quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A felicidade, que piada!

Mario Vargas Llosa *

 

Li em alguma parte que, segundo uma pesquisa realizada no mundo inteiro, a Dinamarca era o país mais feliz do planeta. Eu pretendia escrever esta coluna tomando emprestado o título de um livro de contos do meu amigo Alfredo Bryce perfeito para o que eu desejava, ou seja, colocar em ridículo a pesquisa, quando ocorreu em Copenhague o duplo atentado jihadista que custou a vida de dois dinamarqueses – um cineasta e um segurança judeu de uma sinagoga – e feriu três policiais.

Que maior prova de que não há, não houve e nunca haverá “países felizes”? A felicidade não é coletiva, mas individual e privada. O que torna feliz uma pessoa pode deixar infelizes muitas outras e vice-versa. E a história recente está repleta de exemplos que demonstram que todas as tentativas para criar sociedades felizes – trazendo o paraíso para a terra – originaram verdadeiros infernos. Os governos devem ter como objetivo garantir liberdade e justiça, educação e saúde, criar igualdade de oportunidades, mobilidade social, reduzir ao mínimo a corrupção, mas não se imiscuir em assuntos como felicidade, vocação, amor, salvação ou crenças, que são de domínio privado e onde se manifesta a venturosa diversidade humana, que deve ser respeitada, pois todas as tentativas de regulamentá-la sempre foram fonte de infortúnio e frustração.

Todas as grandes conquistas da democracia, do pluralismo político e a igualdade entre homens e mulheres, até o direito de crítica que inclui o da irreverência, é claro, terão selada sua sentença de morte
 
A Dinamarca é um dos países mais civilizados do mundo em razão do funcionamento exemplar da sua democracia. Basta ver a magnífica série de TV Borgen para comprovar isso – por sua prosperidade, sua cultura, porque as distâncias que separam os que têm muito e os que têm pouco não são tão vertiginosas como, digamos, na Espanha ou no Peru. E porque até agora pelo menos, suas políticas com relação aos imigrantes, empenhando-se para integrá-los e ao mesmo tempo respeitando seus hábitos e crenças, são as mais avançadas – embora, por infelicidade, tenham tão pouco êxito como as adotadas por outros países europeus. Mas a felicidade ou infelicidade dos dinamarqueses está fora do alcance das medições superficiais e genéricas das estatísticas; seria necessário averiguar a fundo em cada um dos lares desse belo país e, provavelmente, o resultado dessa exploração impertinente da intimidade dinamarquesa indicará que os níveis de felicidade, satisfação, frustração ou desespero nessa sociedade são tão variados e de matizes tão diversos que toda generalização é arbitrária e enganosa. Por outro lado, basta inspecionar as manifestações de dor, perplexidade, angústia e confusão dos dinamarqueses face ao último atentado terrorista para perceber como, similarmente a todos os outros países, dos mais ricos aos mais pobres, dos mais livres aos mais oprimidos, também na Dinamarca a segurança hoje é precária e ninguém está livre de ser assassinado – ou decapitado – pela onda de fanatismo que continua se propagando pelo mundo, da mesma maneira que as pestes na Idade Média pareciam cair sobre os homens como castigos divinos.

O terrorista, Omar Abdel Hamid al-Hussein, um jovem de 22 anos de origem palestina, mas nascido e educado na Dinamarca, não era, segundo professores e amigos, um marginal semianalfabeto cheio de ressentimentos para com a sociedade da qual se sentia excluído.

Mas – algo que não é raro entre os últimos jihadistas europeus – inteligente, estudioso, amável e com “vontade de servir aos outros”, de acordo com um dos seus conhecidos. Contudo, participou de quadrilhas e esteve na prisão por roubo e outros tipos de violência. Em algum momento essa “boa pessoa” se tornou delinquente e fanático.

Antes de cometer seus crimes postou vídeos de propaganda do Estado Islâmico, provavelmente nos mesmos dias em que o EI decapitou 21 cristãos coptas egípcios apenas pelo crime de não serem muçulmanos, filmando a façanha com uma abundância perversa de detalhes e com ferozes prédicas antissemitas. Tudo indica que sem o valente Dan Uzan, que impediu a sua entrada em troca da própria vida, o terrorista teria cometido na sinagoga, onde se celebrava um bar mitzvah, um massacre descomunal.

Seu primeiro objetivo, quando atacou o centro cultural onde foi interceptado pelos três guardas feridos, era Lars Vilks, caricaturista sueco (a Suécia, como a Dinamarca, é um dos outros países mais civilizados, democráticos e prósperos do mundo) que os radicais islâmicos perseguem ferozmente desde que, em 2007, ele fez uma exposição de seu trabalho em que o profeta Maomé aparecia com o corpo de um cão. Homem tranquilo, nada provocador, Lars Vilks explicou que não criou aquelas caricaturas com intenção de ofender crenças religiosas, mas para exercer uma liberdade, considerando a irreverência e o humor cáustico direitos irrenunciáveis. O que tem lhe custado caro: já foi vítima de dois atentados, sua casa foi incendiada, necessita ser protegido por uma escolta do governo sueco 24 horas por dia e a Al-Qaeda ofereceu um prêmio de US$ 100 mil a quem o matar (e US$ 50 mil para quem degolar Ulf Johansson, editor que publicou as caricaturas).

O caso de Lars Vilks é interessante, pois mostra as ambições ecumênicas do fanatismo islâmico: ele não pretende apenas restaurar o fundamentalismo primitivo da sua religião entre os fiéis, mas intervir nos espaços onde o Islã não existe ou é minoritário, com o objetivo de submetê-lo às mesmas proibições e tabus obscurantistas.

O Ocidente democrático e liberal, que deixou de considerar a mulher um ser inferior e um objeto nas mãos do homem, que separou a religião do Estado, que respeita a crítica e a dissidência e pratica a tolerância e a coexistência na diversidade, é seu inimigo e um objetivo cada vez mais frequente de suas operações sanguinárias.

É óbvio que essa ameaça não terá êxito nem destruirá o Ocidente. O perigo é que, por prudência ou também por convicção, alguns governos ocidentais comecem a fazer concessões, estabelecendo limites à liberdade de expressão e de crítica, argumentando que os costumes e as crenças do outro devem ser respeitados (mesmo ao custo de ter de renunciar às próprias?). Se esse critério acabar prevalecendo, os fanáticos islâmicos sairão vitoriosos e a cultura da liberdade entrará num processo que culminará no seu desaparecimento.

Nessa trajetória, todas as grandes conquistas da democracia, do pluralismo político e a igualdade entre homens e mulheres, até o direito de crítica que inclui o da irreverência, é claro, terão selada sua sentença de morte. Em alguns lugares da Europa já tem sido admitido o uso do véu islâmico, símbolo flagrante da humilhação e da discriminação da qual a mulher é vítima em alguns países muçulmanos, e a existência de piscinas públicas separadas por sexo, com argumentos que poderão chegar à loucura de tolerar os matrimônios pactuados pelos pais e até a castração das adolescentes para garantir sua virtude.

