Entro no restaurante Landmarc, no Time Warner Center do Columbus
Circle, Nova York, onde agendei um almoço com Paul Krugman, vencedor do
Prêmio Nobel de economia de 2008, professor de economia e assuntos
internacionais em Princeton, e colunista liberal do "New York Times".
Não sei nada a respeito do restaurante estilo bistrô, que meu convidado
escolheu por sua conveniência - acabara de dar uma entrevista à TV, ali
perto. O restaurante é impessoal e às 14 horas, por ser um pouco tarde
para o almoço, começa a ficar vazio.
Krugman, 59 anos, o colunista mais odiado e mais admirado dos Estados Unidos, roupa amarrotada e ar professoral, está sentado em uma pequena mesa no meio do restaurante, trabalhando em seu laptop. É quinta-feira e ele está escrevendo sua coluna. Qual é o assunto?, pergunto. "Será sobre a Europa", responde. "Em parte, porque a situação está se agravando e em parte, porque estou um pouco sobrecarregado e para este assunto estou pronto. Portanto, vou ficar com ele." Entendo a sensação de estar sobrecarregado: Krugman escreve duas colunas por semana, alimenta regularmente seu blog, escreve livros populares e leciona.
O argumento da coluna será "está tudo acabado para a zona do euro?" "Não. Não acho que eles conseguirão salvar a Grécia, mas ainda poderão salvar o resto se estiverem dispostos a oferecer financiamento ilimitado e expansão macroeconômica." Mas isso significaria convencer os alemães a mudar sua filosofia de vida econômica. "Bem, a possibilidade de perder a cabeça dá um sentido de maior urgência a nossas decisões; a possibilidade de um colapso do euro poderá fazer com que eles se esforcem mais."
Mudo de assunto e pergunto como vem lidando com o fato de deixar de ser predominantemente um economista acadêmico para se transformar no principal porta-voz da causa liberal. Como isso aconteceu? "Foi engraçado. Estava escrevendo uma coluna para a [revista] 'Slate' e um pouco para a 'Fortune', e então o 'New York Times' apareceu com essa proposta. Isso foi em 1999. Achamos que iria escrever sobre as tolices das empresas pontocom e coisas do tipo, mas aquilo acabou se revelando uma responsabilidade muito maior e mesmo assustadora. Não foi nada do que planejei. O período mais difícil foi o primeiro mandato de [George W.] Bush, quando parecia que o mundo inteiro tinha enlouquecido, exceto eu, ou vice-versa, mas depois ficou mais fácil. Mas preciso dizer que a crise econômica tocou em coisas que me preocupavam há cerca de 15 anos. Tem sido, de uma forma quase alarmante, muito fácil encontrar sobre o que escrever. Mas é uma coisa muito estranha: não é de maneira nenhuma o que imaginei que estaria fazendo com a minha vida."
A conversa se volta para a crise japonesa de década de 1990. Digo que os japoneses parecem ter administrado muito bem as consequências de sua crise. Krugman concorda. "Achávamos que o Japão era um alerta. Mas o Japão acabou se mostrando quase um modelo. Eles nunca tiveram um tombo tão grade quanto o que nós tivemos. Conseguiram continuar tendo um crescimento do PIB per capita ao longo da maior parte do que nós chamamos de sua 'década perdida'. Brinco sempre que nós, que nos preocupávamos com o Japão 12 anos atrás, deveríamos ir a Tóquio e pedir desculpas ao imperador. Nos saímos pior do que eles. Quando perguntam se podemos nos transformar no Japão, eu digo: gostaria que nos tornássemos o Japão."
Fazemos nossos pedidos: salada niçoise para Krugman; terrine de "foie gras" para mim; e uma garrafa de água com gás. Estas certamente não são escolhas à altura do padrão gourmet de alguns almoços com o "Financial Times".
