terça-feira, 6 de setembro de 2011

Michael Lind: “A Al Qaeda perdeu a guerra”

Michael Lind, historiador e diretor da Fundação New America 
(Foto: Divulgação) Não é possível determinar quem venceu a Guerra ao Terror iniciada pelos americanos depois dos atentados de 11 de setembro. Mas pra Michael Lind, historiador e diretor da Fundação New America, a Al Qaeda saiu perdendo. “Se houve ou não um vencedor é incerto, mas com certeza houve um perdedor: o movimento jihadista liderado por Osama Bin Laden”. Em entrevista exclusiva a ÉPOCA, Lind afirma que o legado do 11 de setembro é o declínio dos americanos e a ascensão de outras forças no mundo. “O relativo declínio de poder dos Estados Unidos não vai produzir uma nova hegemonia mundial, como aconteceu com os Estados Unidos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, ou com a Grã-Bretanha, no século 19. O que veremos no mundo é a volta à multipolaridade”.

O historiador e diretor da Fundação New America afirma a ÉPOCA que o legado do 11 de setembro é o ressurgimento de uma ordem multipolar

ÉPOCA – Os ataques de 11 de setembro mudaram o mundo. Dez anos depois, quanto esses ataques ainda afetam o mundo em que vivemos?
Michael Lind – O mundo mudou bem menos do que muitas pessoas previram imediatamente depois dos atentados. Dizia-se depois dos ataques que entraríamos em uma era de terroristas superarmados com armas de destruição em massa. Mas terroristas não vinculados a Estados continuam com dificuldade para conseguir armas nucleares, químicas e biológicas. Os principais ataques terroristas de 2001 para cá, inclusive o ataque na Noruega, se baseiam em métodos pouco sofisticados, com armas e bombas. Mesmo sequestrar um avião ficou quase impossível com a radicalização das medidas de segurança na maioria dos países desenvolvidos.

ÉPOCA – O termo “guerra ao terrorismo” foi gradualmente abandonado pelos EUA, já no final do governo de George W. Bush. Qual o legado dessa guerra, especialmente depois da morte de Osama Bin Laden?
Lind – O legado é uma permanente preocupação e crescimento das medidas de segurança nos Estados Unidos e em outros países preocupados com atentados terroristas da Al Qaeda, principalmente os europeus. Mesmo antes da morte da Bin Laden, reforçar a segurança contribuiu mais para evitar ataques como o de 11 de setembro do que as custosas guerras no Iraque e no Afeganistão. Ao contrário, essas guerras não apenas custaram muito dinheiro aos Estados Unidos, como também despertaram o ódio de muitos nesses países.

ÉPOCA – Alguém ganhou a guerra ao terrorismo?
Lind – Se houve ou não um vencedor é incerto, mas com certeza houve um perdedor: o movimento jihadista liderado por Osama Bin Laden. O plano da Al Qaeda era simples: assustar os eleitores americanos e europeus e forçar seus governos a cortar gastos militares e ajuda econômica a países muçulmanos, particularmente Egito, Arábia Saudita e Paquistão. Na ausência de apoio econômico a esses países, a Al Qaeda acreditava que seus governos seriam derrubados e substituídos por governos teocráticos sunitas. Essa estratégia falhou de maneira miserável. Os ataques nos Estados Unidos e Europa não fez com que eles parassem de apoiar os Estados muçulmanos que a Al-Qaeda queria substituir. Quando a revolução veio, na forma da Primavera Árabe, se inspirou por uma democracia secular e ideais nacionalistas, não pelo pastiche de radicalismo islâmico proposto por Bin Laden.

ÉPOCA – Se o mundo mudou com o 11/9, ele certamente mudou novamente, e talvez mais ainda, com a crise econômica de 2008. Qual desses dos dois eventos deve ser mais determinante para o desenrolar deste século?
Lind – A crise econômica foi um evento cabal para a história do mundo e para a economia, tão importante e profundo quando a Grande Depressão. O destino de bilhões de pessoas no mundo dependerá de quando e como o crescimento econômico global será restaurado. Historiadores vão relembrar o 11 de setembro e seus efeitos posteriores como um episódio menor, em comparação.

