhoria da qualidade de vida não se reduz à capacidade de acesso aos bens, mas se define, ao contrário, pelo aumento da capacidade de cada um de ser criador" (4).
Ora, toda criação é sobretudo uma questão de relação consigo mesmo, com os outros, com o mundo, com a transcendência. Em poucas linhas muito densas, Elena Lasida subverte tranquilamente os dogmas econômicos: "A função da economia não seria, portanto, a de suprimir a falta, mas a de colocá-la em movimento. A sua finalidade não seria a de tornar as pessoas autossuficientes, mas sim interdependentes. O valor que ela cria não seria medido somente pelo uso ou pela troca dos bens, mas sobretudo pelo vínculo que essa circulação produz" (5).
Em 2003, Bernard Maris publicava um Antimanuel d’économie que dedicava assim: "Ao economista desconhecido morto pela guerra econômica, que, por toda a sua vida, explicou magnificamente, no dia seguinte, por que ele havia se equivocado no dia anterior, a todos aqueles, bem vivos, que saboreiam a palavra gratuidade" (6). É muito bom que os economistas nos lembrem que a gratuidade não está restrita a um parênteses de férias, mas sim que só ela dá sentido à arte de viver humanamente.

Notas:
1 – Sylviane Agacinski. Le passeur de temps. Modernité et nostalgie. Éditions du Seuil, 2000, p.12.
2 – Elena Lasida. Le goût de l’autre. La crise, une chance pour réinventer le lien. Éditions Albin Michel, 2011, p.27.
3 – Idem, p. 31-32.
4 – Idem, p. 59.
5 – Idem, p. 169.
6 – Bernard Mariss. Antimanuel d’économie. Éditions Bréal, 2003.
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*Bernard Ginisty, em artigo publicado no sítio francês Garrigues et Sentiers, 28-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 03/09/2011
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