Volto à nossa conversa. Pergunto se ele não está sendo injusto com Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed) e seu ex-colega em Princeton. Afinal, Bernanke evitou a deflação nos Estados Unidos. Krugman responde rapidamente: "Não ligamos para deflação por que ter um pequeno menos, em vez de um pequeno mais, faz uma enorme diferença para o mundo. Nos preocupamos com a deflação porque achamos que é por causa dela que se tem uma economia persistentemente deprimida. Embora possamos não ter deflação, temos uma economia persistentemente deprimida. Então, qual é a diferença?"
Mas é claro, afirmo, que o Fed conseguiu proporcionar taxas de juros reais negativas, cortando rapidamente as taxas e evitando a deflação. Isso leva Krugman a fazer um raro elogio: "Na verdade, temos pouquíssimas queixas sobre a política monetária aqui, até algum ponto de 2009. Acho que Ben [Bernanke] respondeu agressivamente e energicamente, o que foi a coisa certa a ser feita. Ele interferiu com o afrouxamento quantitativo original e estabilizou a economia".
"A questão é: o que ele fez quando começamos a ficar mais e mais parecidos com o Japão? A essa altura, a lógica diz que você precisa encontrar uma maneira de conseguir uma certa tração. A política fiscal pode ser uma maravilha. Mas se você não está conseguindo, deve fazer alguma coisa no âmbito do Fed e eu acho que essa lógica tem ficado cada vez mais evidente com o passar dos anos. E é triste ver que o Fed, em grande parte, lavou as mãos da responsabilidade de nos tirar da recessão."
"Espero que algum dia Bernanke e Janet Yellen [a vice-presidente do
Fed] pensem que fiz um favor a eles. Há todas essas críticas dos
entusiastas da moeda forte e alguém precisa dizer: na verdade, se
pensarmos nisso de maneira realista, vocês não estão fazendo muita
coisa."
Fico imaginando o que ele faria se fosse colocado no comando. Diz que acrescentaria outros US$ 2 trilhões ao balanço do Fed, com aquisição de uma variedade mais ampla de ativos, incluindo obrigações do setor privado. "Mas, principalmente", continua ele, "você trabalha com as expectativas. Acredito que o que você realmente precisa fazer é sinalizar que vai manter o pé no acelerador."
Não importa, ele acredita, se as pessoas não estão certas de que o Fed vai persistir em seu objetivo. Simplesmente, precisam acreditar que vai chegar lá. "Portanto, se Ben Bernanke fizer um comunicado, ou o 'board' fizer um comunicado, dizendo que estão reconsiderando seus pontos de vista sobre a meta de inflação, mesmo que não tenhamos um compromisso confiável de que eles vão conseguir chegar a uma inflação anual de 3,7% em cinco anos, isso ainda será uma ajuda."
Em seu novo livro. "End this Depression Now!", Krugman despreza a teoria macroeconômica contemporânea. Também critica a ideia de que a credibilidade das políticas é importante. Sobre isso, diz: "A credibilidade soa uma maravilha, mas as evidências de que a credibilidade anti-inflacionária é de fato uma coisa importante no mundo real são basicamente nulas".
Inevitavelmente, voltamos ao tópico da hora. Ele conclui que a união cambial europeia foi um erro? "Sim, acho que estamos perguntando de quem é a culpa por esta crise. E acho que ela estava fadada a acontecer desde o dia em que o principal tratado foi assinado. Acho que o sistema poderia ser salvo com metas mais altas de inflação, o que seria uma segunda melhor opção, pobre, a uma união fiscal. Mas não, o arranjo é fundamentalmente impraticável."
"O interessante é que o próprio euro criou os choques assimétricos que agora o estão destruindo [via fluxos de capital que produziu]. Eles não só criaram algo incapaz de lidar com choques, como também a criação produziu os choques que a estão destruindo."
A esta altura, há muito terminei minha terrine. Sempre como rapidamente. Mas Krugman come sua salada muito lentamente, enquanto fala. Ele precisa dispensar os garçons várias vezes. O restaurante agora está bem vazio. Quando terminamos a refeição, peço um café expresso duplo. Ele pede um café comum.