ÉPOCA – Passados dez anos dos atentados, o que se pode esperar daqui a dez anos sobre a relação de forças no mundo?
Lind – O relativo declínio de poder dos Estados Unidos não vai produzir uma nova hegemonia mundial, como aconteceu com os Estados Unidos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, ou com a Grã-Bretanha, no século 19. O que veremos no mundo, e já vemos hoje, é a volta à multipolaridade, baseado em gigantescas nações-Estados, com largos mercados internos como Estados Unidos, China, Índia e Brasil. Essa ordem multipolar poderá ser cooperativa ou competitiva, ou uma mistura de ambas. Acredito que será uma mistura, sem polarizações e com menos intervenções militares que possam desestabilizar o mundo.

ÉPOCA – Os atentados levaram à adoção, pelos EUA, da chamada “doutrina Bush” (a Estratégia de Segurança Nacional), no final de 2002, que basicamente declarava o direito dos americanos de agir de forma preventiva contra o que considerasse uma ameaça crescente. Uma década depois, em tempos de Barack Obama e crise econômica, pode-se dizer que essa doutrina está enterrada para sempre?
Lind – Não podemos dizer isso. A doutrina Bush continua na mentalidade dos americanos, que exercem seu poder, ainda que muitos não percebam. A doutrina se justificou pela alegação de que regimes ditatoriais poderiam entregar armas de destruição em massa para grupos terroristas como a Al Qaeda. Mas, na verdade, serviu para legitimar invasões de países hostis como o Iraque antes que eles pudessem obter armas de destruição em massa e usá-las contra as Forças americanas no futuro. O recente ataque à Líbia pela Otan não foi provocado por nenhuma força hostil, nem foi uma tentativa de evitar a produção de armas em destruição em massa: foi uma tentativa de deter uma invasão de refugiados do Norte da África para a Europa. Como muitos já apontaram, quando a Líbia abdicou de suas armas de destruição em massa, se tornou um país vulnerável aos ataques dos Estados Unidos e da Otan. Enquanto isso, a Coreia do Norte com seu pequeno arsenal nuclear está a salvo de ataques dos americanos e de seus aliados.

ÉPOCA – Cresce na opinião pública e em boa parte da classe política americanas a ideia de que os EUA precisam se concentrar mais em seus problemas internos. Dez anos depois do 11/9, que impulsionou uma nova fase de engajamento militar e político dos EUA com o exterior, estaria a superpotência abrindo mão de seu papel de liderança mundial?
Lind – Os Estados Unidos continuarão a ter a maior economia do mundo e a terceira maior população do planeta nos próximos anos. É a maior potência militar do planeta e é responsável pela moeda usada como reserva em todo o mundo. Nada dura para sempre, mas mesmo que os Estados Unidos cortem drasticamente seus investimentos militares, vão continuar como a potência dominante em um mundo multipolar por algumas décadas.

ÉPOCA – O 11/9 foi mesmo decisivo para esse declínio relativo dos EUA? Hoje estaríamos discutindo um EUA mais “low-profile” se não tivesse havido esse ataque?
Lind – A crise econômica foi mais decisiva. O 11 de setembro nos lançou em duas guerras desnecessárias, e depois o Iraque contribuiu para o aumento das despesas americanas, mas o grande baque foi a crise econômica. De qualquer forma, essa crise vai ferir mais os países que confiaram suas exportações aos consumidores americanos, como China, Japão e Alemanha, do que os Estados Unidos. É difícil, mas perfeitamente possível, para um país com o deficit comercial americano, reduzir o consumo de importações ou reconstruir a produção. É muito mais difícil para países como China, Japão e Alemanha mudar sua estratégia de crescimento de uma baseada em exportações para uma voltada para a demanda do consumo interno.
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Reportagem por RODRIGO TURRER
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Mundo/noticia/2011/09/ michael-lind-al-qaeda-perdeu-guerra.html

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