terça-feira, 6 de setembro de 2011

O Deus do republicano Rick Perry

CHRISTOPHER HITCHENS*
 

O governador do Texas e possível concorrente à Casa Branca acredita mesmo em sua retórica religiosa?

Passei, por acaso, algumas semanas no Texas no início do ano, quando o Estado estava sob o clarão inclemente de uma seca prolongada. Depois de um longo período árido, o imodesto governador e pretendente à Casa Branca pelo Partido Republicano, Rick Perry, anunciou que estava usando a autoridade a ele conferida para evocar preces pela chuva. Esses encantamentos e súplicas, com a sanção do governo, foram oferecidos aos céus. E os céus responderam continuando obstinadamente secos.
Perry, é claro, não sofreu politicamente por fazer papel de idiota. Nem mesmo os verdadeiros crentes esperam realmente que orações por chuva sejam atendidas. E, se as solicitações de Perry tivessem realmente sido seguidas por uma umidificação das nuvens e a vinda das águas revigorantes, é pouco provável que alguém fosse realmente alegar uma conexão. Não, religião na política é mais uma medida de segurança do que um verdadeiro ato de fé. Professar que se pertence a ela raramente causa prejuízo, pelo menos na temporada de primárias republicanas.
Desde a incursão absurda na meteorologia espiritual na primavera, Perry começou a dar sinais de começar um leilão religioso à direita, do qual ele mesmo é o maior comprador. O “Dia de Oração e Jejum” de Perry, em 6 de agosto, se transformou em uma demonstração de fiéis reunidos sob a grande tenda da “Resposta”. Havia grupos tradicionais como a Associação Americana pela Família e também grupos menos conhecidos. O evento foi quase simultâneo ao anúncio da intenção de concorrer à Presidência. Então, é possível dizer que a retórica religiosa não é meramente decorativa ou casual em sua campanha.
Como de costume, porém, sempre há uma margem de manobra embutida. Em 2006, Perry disse acreditar que a Bíblia é infalível. Disse também que aqueles que não aceitavam Jesus Cristo como seu salvador pessoal iriam para o inferno. Um pouco pressionado pela simples estupidez da última alegação, o governador admitiu que ele mesmo não era onisciente o suficiente para ter certeza sobre essas questões doutrinais. Perry nos diz que “acredita firmemente” na formulação do “desenho inteligente” – o mais recente disfarce retórico do criacionismo, segundo o qual algumas formas de vida surgiram de um “designer inteligente”, e não de um processo como a seleção natural. Ele pode ficar seguro de que a direita teocrática captou a mensagem.
Nesse mesmo leilão, seus principais rivais conservadores estão um tanto incapacitados. Mitt Romney, ex-governador de Massachusetts, não está em posição de fazer campanha com questões espirituais nem demonstra inclinação para isso. A sua própria religião (Romney é mórmon) é vista como bizarra para a maioria do mainstream e, na melhor das hipóteses, como herege nas fileiras cristãs evangélicas. Ponto para Perry – pelo menos entre os eleitores republicanos. A deputada Michele Bachmann, de Minnesota, se ainda estiver sendo considerada seriamente na disputa, também pode sair em desvantagem: suas posições religiosas são tão esquisitas que já fizeram com que ela parecesse maluca. E Perry, quaisquer que sejam seus defeitos, tem habilidades como ganhador de votos e “criador de empregos”, e a decisão de superar todos os competidores nas questões do sagrado e do profano pode ser a ação de um calculista.
O que sempre se quer saber sobre candidatos que acenam com o Livro sagrado é: do fundo do coração, eles acreditam nisso? Os crentes sinceros e devotos fiéis, claro, são aqueles que deveriam fazer a ele, e a si mesmos, essas perguntas. Mas isso nunca acontece. Aposto que, assim como Perry provavelmente não tentaria levar o crédito se tivesse chovido depois de suas intercessões, ele não perde muito o sono com questões doutrinais, salvação pessoal e todo o resto. O que nos leva a reformular a pergunta acima: é melhor ter um candidato que realmente acredita na infalibilidade da Bíblia e que o Grand Canyon é extremamente recente ou um candidato que finge ter essas convicções na esperança de ter ganhos políticos? Qualquer uma das opções seria deprimente.
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*É escritor, colunista da revista Vanity Fair, autor e colaborador regular do New York Times e The New York Review of Books. Escreve quinzenalmente em ÉPOCA
Fonte:  http://revistaepoca.globo.com/Mundo/noticia/2011/09/o-deus-do-republicano-rick-perry.html 

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