Qualquer concessão nesse campo não servirá para matar a sede dos fanáticos; pelo contrário, eles se tornarão mais ousados e convencidos de que o inimigo está retrocedendo, que tem medo e já se sente derrotado.

A primeira ministra dinamarquesa, Helle Thorning-Schmidt, na homenagem que prestou a seus compatriotas assassinados pelo jihadista dinamarquês, lembrou que as maiores vítimas do fanatismo islâmico são os próprios muçulmanos, que os jihadistas assassinam e torturam aos milhares no Oriente Médio e na África. É preciso ter isso em mente e saber que é por esse motivo que os europeus, como Lars Vilks, enfrentam com coragem o desafio do terror e lutam para salvar da barbárie não só a Europa e o Ocidente, mas a humanidade inteira.
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* Escritor  peruano. Nobel de Literatura/2010. Jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/2/2015
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Mendigo foi enterrado no Cemitério Teutônico

 Resultado de imagem para Mendigo Willy Herteleer

O sem-teto que vivia nos arredores do Vaticano dizia: "Meu remédio está na comunhão"

Willy Herteleer, flamengo, mendigo por anos na região da Basílica de São Pedro, foi enterrado no Cemitério Teutônico, localizado dentro do Vaticano. Vindo da Holanda cerca de 30 anos atrás, ele perdeu o emprego e vivia em condições precárias.

O fato não teria relevância se não fosse por este cemitério, originalmente destinado para os peregrinos que chegavam do norte da Europa e morriam em Roma, através dos séculos ter sido destinado a aristocráticas, nobres e cavaleiros teutônicos.

Herteleer era muito conhecido, particularmente na igreja de Santa Ana, localizada em uma das entradas do Vaticano, onde ele ia à missa todos os dias. "Meu remédio é a comunhão" era uma de suas frases favoritas. E convidava os jovens para ir à missa e confessar.

Herteleer morreu em 12 de dezembro no hospital romano Santo Spirito, e no dia 09 de janeiro houve a cerimonia no Cemitério Teutônico presidida por Mons. Amerigo Ciani. Na verdade, Ciani, que tem como passatempo a pintura, e retratou o mendigo por duas vezes, foi quem percebeu a ausência do flamengo. Ele foi informado que o corpo estava no IML e providenciou o enterro no Vaticano.

O número dois da Sala de Imprensa da Santa Sé, questionado por ZENIT, informou que este homem tinha sido encontrado em um lar de idosos no bairro Tuscolano, mas ele quis voltar para a região do Vaticano para converter os outros mendigos que moravam lá. Ele costumava dormir no túnel do estacionamento junto com outros oito desabrigados.

No presépio que a cada ano é montado na Igreja de Santa Ana, neste Natal, quiseram representa-lo. Ele está a direita, estendendo sua mão.
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Fonte: Zenit.org.
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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

QUARESMA

João Sayad*
 
"A educação é importante porque aumenta a empregabilidade, a produtividade, a renda, as exportações e reduz a violência. O ensino técnico explodiu em São Paulo e no Brasil. Formamos encanadores, torneiros mecânicos, cabeleireiros especializados em tintura, em rastafari etc. Mas têm aulas de história? De literatura, música ou de cinema? Ensina a 
se comportar na rua?"

"A solução é a educação? - pergunta o ex-ministro. A União Soviética e a Rússia que a sucedeu tem o maior contingente de cientistas em ciências exatas, matemática, física, química, grandes escritores, dramaturgos e poetas. E continua a Rússia, muito distante dos Estados Unidos e da Europa, pouquíssimo democrática, belicosa e preocupada com o Império Russo e um passado militar glorioso. E onde os russos passam frio e sentem fome. Por que a Rússia não deu certo?"

Eis o artigo.

O leitor me desculpe, mas esse artigo é arrogante e pessimista. É sobre o Brasil, suas mazelas econômicas, as cidades feias, as ruas estreitas e sujas, a corrupção, o cinema, a arquitetura e os debates que ocupam as páginas de todos os jornais. Estamos na Quaresma, tempo de penitência, jejum e reflexão.

Uma parte do sentimento de luto vem da propaganda eleitoral. Foram dois meses de louvor e glória ao Brasil e aos brasileiros "guerreiros" (influência dos livros de autoajuda?), os pobres comprando casa própria, estudando na universidade no Brasil e depois no exterior e tantas outras coisas boas. O Brasil da propaganda ficou tão longe do que apareceu depois - violência, falta de água, de energia elétrica, corrupção, os preços baixos do petróleo e o desaparecimento da dinheirama do pré-sal que seria usada em educação e saúde. A propaganda eleitoral sublinhou involuntariamente a tristeza do país depois das eleições.

Já se disse que o luto, o sofrimento da perda, é a condição necessária para a manutenção da saúde mental.
 
A propaganda eleitoral sublinhou involuntariamente 
a tristeza do país depois das eleições

Devemos ser gratos à propaganda eleitoral e à histeria do carnaval, com músicas sem graça e alegria injustificada. A propaganda eleitoral transformou todos os brasileiros em parentes desolados e surpresos pela morte súbita de alguém querido e saudável que de repente foi levado desta para outra vida por um assaltante drogado; por um ônibus queimado; por um motorista bêbado ou pela queda de uma árvore. Uma morte inesperada, o luto mais doloroso, mais longo e por isto mesmo, mais produtivo.

Por que o Brasil é tão pequeno? Tão pobre? Tão voltado para o próprio umbigo - mais Estado ou mais mercado? mais punição ou mais corrupção? ciclovias? mais desmatamento ou mais água? por que tanta violência?

A Riqueza das Nações apresenta uma explicação. A riqueza de um país depende do tamanho do mercado e da divisão do trabalho que ela propicia. Mas fomos sempre especializados - em pau-brasil, cana-de-açucar, ouro, café, agricultura de alto rendimento. O Brasil é um país rico. Mas continuamos pobres e pequenos.

A solução é a educação? A União Soviética e a Rússia que a sucedeu tem o maior contingente de cientistas em ciências exatas, matemática, física, química, grandes escritores, dramaturgos e poetas. E continua a Rússia, muito distante dos Estados Unidos e da Europa, pouquíssimo democrática, belicosa e preocupada com o Império Russo e um passado militar glorioso. E onde os russos passam frio e sentem fome. Por que a Rússia não deu certo?

A educação se tornou uma grande prioridade. A população em idade escolar está matriculada, as matrículas no ensino superior explodiram e não há discurso no país que não diga que educação é a prioridade.

Mas é um discurso economicista. A educação é importante porque aumenta a empregabilidade, a produtividade, a renda, as exportações e reduz a violência. O ensino técnico explodiu em São Paulo e no Brasil. Formamos encanadores, torneiros mecânicos, cabeleireiros especializados em tintura, em rastafari etc. Mas têm aulas de história? De literatura, música ou de cinema? Ensina a se comportar na rua?

