terça-feira, 6 de setembro de 2011

Nasce uma rainha

CLÁUDIO MORENO*

Talvez com certo exagero, Elisabeth Badinter¹ diz que uma boa mãe é tão rara quanto um Mozart. É indiscutível que toda mãe (a maioria, ao menos) cuida muito bem dos filhos e sacrificaria a própria vida para protegê-los, mas não é disso que estamos falando. O problema é aceitar que sua função materna tem um prazo de duração, e que chegará o dia fatal em que terá de deixar que eles escapem de seus braços para se tornar indivíduos autônomos como merecem ser. Para o filho, que é diferente da mãe, esta separação é mais fácil; para a filha, contudo, o processo pode ser bem mais longo e complicado. É difícil fugir desta prisão amorosa, é doloroso cortar este cordão umbilical invisível, mas sem passar por isso a filha não consegue se tornar uma mulher adulta.
Vejam a rainha Vitória, por exemplo, considerada a mulher mais poderosa do século 19. Quando foi coroada, aos dezoito anos, era uma jovem discreta, delicada e esguia como Kate Middleton, a atual namoradinha da corte real inglesa; todavia, durante seu longuíssimo reinado de sessenta anos, o poderio inglês se expandiu de tal maneira pelos quatro cantos do mundo que se podia dizer, sem mentir, que o sol nunca se punha no império britânico.
Órfã de pai, Vitória foi criada sob a supervisão sufocante da mãe, a Duquesa de Kent. Sua infância foi, no dizer dela própria, “bastante melancólica” e praticamente solitária, porque a duquesa, que a mantinha afastada de outras crianças de sua idade, chegava ao cúmulo de proibir que ela entrasse em contato com a família do falecido pai. Embora não fosse a primeira na ordem de sucessão, era submetida a um rigoroso programa de educação que a deixasse pronta para a eventualidade de assumir o trono. Vitória dormia no mesmo quarto que a mãe, tinha professores particulares e passava suas horas de lazer brincando com bonecas e com seu cãozinho de estimação.
Um mês depois de Vitória completar dezoito anos, o rei morreu. Era noite alta quando as autoridades foram acordá-la, ajoelhando-se diante da nova rainha. Ela trocou a camisola de dormir por um vestido discreto e desceu para receber o primeiro-ministro e presidir, com naturalidade e desembaraço, a primeira reunião do Conselho. Ao voltar, travou com a mãe um diálogo decisivo: “Agora, mamãe, já sou a rainha?” “Sim, querida, você é!” “Então espero que atenda a meu primeiro pedido real: deixe-me sozinha por uma hora”. Por uma hora ela ficou ali, com seus pensamentos; depois, ordenou que naquele mesmo instante tirassem sua cama do quarto da mãe. A partir desse dia, deixou bem claro à duquesa que continuava a amá-la como filha, mas não toleraria qualquer intromissão em suas decisões ou em sua vida pessoal. Tinha nascido uma rainha.

Do blog: 1 - Filósofa francesa nascida em 1944, Elisabeth Badinter é uma das vozes mais importantes e controversas do movimento feminista francês.
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* Escritor. Professor. Ensaista brasileiro. Colunista da ZH
Fonte: ZH on line, 06/09/2011
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