terça-feira, 6 de setembro de 2011

Niall Ferguson - Entrevista

Niall Ferguson, historiador e professor de Harvard (Foto:  
Colin McPherson/Corbis)



S
O PODER AMERICANO É ENORME

          O historiador diz que os Estados Unidos precisam se assumir como império

ÉPOCA – Os ataques de 11 de setembro mudaram o mundo. Dez anos depois, quanto esses ataques ainda afetam o mundo em que vivemos?
Niall Ferguson – Os ataques de 11 de setembro revelaram algo que estava escondido há muito tempo: o radicalismo islâmico. Principalmente sua vertente wahabita, algo que a população americana não tinha a menor ideia, apesar de o governo saber há tempos do seu crescimento. Os ataques mudaram o comportamento americano em termos de relações internacionais. Passaram a aceitar o uso do poder militar para ameaçar o radicalismo islâmico e promover de forma agressiva as democracias no Oriente Médio. Se olharmos para a situação americana agora, é uma postura inversa à que tinham nos anos 1990. Naquela ocasião eles relutavam em usar a força de maneira preventiva. O 11 de setembro mudou a atitude dos americanos, mas não mudou o problema central da política externa americana: os Estados Unidos têm o papel de um Império, mas não têm o desejo de exercer esse papel.

ÉPOCA  – Como assim?
Ferguson – Os Estados Unidos são um império em negação. Deveriam exercer seu imperialismo de forma consciente, reconhecer o poderio que têm e aprender com os fracassos e conquistas anteriores. O poder americano ainda é e será enorme. Mas como os vitorianos pareciam hipócritas quando espalhavam civilização com a metralhadora, é impossível democratizar Fallujah com tanques. O argumento que eu uso em meu livro Colosso, de 2004, continua válido. Os Estados Unidos têm três deficits: um deficit de homens, porque não têm as tropas necessárias para fazer tudo que desejam fazer; o segundo é um deficit fiscal, que se manifestou de forma aguda agora; e o terceiro é um deficit de atenção, porque os americanos desistem de acompanhar suas mil e uma missões militares democratizantes mundo afora.

ÉPOCA – É o que acontece hoje?
Ferguson – Sim. conforme a crise econômica se amplia, os americanos se preocupam mais com o desemprego do que com operações militares. As pessoas deixam de se interessar e apoiar operações militares no Afeganistão ou no Iraque. Os Estados Unidos são uma superpotência peculiar: uma democracia com uma política anti-imperial desde os anos 1970. É um país que não tem interesse em operações militares mundo afora a menos que estejam sob ataque de alguma maneira. É a síndrome de Pearl Harbor, a síndrome do 11 de setembro. Se você perguntar aos americanos hoje qual sua principal preocupação, o desemprego estaria em primeiro lugar, e “democratizar o mundo islâmico” seria a milésima. É uma boa maneira de entender o problema hoje. O foco volta a ser a política doméstica. 

ÉPOCA – Os atentados levaram à adoção, pelos EUA, da chamada “doutrina Bush” (a Estratégia de Segurança Nacional), no final de 2002, que basicamente declarava o direito dos americanos de agir de forma preventiva contra o que considerassem uma ameaça crescente. Uma década depois, em tempos de Barack Obama e crise econômica, pode-se dizer que essa doutrina está enterrada para sempre?
Ferguson – A estratégia de segurança nacional de Bush era complexa. Previa uma ação prévia e argumentava que os americanos deveriam usar seu poder militar e econômico para promover uma democratização e uma mudança social fundamental no mundo islâmico. Essa ideia, se não está morta para sempre, está na UTI. Mas não por questões ideológicas, e sim por questões políticas e financeiras. Os democratas apoiam a melhoria da situação das mulheres no Oriente Médio. Os democratas concordam com a derrubada de todos os regimes taleban no Oriente Médio. Os democratas querem a democratização do Irã. Mas os democratas são pessimistas em relação ao que podem alcançar com intervenções militares. Bush tinha uma visão otimista do que poderia alcançar no Oriente Médio: uma democratização civilizadora e libertadora para todos os muçulmanos. Bush subestimou a situação fiscal dos Estados Unidos, e agora nós vemos as consequências. O altíssimo endividamento americano fez com que os Estados Unidos não tivessem os recursos necessários para obter o que Bush vislumbrou para o Oriente Médio. Os democratas são muito mais pessimistas, não acreditam que seja possível alcançar isso.
ÉPOCA – O termo “guerra ao terrorismo” foi gradualmente abandonado pelos EUA, já no final do governo de George W. Bush. Qual o legado dessa guerra, especialmente depois da morte de Osama Bin Laden?
Ferguson – Muitas pessoas acreditam que a Guerra ao Terror foi uma contradição em termos, porque você não pode guerrear contra um ismo, não pode guerrear contra um método. Na verdade o que houve foi uma guerra contra a Al Qaeda, e essa guerra foi muito bem sucedida. Osama Bin Laden foi morto, muitos líderes foram mortos em operações que não chegaram às manchetes. As forças especiais e de inteligência envolvidas na guerra ao terror foram muito bem sucedidas. Conseguiram prevenir e evitar uma dezena de ataques que seriam colocados em prática depois de 11 de setembro. A guerra ao terror continua e tem de continuar, porque as organizações terroristas não desistiram. Bin Laden morreu, mas novos líderes o substituíram. A guerra ao terror é verdadeira, mas não da maneira como as pessoas a veem. Em parte porque a cobertura da mídia é seletiva. É uma guerra secreta, que se desenvolve nos subterrâneos, sem as pessoas, inclusive jornalistas e políticos, saberem de fato o que está acontecendo.