E o debate é sobre ensino gratuito ou pago. Nos anos 60, Theodore Schultz criou o conceito de capital humano - o aluno deixa de ganhar uma renda maior agora, ficando na escola, e recebe com juros e dividendos uma renda maior no futuro porque estudou. Se a educação aumenta o capital humano do aluno, ele deve pagar por isto.

Será? O cidadão educado obtém um capital privado (o que pode ganhar a mais) e um capital público (o que aumenta sua produtividade, mas não aumenta o seu salário). Oswaldo Cruz, Emílio Ribas, Cesar Lattes, Antonio Cândido, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Celso Furtado, Mario Simonsen, Delfim Netto, o educador Paulo Freire e Luis Gama, Castro Alves e Olavo Bilac que estudaram na São Francisco (seria grátis naquela época?) conseguiriam ter pago pela sua educação? Receber salários maiores que os salários dos não educados justificaria a cobrança? Ou eles produziram muito mais para o país, um bem público, do que para si mesmo?

Educar vem de conduzir. Vamos conduzir os brasileiros para onde e para fazer o que? Vamos ensinar como trabalhar com planilhas Excel? Os problemas do mundo se resumem a problemas econômicos? Vamos ensiná-los sobre as desigualdades e injustiças do mundo e treiná-los em retórica e guerrilha urbana? Destruir o que aí está sem saber o que colocar no lugar? Ou vamos dar pelo menos algumas aulas sobre os clássicos - Dante, Shakespeare, Drummond e ensiná-los sobre culpa, ética, vaidade, orgulho, honra, a inveja - que dilacera os brasileiros - nossa humanidade e o sentido da vida?

Há uma outra explicação para a riqueza das nações - de James Robinson e Daron Acemoglu no livro "Por que as nações falham?" O país rico é rico porque oferece livre acesso ou oportunidades iguais para todos. Não é a educação, ou o mercado, mas a livre entrada - a facilidade para explorar uma invenção, para entrar na universidade, para produzir uma obra de arte, a liberdade enfim.

Não sei explicar: por que as obras não ficam prontas; por que as escolas não funcionam bem; por que as ruas são sujas e estreitas, por que falta água e energia. Por que as praias mais lindas se tornam as praias mais feias com tantos prédios e quiosques espalhando cheiro de fritura? Por que o cinema brasileiro é menos interessante que o argentino? Por que as casas dos ricos que podem contratar arquitetos são mais feias do que as casas dos ricos dos países ricos, apesar do Rino Levi, do Niemeyer e do Paulo Mendes da Rocha? Porque os prédios são feios? Por que?

Podemos encontrar uma explicação para cada problema. Mas são tantos problemas - será que existe uma explicação comum para tantas frustrações? Será culpa do patrimonialismo do Raymundo Faoro? Da dependência externa do Celso Furtado? Da escravidão? Dos portugueses? Será o câmbio? O deficit público? A taxa de juros? Os impostos?

Acabo com uma explicação que não explica. Trata-se de um problema cultural - tradição, valores éticos, formação ou falta de formação religiosa (qual religião?), atitude perante a vida e o sentido da vida, ou seja, tudo e nada ao mesmo tempo. Paciência e recolhimento, não sabemos explicar.
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*João Sayad, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, em artigo publicado pelo jornal Valor, 24-02-2015.
Fonte: IHU online, 25/02/2015
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Uma filosofia do vício

Rosângela Chaves*
 
O sucesso do livro Cinquenta Tons de Cinza, da inglesa E. L. James, embalado agora pela estreia do filme baseado na obra, impulsionou o lançamento de uma série de publicações que exploram um erotismo mais picante – basta percorrer as livrarias para deparar-se com títulos sugestivos como A Cor da Luxúria ou Algemas de Seda. O curioso é que toda essa subliteratura pode parecer até “casta” diante daquele que é um dos mais importantes nomes da ficção erótica de todos os tempos e cujo bicentenário de morte foi celebrado em dezembro do ano passado: o Marquês de Sade (1740-1814).

Hoje um autor praticamente ignorado do grande público, Sade – cujo nome, não por acaso, deu origem ao termo “sadismo” – deixou uma obra que ainda provoca perplexidade. Um de seus livros mais famosos, 120 Dias de Sodoma, foi levado às telas por Pasolini – e quem viu essa crua e polêmica adaptação feita pelo cineasta italiano sabe a que excessos pode chegar a tirania sexual concebida pelo autor libertino francês.

Num ensaio sobre Sade, Roland Barthes escreveu que ele pode ser considerado o fundador de uma linguagem do erotismo. Para Barthes, os críticos de Sade o censuram por insistirem em ver em sua obra traços de realismo. Mas o universo de Sade, argumenta, é o da imaginação, do discurso – e os cerca de 600 tipos de perversão sexual que ele tão metodicamente descreve em 120 Dias de Sodoma são uma prova de que está mais próximo da fábula do que da realidade.

No ensaio O Homem Revoltado, Albert Camus também reflete sobre a obra de Sade. Sem o mesmo entusiasmo de Barthes pela literatura sadiana, Camus considera o escritor libertino um precursor das ideologias totalitárias que dominariam o mundo na primeira metade do século 20. No seu entendimento, Sade deu impulso a uma moral da dominação, ao proclamar o império dos desejos sobre a ética e a razão. A celebração do sexo feita por Sade está longe, segundo Camus, de ser democrática – essa sexualidade sem freios é prerrogativa de nobres (como o próprio Marquês), que têm a sua disposição uma fileira de escravos para se submeter a seus caprichos.

Esse autor tão controverso, curiosamente, não via a si mesmo como um mero autor de livros eróticos. A pretensão de Sade era maior: seu propósito era erigir uma “filosofia do vício”, que exaltava tanto o sexo quanto o crime. Se levarmos em conta que Sade amargou quase 30 anos na prisão – por conta dos escândalos em que se envolveu e em represália à publicação dos seus romances libidinosos –, escapou por pouco da guilhotina durante a Revolução Francesa e morreu num hospício aos 74 anos, não é de se espantar que tenha desenvolvido uma imaginação tão prodigiosa e depravada. Como diz Camus a respeito do autor, “27 anos de prisão não produzem uma inteligência conciliadora. Um confinamento tão longo engendra vassalos ou assassinos”.
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* Jornalista. Mestre em filosofia.
Fonte: O Popular online, 25/02/2015
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Lew'Lara cria campanha com referência à exposição do artista Ron Mueck

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A agência Lew’Lara\TBWA criou campanha para a Associação Beneficente Santa Fé com referencia à exposição das obras hiper-realistas do artista Ron Muek, que aconteceu na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Próximo à fila de visitantes, do lado de fora do local, um menino abandonado e vítima de maus tratos estava sentado em cima de um cartaz que dizia “Se fosse uma escultura exposta em um museu, você veria?”. As informações são do Portal da Propaganda.

lewlaraAção da Lew’Lara\TBWA pára fila da exposição de Ron Mueck
(Imagem: Divulgação)
O que estimulou a agência a criar o case foram as imensas filas de mais de quatro horas para entrar na exposição e o número de quatro mil visitantes por dia. Este cenário motivou a Lew’Lara\TBWA a criar a campanha que teve como objetivo mostrar ao público que crianças de verdade merecem a mesma – e até maior – atenção dada às esculturas da exposição.
Na iniciativa, o impacto ficou por conta do menino “de rua” que esteve sentado na mesma posição de uma das esculturas de Mueck – “Boy”, de 1999 –, em cima do cartaz que dizia “Quando você vai querer ver gente de verdade?”. Abaixo do logo, a assinatura com o site da instituição. “Para doar: www.santafe.org.br”.

