Entrevista: Miguel Santos Guerra
Para Miguel Guerra, avaliação determina processo de aprendizagem
(Anderson Schneider)
Professor espanhol, referência em organização escolar, diz que é preciso mudar a concepção do que é avaliação e critica a utilização de provas de diagnóstico na elaboração de rankings
Lecticia Maggi
Autor de 63 livros sobre educação, o espanhol Miguel Santos Guerra, de
62 anos, é referência quando o assunto é organização do sistema de
ensino e avaliação escolar. Uma de suas principais teses é a de que se a
avaliação dos alunos é feita de maneira pobre, a aprendizagem também
será comprometida. Para Guerra, as provas não podem servir apenas para
mensurar o conteúdo absorvido. Elas devem ser, sobretudo, ferramentas
para facilitar a compreensão do conteúdo e melhorar a qualidade do
ensino. Professor da Universidade de Málaga e membro da Comissão de
Avaliação do Sistema de Ensino de Andaluzia, região no extremo Sul da
Espanha, Guerra estará no Brasil no dia 22 de maio. Ele participará da
20ª edição da feira Educar/ Educador, que será realizada na capital
paulista. Em entrevista ao site de VEJA, ele antecipa os tópicos que
serão abordados no evento e ressalta que há algo muito errado na forma
como as avaliações educacionais são conduzidas hoje: "A avaliação é
vista como um sistema de verificação, comparação, classificação,
hierarquização e controle. Na verdade, deveria ser o oposto: um processo
de diálogo, entendimento, aprendizagem, melhoria e motivação".
Qual é importância pedagógica da avaliação? A
avaliação é fundamental, pois determina todo o processo de aprendizagem.
O sucesso só é alcançado por meio de avaliações. Se a avaliação é feita
de maneira pobre, a aprendizagem também o será. Mas é importante
lembrar que avaliação não deve ser somente diagnóstico, e sim uma
estratégia para a compreensão e melhoria da qualidade do ensino. Quando
bem utilizada, é capaz de tornar os alunos mais competentes, bem como
auxiliar os professores a ensinar melhor.
De que forma uma avaliação pobre pode acarretar em uma aprendizagem pobre? Por exemplo: se um professor avaliar o aluno aplicando provas de memorização, o aprendizado também será de memorização. Se a avaliação for feita por meio de testes objetivos, a aprendizagem se encaminhará nesse sentido. Ou seja, para ter êxito nas provas, o aluno vai se esforçar para lembrar-se de fatos, datas e nomes que, na grande maioria das vezes, aparecem descontextualizados. No entanto, se a avaliação consistir na elaboração de projetos e pesquisas, análise de informações e resolução de problemas, todo o aprendizado também será direcionado para esses fins. Em uma sala de aula, diversas habilidades são incitadas nos alunos, tais como memorização, compreensão de fenômenos e fatos, além de estímulo à análise, criação e comparação. É consenso que algumas dessas tarefas exigem mais intelectualmente do que outras. Mas, nas avaliações, quais são as mais cobradas? As de menor potencial intelectual, como a memorização.
De que forma uma avaliação pobre pode acarretar em uma aprendizagem pobre? Por exemplo: se um professor avaliar o aluno aplicando provas de memorização, o aprendizado também será de memorização. Se a avaliação for feita por meio de testes objetivos, a aprendizagem se encaminhará nesse sentido. Ou seja, para ter êxito nas provas, o aluno vai se esforçar para lembrar-se de fatos, datas e nomes que, na grande maioria das vezes, aparecem descontextualizados. No entanto, se a avaliação consistir na elaboração de projetos e pesquisas, análise de informações e resolução de problemas, todo o aprendizado também será direcionado para esses fins. Em uma sala de aula, diversas habilidades são incitadas nos alunos, tais como memorização, compreensão de fenômenos e fatos, além de estímulo à análise, criação e comparação. É consenso que algumas dessas tarefas exigem mais intelectualmente do que outras. Mas, nas avaliações, quais são as mais cobradas? As de menor potencial intelectual, como a memorização.
Como deve ser uma boa avaliação? A avaliação ideal
deve agregar uma série de características. São elas: qualitativa, mais
voltada à compreensão do aprendizado dos alunos, do que à sua medição;
processual, que não verifica somente os resultados do processo de
aprendizagem, mas também os meios utilizados para se chegar a eles;
continuada, que é realizada ao longo do processo de ensino e não apenas
no final da etapa de aprendizagem; e rica e diversificada, ou seja, que
não prioriza tarefas intelectuais pobres, como a memorização. Testes de
múltipla escolha devem ser evitados também, já que não permitem ao aluno
discutir, analisar ou mesmo expor seu ponto de vista sobre o assunto em
questão. A avaliação não pode servir como ferramenta para desanimar ou
constranger a escola que obtiver um desempenho ruim. Ao contrário,
precisa ser utilizada para incentivá-la a progredir e sanar suas
deficiências.
