sábado, 3 de setembro de 2011

Vencedor do Nobel em 2010, Suzuki fala sobre novos desafios da química

No início dos anos 1960, o pesquisador japonês Akira Suzuki foi para os Estados Unidos fazer pós-doutorado na Universidade de Purdue, sob orientação de Herbert Brown, que ganharia o Prêmio Nobel de Química em 1979. Mal sabia ele que esse era um início de uma sequência de pesquisas que resultaria em outro prêmio Nobel, dessa vez para o próprio Akira, que recebeu a mais importante láurea da ciência mundial, concedida pela Academia Real de Ciências da Suécia, em outubro do ano passado, em conjunto com um pesquisador norte-americano e outro japonês.
O grande legado de Suzuki para a ciência mundial, em especial a química, foi o desenvolvimento da chamada Reação de Suzuki, uma fórmula para produzir compostos orgânicos complexos. A descoberta revolucionou as indústrias farmacêutica, de adubos e de eletrônicos. A forma de produção inventada por Suzuki — mais eficiente, barata e limpa — foi tão revolucionária que, mesmo tendo sido desenvolvida em 1979, continua sendo a base de grande parte da indústria química mundial.
Em uma passagem por Brasília para participar do 14º Encontro Brasileiro de Síntese Orgânica e proferir uma palestra na Universidade de Brasília (UnB), o pesquisador japonês conversou com a reportagem sobre o futuro da química, a necessidade de incentivar o interesse dos jovens por esse ramo da ciência e a aplicação prática dessa que é, segundo ele, “a única ciência em que é possível criar coisas”. A entrevista com Akira é a segunda de uma série que o Correio publicará mensalmente até dezembro com vencedores do Nobel de Química, neste que foi declarado pela ONU o Ano Internacional da Química.

A arte da transformação

Como foi receber o Nobel? O senhor esperava ser laureado?
De forma alguma. Meu trabalho com a síntese de compostos orgânicos foi feito entre 1975 e 1979. Em 2002, meu antigo orientador, Herbert C. Brown, que havia ganhado o Nobel em 1979, disse para mim: Akira, vamos indicar você ao prêmio. Eu disse que minha pesquisa não era tão boa para um Nobel. Ele disse que eu não teria que fazer nada, já haviam decidido isso, e apenas me mandou um manuscrito com a minha contribuição, o mesmo que mandaram para a comissão do Nobel. No fim daquele ano, ele não recebeu nenhuma resposta da Suécia.

Então foram necessárias várias tentativas?
Sim. No ano seguinte, ele me ligou dizendo que era muito difícil ganhar o Nobel, que ele próprio tinha concorrido oito ou nove vezes antes de vencer, e por isso iria me indicar novamente. Mais uma vez, não recebemos nenhuma ligação da resposta. Em 200,4 aconteceu o mesmo, só que, infelizmente, Brown faleceu em dezembro. Na minha cabeça, eu nunca ganharia o Nobel, é algo para o qual não se pode se candidatar, é preciso ser indicado por outro químico. Até que em 5 de outubro do ano passado, às 17h, estava sentado em minha sala quando recebi uma ligação. “Dr. Suzuki, tenho o prazer de informar que, na reunião do Conselho do Nobel de hoje, o senhor foi escolhido como laureado em 2010.” Eu me tornei um pesquisador muito mais bonito desde então.

Voltando ao início de sua carreira. Em que momento o senhor descobriu que queria estudar a química?
Quando eu estava na escola, eu gostava muito de matemática. Quando eu entrei na Universidade de Hokkaido, inicialmente eu ingressei na carreira de matemático. Nos primeiros anos da faculdade, cumpríamos um ciclo básico de ciências exatas. O professor de química, vendo que eu tinha potencial, me deu um compêndio escrito por um professor de Harvard. Embora não soubesse inglês muito bem, aquilo me interessou muito. Era um livro grande, e eu não conseguia parar de ler. Foi aí que eu percebi qual era minha verdadeira vocação.

E como surgiu o desejo de criar uma forma mais eficaz de sintetizar moléculas de carbono?
Muito do que está a nossa volta é feito de compostos orgânicos. O plástico da garrafa de água, a madeira da mesa, tudo é orgânico, e grande parte precisa ser sintetizado, já que não existe dessa forma no ambiente. A maneira anterior que tínhamos de sintetizar moléculas complexas orgânicas , isto é, baseadas em átomos de carbono ligados entre si, utilizava muita energia em uma reação catalisada pelo paládio. O resultado eram moléculas não tão complexas e extremamente caras. O que eu fiz foi desenvolver uma forma de acelerar esse processo, utilizar menos elementos e ter como catalisador o boro, que é muito menos poluente. Isso é muito útil. Toda tecnologia que criou telas de cristal líquido, um grande número de adubos químicos para a agricultura e remédios, como antibióticos e quimioterápicos, baseia-se ainda hoje no que desenvolvemos. Meu desejo inicial era esse: desenvolver uma forma mais simples e eficiente de fazer algo que seria útil a muitas áreas.