Presidente de criação da Lew’Lara\TBWA, Manir Fadel afirmou que a ação tem o objetivo de chamar a atenção da população para um problema secular do país, que é a situação das crianças que vivem nas ruas e incentivar as doações para a associação, que desenvolve trabalho de acolhimento a meninos e meninas vítimas de maus tratos e abandono.

“Muitas pessoas preferem desviar o olhar dessas crianças a tomar alguma atitude para mudar essa realidade. A ação criada para a Santa Fé mostra que ignorar o problema não ajudará esses meninos e meninas, que precisam de um ambiente seguro e adequado para o seu desenvolvimento”, explicou o executivo.

A diretora presidente da associação, Márcia Ventura Dias, comentou que as obras de Mueck “destacam a observação meticulosa do artista para com as crianças e outras figuras humanas. Mas, na realidade, a observação da população às crianças abandonadas nas ruas, quando ocorre, não tem a mesma delicadeza e cuidado”.
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Fonte:  http://portal.comunique-se.com.br/index.php/mkt-pp/76484-lew-lara-cria-campanha-com-referencia-a-exposicao-do-artista-ron-mueck-info
Imagem de Mueck da Internet.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

AFINAL, QUE HUMANO?


Lucas Passos
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 (Imagem: Cindy Sherman, Untitled #316, 1995)

 Até que ponto o “humano” está pronto e a questão do “humano” está terminada? Em que medida a categoria do “humano” representa, de uma forma original e final, todas as humanidades que povoam este mundo? A categoria do “humano” é um sítio universal ou uma zona de poder?

Desde os acontecimentos mais distantes até os mais próximos, sobretudo aqueles que se referem a nossa exposição à violência e até nossa cumplicidade com a mesma; desde os diferenciais contornos sociais, históricos, políticos e culturais, em torno do “ser”, do reconhecimento do “ser”; desde aqueles que se encontram mais vulneráveis do que outros, aqueles que não chegam a ser reconhecidos e permanecem desconhecidos; o que é uma vida digna de ser vivida, uma vida que vale a pena? O que é uma vida e um mundo habitável? Quem pode habitar a plenitude do mundo social? E quem não? Que vida (ou, que vidas, se há uma série delas) é considerada como não digna e (consequentemente) que vida pode ser vista entregue fora de si mesma, da sua “autonomia”, a movimentos que vão do sofrimento físico e/ou psicológico a erradicação total do próprio ser? Certamente, essa categoria de questões não nos leva a uma tarefa fácil de reflexão, entretanto, certamente, nos leva a uma tarefa mais necessária nestes tempos.

Nos concentrado especificamente em torno das “vidas humanas”, às vezes, pode parecer que a questão do “humano” está terminada, que o “humano” está pronto e o “humano” é o que é, uma unidade consigo mesmo, um ser autônomo e deliberativo. Às vezes, pode parecer que quando evocamos o “humano”, estamos falando desde um sítio universal e falando, afinal de contas, em nome de todos os “humanos”. Pode-se, de fato, recorrer a uma figura do “humano” que está ocorrendo do início ao fim e com toda autonomia possível? Pode-se fazer uso de uma universalidade do “humano”? Na melhor das hipóteses (ou, que seja, na pior delas), podemos evocar o “Humano” (com um “h” maiúsculo e no singular) que seria o lugar da representação de todas as “vidas humanas”? Não pode ser que tal categoria exclua parte da clientela que procura representar mesmo, de tal forma que existem aqueles que contestam significativamente tal lócus absoluto? E se a categoria do “humano” se mostrar fundada por e com objetivos bem particulares? Quem é e o que quer o “humano”?

A questão do “humano” certamente pertence ao domínio conexo de análises do Ensaios de Gênero, de forma que sempre foi levantada e, eu acredito, que sempre continuará sendo. Desde este blog e junto de vocês, o “humano” vem sido pensado e repensado em contextos dos mais diferentes, sobretudo através de como o “humano”, em continuidade com as normas de gênero em maior grau de discussão, é explorado sexualmente, estigmatizado, como é discriminado, submetido a uma lógica da divisão do trabalho, como chega a viver de forma diferencial as variáveis da pobreza, da infância, da educação, da política, entre tantas outras. Em tais análises, o “humano” claramente diferencia a si mesmo, se mostra como projetado contra um e partir de um Outro de si mesmo, explorando outras “vidas humanas”. Aqueles que estão mais vulneráveis à violência (a qualquer variável dela) e aqueles que, de fato, sofrem violência em razão de seu corpo, seu gênero, sua sexualidade, sua raça, sua etnia e outras variáveis não colocam de maneira muito problemática como nem todos estão incluídos nesse “humano” prometedor? E que, ademais, esse “humano” está desde o início regulado por um ideal normativo de “humano”?

Certamente, essa categoria de questões não nos leva a uma tarefa fácil de reflexão, entretanto, certamente, nos leva a uma tarefa mais necessária nestes tempos. Uma tarefa de entender como o “humano” chega a ser reconhecido ou deixa de ser reconhecido pelos contornos históricos, políticos e culturais que restringem e facultam esse “humano. 
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(Imagem: Francis Bacon, Auto-retrato, 1972)

Esse ideal normativo, formado através das varias normas sociais, não produz o “humano”, o “menos humano” e aqueles que não contam como “humanos” de forma alguma? Aliás, desde as várias normas sociais (apoiadas institucionalmente ou não), qual “humano” conta como “humano”, como “menos humano” ou qual “humano” não conta de forma alguma? Que vidas são consideradas como vidas que não contam? Que perdas humanas são lamentadas? Quem chega a chorar e quem pode chorar? Quem fixa uma marca imediatamente, quem merece luto público, duelo político, e quem não? Essas perguntas podem nos levar a um melhor esclarecimento sobre o “humano” em jogo, a desloca-lo das ruínas do humanismo e da ontologia.

Lançada essa série de problemáticas, queria (re)começar com vocês, com Judith Butler (sempre e sempre) e com outras e outros pensadores, refletindo ao largo de ensaios que estão por vir sobre o que significa habitar o mundo, o que constitui um mundo habitável e, portanto, sobre o que constitui uma vida diga de ser vivida, digna de reconhecimento. Gostaria de me debruçar sobre as vidas humanas especificamente, sobre as vidas de certos sujeitos que podem contar mais do que outros, as vidas humanas que podem ser consideradas de menos valor e as que, absolutamente, não chegam a ser contadas como “vidas” propriamente ditas. É claro, trata-se de uma discussão crítica que tenta entender sempre tal valoração em meio e desde as normas constituintes do mundo social, logo, intercambiando as normas que produzem e concebem o “humano” em termos de gênero, raça, etnia, entre outros, embora, no nosso caso, privilegiamos majoritariamente a discussão a partir dos estudos de gênero.