Para mudar o sistema de ensino é preciso primeiro mudanças no sistema de avaliação? Melhorar a avaliação é uma maneira muito interessante de melhorar o ensino e a aprendizagem. Não estou dizendo que é a única, mas é um das mais importantes. O bom uso da avaliação – quando serve para identificar desafios e é apresentada como um mecanismo de transformação e não de controle – auxilia tanto alunos, como professores.
Para mudar o sistema de ensino é preciso primeiro mudanças no sistema de avaliação? Melhorar a avaliação é uma maneira muito interessante de melhorar o ensino e a aprendizagem. Não estou dizendo que é a única, mas é um das mais importantes. O bom uso da avaliação – quando serve para identificar desafios e é apresentada como um mecanismo de transformação e não de controle – auxilia tanto alunos, como professores.
No Brasil, o Enem se propõe a avaliar o ensino médio, servir como vestibular de instituições públicas de ensino superior e ainda produzir ranking das escolas. É adequado uma prova de avaliação servir para a comparação de escolas? Não,
é uma injustiça. Os rankings de avaliação comparam o que é
incomparável, confrontando situações que, de partida, são muito
distintas. E nada é mais injusto do que tratar como iguais aqueles que
são diferentes. Por exemplo: se eu aplicar uma prova de ingresso e
selecionar apenas os melhores estudantes para compor meu quadro
discente, posso ter um ótimo desempenho em uma avaliação externa, mas
que se deve à seleção dos alunos e não reflete o trabalho pedagógico
desenvolvido pela escola. Por isso, defendo que as instituições invistam
também em processos de autoavaliação, para que cada unidade tenha
ciência dos seus pontos fortes e problemas. Outro ponto negativo desses
rankings é que eles conduzem à competividade e não à melhoria do ensino
em si. O objetivo da escola passa a ser o de superar outra instituição e
não o de assegurar que cada um de seus alunos tenha a maior evolução
possível, levando em conta suas condições. Este tipo de avaliação acaba
se convertendo em um fim (ganhar posições em uma escala) e não em um
meio para avançar, que é o que buscamos.
Quais são as deficiências das avaliações atuais?
Há muita coisa errada, mas em suma posso dizer que o problema encontra-se na concepção do que é avaliação. Ela é comumente vista como um sistema de verificação, comparação, classificação, hierarquização e controle, quando, na verdade, deveria ser um processo de diálogo, entendimento, aprendizagem, melhoria e motivação.
Quais são as deficiências das avaliações atuais?
Há muita coisa errada, mas em suma posso dizer que o problema encontra-se na concepção do que é avaliação. Ela é comumente vista como um sistema de verificação, comparação, classificação, hierarquização e controle, quando, na verdade, deveria ser um processo de diálogo, entendimento, aprendizagem, melhoria e motivação.
Como corrigir essa visão deturpada? A boa avaliação
depende menos de recursos financeiros e mais da capacidade e compromisso
dos professores. Não podemos esquecer que a peça fundamental de
melhoria do sistema educacional é o professor. Isso faz com que seja
decisivo, em primeiro lugar, ter um bom processo de seleção e
capacitação desses profissionais. O caminho está nas mãos deles, que
precisam repensar suas concepções, atitudes e práticas. Não há uma regra
única de como se fazer isso. Nas palestras que dou costumo propor 10
ações para serem adotadas pelos docentes, que refletem a minha visão de
como iniciar um processo de melhoria das avaliações. Os três primeiros
passos são: questionar constantemente o próprio trabalho, pensando de
que maneira ele poderia ser aprimorado; compartilhar as perguntas que
faz a si mesmo com os colegas, visto que o objetivo não é melhorar o
método de avaliação utilizado por um professor isoladamente, mas o da
rede como um todo; depois, pesquisar com rigor respostas para as dúvidas
que se tem sobre o processo de diagnóstico dos alunos – não valem
ideias baseadas em suposições ou intuições. Os próximos três
procedimentos são: compreender o que está sendo feito de errado na sala
de aula; decidir que é preciso corrigir tais deficiências; e escrever
sobre esse processo de investigação. Creio que fazer relatórios sobre a
prática da avaliação ajuda a enxergar a situação com mais clareza e
facilita a estruturação de um projeto de mudança. Em seguida, é preciso
compartilhar esses relatórios com os colegas de magistério. Espera-se
que a leitura do material incite-os a seguir pelo mesmo caminho. As três
últimas ações são: estimular a discussão entre os professores sobre o
sucesso e fracasso das metodologias pesquisadas; comprometer-se com as
mudanças; e, por fim, exigir de si mesmo e dos outros que elas de fato
se concretizem. São tarefas que exigem coragem e muita persevarança. A
educação de uma criança, é importante frisar, não é responsabilidade
apenas da instituição de ensino em que ela está matriculada, é
compromisso também dos pais e da sociedade em geral. Somos todos
responsáveis.
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Fonte:http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/avaliacao-pobre-conduz-a-aprendizagem-pobre
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