Mark A.R. Kleiman, Jonathan P. Caulkins e Angela Hawken*
"Para qualquer problema complexo", escreveu H.L. Mencken, "sempre há uma resposta clara, simples e errada".
Isso é especialmente verdade a respeito do abuso e dependência de
drogas. De fato, o problema é tão complexo que gerou não apenas uma, mas
duas soluções claras, simples e erradas: a "guerra contra as drogas"
(proibição, mais repressão maciça e indiferenciada) e as propostas de
legalização generalizada das drogas.
Felizmente, essas duas más ideias não são nossas únicas opções.
Poderíamos, em vez disso, aproveitar novas abordagens já comprovadas que
podem nos dar mais segurança, e ao mesmo tempo reduzir o número de
pessoas atrás das grades por delitos relativos a drogas.
A atual política contra as drogas faz muito mais mal do que
precisaria fazer, e muito menos bem do que poderia fazer, em grande
parte porque ignora alguns fatos básicos. Tratar todos os "usuários de
drogas" como um único grupo contradiz a chamada Lei de Pareto:
normalmente, em qualquer atividade 20% dos participantes constituem 80%
da ação.
A maioria dos usuários de drogas que causam dependência não é
dependente; mas alguns consomem grandes quantidades, e são estes que
formam a maior parte do tráfico e do faturamento, e a maior parte da
violência relacionada com drogas e outros danos colaterais para a
sociedade. Mas se forem submetidos a uma pressão adequada, até os
usuários mais pesados podem parar e, de fato, param de usar drogas.
A frustração com a situação atual da política antidrogas - o horrendo
nível de violência gerado pelo tráfico no México e na América Central, e
os custos fiscais, pessoais e sociais de encarcerar meio milhão de
traficantes de drogas nos Estados Unidos - motivaram as propostas de
alguma forma de legalização. No mês passado, na Cúpula das Américas, em
Cartagena, o presidente Barack Obama ouviu um sermão de seus colegas
latino-americanos sobre a necessidade de mudar a política antidrogas dos
EUA.
O atrativo da legalização é bem claro. De um só golpe, ela acabaria
com a maioria dos problemas do mercado negro, ao privar os bandidos
armados da sua vantagem competitiva. Mas para essa medida funcionar,
teria que incluir não só a posse de drogas mas também sua produção - e
não apenas de maconha, mas de substâncias que são realmente muito
perigosas: cocaína, crack, heroína e metanfetamina.
Legalizar a posse e a produção eliminaria muitos problemas relativos
ao tráfico, mas decerto agravaria o problema do abuso de drogas.
Poderíamos abolir o mercado ilícito de cocaína, tal como já se aboliu o
mercado ilícito de álcool; mas será que alguém considera que a atual
política para o álcool é bem-sucedida? Nos EUA, o álcool mata mais
pessoas do que todas as drogas ilícitas combinadas (85.000 mortes contra
17.000 em 2000, segundo um estudo do "Journal of the American Medical
Association"). O álcool também tem muito mais usuários viciados.
Qualquer forma de disponibilidade legal que pudesse realmente
substituir o mercado ilícito de cocaína, heroína e metanfetamina
tornaria essas drogas muito mais baratas e mais disponíveis. Se essas
drogas "pesadas" fossem vendidas mais ou menos nas mesmas condições do
álcool, há todas as razões para crer que a livre iniciativa iria
realizar a sua mágica, ampliando a base de clientes e, especificamente, o
número de consumidores problemáticos, resultando em resultados
negativos semelhantes aos do álcool em termos de doenças, acidentes e
crimes.
Por sorte, há coisas que já sabemos como fazer que funcionam
comprovadamente melhor. Tais medidas práticas não conseguiriam abolir o
abuso de drogas nem os mercados ilícitos, mas poderiam diminuir esses
problemas para um nível mais administrável.