O que constitui uma vida habitável, como atenta Butler principalmente em Deshacer el género (2006) e Vida precaria: el poder del duelo y la violencia (2006), não constitui uma questão fácil — como se pode pensar —, sendo que tal questão pode se direcionar mesmo para dimensão da vida que pode ser indiscutível, que está no limite do “argumentável”, principalmente quando se refere a nossa exposição à violência e nossa cumplicidade com ela. Assim, tal discussão não poderá, nunca poderá, ser encerrada de uma vez por todas, mas sempre estará aberta a novas revisitações e ressignificações, a fim de expor a contingência mesma da representatividade do “humano” e reabrir sempre tal categoria a fim de propósitos críticos e democráticos. Que recomecemos e sigamos nesse processo de desconstrução e reconstrução do “humano”, refletindo sobre as normas sociais, a modificação e expansão das mesmas!
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Fonte:  https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2015/02/24/afinal-que-humano/

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

PAIS CHATOS

Luiz Felipe Pondé*
 
É evidente que os pais devem se ocupar da educação 
de seus filhos. Ponto. 
Mas tem limite
 
Vivemos num mundo das modas de comportamento. Por exemplo: pais chatos. Você me pergunta o que é um pai chato? Pode ser uma mãe chata também, mas quando é pai, é pior ainda. Explico logo o porquê. 

Antes, um reparo: evidente que os pais devem se ocupar da educação dos filhos. Ponto. Mas tem limite. Quer ver? 

Há anos, quando meus filhos estavam em idade escolar, fomos, minha mulher e eu, a algumas reuniões. Poucas, porque sempre achamos que pais deveriam ser educados e não frequentar muito essas reuniões porque os professores, no final do dia, já estão cansados de correr atrás de nossos pestinhas. Ah! Esqueci: hoje não se pode mais falar assim. Nossos "hiperativos". 

Meus filhos estudaram numa dessas típicas escolas da zona oeste paulistana que custam R$ 3.000 por mês, ainda que professores preguem voto no PSOL e levem os meninos para acampamentos do tipo MST. 

Lembro-me de uma reunião em especial em que uma mãe, sentada atrás de mim, enchia o saco da professora de história, conhecida por ser amada pelos alunos, porque ela achava que o programa de história deveria contemplar mitos (o assunto era história antiga) nos quais as mulheres fossem guerreiras "empoderadas" (a palavra já dá vontade de vomitar...). E, também, que deveriam dar menos espaço para gregos, romanos, hebreus e mais para outros povos. 

A professora, coitada, educadamente, depois de uma dia inteiro de trabalho, tentava explicar à mãe chata que, em se tratando de história antiga ocidental, não se podia negar a importância dos gregos, romanos e hebreus. Os demais povos seriam contemplados (lembre-se: estamos falando de Antiguidade!), mas esses três eram essenciais (na Antiguidade!) para a matriz ocidental. 

Outro tipo chato é aquele que acha que a escola deve ensinar os alunos a mexer em computadores e afins. Normalmente, o cara é engenheiro ou algo assim, mas acha que, porque tem um carro coreano grande e branco, pode ensinar padre-nosso ao vigário. Só gente mal informada acha que criança de classe média precisa de escola pra aprender a mexer em computadores e afins. 

Mais um tipo é aquele participativo em todas as atividades da escola e que leva a sério quando, educadamente, a instituição convida os pais a serem mais "presentes no dia a dia da escola". 

Esse é aquele tipo que se senta na primeira fila nas reuniões e fala o tempo todo. Quando acaba a reunião, lá pelas 22h, ele quer conversar com a professora enquanto ela pega a bolsa e se dirige para o seu carro. 

Tipo muito interessado em saber como seu filho vai na escola, mas que na realidade quer falar de algo que ouviu falar numa dessas reuniões com gurus que falam sobre motivação em empresas, e acha que a professora deveria ler esse tal guru que ganha milhões ensinando bobagens sobre liderança. O mundo corporativo gasta milhões com gente fajuta. 

Ou, quem sabe, pior ainda, aquele tipo que, em escolas de crianças muito pequenas, quer demonstrar sua condição de pai contemporâneo, disputando com as mães quem sabe mais sobre alimentação infantil. 

Tem mais um hilário (entre tantos outros): os pentelhos que querem dizer para a coordenação que a escola deveria colocar disciplinas novas, como "biking". Eita mundinho chato, esse. 

Estou devendo a você uma explicação de por que, normalmente, os pais assim acabam sendo mais chatos do que as mães. 

Uma das novas modas de comportamento é a mania de homens quererem o tempo todo provar que entendem melhor de bebês do que as mães. Essas, coitadas, acabam cedendo à moda porque, além de quererem ou precisarem trabalhar, não podem negar ao marido a ilusão de ser um "pai contemporâneo". Outras, infelizmente, creem de verdade que o fato de os homens não poderem amamentar é uma injustiça social ou de gênero (o "gender gap"). 

Óbvio que existem pais que sabem lidar com filhos pequenos. E mães que não são lá tão obcecadas pelos filhos. Pena. Mas, na maioria esmagadora dos casos, devemos deixar que as mulheres cuidem dessa área, porque elas sabem há milênios o que significa carregar uma criança nesse mundo. 
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* Filósofo. Prof. Universitário. Escritor.

Empreendedores usam ciência para estimular seu consumidor


 Vila 7, livraria e loja de brinquedos para crianças do Recife
 Vila 7, livraria e loja de brinquedos para crianças do Recife


Entender os anseios do consumidor não é tarefa fácil. Para avaliar o que leva alguém a comprar um produto, empresas têm apostado no neuromarketing, estudo do comportamento do consumidor a partir da neurociência. 

Com tecnologia avançada, que inclui ressonância magnética, o cérebro é analisado para descobrir quais áreas são estimuladas em uma loja, por exemplo. A principal descoberta é a de que cerca de 95% do processo de tomada de decisão do ser humano não acontece no neocórtex (parte do cérebro que comanda o pensamento racional), mas no cérebro reptiliano, que controla os instintos básicos de sobrevivência. 

Essa parte do cérebro é visual, emotiva e gosta de simplicidade. Aplicada ao marketing, a descoberta revela que é preciso entender emoções e sentimentos subjetivos do consumidor para atrair o seu interesse. 

"Queremos entender as reações do consumidor que estão além daquilo que as pessoas falam; buscamos reações implícitas e não verbais", informa Billy Nascimento, fundador da Forebrain, empresa ligada à incubadora da Coppe-UFRJ que realiza estudos para descobrir e monitorar reações do consumidor diante de um comercial, logotipo, produto ou conceito.
Por serem estudos caros, ainda são poucos os casos de pequenos e médios empresários recorrendo a essa técnica. Mas quem já usou esse conhecimento diz valer a pena. 