Discutimos brevemente o futuro da macroeconomia: suas esperanças estão depositadas nos trabalhos empíricos de economistas mais jovens. "Há jovens fazendo pesquisas realmente excelentes. Há algumas exceções, mas o que realmente está conduzindo as inovações é o trabalho empírico." Krugman observa que a prestigiosa medalha Bates Clark, concedida a economistas com menos de 40 anos (que ele ganhou em 1991) "tem sido decisiva para as pessoas que estão fazendo um trabalho bastante empírico. E acho que isso será a salvação da economia no longo prazo. Se houver um longo prazo, já que as coisas estão indo muito mal".
Voltamos a conversa para a visão que ele tem sobre a política americana. Como explica o que está acontecendo?
Krugman responde que "algumas coisas parecem estar influindo aqui. Uma delas é o dinheiro. Há centros de estudos que, na verdade, não produzem muitas ideias, mas são prodigamente financiados... Você pode se divertir muito se voltar para trás e observar o que eles diziam - e isso é hilário - sobre a Islândia ser um modelo, e as maravilhas do sistema irlandês.
"E há algo sobre o apelo dessa coisa envolvendo as moedas fortes, o
padrão-ouro. Isso sempre teve um apelo, que parece estar ainda mais
forte agora. Eu poderia pensar que o fato de pessoas como eu terem
ficado tão perto de estar certas sobre a inflação e as taxas de juros
poderia levar um número substancial de pessoas a pensar que talvez suas
pressuposições não estivessem corretas. Mas não."
Pergunto se está desanimado com a incapacidade das pessoas que pensam como ele sobre a política, de se mobilizar e lutar pelo que acreditam. Afinal de contas, digo, você deve estar desapontado com a inclinação para se aceitar a necessidade de reduzir os gastos com programas de merecimento - em vez de aumentar os impostos -, quando as alíquotas de impostos federais estão excepcionalmente baixas e está havendo mudanças extraordinárias na distribuição de renda. Krugman pensa que isso tudo diz respeito apenas a dinheiro?
"Essas coisas são sempre complicadas, mas parte delas diz respeito a dinheiro. Veja só, mesmo com apenas algumas palavras suaves de reprovação, Obama perdeu uma enorme fonte de financiamento de Wall Street. E você precisa dar o crédito a quem merece: eles jogam um jogo prolongado. Passaram mais de 40 anos dedicados a mostrar que "o governo é ruim" ou "os impostos são ruins".
Mas, "há agora uma estrutura progressista organizada de uma maneira que não existia. É pequena e mal financiada, em comparação ao outro lado, mas é também mais sagaz do que o outro lado. Sinto pessoalmente que, embora não esteja tendo as políticas que queria, sou ouvido de uma forma que não acontecia até mesmo dois anos atrás".
Então, como Krugman lida com o ódio que desperta? "O período entre
2002 e 2004 foi de longe o pior, e não envolveu principalmente a
economia, mas o fato de que eu estava basicamente sozinho ao afirmar que
mentíamos ao ir para a guerra. Mas você precisa desenvolver uma pele
grossa. Desenvolvi, de certo modo, a convicção de que, se não consigo
despertar muita resistência histérica, então provavelmente perdi o
espaço da coluna."
"Estou nisso há muito tempo e foi realmente chocante no começo. Mas você acaba se acostumando. Acho que muita gente fica assustada. Muitos jornalistas, na primeira vez em que publicam algo que contenha até mesmo uma crítica branda à ortodoxia da direita, dão de frente com essa tempestade de fogo e nunca mais voltam. Eles fogem correndo depois disso. Mas já passei desse ponto há muito tempo."
Pergunto sobre seu estilo enérgico e provocador. Até que ponto é consciente? "Eu já fazia algo assim na 'Slate', de modo que fui aprendendo, mas a maneira de escrever para o 'New York Times' exige ainda mais. Há um lado artesanal em fazer isso funcionar, de modo que alguém - cuja tendência normal é considerar a economia um assunto chato - vai ler seu texto."
O que me fascina, digo eu, é como ele administra a produção, especialmente a quantidade de blogging que está fazendo. Obviamente, Krugman é mais ágil do que a maioria das pessoas, mas como ele consegue tempo para as outras coisas?
