
Ali, nas gavetas de cimento estão os corpos que um dia rezaram, odiaram, perdoaram,fizeram profissão de fé, hoje mais do que esquecidos. Alguns lembrados em relatos em livros e ainda outros como rodapés em artigos. Tudo é silêncio. As pessoas , na maioria religiosos, chegam: braços cruzados e olhares atentos. Há risos quando se encontram. Tudo muito rápido, porque o momento é a memória daqueles que já passearam por esse mundão de Deus do qual somos herdeiros. Há visitantes que param diante de uma lápide de mármore e comentam em voz baixa, talvez, alguns fatos que relembram aquele que ali jaz. Um memorial de homens. Há algo mais triste?
A reza começa e a música a céu aberto perde-se, como perdidos ficam, aqueles que foram... Não há poesia e nem dor. Sem a poesia a razão prevalece e a lágrima não vem para abrir o coração. Nisso nomes masculinos são ouvidos, lançados pela assembleia que reza. Eis a morte que se torna vida. Tal como diz Rubem Alves: “os meus mortes ressuscitam quando me lembro deles”. Parece haver no ar um clima de comunhão. Claro, sem emoção. Tudo muito morto como é a morte que dá sinais naqueles que lembram a morte do outro... Não há dor. A morte é feminina e estamos entre mortos masculinos.
Mesmo nessas gavetas frias há um dia no ano que são lembrados. E nós, hoje, que vivemos com contas armazenadas na Internet, o que vai acontecer quando ficarmos offline para sempre? O que será de nossas fotos no Flickr, nossas mensagens no e-mail ou nossos contatos no Orkut? Nossos longos artigos de doutores e especialistas? Será tudo deletado? Alguém irá recolher alguns dados quando esse momento inevitável chegar?
Termino, porque o silêncio é pesado.
Brota uma lágrima que não sei da onde nasceu.
Não é o fim.
Lembro uma mulher que amou, poetisa e escritora e diante da morte do amado escreveu assim:
“Tanto escrevi sobre a morte
em livros e poemas nesses anos:
sempre achei que a entendia um pouco.
Mas agora que ela me dilacerou a vida,
me rasgou o peito,
me levou o amado,
sinto que mal começo a compreender
sua mensagem:
tirando-o de mim, a morte o devolve
para que seja mais meu.
Dentro de mim um quebra-cabeça, e nele o meu amado.
Nem Deus o tirará daqui.
(Lya Luft. O lado fatal. Rocco,1988, pg.45)
Descanse em paz. Amém.
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