Comecemos pelo maior problema: o álcool. Uma análise feita por Philip
Cook, da Universidade Duke, sugere que triplicar o imposto nacional
sobre o álcool - de cerca de US$ 0,10 para cerca de US$ 0,30 por bebida -
evitaria pelo menos 1.000 homicídios e 2.000 mortes em acidentes de
veículos por ano. E tudo isso sem enriquecer nenhum criminoso, colocar
ninguém atrás das grades nem mandar a polícia arrombar a porta de
ninguém.
Aumentar o imposto sobre o álcool exerceria um grande efeito sobre os
adolescentes e os que bebem muito; mas muitos usuários problemáticos
teriam dinheiro para continuar bebendo. Alguns deles gostam de beber e
dirigir, ou de beber e agredir outras pessoas. Dizer a eles que não se
comportem mal não adianta muito, pois a pessoa bêbada se torna menos
sensível à ameaça de sanções penais. Assim, precisamos encontrar
maneiras de evitar a bebida nesse grupo, relativamente pequeno, das
pessoas que se comportam muito mal quando bebem.
Larry Long, juiz de uma corte distrital do Estado de Dakota do Sul,
criou uma abordagem promissora, chamada Sobriedade 24/7. Iniciada em
2005, ela exige que as pessoas que cometem crimes relacionados com o
álcool - de início, apenas os reincidentes por dirigir embriagados, mas
agora outros infratores também - compareçam duas vezes por dia, todos os
dias, para um teste de bafômetro, como condição para ficar fora da
cadeia. Se a pessoa não aparece, ou se o teste mostra que andou bebendo,
vai direto para a cadeia por um dia.
Mais de 99% das vezes eles comparecem sóbrios, tal como lhes foi
instruído. Podem receber tratamento para o alcoolismo, ou não, é opção
de cada um; só não têm a opção de continuar bebendo. Segundo o gabinete
do procurador-geral, cerca de 20.000 cidadãos de Dakota do Sul já
participaram do Sobriedade 24/7 (um número grande para um Estado com
apenas 825.000 habitantes), e o programa reduziu muito o número de
reincidentes que dirigem embriagados.
Ao distinguir nitidamente entre as pessoas que usam mal o álcool e a
população geral de usuários não problemáticos, o Sobriedade 24/7 vai
além da simples dicotomia entre proibir uma droga por completo, ou
legalizá-la em quantidades ilimitadas para todos os adultos.
Um meio alternativo para o mesmo fim exigiria que qualquer um que
compre uma bebida mostre um documento de identidade. Um Estado poderia
então fazer com que alguém que já foi condenado por dirigir embriagado
ou cometer violência quando embriagado se torne inelegível para comprar
uma bebida, bastando apenas marcar sua carteira de motorista. É uma
intrusão mínima na liberdade das pessoas condenadas por crimes e também
na privacidade das que atualmente não têm de mostrar documento para
comprar bebidas - algo geralmente exigido para menores de idade nos EUA.
O mesmo princípio de negar drogas para usuários problemáticos poderia
funcionar para as drogas atualmente proibidas. As leis já tornam ilegal
a posse ou uso de cocaína, heroína e metanfetamina, mas o risco de
prisão é pequeno demais para servir de freio. No entanto, uma vez que
alguém foi condenado por um crime, as regras mudam. Abstinência pode ser
uma exigência para a liberação da prisão preventiva ou para a liberdade
vigiada ou condicional, e pode ser verificada com testes químicos.
Os testes para drogas já são generalizados para a liberdade vigiada e
condicional, mas esses sistemas não têm nenhuma penalidade rápida e
moderada que possa ser aplicada quando se detecta o uso de drogas.
Steven Alm, juiz da circunscrição em Honolulu, já demonstrou que as
sanções rápidas e certeiras fazem toda a diferença. Em um teste
cuidadosamente estudado, com duração de um ano, envolvendo centenas de
pessoas em liberdade condicional e vigiada, o programa chamado Hope
("Esperança", em inglês) reduziu o uso de drogas em mais de 80% e os
dias de encarceramento em mais de 50%, segundo dados do Instituto
Nacional de Justiça. Os infratores logo descobriram que usar drogas já
não era algo que podiam fazer sem consequências, e a maioria dos
usuários, mesmo os que já usavam drogas há muito tempo, conseguiu parar.