"Ainda estou lecionando. Provavelmente, trabalho 70 horas por semana, mas não 100 horas. Mas sou muito rápido. Escrevo mais rápido do que qualquer jornalista, o que acaba sendo interessante."
Krugman é conhecido por resistir às explicações estruturais para os níveis elevados de desemprego. Mas o que ele pensa da visão de que nossas economias estão perigosamente viciadas nas 'bolhas' financeiras e dos preços dos ativos? Ele responde perguntando se eu já vi a publicação satírica "The Onion". "Bem no começo, eles apareceram com a manchete perfeita: 'Nação destruída pela recessão exige nova bolha para investir'".
E então, como está indo seu novo livro? "Vai bem, é engraçado. Estamos nas listas dos best-sellers nos EUA. Mas está vendendo como pão quente na Europa. Estamos na quarta edição na Espanha e eles vão colocar anúncios nas laterais dos ônibus em Madri, ao que parece."
Isso nos leva de volta à crise da zona do euro. Observo que os alemães estão agora na posição de ter de escolher entre ajudar permanentemente aqueles que consideram como aproveitadores, ou romper com tudo, provocando uma imensa bagunça econômica e política. Estou condoído com a situação deles.
Ele responde: "Lembro de uma coluna espirituosa publicada pelo 'Independent', por volta de 1992, sobre a decisão de concedor o Booker Prize ao Tratado de Maastricht - um romance pós-moderno na forma estrita de um tratado. E ao longo de todo o romance, pode-se perceber, ao fundo, forças poderosas com motivos desconhecidos. Quem são essas forças e o que elas querem? Nunca ficamos sabendo. Foi uma sátira maravilhosa".
Terminamos o café e saímos do restaurante vazio. Krugman volta para Princeton e sua coluna e eu retorno à redação do "Financial Times" em Nova York. A crise prossegue. Ele é o crítico que os conservadores detestam e os liberais elogiam. Nos EUA, qualquer um pode se tornar qualquer coisa. Um economista teórico vencedor do Nobel pode até mesmo se tornar o colunista mais controvertido do país.
(Tradução de Mário Zamarian)
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Reportagem Por Martin Wolf | Do Financial Times
Fonte: Valor Econômico on line, 01/06/2012
Krugman, 59 anos, o colunista mais odiado e mais admirado dos Estados Unidos, roupa amarrotada e ar professoral, está sentado em uma pequena mesa no meio do restaurante, trabalhando em seu laptop. É quinta-feira e ele está escrevendo sua coluna. Qual é o assunto?, pergunto. "Será sobre a Europa", responde. "Em parte, porque a situação está se agravando e em parte, porque estou um pouco sobrecarregado e para este assunto estou pronto. Portanto, vou ficar com ele." Entendo a sensação de estar sobrecarregado: Krugman escreve duas colunas por semana, alimenta regularmente seu blog, escreve livros populares e leciona.
O argumento da coluna será "está tudo acabado para a zona do euro?" "Não. Não acho que eles conseguirão salvar a Grécia, mas ainda poderão salvar o resto se estiverem dispostos a oferecer financiamento ilimitado e expansão macroeconômica." Mas isso significaria convencer os alemães a mudar sua filosofia de vida econômica. "Bem, a possibilidade de perder a cabeça dá um sentido de maior urgência a nossas decisões; a possibilidade de um colapso do euro poderá fazer com que eles se esforcem mais."
Mudo de assunto e pergunto como vem lidando com o fato de deixar de ser predominantemente um economista acadêmico para se transformar no principal porta-voz da causa liberal. Como isso aconteceu? "Foi engraçado. Estava escrevendo uma coluna para a [revista] 'Slate' e um pouco para a 'Fortune', e então o 'New York Times' apareceu com essa proposta. Isso foi em 1999. Achamos que iria escrever sobre as tolices das empresas pontocom e coisas do tipo, mas aquilo acabou se revelando uma responsabilidade muito maior e mesmo assustadora. Não foi nada do que planejei. O período mais difícil foi o primeiro mandato de [George W.] Bush, quando parecia que o mundo inteiro tinha enlouquecido, exceto eu, ou vice-versa, mas depois ficou mais fácil. Mas preciso dizer que a crise econômica tocou em coisas que me preocupavam há cerca de 15 anos. Tem sido, de uma forma quase alarmante, muito fácil encontrar sobre o que escrever. Mas é uma coisa muito estranha: não é de maneira nenhuma o que imaginei que estaria fazendo com a minha vida."
