sexta-feira, 12 de abril de 2019

Somos prisioneiros virtuais?


Ricardo Almeida (*)

Julian Assange foi preso na embaixada do Equador em Londres,
no dia 11 de abril. ( Foto: Reprodução/RUPTLY)
Eles estão jogando o jogo deles.

Eles estão jogando de não jogar um jogo.
Se eu lhes mostrar que os vejo tal qual eles estão,
quebrarei as regras do seu jogo
e receberei a sua punição.
O que eu devo, pois,
é jogar o jogo deles,
o jogo de não ver o jogo que eles jogam.
D. Laing

 Quase todo o mundo sabe o nome do prisioneiro que estava asilado na Embaixada do Equador, em Londres, há quase sete anos. Neste longo período, ele estava sendo vigiado por guardas fortemente armados e por robôs controlados pela CIA e pela Scotland Yard. Agora ele pode ser extraditado, pois mesmo preso representa uma ameaça aos negócios escusos e às maracutaias que envolvem as grandes potências mundiais. Mas também circulam rumores de que o prisioneiro poderá denunciar estranhas transações que ocorrem entre alguns presidentes e empresas transnacionais e que, por isso mesmo, o mundo poderá tremer mais uma vez. Ou seja, ninguém sabe qual será o seu destino, pois entramos numa nova encruzilhada da história. Como diria Gramsci, “o velho está morrendo, e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece”.

A grande vantagem é que antes de cair nesta arapuca, o prisioneiro já havia criado uma rede de experts em tecnologia da informação e comunicação que hackeou alguns telefones e o IPs de computadores importantes. Portanto, se ele sofrer alguma represália maior, a sua rede poderá denunciar tudo o que sabe. Ninguém conhece a extensão dessa rede e nem quem são todos os seus colaboradores… Sabe-se apenas que eles são experts em jornalismo e governança digital, que possuem boas relações com a imprensa internacional, que agem em nome da liberdade de informação e contra a ingerência das grandes potências em países ditos de capitalismo periférico.

Embora pouco conhecidos, eles são admirados por muita gente, pois já revelaram documentos secretos sobre espionagem internacional, golpes de Estado e a matança de pessoas inocentes (crianças também) em vários países do mundo. Inclusive, deu no New York Times que as autoridades norte-americanas sabem disso tudo, pois a maioria das ordens parte exatamente do Pentágono. Mas ninguém fala muito mais do que isso!

Portanto, com a sua extradição quase confirmada, é provável que haja uma grande turbulência, com coberturas midiáticas e diversas vigílias mundo afora, acompanhadas de acirradas disputas por narrativas nas redes sociais. Afinal, estamos vivendo o intermeio das chamadas guerras híbridas em que ações ilegais são promovidas por empresas transnacionais e pelas grandes potências, num mundo totalmente dependente das tecnologias de informação e comunicação.

O porta-voz do WikiLeaks já demonstrou que quase tudo está sendo rastreado e espionado sem que os cidadãos comuns percebam. Com essas revelações, o mundo inteiro aprendeu, mas ainda não assimilou totalmente, que os serviços de espionagem capturam vários tipos de dados e informações para jogar o jogo político, espalhar notícias falsas e meias verdades como táticas cibernéticas, e para desviar a atenção dos verdadeiros motivos desta nova guerra econômica, midiática, jurídica e militar.
Ainda bem que já estamos criando diversas redes presenciais, orgânicas e criativas para enfrentar as organizações de mercenários (elas são financiadas) que surgiram em diferentes países, nas disputas por micros e macros poderes locais e regionais (ação local, pensamento global). No entanto, no Brasil, a maioria das pessoas ainda está hipnotizada com o simples uso das ferramentas digitais, sendo que alguns governos apostaram na consulta digital, na participação plebiscitária e também na elaboração de novas legislações. Portanto, ainda não criamos o nosso próprio “exército digital” (o nome é o que menos importa) para defender o cyberespaço brasileiro e para nos protegermos das guerrilhas midiáticas que estão se espalhando pelo mundo.

Por isso mesmo é que as mobilizações em torno da liberdade de Assange tornaram-se fundamentais para manter a atenção da opinião pública sobre a gravidade da situação atual, na qual há a vigilância de indivíduos, de coletivos e das democracias, o que coloca em jogo o destino da humanidade. Nesse sentido, além de zelar pela nossa segurança, precisamos elaborar estratégias que combinem ações presenciais e digitais nos diferentes coletivos políticos e culturais, que se somem à grande rede de experts em tecnologia da informação e comunicação. Tudo isso acabou tornando a disputa local/global muito mais interessante e desafiadora.

Uma coisa é certa: se Assange for extraditado para os EUA, o mundo inteiro irá tremer com uma grande guerra midiática, jurídica, diplomática, econômica e, se tudo der errado, também militar. Portanto, a partir de agora as atenções devem estar centradas na tradução das estratégias das grandes potências e dos seus países aliados (o jogo deles), mas também do Wikileaks, pois todos agem sem dizer quais serão os próximos passos.

Outro dia, Assange afirmou que ”este cerco expressa a fraqueza do poder imperial!”. Ou seja, segundo ele, estaríamos vivendo algo semelhante a um jogo de xadrez sem a possibilidade de um xeque-mate! Mas a sua possível extradição para os EUA também precisa ser vista como a tentativa de uma prisão cultural e política de todos nós… Enfim, se Engels tinha razão ao dizer que a liberdade é a consciência da necessidade, nós precisamos do WikiLeaks praticando o jornalismo investigativo que sempre praticou para acompanhar o jogo que eles jogam, para que uma consciência planetária se espraie por todos os cantos do mundo e para que este tipo de informação seja traduzida em ações locais, regionais e nacionais. Mas, principalmente, para que a nossa liberdade seja fruto de uma conquista e não de um acaso.
Somos todxs Julian Assange!
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(*) Consultor em Gestão Projetos TIC - 12/04/2019

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