Maria Alice Setubal*
Como diz Marina Silva, precisamos democratizar a democracia por meio de processos que contribuam para
a formação de valores
Na área da educação, as diferentes crises da sociedade contemporânea se expressam por duas contradições básicas.
De um lado, a necessidade de um conhecimento complexo e multidimensional
aliado a uma urgência por valores pautados pela preservação de bens
naturais, materiais e imateriais, ao mesmo tempo em que orientem para o
futuro.
De outro lado, ainda vivemos a exaltação do superficialismo,
pasteurização e espetacularização dos modos de vida, agravados pelo
imediatismo, individualismo e consumismo exacerbado incentivado pelos
próprios governos.
Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, afirma que a realidade social não
pode ser reduzida a um agregado de indivíduos guiados por normas e
desejos privados, pois a soma dos êxitos individuais não necessariamente
se transforma em promoção coletiva.
A sociedade estabelece um padrão de felicidade baseado no consumo que,
embora teoricamente esteja ao alcance de todos, a maioria é incapaz de
obter.
Assim, as desigualdades de renda aumentam e geram desigualdades --tanto
regionais como em relação a grupos étnicos, mulheres e jovens. Ou ainda
desigualdades educacionais como as diferenças no acesso à produção e
fruição cultural e a falta de condições adequadas dos ambientes
domésticos, que impactam em piores resultados na aprendizagem dos
alunos.
A dominância de um modelo baseado na igualdade de oportunidades em
função do mérito sem combater as desigualdades sociais daí decorrentes
pressupõe que as desigualdades de renda, hereditárias, culturais e
educacionais têm pouco peso na organização da sociedade. E pressupõe que
as iniquidades são justas, uma vez que as oportunidades estão abertas a
todos numa competição equitativa.
As desigualdades acabam por corroer a confiança e o tecido social e
geram relações tensas, agressivas, maiores taxas de criminalidade e
piores índices sociais e educacionais. Criam-se guetos segregados tanto
das populações de alta renda encasteladas em condomínios fechados, como
das populações de alta vulnerabilidade social apartadas em periferias ou
favelas. Como escreveu André Lara Resende, as pessoas são mais felizes
em uma sociedade mais equânime, pois altas taxas de desigualdade reduz o
bem-estar de todos.
A educação tem um papel fundamental na reversão desse cenário, não só
como uma saída da pobreza, mas, sobretudo, para formar nossas crianças e
jovens dentro dos novos parâmetros e valores da sustentabilidade.
Parâmetros que priorizem o bem-estar social de indivíduos e grupos
aliado à preservação e cuidado com o ambiente e com uma ética de
responsabilidade pessoal e social em relação ao futuro sustentável das
próximas gerações.
A escola como o primeiro espaço público de socialização das crianças
pode dar as condições para construção de valores e conhecimentos
contextualizados que possibilitem a participação exigida pela sociedade
contemporânea.
Como diz Marina Silva, precisamos democratizar a democracia por meio de
processos participativos que contribuam para formação de valores e troca
de informações. Assim poderemos construir uma massa crítica capaz de
tomar decisões mais reflexivas e conscientes.
A sociedade contemporânea exige a construção de um espaço público em que
se respeite a singularidade e a potencialidade das pessoas para se
alcançar o bem-estar individual e coletivo. Tornar a vida uma obra de
arte, como enfatiza Bauman, é reconhecer a dignidade de todos os seres
humanos numa contínua interação entre interesses, direitos e deveres
individuais e coletivos, privados e comunais.
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*MARIA ALICE SETUBAL, doutora em psicologia da educação pela
Pontifícia Universidade Católica de SP, é presidente dos conselhos do
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
(Cenpec) e da Fundação Tide Setubal
Fonte: Folha on line, 04/06/2013
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