Bruno Forte*
Publicamos a seguir o núcleo da mensagem do VII Encontro Mundial das
Famílias, que monsenhor Bruno Forte, arcebispo da diocese de
Chieti-Vasto (Abruzzo),
Bento XVI concluiu hoje, em Milão, o VII Encontro Mundial das Famílias com o tema “A família, o trabalho, a festa” (30 maio - 3 junho de 2012). É um evento com uma mensagem forte e atual. Para entendê-lo, parto de algumas frases da carta que o Santo Padre enviou para a convocação: “Nos nossos dias a organização do trabalho, pensada e atuada em função da concorrência de mercado e do máximo lucro, e a concepção da festa como ocasião de evasão e de consumo, contribuem para disgregar a família e a comunidade e para difundir um estilo de vida individualista.
Por isso, é necessário promover uma reflexão e um compromisso que visem conciliar as exigências e os tempos de trabalho com aqueles da família e recuperar o sentido verdadeiro da festa, especialmente do domingo, dia do Senhor e dia do homem, dia da família, da comunidade e da solidariedade”. Estas palavras subintendem uma alta visão do valor e do papel da família: os esposos unidos no sacramento do matrimônio são imagem da Trindade divina, do Deus que é amor e, por isso mesmo, relação e unidade do Pai, que eternamente ama, do Filho, que é eternamente amado, e do Espírito, vínculo do amor eterno. Nesta unidade profundíssima cada um é si mesmo, enquanto acolhe totalmente o outro. À luz deste modelo, a vocação matrimonial é vista como unidade plena e fiél dos dois, comunhão responsável e fecunda de pessoas livres, abertas à graça e ao dom da vida aos outros.
Seio do futuro, a família é escola de vida e de fé, na qual crianças, adolescentes e jovens podem aprender a amar a Deus e ao próximo, e os idosos, raízes preciosas, podem à sua vez sentir-se amados. A família é, assim, sujeito ativo no caminho da comunidade cristã e da sociedade civil, não somente destinatária de iniciativas, mas protagonista do bem comum em cada um dos seus componentes.
Para que isso aconteça, o pacto conjugal, que é a base da família, deve ser vivido de acordo com algumas regras fundamentais: o respeito da pessoa do outro; o esforço para entender melhor as suas razões; o saber tomar a iniciativa de pedir e oferecer perdão; a transparência recíproca; o respeito pelos filhos como pessoas livres e a capacidade de oferecer a eles razões de vida e de esperança; o deixar-se questionar pelas suas esperanças, sabendo escutá-los e dialogando com eles; a oração, com a qual pedir a Deus a cada dia um amor maior, buscando ser um para o outro, e juntos, para os filhos, dom e testemunho Dele.
Um estilo de vida semelhante não é nem fácil, nem óbvio, e muitas vezes as condições concretas da existência tendem a enfraquecê-lo: pensemos na possível fragilidade psicológica e afetiva nas relações entre os dois e em família; no empobrecimento na qualidade dos relacionamentos que pode conviver com "ménages"(triângulos amorosos) aparentemente estáveis e normais; no normal estresse originado pelos hábitos e pelos ritmos impostos pela organização social, pelos tempos de trabalho, pelas exigências de mobilidade; pela cultura de massa veiculada pelos meios de comunicação que influenciam e corroem as relações familiares, invadindo a vida da família com mensagens que banalizam a relação conjugal. Sem uma contínua, recíproca acolhida dos dois, abrindo-se um ao outro, não poderá haver fidelidade duradoura nem alegria plena: “A flor do primeiro amor murcha, se não supera a prova da fidelidade” (Soren Kierkegaard). Torna-se então mais do que nunca vital conjugar o compromisso cotidiano em família com as condições que o sustentem no âmbito do trabalho e na experiência da festa.
“A flor do primeiro amor murcha,
se não supera a prova da
fidelidade”
(Soren Kierkegaard).
Cada trabalho - manual, profissional e doméstico – tem plena dignidade: por isso é justo e correto respeitar cada uma dessas formas, também nas escolhas de vida que os esposos são chamados a fazer pelo bem da família e especialmente dos filhos. Contribui para o bem da família tanto quem trabalha em casa, quanto quem trabalha fora! Claro, o trabalho apresenta muitas vezes aspectos de cansaço, que – segundo a fé cristã – o Filho de Deus quis fazer próprio para redimí-los e sustentá-los de dentro, como lembra uma página belíssima do Concílio Vaticano II: ele “trabalhou com mãos de homem, pensou com mente de homem, agiu com vontade de homem, amou com coração de homem” (Gaudium et Spes, 22).
Inspirando-se no Evangelho, é possível, então, formar-se como homens e mulheres capazes de fazer do próprio trabalho um caminho de crescimento para si e para os outros, apesar de todos os desafios contrários. Isso requer viver o trabalho, por um lado cheio de responsabilidade pela construção da casa comum (trabalhar bem, com consciência e dedicação, qualquer que seja a tarefa que se tenha); por outro lado, em espírito de solidariedade para os mais fracos, tutelar e promover a dignidade de cada um. Nesta luz, compreende-se plenamente como a falta de trabalho seja uma ferida grave na pessoa, na família e no bem comum, e porque a segurança e a qualidade das relações humanas no trabalho sejam exigência moral que deve ser respeitada e promovida pelo indivíduo, começando pelas instituições e pelas empresas.
A propósito da festa, por fim, deve-se evidenciar o quanto ela ajude ao crescimento da comunhão familiar: nascendo do reconhecimento dos dons recebidos, que abraçam os bens da vida terrena, as maravilhas do amor recíproco, a festa educa o coração à gratidão e à gratuidade. Onde não há festa, não há gratidão, e onde não há gratidão, o dom se perde! É necessário aprender, então, a respeitar e celebrar a festa, principalmente como tempo de perdão recebido e doado, pela vida renovada pela maravilha agradecida, até se tornar capazes de viver os dias feriais com o coração de festa.
Isso é possível, se começa-se da atenção às festas que marcam o “léxico familiar" (aniversários, honomásticos, ...), até celebrar fielmente como família o encontro com Deus no domingo, dia do Senhor, encontro de graça capaz de produzir frutos profundos e surpreendentes. Quem vive a festa, é estimulado a exercitar a gratuidade, experimentando como seja verdadeiro que existe mais alegria em dar do que receber! A festa nos ensina como amar seja viver o dom de si tanto nas escolhas de fundo da existência, quanto nos gestos humildes da vida cotidiana, aprendendo a dizer palavras de amor e a ter gestos correspondentes, que jorrem de um coração grato e alegre.
A negação da festa, especialmente do domingo, é por isso um atentado ao bem precioso da harmonia e da fidelidade conjugal e familiar: e é significativo que esta mensagem resoe por Milão, capital vital e laboral da economia e da produção do País. Apostar na família fundada sobre o matrimônio e aberta ao dom dos filhos e esforçar-se para promover as condições de trabalho e de respeito para a festa, que ajudem na sua serenidade e crescimento, é contribuir para o bem de todos, livrando-se de lógicas muitas vezes redutivas e confusas com relação ao seu valor de célula decisiva da sociedade e do seu amanhã. É a mensagem que de Milão parte hoje para a Itália e para o mundo inteiro!
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* Teólogo. Escritor. Monsenhor Bruno Forte, arcebispo da diocese de Chieti-Vasto (Abruzzo).
Texto publicado ontem (03/06/2012) no Jornal italiano Il Sole 24 Ore. O prelado participou do encontro em Milão com uma grande delegação.
[Tradução Thácio Siqueira]
Fonte: Zenit. org. 04/06/2012
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