O programa os libertou do ciclo de uso de drogas, crime e
encarceramento.
Ter que telefonar todos os dias para saber se hoje é seu dia de teste
se revelou uma ferramenta poderosa para não se drogar. Como disse um
participante do programa a um pesquisador, "Saber que eu tinha que fazer
esse telefonema na manhã seguinte já cortava o barato".
Progressos substanciais na supressão do uso de drogas entre
ex-presidiários seriam um grande benefício. Isso privaria o mercado de
drogas ilícitas dos seus clientes mais valiosos, o que, por sua vez,
reduziria a violência nos bairros pobres e tiraria a pressão sobre os
países latino-americanos assolados pelo tráfico de drogas.
Desde que a guerra contra as drogas começou a sério nos EUA, há uns
30 anos, a lei constatou que é impossível deter o fluxo de drogas
ilegais. Os preços caíram apesar dos bilhões de dólares gastos na
captura e prisão de traficantes. Há muito tempo deveríamos ter mudado o
foco para a tarefa fundamental de proteger a ordem e a segurança
pública.
David Kennedy, da faculdade John Jay College, em Nova York, realizou
dois programas pioneiros integrados, visando perseguir as organizações e
traficantes mais violentos e acabar com as áreas onde o mercado é mais
violento. Seu programa de Intervenção no Mercado de Drogas, aplicado
pela primeira vez em 2004 em High Point, Estado de Carolina do Norte, e
copiado em muitos lugares, concentra-se em áreas onde as casas de crack e
a venda ostensiva de drogas pelas esquinas geram crime e desordem.
O primeiro passo, uma vez que a polícia consegue o apoio da
comunidade, é identificar todos os traficantes e abrir processos contra
eles. Daí vem a surpresa: em vez de serem presos, os traficantes não
violentos são convocados para uma reunião (os poucos violentos vão para a
cadeia). Ali lhes apresentam as provas contra eles - talvez um vídeo
que os mostra vendendo drogas - e são confrontados por vizinhos,
clérigos e parentes irados. Podem então escolher entre parar de traficar
e receber ajuda para mudar de vida, ou enfrentar o juiz.
A questão não é eliminar a oferta de drogas, mas forçar a venda de
drogas a assumir uma forma menos ostensiva e socialmente prejudicial:
vendas em bares, ou entrega em casa, e não pelas esquinas. Os resultados
têm sido espetaculares, com mercados tradicionais desaparecendo da
noite para o dia.
Em vez de tentar prender indiscriminadamente todos os traficantes, a
polícia poderia identificar os mais violentos, adverti-los de que se não
pararem imediatamente serão presos, e se concentrar em mandar para a
cadeia o maior número possível dos que não pararem as atividades. Isso
não diminuiria a oferta de drogas, mas poderia reduzir a violência nas
ruas.
Os EUA chegaram a um beco sem saída na tentativa de combater o uso de
drogas tratando todos os infratores como criminosos graves. A
legalização geral das drogas tem algum encanto superficial - ela se
encaixa muito bem em um slogan fácil ou um tweet - mas não resiste a uma
análise séria. As verdadeiras aberturas para uma reforma consistem de
políticas, e não de slogans.
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* Kleiman é professor de políticas públicas na Universidade da
Califórnia. Caulkins é professor de pesquisa de operações e políticas
públicas na Universidade Carnegie Mellon. Hawken é professora de
políticas públicas da Universidade Pepperdine. Eles são coautores do
livro "Drugs and Drugs Policy: What Everyone Needs to Know", ou "Drogas e
Política de Drogas: O Que Todo Mundo Precisa Saber", em tradução livre.
Fonte: Valor Econômico on line, 03/05/2012Imagem da Internet
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