É triste ver que o Fed lavou as mãos da
responsabilidade de nos tirar da recessão. O que você realmente precisa
fazer é sinalizar que vai manter o pé no acelerador
A conversa se volta para a crise japonesa de década de 1990. Digo que os japoneses parecem ter administrado muito bem as consequências de sua crise. Krugman concorda. "Achávamos que o Japão era um alerta. Mas o Japão acabou se mostrando quase um modelo. Eles nunca tiveram um tombo tão grade quanto o que nós tivemos. Conseguiram continuar tendo um crescimento do PIB per capita ao longo da maior parte do que nós chamamos de sua 'década perdida'. Brinco sempre que nós, que nos preocupávamos com o Japão 12 anos atrás, deveríamos ir a Tóquio e pedir desculpas ao imperador. Nos saímos pior do que eles. Quando perguntam se podemos nos transformar no Japão, eu digo: gostaria que nos tornássemos o Japão."
Fazemos nossos pedidos: salada niçoise para Krugman; terrine de "foie gras" para mim; e uma garrafa de água com gás. Estas certamente não são escolhas à altura do padrão gourmet de alguns almoços com o "Financial Times".
Volto à nossa conversa. Pergunto se ele não está sendo injusto com Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed) e seu ex-colega em Princeton. Afinal, Bernanke evitou a deflação nos Estados Unidos. Krugman responde rapidamente: "Não ligamos para deflação por que ter um pequeno menos, em vez de um pequeno mais, faz uma enorme diferença para o mundo. Nos preocupamos com a deflação porque achamos que é por causa dela que se tem uma economia persistentemente deprimida. Embora possamos não ter deflação, temos uma economia persistentemente deprimida. Então, qual é a diferença?"
Mas é claro, afirmo, que o Fed conseguiu proporcionar taxas de juros reais negativas, cortando rapidamente as taxas e evitando a deflação. Isso leva Krugman a fazer um raro elogio: "Na verdade, temos pouquíssimas queixas sobre a política monetária aqui, até algum ponto de 2009. Acho que Ben [Bernanke] respondeu agressivamente e energicamente, o que foi a coisa certa a ser feita. Ele interferiu com o afrouxamento quantitativo original e estabilizou a economia".
"A questão é: o que ele fez quando começamos a ficar mais e mais parecidos com o Japão? A essa altura, a lógica diz que você precisa encontrar uma maneira de conseguir uma certa tração. A política fiscal pode ser uma maravilha. Mas se você não está conseguindo, deve fazer alguma coisa no âmbito do Fed e eu acho que essa lógica tem ficado cada vez mais evidente com o passar dos anos. E é triste ver que o Fed, em grande parte, lavou as mãos da responsabilidade de nos tirar da recessão."
Fico imaginando o que ele faria se fosse colocado no comando. Diz que acrescentaria outros US$ 2 trilhões ao balanço do Fed, com aquisição de uma variedade mais ampla de ativos, incluindo obrigações do setor privado. "Mas, principalmente", continua ele, "você trabalha com as expectativas. Acredito que o que você realmente precisa fazer é sinalizar que vai manter o pé no acelerador."
Não importa, ele acredita, se as pessoas não estão certas de que o Fed vai persistir em seu objetivo. Simplesmente, precisam acreditar que vai chegar lá. "Portanto, se Ben Bernanke fizer um comunicado, ou o 'board' fizer um comunicado, dizendo que estão reconsiderando seus pontos de vista sobre a meta de inflação, mesmo que não tenhamos um compromisso confiável de que eles vão conseguir chegar a uma inflação anual de 3,7% em cinco anos, isso ainda será uma ajuda."