Antes de abrir uma livraria para crianças e loja de brinquedos em Recife, a publicitária Juliana Lins, 37, recorreu a uma consultoria de neuromarketing para avaliar o conceito do negócio. 

A Vila 7 vende brinquedos educativos e tem como preceito resgatar a infância dos pais -a ideia é estimular a família a brincar unida. 

"Percebemos, na consultoria, que a ideia emocionava as pessoas e que muitos pais têm um certo sentimento de culpa por não estarem tão presentes na infância dos filhos. Isso me deu confiança para abrir a loja", afirma. 

No caso do logotipo, foi feito um ajuste. "Eu insistia que queria uma árvore no logo, mas percebemos com os estudos que esse elemento gráfico não chamava a atenção. Acabamos retirando a árvore e hoje acho que foi uma decisão positiva". 

Renato Sneider, sócio da SalesBrain no Brasil, explica que o cérebro reptiliano é acionado a partir de ameaças e medos. Dessa forma, consultorias de neuromarketing aplicam técnicas específicas para descobrir qual o medo profundo que existe por detrás do consumo de um produto. Por exemplo: mulheres pintam as unhas, na profundidade instintiva do cérebro reptiliano, não para ficarem mais belas, mas pelo medo de ficarem sozinhas. 

"Antigamente, a gente fazia sem saber, mas hoje a gente faz com base científica", comenta Paulo Crepaldi, sócio e diretor-executivo da ING Marketing & Training. A neurociência chegou a conclusões que muito profissional do marketing já intuía: o cérebro reptiliano, onde ocorre a maior parte das nossas decisões (e também responsável por acionar os gatilhos da compra), é visual, emotivo e gosta de simplicidade (veja mais no quadro ao lado). 

"Para o cérebro reptiliano, menos é mais e uma imagem fala mais do que mil palavras", resume Sneider. 

PARA TODOS OS BOLSOS
 
Existem várias maneiras de se medir as reações do consumidor -desde algumas mais simples, como o eye-tracking (que monitora o movimento dos olhos), como as mais complexas, como a ressonância magnética do cérebro (para entender quais áreas da massa cinzenta são acionadas diante de um produto ou comercial). 

O coordenador do laboratório de neuromarketing da Fundação Getulio Vargas, Carlos Augusto Costa, diz que cada caso demanda um estudo específico, e, por isso, o valor das consultorias varia muito. Mas que análises mais simples -como o monitoramento do olhar diante de um site, por exemplo, para medir quais elementos gráficos chamam mais atenção –podem sim caber no bolso de um médio empresário. "O neuromarketing veio para ficar e a tendência é que com o tempo se torne mais barato e acessível", afirma. 

A análise neurométrica (que mede a reação do consumidor) é uma das vertentes do neuromarketing. Há também empresas que trabalham em cima das conclusões desses estudos para oferecer treinamento e consultoria para os clientes -com base em conceitos já consolidados. Neste caso, a consultoria é mais conceitual do que métrica. 

Antes de participar de uma licitação, o publicitário Maurício de Almeida Prado, diretor de planejamento e sócio da Agência Plano 1, contratou uma consultoria da FGV. Eles haviam criado diferentes opções de materiais de ponto de venda para um cliente do setor alimentício. Fizeram peças variadas: com fotos de pessoas, com a embalagem fechada, com imagens do alimento e uma última opção com textos. 

"Tomamos a decisão de maneira mais científica, sem ser só no achômetro", comenta. "O que deu para provar muito bem é que colocar uma coisa só dá mais resultado do que colocar tudo", afirma. Com a consultoria, a agência terminou optando por uma peça que mostrava foto de pessoas felizes e do alimento. Eles ganharam a licitação. 

Para Marcelo Moreira, consultor do Sebrae-SP, o neuromarketing é apenas uma nova estratégia para melhorar a comunicação com os consumidores, mas não é o ponto final. Como alternativa, pequenos e médios empresários têm, em mãos, uma poderosa ferramenta de compreensão do consumidor: "a barriga no balcão". 

"Ouvir o consumidor no ponto de venda é fundamental e enriquece muito", afirma. Ele acredita ainda que a consultorias de neuromarketing tendem a ter seus preços reduzidos no futuro. 

CONSULTORIAS MAIS ACESSÍVEIS
Alguns laboratórios e empresas da área vêm armando estratégias para baratear os valores e alcançar as médias e pequenas empresas. 

Esse é o caso da Salesbrain, empresa especializada em neuromarketing. Hoje, a Salesbrain oferece, além da análise neurométrica, treinamento para empresas -voltado para o departamento de marketing ou para vendedores -com base nos conhecimentos já consolidados do neuromarketing. 

Esses treinamentos custam entre R$ 12 mil e R$ 15 mil, duram oito horas e pode contemplar de 12 a 20 pessoas da empresa. 

A Salesbrain, porém, começará, neste ano, a oferecer workshops abertos a todos, e a preços mais acessíveis, entre R$ 1.700 e R$ 4.100, dependendo da duração do curso. 

A Fundação Getúlio Vargas também vem conversando com entidades e governo federal na tentativa de realizar estudos que possam ser divulgados para todos e que possam contemplar, por exemplo, um determinado setor do varejo. Apesar da articulação, ainda não há nada concreto. 
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Reportagem por  ANA MAGALHÃES
fonte: Folha online, 23/02/2015

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Pedro Meca (1935-2015), o companheiro da noite: “Que palavra pode substituir a palavra revolução?”


Pedro Meca (foto reproduzida daqui)
Esteve em Lisboa em 1998, visitando organizações de apoio aos sem-abrigo. Numa delas, quando passava no sector da roupa, perguntou: “Onde está o espelho?” Não havia. Os sem-abrigo, os pobres, não têm direito a ver-se ao espelho? “Têm, o espelho faz mesmo falta. Há gente que não se vê inteiro há anos.” 
 
“Romper com o assistencialismo” era a lógica proposta por este “companheiro da noite”, que morreu esta semana com 80 anos, em Paris. O funeral decorreu nesta manhã de sábado, na capela do convento de Saint Jacques, na capital francesa. Foi o “companheiro da noite dos que nada tinham, um mendicante”, disseram os dominicanos da província de França, anunciando a morte do homem que dedicou a sua vida a estar e viver com os mais pobres, ajudando-os a encontrar trabalho e a devolver-lhes a dignidade perdida e a autoestima. 
 
A história do espelho contou-a Pedro Meca, nessa passagem por Lisboa, quando lhe fiz também uma entrevista (publicada no livro Deus Vem a Públicoed. Pedra Angular/Sistema Solar).
 
Pedro-Maria Meca  Zuazù nasceu em Villava, Pamplona (no País Basco espanhol, perto da fronteira com França), em 1935. Aos 17 anos foi para França com a família, acabando por se tornar frade dominicano. Conheceu ainda o Abbé Pierre, fundador dos Companheiros de Emaús, com quem trabalhou, como empregado de bar, no Claustro, um bar aberto para os sem-abrigo. 
 
