domingo, 4 de setembro de 2011

Ciberteologia ganha espaço com artigo de padre italiano

THE Economist
Para o padre jesuíta Antonio Spadaro,
hacking é uma forma de participação
nas criações de Deus
Softwares de códigos-fonte abertos são vistos por católicos como 'próximos do divino'

“O reino dos céus pertence a criaturas como essas”, disse Jesus sobre as crianças. Mas hackers de computador podem estar competindo pelo lugar no paraíso, de acordo com Antonio Spadaro, um padre jesuíta italiano. Em um artigo publicado na La Civilità Cattolica, uma revista apoiada pelo Vaticano, ele não apenas elogiou os hackers, mas afirmou que sua abordagem da vida se aproxima do divino. Spadaro defende a ideia de que o hacking é uma forma de participação nas criações de Deus (ele se refere ao hacking no sentido tradicional da palavra, que significa a criação ou alteração de códigos, não a invasão de websites, conhecida como “cracking”).
Spadaro diz ter se interessado no assunto quando percebeu que hackers utilizavam “a linguagem dos valores teológicos” ao escrever sobre criatividade e códigos de computador, o que fez com que ele se aprofundasse no assunto. A ética dos hackers, criada na costa oeste norte-americana nos anos 1970 e 1980 era divertida, buscava o compartilhamento e desafiava modelos de controle de propriedade, competição e mesmo propriedade privada. Hackers deram origem ao movimento de “código-fonte aberto”, que cria e distribui softwares que são livres em dois sentidos: não apenas são gratuitos, mas também podem ser modificados. “Em um mundo devotado à logica do lucro”, escreveu Spadaro, hackers e cristãos têm “muito a dar uns para os outros”, na medida em que promovem uma visão mais positiva do trabalho, da distribuição e da criatividade.
Spadaro não é o único a enxergar uma afinidade entre os hackers do código-fonte aberto e o cristianismo. Defensores cristãos do modelo fundaram um grupo chamado Elèutheros para encorajar a Igreja a apoiar esse tipo de software colaborativo. Seu manifesto cita “fortes afinidades ideológicas entre o cristianismo, a filosofia do software livre, e a a adoção de formatos e protocolos abertos”. Marco Fioretti, cofundador do grupo, diz que softwares de código-fonte aberto ensinam a outros as “dimensões práticas de comunidade e caridade que já estão na mensagem da Igreja”. Também existem motivações legais. Softwares comerciais como o Microsoft Word já são amplamente pirateados em diversas partes do mundo, por católicos e não-católicos. Fioretti defende o usos de softwares livres porque não quer que pessoas “violem a lei sem razão, somente para abrir um documento da Igreja”.

Internet ‘abençoada’

Embora o Vaticano ainda precise encorajar seus fieis a viverem como hackers, a Igreja Católica já se pronunciou em relação à internet, considerando-a “verdadeiramente abençoada” por sua habilidade de conectar pessoas e compartilhar informações. O papa até mesmo abriu uma conta no Twitter. Mas elogios sempre foram temperados com alertas, e já em 2002, um documento do Vaticano chamava atenção para o fato de que “não há sacramentos na internet”. Além disso, hackers têm características problemáticas para a visão da Igreja Católica, como a desconfiança em relação às autoridades e o ceticismo quanto aos dogmas. E a ideia de alterar materiais para adequá-los às necessidades individuais é contrária à ênfase católica na autoridade e na tradição.
"Visto de fora, o hacking é encarado
como uma disciplina técnica, não como
uma visão teologicamente rica de como viver.
Mas há quem enxergue um aspecto divino
na programação – ao menos quando é encarada
sob o olhar da fé."

Spadaro reconhece essas tensões, mas acredita que elas sejam controláveis. Nem todos concordam. Eric Raymond, autor de um ensaio sobre softwares livres, “The Cathedral and The Bazaar” (“A Catedral e o Bazar”), não acredita que cristãos queiram canonizar a mentalidade hacker. Depois de ser citado no estudo de Spadaro, Raymond, em seu blog pessoal, deliberadamente comparou as catedrais com os softwares fechados de propriedade privada, num contraste com o caótico bazar de igualdades dos produtos de código-fonte abertos. “Catedrais – edifícios religiosos verticais imbuídos com a tradição do autoritarismo e da “verdade” – são o oposto do saudável, cético e antiautoritário ambiente que é o centro da cultura hacker”, escreveu Raymond, que se referiu às ideias de Spadaro como dotadas de “uma maluquice especial”.
Mas Spadaro é somente o mais recente a associar a codificação a atitudes cristãs. Don Parris, um pastor da Carolina do Norte, escreveu um artigo no Linux Journal em 2004, no qual defendia a ideia de que “softwares fechados limitam minha habilidade de ajudar o meu vizinho, um dos pilares da fé cristã”. Larry Wall, o criador da Perl, uma linguagem de programação de código-fonte aberto, declarou há uma década, que Deus espera que humanos criem e ajudem outros humanos a criar. “Do meu jeito, estou sorrateiramente ajudando pessoas a entender um pouco mais sobre o tipo de pessoa que agrada a Deus”.
Recentemente, Kevin Kelly, cofundador da revista Wired, e autor de What Technology Wants (“O que a tecnologia quer”), publicado no ano passado, diz que a habilidade de criar vidas artificiais virá com grande responsabilidade, e sugere que mundos artificiais serão necessários para imbuí-las de valores morais. “Isso causa uma espécie de ressurreição da religião, porque é o papel da religião pensar sobre assuntos como esse”, diz.
Visto de fora, o hacking é encarado como uma disciplina técnica, não como uma visão teologicamente rica de como viver. Mas há quem enxergue um aspecto divino na programação – ao menos quando é encarada sob o olhar da fé.
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Fontes: The Economist - What would Jesus hack?

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