Quando o senhor começou a pesquisar essa fórmula, muitos colegas seus acreditaram que não teria sucesso. Em sua opinião, a comunidade científica ainda tem dificuldade em aceitar pesquisas pouco convencionais?
Em algumas áreas, quando se consegue um resultado e as pesquisas seguintes não conseguem avançar, logo se para de pesquisar e aceita-se esse resultado como a única possibilidade. No meu caso aconteceu isso. A forma anterior de síntese orgânica era tida como a única alternativa. Se você perguntasse para os pesquisadores se seria possível desenvolver um novo método, a resposta da maioria seria não. Mas eu sou otimista e pensei que, superando alguns obstáculos técnicos, seria possível desenvolver compostos orgânicos estáveis e acessíveis.
"Acho que todos os pesquisadores químicos
devem ter em mente que a
finalidade dos estudos é encontrar
novas formas de pensamento,
desenvolver novas alternativas
para solução dos problemas e
criar coisas que ajudem as pessoas.
E isso pode-se fazer
em qualquer lugar."
Entre 1963 e 1965, o senhor fez pós-doutorado nos Estados Unidos e, no restante de sua carreira, trabalhou no Japão. Existe alguma diferença entre a forma de fazer ciência no Ocidente e no Oriente?
À primeira vista, sim. A cultura e os costumes de cada país influenciam um pouco, principalmente no enfoque das pesquisas, e isso varia de pesquisador para pesquisador, de região para região. No Japão, em geral, estamos mais preocupados em entender o ser humano, enquanto nos Estados Unidos estão mais preocupados em entender a doença. Mas, no fundo, seja no Japão, no Brasil ou no Reino Unido, fazemos essencialmente a mesma coisa.

Quais são os grandes desafios da química orgânica para o futuro?
Essa é uma pergunta difícil, pois há tantas questões que precisam ser desenvolvidas que eu poderia passar horas citando-as. Uma das áreas ligadas à minha atuação que precisa ser desenvolvida diz respeito à simplificação das condições necessárias para a síntese orgânica. Em muitos casos, são necessárias altas temperaturas para fabricar certos produtos. Fazer a mesma coisas, mas em condições normais de temperatura e pressão, é algo necessário e que ainda não foi desenvolvido. Mas, como disse, esse é apenas um dos muitos desafios que precisam ser resolvidos. A química não é uma ciência estática, ela está em constante movimento e cabe às novas gerações de químicos lidar com essas questões.

No Brasil, há uma dificuldade grande para atrair a atenção dos jovens para a química. Que argumentos usaria para convencer quem está entrando na universidade agora a optar por essa ciência?
Esse não é um problema exclusivo do Brasil. Em muitas regiões, estamos lidando com a mesma situação. Eu diria que a química é uma das ciências mais interessantes exatamente porque é a única em que podemos desenvolver novos elementos. A maioria das ciências estuda o que é natural. Já na química, você pode pegar o petróleo e provocar artificialmente reações, em condições específicas, e criar o plástico, que é algo que não existiria sem a ação dos químicos. A física, a matemática ou a biologia não poderiam fazer isso. Apenas na química é possível criar.

Falando em Brasil, como o senhor avalia a ciência brasileira?
Bem, eu não conheço muito bem, de maneira geral, a ciência do Brasil. Mas, na Espanha e em outros lugares, tive contato com alguns pesquisadores brasileiros. A julgar pelo talento desses pesquisadores, eu acredito que, se o país mantiver estímulos à produção científica, o país poderá ganhar um Nobel. Entretanto, se seguirem por um caminho pelo qual outros países foram, no qual a ciência deixou de ser estimulada, acho que isso não poderá acontecer.

Que mensagem o senhor deixaria para os pesquisadores de países em desenvolvimento que trabalham em condições difíceis e mesmo assim persistem em seus estudos?
Ganhar o Nobel não é o mais importante na ciência. Em minha opinião, ele nem sequer é dado para aquele que mais contribuiu para a química. Acho que todos os pesquisadores químicos devem ter em mente que a finalidade dos estudos é encontrar novas formas de pensamento, desenvolver novas alternativas para solução dos problemas e criar coisas que ajudem as pessoas. E isso pode-se fazer em qualquer lugar.
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Reportagem por Max Milliano Melo
Fonte: Correio Braziliense on line, 02/09/2011

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