Em 1985, decidiu fundar a associação Companheiros da Noite que, sete anos depois, inaugurou na rua Gay-Lussac, no coração do Quartier Latin, de Paris, o bar La Moquette. O espaço, aberto até às cinco da manhã, destina-se a quem vive na rua e não tem sítios para conversar ou beber um café quente. Ali ninguém pode dormir, mas apenas sentir que pode estar. Conversando, fazendo silêncio, jogando às cartas, festejando aniversários, encontrando amigos e conhecidos ou, até, participando em debates regulares ou oficinas de escrita.

Um café numa chávena de louça e com colher de metal

No La Moquette, o café é sempre oferecido numa chávena com um pires e a respectiva colher de metal. “Os sem-abrigo diziam muitas vezes que o que tocavam ia sempre para o lixo”, explicava Pedro Meca.
 
Em cada Natal, recorda o serviço de imprensa das Obras Missionárias Pontifícias (OMP) de Espanha, Pedro Meca celebrava eucaristia numa tenda instalada no centro de Paris, e na qual participavam mais de mil pessoas sem casa. O La Moquette passou também a assegurar que as pessoas que morriam na rua, e cujo corpo não era reclamado por ninguém, tivessem um funeral digno. Muitos companheiros de rua do falecido participam nessas celebrações, proporcionando uma despedida digna ao falecido.  

Usando muitas vezes lenço branco ao pescoço, cabelos grisalhos e compridos, Pedro Meca dizia que “a dignidade, para muita gente, passa hoje mais pelo aparentar do que pelo ser – no vestir, no trabalho”. Por isso prefere inverter esses modos de ver. “Ninguém consegue ser solidário com alguém se não sujar as mãos com ele. Foi por isso que optei pela rua, o único lugar que Cristo nunca abandonou.”
 
No obituário publicado pelo Le Monderecordam-se outras afirmações dele: “Continuo a dizer que a fé cristã é revolucionária. (...) O eixo da minha vida é a relação social com os pobres, os rejeitados. O Papa Francisco disse que quer uma Igreja que esteja na rua. É o que tento viver... No céu, ninguém nos perguntará pelo número de orações que recitámos, nem quantas velas acendemos. Seremos julgados pelas nossas relações com os outros. A questão será: ‘Que fizeste tu pelo teu irmão?’”
“Estou aqui, sem recursos e sem poder”
Em 2005, Pedro Meca deixou o seu trabalho social, mas continuava a aparecer, de vez em quando, no La Moquette. “Ainda que não possa fazer nada, estou aqui. Sem recursos nem poder. A minha fé diz-me que Deus ama a todos. Se Ele ama a todos, é porque Ele o vê como algo formoso e adorável. Assim, trato de ver o que é formoso naquele que está diante de mim, destruído pelo álcool, as drogas, os revezes da vida. E isso pode levar muito tempo”, contava, em 2009, ao La Croix.  
 
Em 2012, numa passagem por Madrid, insistia, citado pela OMP-Espanha: “Os sem-abrigo podem ensinar muitas coisas. Das pessoas pobres, normalmente só se vêem as necessidades e como preenchê-las: não têm casa, não têm que comer nem que vestir. A minha relação não é essa, é encontrar-me com alguém com as suas potencialidades, o seu saber, a sua cultura, os seus gostos, as suas paixões, o que lhe interessa. Há que atender à totalidade da pessoa, tendo em conta que todos temos potencialidades e riquezas e que todos podemos contribuir com algo. Eles podem e têm algo com que contribuir.”
 
Pedro Meca considerava que as mudanças não virão tanto pela conquista do poder, mas pela alteração de mentalidades. A exclusão, por exemplo, está na nossa cabeça, dizia. E é preciso esconjurar as etiquetas com que estigmatizamos tanta gente...
 
“Alguém que não trabalhe, não tem identidade, não conta.” A economia tomou um lugar errado, acrescentava. “Um especulador não trabalha, não produz”, afirmava, mas “é muito considerado” socialmente.
Reproduzo a seguir alguns excertos da entrevista já citada, publicada em Deus Vem a Público.
P. - Um rapaz que foi abandonado pela mãe, órfão de pai pouco depois; um basco, que viveu clandestinamente, que foi antifranquista e empregado de bar, que trabalha para os sem-abrigo e que também é padre. Que relação tem tudo isto?
PEDRO MECA – Para mim o importante é que a vida de cada um está construída ao redor de um eixo central. Eu tive a sorte de descobrir a humanidade numa dimensão que vai mais além do que, aparentemente, é o homem. Quer dizer, para mim a humanidade é a humanidade de Cristo – eu sou crente. 
 
Tudo o que vivi, tudo o que pude integrar e integro na minha vida tem um sentido de unidade ao redor de uma humanidade cujas aspirações vão mais além do que cada um pode sonhar. É da ordem do crer. E não está em contradição com o racionalizar, com o lutar para que o mais-além se possa alcançar aqui o mais possível. 
 
Na medida em que alguém luta pela fraternidade, contra um regime de opressão, ou luta por libertar o homem do que o oprime, cada homem que se liberta e, diria mais, cada acto libertador do homem – nesses actos, Deus revela-se. Toda a minha vida, se tem um sentido, é descobrir que vale a pena viver a humanidade. Sou um trabalhador social feliz, mas descontente: as coisas não estão como eu gostaria, mas não é porque as coisas estão mal que eu não creio que podem estar melhor. O grande problema de hoje – e, para mim, a tarefa de cada dia – é aprender a distribuir o que somos capazes de fabricar.
E isso aprende-se na rua? A rua é um mundo diferente?
Na rua encontra-se muita gente que, antes, não estava na rua. Ninguém nasceu na rua sozinho, ninguém está sozinho na rua. Há abandonos e gente que cresceu e até tem formação. Creio que isso se aprende em todos os sítios. A rua também permite, desde muito jovem, encontrar situações fortes de violência e de ternura.
A noite é o seu grande tema, incluindo ao nível teológico. Mas a noite foi quase sempre o símbolo das trevas, do lado pior da vida...
Do melhor também...
Como?
O importante não é opor o dia à noite, mas integrar os dois. Primeiro houve a noite e depois a manhã. No mundo judeu e na liturgia católica, o dia começa na véspera. Não é a noite que acaba o dia, isso é na nossa época industrial. 
 
Em todas as metodologias religiosas – incluindo na bíblica – a noite é primordial. Os momentos mais importantes da revelação bíblica são nocturnos: na criação, o separar a luz das trevas. A noite de Jacob, a luta com o anjo, é de noite. A libertação do Egipto é nocturna. O povo espera o messias como o vigia vê o horizonte ou como Henrique o Navegador olhava as marés, em São Vicente. O Natal é de noite. A ressurreição é nocturna. 
 
