Ator foi entrevistado para uma coluna na revista Manchete, em 1966, na qual impressionou a autora de 'A Hora da Estrela'
O ator Tarcísio Meira, morto na última quinta (12), impressionou a escritora Clarice Lispector durante uma entrevista concedida a ela para a revista Manchete, em 1969, e publicada na coluna "Diálogos Possíveis com Clarice Lispector".
Ao observar ele e sua esposa, Glória Menezes, a autora de 'A Paixão Segundo G.H.' elogiou a união de ambos, e como pareciam, aos olhos dela, evocar uma sentimento maior que a simples beleza.
Leia a íntegra da entrevista abaixo, que faz parte do livro "Entrevistas" (ed. Rocco), em que Tarcísio conta detalhes e curiosidades sobre a profissão e a vida pessoal ao lado da mulher.
"Minhas fãs não são alucinadas"
Tarcísio não perde seu jeito de gentleman, não tem ar apressado ou afobado. Tanto ele como sua mulher, Glória Menezes, mantêm-se calmos e sorridentes. São dois exemplares bonitos de seres humanos, mas não parecem se contentar com esse dom de beleza: “queremos ser mais do que bonitos”, parece dizer o casal.
Tarcísio, você é ator por assim dizer, de nascença ou as circunstâncias o impeliram para essa profissão? Foi totalmente circunstancial o fato de me tornar ator. Nunca pensara nessa possibilidade, até que surgiu a chance de representar num grupo amador. Aí, um pouco do caminho já havia se oferecido para que eu me fixasse nessa atividade.
A que você se destinava antes? Eu estudava e pretendia fazer o curso de preparação à carreira de diplomata, no Instituto Rio Branco, do Itamaraty.
O que é que você acha de suas novelas? Responda o mais sinceramente possível: acha que elas são de bom nível? De um modo geral, é muito difícil você conseguir interessar o público numa novela, dando a ele, simultaneamente, alguma qualidade artística. A novela "Rosa rebelde" conseguiu essa proeza. É bem escrita por Janete Clair e bem dirigida por Daniel Filho. E todos nos empenhamos, os atores e técnicos, por poder fazer o melhor dentro das nossas possibilidades.
Tem alguma outra novela em vista? De momento, não. Vamos descansar e dar descanso ao público, fazendo uma excursão pelo Brasil, com a peça "Linhas cruzadas", levada à cena no Teatro Copacabana. Voltaremos à televisão somente em abril do ano que vem.
Você é um bom ator. Com quem e onde aprendeu a expressar-se através de tantas modificações fisionômicas? Bem, isso de ser um bom ator, é opinião sua. Não sei dizer se tenho aprendido com os outros ou se tenho buscado isso dentro de mim. Acho que ninguém é primitivo a ponto de ser apenas si mesmo. O que somos é uma conseqüência de nossa relação com os demais e, quando representamos, procuramos filtrar as experiências alheias através do nosso próprio temperamento.
Você sente emoção quando beija sua própria esposa, Glória Menezes, na novela em que ela participa como atriz principal? Na novela e fora dela, arre!
Na sua novela, você é terrivelmente ciumento. E na vida real, também? Acho que o ciúme não existe, enquanto a gente não o percebe. E, quando a gente o sente, é porque já não está mais seguro em relação à pessoa que é objeto de nosso afeto. Isso ainda não aconteceu comigo.
Você se sente frustrado por não ter seguido a carreira diplomática? Não. De modo algum.
Desculpe a minha ignorância, mas você trabalhou no palco, em peças? Só me lembro de "Linhas cruzadas". Foi a única peça que fiz no Rio. Em São Paulo, trabalhei em quase vinte peças, das quais as mais importantes foram "Toda donzela tem um pai que é uma fera", "De repente no verão passado", "Apartamento indiscreto", "A grande chantagem" e "Calígula".
O que é que seu diretor nas novelas espera de você? Quando está para começar uma novela, o diretor reúne o elenco e diz o que devem ser os personagens. Daí, ele só espera que os atores tenham entendido a sua explicação, porque mais do que isso ele não terá tempo de fazer, quanto à formação dos personagens. As marcações, as intenções, só são ensaiadas momentos antes de cada gravação.
Você pisa no palco com o hábito ou a sensação de coisa renovada? O hábito, propriamente, não se forma. Inclusive porque a cada nova representação acontecem fatos novos que determinam mudanças na sua maneira de representar: uma marcação que é trocada, um esquecimento do texto, uma pausa maior no diálogo, são situações que devem ser resolvidas pelo personagem naquele momento e não pelo ator que o interpreta.
Como é que você conheceu Glória Menezes? Foi logo propondo casamento? Conheci Glória trabalhando com ela numa peça de televisão, em São Paulo. Desse conhecimento, chegar ao casamento foi uma conseqüência natural do amor que nasceu entre nós.
Que papel você sonha interpretar no palco? Não é um papel ou outro que vai me dar satisfação. É, isto sim, representar bem este ou aquele papel.
Você recebe muitas cartas e telefonemas de admiradoras alucinadas? Mas não são alucinadas! Na maioria das vezes, bastante equilibradas, até.
Você consegue chorar em cena? Consigo. Se entender bem o sentimento do personagem. Se como ator choro naquele momento, representando, é porque, como pessoa, eu provavelmente choraria também, se passasse pela mesma situação.
Diga-me Tarcísio, como é que se desenvolve sua rotina diária? Não há rotina, no meu dia a dia. O que há de rotineiro são exatamente os inesperados diários...
Você e Glória levam uma vida boêmia ou são pacatos? Nem boêmios, nem pacatos. Procuramos dosar bem a nossa vida.
Você e Glória se assistem na própria novela? E o que é que sentem? Assistimos, quando temos oportunidade. Mas como é que você se sente quando lê, dias depois, o que escreve?...
Certa desilusão, insatisfação. Eu, às vezes, me sinto satisfeito. Outras vezes, a autocrítica me censura. Às vezes, me desiludo. Mas sempre assistir-nos na televisão é construtivo, viu?
Tarcísio, fazer dois papéis na mesma novela não lhe dá um certo sentimento de ambiguidade? Se isso acontecesse, o que é que eu faria sabendo que, terminada a gravação, vou representar outro personagem no teatro e, no dia seguinte um terceiro, num filme?
Sua popularidade nas novelas leva o público ao teatro e aos filmes em que você trabalha? Certamente. O público tem curiosidade por saber até que ponto o ator é aquele personagem da novela.
Vocês têm filhos? Tenho um, do meu casamento com Glória. Herdei mais dois, do primeiro casamento dela.
O que é que você está achando deste nosso diálogo? Um diálogo agradável, que confirmou a impressão que eu tinha de sua pessoa. Tenho a certeza de que foram perfeitamente entendidas as coisas que tentei dizer e sou grato por essa oportunidade de conversar com o público, por seu intermédio.
Despedi-me com a impressão de que acabara de assistir a alguns momentos da vida de duas pessoas intimamente ligadas pela compreensão mútua e muito amor.
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