domingo, 11 de setembro de 2011

ENSINAR A VER

Rubem Alves*

Coisa mais importante para se fazer numa manhã de domingo: ver os ipês florindos! Mas, por favor: não olhe para eles de passagem, de dentro do carro. Saía. fique debaixo deles e olhe para cima. Se o céu estiver azul você verá aquelas bolas de flores contra o azul do céu. Você já ensinou seu filho a ver? Pois trate de ensinar. Mostre a árvore de longe. Mostre de perto. Mostre uma flor, a sua simetria: pentagonal... Olhando para as flores se aprende matemática, se aprende a pensar abstratamente... Neste ano os ipês enlouqueceram. Ipês normais seguem sempre uma mesma ordem: julho, ipês roxos; agosto, ipês amarelos; setembro, ipês brancos. Neste ano, eles misturam tudo. Os ipês brancos, sempre modestos e singelos, estão uma explosão de flores. E misturados com eles, os ipês rosa claro. Encantado pelas cores, o pensamento para... "Pensar é estar doente dos olhos", bem disse Alberto Caeiro. Da janela do meu apartamento,11º andar, eu os vejo lá embaixo, tranquilizando a cidade.
DEUS E O SABIÁ: A propósito, esse poema de Emily Dickinson (1830-86): "Alguns guardam o Domingo indo à igreja / Eu o guardo ficando em casa / Tendo um sabiá como cantor / E um Pomar por Santuário. / Alguns guardam o Domingo em vestes brancas / Mas eu só uso minhas Asas / E ao invés do repicar dos sinos na Igreja / nosso pássaro canta na palmeira. / É Deus que está pregando, pregando admirável / É o seu sermão é sempre curto. / Assim, ao inv~es de chegar ao Céu, só no final / eu o encontro o tempo todo no quintal."

DEUS E O OVO: "Deus é assunto delicado de pensar; faz conta um ovo: se apertamos com força parte-se; se não seguramos bem, cai." (Dito do avô Celestino).
QUEBRA-CABEÇAS: Ver o quebra-cabeças pronto é espantoso, especialmente se for um Escher de 1 mil peças. Mas o divertido mesmo é quando as 1 mil peças estão desarrumadas, espalhadas sobre a mesa. É quando a gente não sabe, está procurando, está exercitando a inteligência. Exercício com a inteligência provoca endorfinas. Mas para ter prazer é preciso que eu esteja querendo...

MÁQUINA DO TEMPO: Escrevi umas crônicas para as minhas netas. Queria que elas viajassem comigo em minha máquina do tempo, pelos lugares onde vivi quando menino. Mas acho que quem viajou mais foram os velhos porque eles já estiveram onde já estive. Sua viagem era de reconhecimento. Acham que máquina do tempo não existe? Existe sim. São as palavras. Palavras são tapetes mágicos que no levam através do tempo.

BALANÇO: Hans Born, é marido da Tomiko, japonesa. Mandou-me um e-mail. Sobre o filme Viver, do Kurosawa. Cena de que não me lembrava: o burocrata, no fim, já perto de morrer, balança no balanço do jardim que ajudara a construir, com o rosto transfigurado de paz. Se não me engano o filme do Bergman, Gritos e Sussurros, também termina numa cena de balanço. Um balanço é uma máquina de alegria. Balançando a depressão se vai.


CATAR LIXO COMO PARTE DA GRADE CURRICULAR: Eu ia indo, guiando meu carro, de Pocinhos do Rio Verde para Caldas, lá em Minas quando vi, ao longo da estrada, um bando de crianças que caminhavam pelo acostamento. Chegando mais perto, pelo jeito delas, concluí que eram escolares. Sorriam, naquela manhã de sábado, como se estivessem indo para um piquenique. Crianças felizes. Eram pássaros livres. Chegando ainda mais perto tive uma explosão de alegria. Comecei a rir. Acenei para elas. Elas acenaram para mim. Percebi o que estavam fazendo: traziam sacos nas mãos e estavam catando o lixo acumulado à beira da estrada. Isso de catar lixo nas manhãs de sábado não está nos programas. E também não cai nas provas. Mas elas estavam fazendo aquilo que, talvez, elas já soubessem, mas a inúmeras obrigações curriculares não lhes deixavam tempo livre para fazer o essencial. Tanto assim que aquilo que estavam fazendo era num sábado... Isso é sinal de esperança. Acho bom!
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* Escritor. Teólogo. Educador
Fonte: Corrio Popular on line, 11/09/2011
Imagens da Internet
Ilustrações feita pelo Blog

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