ÉPOCA – O senhor acredita em um declínio do império americano?
Ferguson – Os Estados Unidos continuarão a ser uma potência, mas é preciso entender como serão. Vivemos um terremoto na imponência dos Estados Unidos. Do outro lado, vemos a China crescer e se fortalecer. Com o problema da dívida americana e dos desafios que se impõem à China, há uma guinada ocorrendo no equilíbrio de forças global. E isso será bem diferente de 1995, quando os Estados Unidos eram a força econômica e militar dominante no planeta. Será difícil manter a missão democratizante dos Estados Unidos, esse ato quase vitoriano de “civilização”, de impor a liberdade.

ÉPOCA – Passados dez anos dos atentados, o que se pode esperar daqui a dez anos sobre a relação de forças no mundo?
Ferguson – Não é algo simples. A China não está na posição de exercer nada parecido com a influência americana no passado. Até pelo desinteresse deles em atuar como potência hegemônica. Os chineses estão mais interessados em influenciar seus parceiros comerciais do que exercer um domínio sobre outros países com quem não têm relação. A China tem problemas demográficos profundos para enfrentar, problemas que a economia pós-Mao Tsé Tung não abarcou. O crescimento de uma classe média jovem é um desafio premente para a política de partido único dos comunistas, e certamente será um desafio nos próximos anos. A China tem chance de ser um igual dos Estados Unidos, mas está a quilômetros de distância de substituir os americanos. A começar pelo poderio militar. O poderio naval americano é mais de dez vezes superior ao chinês. Os chineses não têm um domínio militar, ao contrário dos soviéticos. Acho difícil falarmos em uma década da China nos próximos anos.

ÉPOCA – O senhor acredita em uma Guerra Fria entre chineses e americanos?
Ferguson – Os chineses temem uma Guerra Fria com os americanos. Há muitos problemas e questões ideológicas que os preocupam. O recente problema de espionagem cibernética dos chineses em companhias americanas é um ponto de atrito, a relação americana com Taiwan e a ingerência em assuntos com parceiros comerciais também. Mas há uma interdependência tão grande entre China e Estados Unidos que nada deve afetar a relação dos dois mais profundamente. Os chineses querem o desenvolvimento econômico americano sem o sistema político americano. Ir para a China não é como ir para a União Sovietica pré-Mikail Gorbatchev. Há tanta liberdade econômica que é inviável pensar que não há liberdade política.
ÉPOCA – Se o mundo mudou com o 11/9, ele certamente mudou novamente, e talvez mais ainda, com a crise econômica de 2008. Qual desses dos dois eventos deve ser mais determinante para o desenrolar deste século?
Ferguson – É um pouco complicado comparar um ataque terrorista a uma crise financeira. Os historiadores do futuro vão olhar em perspectiva histórica e ver a crise econômica como um evento mais grave. O 11 de setembro revelou a existência de um choque de civilizações. Despertou o mundo para o embate entre modelos de civilização que já eram parcialmente conhecidos. A escala e o impacto da crise econômica é mais profundo, porque mudou e continuará mudando a relação de poder e de influencia no mundo contra os Estados Unidos, e também contra a Europa. A crise financeira iniciada em 2008 teve um impacto muito maior no poderio americano, porque minou a economia dos Estados Unidos e deixou à mostra suas deficiências. É um impacto difícil de reverter.

ÉPOCA – Qual o papel da direita americana e do Tea Party hoje na política americana?
Ferguson – A política do Tea Party é o tipo de populismo que sempre aparece no calor de uma crise econômica. A grande crise de 1929 até 1932 produziu populistas de esquerda e de direita por todo o mundo, e a crise econômica dos anos 1970 também. Algo que espero há algum tempo é o crescimento do populismo, e o Tea Party é a face americana disso. O efeito político do crescimento do Tea Party foi fazer o partido republicano se virar ainda mais à direita no campo econômico. Se você olhar para o passado, verá que a direita americana sempre se caracterizou por questões religiosas. O Tea Party está menos interessado em religião e em questões morais do que em economia e no tamanho do Estado. É basicamente um movimento secular voltado para as raízes da história americana. É bem diferente do crescimento de grupos religiosos apoiados em questões morais como no passado. Se você olhar para as eleições presidenciais do ano que vem, verá que qualquer pessoa ou partido minimamente interessado em derrotar Barack Obama terá de lidar com e apoiar algumas das exigências do Tea Party.
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Fonte: revistaepoca.globo.com/Mundo/noticia/2011/09/05 

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