Martha Medeiros*
Dos seis aos 11 anos, morei num apartamento onde havia
um único telefone, localizado em um nicho da parede do corredor. Ele era
preto, e o nicho era alto, eu não conseguia discar sozinha sem a ajuda
de um adulto, mas isso não chegava a ser um grande problema porque
naquela idade eu não fazia nem recebia tantas ligações assim pra falar a
verdade, quase nenhuma.
Até aqui, nesse primeiro parágrafo, já devo ter deixado alguns adolescentes perplexos. Um único telefone na casa? Para uso coletivo? Preso a uma parede? E você não recebia muitas ligações? Coitada, deve ter sido megatraumático!
Depois dos 11 anos, mudei para outro apartamento com a família. Também só havia um telefone, no corredor, preso à parede por um fio, porém ao menos este ficava em cima de uma mesinha baixa. O problema é que vivi nesse apartamento até os 24 anos, ou seja, uma época em que eu recebia um número significativo de ligações das amigas, de namorados, de colegas de trabalho. Tudo era discutido no corredor, para quem quisesse ouvir. Uma lavanderia.
É bem verdade que, por volta dos 20, meus pais trouxeram do Exterior um aparelho de telefone sem fio, o que já facilitou bastante a vida de todos, era o primeiro passo rumo à privacidade, mas só funcionava dentro de casa – na rua, não pegava. Antes disso, repito: era um único telefone para a família toda. Sem subterfúgios: não havia torpedos, e-mails, nenhum outro jeito de se comunicar com o mundo que não fosse pelo telefone, aquele, o do corredor.
Bom, ninguém impedia que cartas fossem escritas. O correio era bem ágil naquela época.
Na prática, funcionava desse modo: trimmmmm. Alguém atendia. E depois se ouvia um grito: “Martha, é pra ti, um tal de Breno”!
“Um tal de” revelava que quem tinha atendido estava fingindo não dar importância ao fato de que, sendo um homem do outro lado da linha, havia esperança: talvez eu desencalhasse. O grito no corredor entregava que eu estava em casa, só que eu não queria falar com o tal Breno, ao menos não na frente do pai, da mãe, do irmão e da empregada.
“Alô”. Enquanto eu dizia alô, todos evaporavam ao redor, muito educados. Seria perfeito se vivêssemos num castelo com 23 quartos e oito salas, o que não era o caso. “Não, não posso ir ao cinema no sábado, é aniversário da minha avó”.
“Martha, tua avó só faz aniversário em dezembro!!” Essa era minha mãe, que jurava de pés juntos que não escutava nada, nadinha.
“Não, Breno, na outra semana também não vai dar, tenho prova todos os dias no colégio”.
“Vai ficar pra tia, depois não diz que não avisei!” Essa era a empregada.
Nem sempre dava tempo de tapar o bocal do telefone com a mão, para a criatura do outro lado não ouvir os comentários da torcida.
“Se não vai sair com esse pateta, desliga de uma vez que estou esperando o Ayrton ligar para confirmar o jogo”. Esse era meu irmão saindo do banheiro.
“Não, Breno, imagina. Pateta é o nome do cachorro aqui de casa”.
Crianças, vocês não imaginam como era divertido viver na idade da pedra.
Até aqui, nesse primeiro parágrafo, já devo ter deixado alguns adolescentes perplexos. Um único telefone na casa? Para uso coletivo? Preso a uma parede? E você não recebia muitas ligações? Coitada, deve ter sido megatraumático!
Depois dos 11 anos, mudei para outro apartamento com a família. Também só havia um telefone, no corredor, preso à parede por um fio, porém ao menos este ficava em cima de uma mesinha baixa. O problema é que vivi nesse apartamento até os 24 anos, ou seja, uma época em que eu recebia um número significativo de ligações das amigas, de namorados, de colegas de trabalho. Tudo era discutido no corredor, para quem quisesse ouvir. Uma lavanderia.
É bem verdade que, por volta dos 20, meus pais trouxeram do Exterior um aparelho de telefone sem fio, o que já facilitou bastante a vida de todos, era o primeiro passo rumo à privacidade, mas só funcionava dentro de casa – na rua, não pegava. Antes disso, repito: era um único telefone para a família toda. Sem subterfúgios: não havia torpedos, e-mails, nenhum outro jeito de se comunicar com o mundo que não fosse pelo telefone, aquele, o do corredor.
Bom, ninguém impedia que cartas fossem escritas. O correio era bem ágil naquela época.
Na prática, funcionava desse modo: trimmmmm. Alguém atendia. E depois se ouvia um grito: “Martha, é pra ti, um tal de Breno”!
“Um tal de” revelava que quem tinha atendido estava fingindo não dar importância ao fato de que, sendo um homem do outro lado da linha, havia esperança: talvez eu desencalhasse. O grito no corredor entregava que eu estava em casa, só que eu não queria falar com o tal Breno, ao menos não na frente do pai, da mãe, do irmão e da empregada.
“Alô”. Enquanto eu dizia alô, todos evaporavam ao redor, muito educados. Seria perfeito se vivêssemos num castelo com 23 quartos e oito salas, o que não era o caso. “Não, não posso ir ao cinema no sábado, é aniversário da minha avó”.
“Martha, tua avó só faz aniversário em dezembro!!” Essa era minha mãe, que jurava de pés juntos que não escutava nada, nadinha.
“Não, Breno, na outra semana também não vai dar, tenho prova todos os dias no colégio”.
“Vai ficar pra tia, depois não diz que não avisei!” Essa era a empregada.
Nem sempre dava tempo de tapar o bocal do telefone com a mão, para a criatura do outro lado não ouvir os comentários da torcida.
“Se não vai sair com esse pateta, desliga de uma vez que estou esperando o Ayrton ligar para confirmar o jogo”. Esse era meu irmão saindo do banheiro.
“Não, Breno, imagina. Pateta é o nome do cachorro aqui de casa”.
Crianças, vocês não imaginam como era divertido viver na idade da pedra.
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* Escritora. Cronista da ZH'
Fonte: ZH on line, 09/06/2013
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