A noite é, ao mesmo tempo, o momento em que estamos mais próximo do absoluto. Os místicos sempre falaram da noite. É um momento de crise, no sentido de decisão (crise, em grego, quer dizer decisão; nós quando dizemos que estamos em crise é para dizer que estamos indecisos). Nos grandes momentos, os místicos decidem de noite, porque nessa ocasião estamos próximos de tudo ou de nada.
Incluindo na rua?
Em todo o sítio. O homem da rua não deixa de ser um homem. Na rua, não há tempo para a noite, para o descanso. Porque há que estar vigiando: não se dormem oito horas, dormem-se duas ou três, mais tarde outras duas. Quem está na rua, de noite, não tem tempo para a intimidade do nocturno. 
 
Esse é o momento privilegiado do encontro com o absoluto e consigo mesmo. Nesse sentido, a noite é primordial. Mais que o dia, em que o nosso papel social nos distrai, com frequência, do que somos no mais íntimo.
“Não se pode fazer teologia sentado”
Qual é o contributo de um trabalho como este para a teologia católica ou para os cristãos?
Na medida em que, na noite, se encontra gente com dificuldade, gente na rua, gente pobre de relações – que está só –, na medida em que encontramos os preferidos de Deus, a teologia tem de ser feita a partir daí. 
 
A teologia mais elaborada e na qual não conseguimos entrar são os evangelhos. E estes nasceram de uma comunidade de excluídos. As primeiras comunidades cristãs foram, primeiro, excluídas da sinagoga. Eram judeus excluídos da sinagoga e, depois, foram cidadãos excluídos do império. Não eram judeus e tão pouco eram romanos. Pergunto-me se não é uma tarefa nossa apoiar a teologia numa vivência da fé. Não se pode fazer teologia sentado.
Mas há hoje muitos preconceitos sobre estas pessoas.
Sim, porque vê-se sempre o sem-abrigo como alguém que não é apenas isso, mas que engloba uma série de coisas. Era o mesmo que dizer que alguém que tem gripe também tem cancro, sida. Não, tem gripe. Vai morrer? Eu também vou morrer, mesmo com saúde. 
 
O sem-abrigo está na rua. E isso desqualifica tudo aos nossos olhos. As circunstâncias da vida – perdeu o trabalho, entregou-se à bebida, o marido ou a mulher foram embora – fazem com que não seja capaz de seguir em frente e pode desfazê-lo. Mas isso não tem a ver com o ter ou não abrigo.
Onde está, então, o mais importante?
O fundamental para quem não tem abrigo não é poder dormir coberto, mas o ter um local onde se possa viver a intimidade. Num albergue nocturno, não passo a minha noite. Durmo, mas não é a minha noite. Não há a confiança que se tem no próprio quarto, onde se pode estar nu, só, onde se pode ressonar ou fazer barulho para os vizinhos de cima ou de baixo. Ou, sequer, fazer alguém participar da minha intimidade. Não se pode ter uma relação amorosa ou uma relação sexual estando na rua. 
 
Estar na rua é um aspecto que agrava outras coisas. Uma pessoa com abrigo não quer dizer que seja maravilhosa, solidária, amiga, que tem companhia. 
 
A exclusão não é tanto a realidade, a exclusão está na nossa cabeça. E conforme catalogamos, fechamos e estigmatizamos situações, fazemos pagar as consequências da exclusão que temos cá dentro. Excluímos da nossa cabeça ao pôr etiquetas e ao fechar as pessoas com etiquetas. E fazemo-las viver as consequências.
Há muitas iniciativas de apoio às pessoas da rua, mas elas estão marginalizadas do sistema económico e político. Como se pode fazer chegar à economia e à política a criatividade dessas organizações e iniciativas?
A economia não pode fazer caso disso. Se estamos assim, é por causa da economia. Ou talvez não tanto da economia, mas do lugar que se deu à economia nas relações sociais. Na nossa sociedade, alguém que não trabalhe não tem identidade, não conta. Porquê? Há muitos que não trabalham e que contam. Porquê? Um especulador não trabalha, não produz. Que produz? Nada, nada, só vento. Todavia, é muito considerado. 
 
A economia tem que ser posta ao serviço do homem e não o contrário. Um plano social de uma empresa quer dizer pôr gente na rua. Reestruturar a empresa quer dizer mandar gente embora, pôr máquinas para produzir mais e melhor para fazer gente inútil. Isso é a economia de hoje, é a economia de mercado. Não há lugar senão para o mais forte e fala-se mesmo em termos de guerra, de guerra económica. Os inimigos são os Estados Unidos, o Japão, e a Europa tem que ser forte para ser mais forte que os inimigos. 
 
Nós é que colocamos a economia num lugar que não é o dela e que estropia todas as relações sociais e pessoais. O que conta é ganhar dinheiro, o meio é pouco importante. Diz-se que o dinheiro da droga é dinheiro sujo, mas o dinheiro da exploração não é mais limpo.
E como podem as pessoas lutar?
Com uma tomada de consciência pessoal e actuando em conjunto, em solidariedade. Em vez de perguntar que posso fazer, perguntar que podemos fazer eu e tu. E como diz a canção, a dois somos muitos mais que dois. 
 
O bem comum, a propriedade radical é a comum, não é a privada. Se os cristãos tomassem isto um pouco a sério, que Deus dá a terra à humanidade e não a uns quantos, valeria a pena.
Creio que o homem o ganhou. Se não, não acreditaria em Jesus Cristo
As pessoas activas neste tipo de associações não estão nos lugares de decisão. Faz falta a imaginação ao poder?
Não sei se é uma questão de poder. A pergunta mais radical que me faço é: “Que palavra pode substituir a palavra revolução?” A revolução é a tomada de poder? De que poder? Para exercer que poder? A partir do poder pode garantir-se mudanças sociais que procurem a felicidade? Cada vez que se quis organizar a felicidade das pessoas tudo terminou em campos de concentração... E onde se decide? O que quer dizer poder? Poder, para mim, é serviço. Não há revolução que nos dê a solução. 
 
Acredito muito na inteligência colectiva, nas experiências que as pessoas vão vivendo, aprendendo e fazendo para o bem comum. Hoje, com os meios de comunicação, podemos estar muito mais atentos para aproveitarmos a experiência dos outros. Mas muitas vezes só interessam as notícias que se vendem, que se escolhem como notícia, mas a realidade fica ao lado.
O caminho da história diz que é inevitável uma sociedade mais justa?
É mais justo o que temos hoje ou a civilização grega? Creio que hoje é mais justo, porque vamos descobrindo a dignidade pessoal de todos. A mensagem de Cristo dizia que já não há judeu nem grego, nem homem nem mulher, mas depois ficou cada um no seu sítio. A Revolução Francesa afirmou que cada pessoa é cidadão, que toda a gente tem os mesmos direitos. E isso é um progresso importantíssimo na história da humanidade, que a Igreja Católica não soube fazer. 

A terra é para toda a gente. Temos o princípio. Há um passo a dar, importante, mas esse passo virá pouco a pouco. Eu sou optimista. Creio que ganhámos. É como um jogo de futebol: ganhámo-lo, mas temos a sensação de viver um prolongamento muito longo. Creio que o homem o ganhou. Se não, não acreditaria em Jesus Cristo. 
 
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Postado por Antonio Araujo
Fonte:Religionline.fr.