Em seu novo livro. "End this Depression Now!", Krugman despreza a teoria macroeconômica contemporânea. Também critica a ideia de que a credibilidade das políticas é importante. Sobre isso, diz: "A credibilidade soa uma maravilha, mas as evidências de que a credibilidade anti-inflacionária é de fato uma coisa importante no mundo real são basicamente nulas".
Inevitavelmente, voltamos ao tópico da hora. Ele conclui que a união cambial europeia foi um erro? "Sim, acho que estamos perguntando de quem é a culpa por esta crise. E acho que ela estava fadada a acontecer desde o dia em que o principal tratado foi assinado. Acho que o sistema poderia ser salvo com metas mais altas de inflação, o que seria uma segunda melhor opção, pobre, a uma união fiscal. Mas não, o arranjo é fundamentalmente impraticável."
Metas maiores de inflação poderiam ser uma
opção para o euro, em vez de uma união fiscal, mas não, o arranjo é
fundamentalmente impraticável
"O interessante é que o próprio euro criou os choques assimétricos que agora o estão destruindo [via fluxos de capital que produziu]. Eles não só criaram algo incapaz de lidar com choques, como também a criação produziu os choques que a estão destruindo."
A esta altura, há muito terminei minha terrine. Sempre como rapidamente. Mas Krugman come sua salada muito lentamente, enquanto fala. Ele precisa dispensar os garçons várias vezes. O restaurante agora está bem vazio. Quando terminamos a refeição, peço um café expresso duplo. Ele pede um café comum.
Discutimos brevemente o futuro da macroeconomia: suas esperanças estão depositadas nos trabalhos empíricos de economistas mais jovens. "Há jovens fazendo pesquisas realmente excelentes. Há algumas exceções, mas o que realmente está conduzindo as inovações é o trabalho empírico." Krugman observa que a prestigiosa medalha Bates Clark, concedida a economistas com menos de 40 anos (que ele ganhou em 1991) "tem sido decisiva para as pessoas que estão fazendo um trabalho bastante empírico. E acho que isso será a salvação da economia no longo prazo. Se houver um longo prazo, já que as coisas estão indo muito mal".
Voltamos a conversa para a visão que ele tem sobre a política americana. Como explica o que está acontecendo?
Krugman responde que "algumas coisas parecem estar influindo aqui. Uma delas é o dinheiro. Há centros de estudos que, na verdade, não produzem muitas ideias, mas são prodigamente financiados... Você pode se divertir muito se voltar para trás e observar o que eles diziam - e isso é hilário - sobre a Islândia ser um modelo, e as maravilhas do sistema irlandês.
Pergunto se está desanimado com a incapacidade das pessoas que pensam como ele sobre a política, de se mobilizar e lutar pelo que acreditam. Afinal de contas, digo, você deve estar desapontado com a inclinação para se aceitar a necessidade de reduzir os gastos com programas de merecimento - em vez de aumentar os impostos -, quando as alíquotas de impostos federais estão excepcionalmente baixas e está havendo mudanças extraordinárias na distribuição de renda. Krugman pensa que isso tudo diz respeito apenas a dinheiro?
"Essas coisas são sempre complicadas, mas parte delas diz respeito a dinheiro. Veja só, mesmo com apenas algumas palavras suaves de reprovação, Obama perdeu uma enorme fonte de financiamento de Wall Street. E você precisa dar o crédito a quem merece: eles jogam um jogo prolongado. Passaram mais de 40 anos dedicados a mostrar que "o governo é ruim" ou "os impostos são ruins".
Mas, "há agora uma estrutura progressista organizada de uma maneira que não existia. É pequena e mal financiada, em comparação ao outro lado, mas é também mais sagaz do que o outro lado. Sinto pessoalmente que, embora não esteja tendo as políticas que queria, sou ouvido de uma forma que não acontecia até mesmo dois anos atrás".
"Estou nisso há muito tempo e foi realmente chocante no começo. Mas você acaba se acostumando. Acho que muita gente fica assustada. Muitos jornalistas, na primeira vez em que publicam algo que contenha até mesmo uma crítica branda à ortodoxia da direita, dão de frente com essa tempestade de fogo e nunca mais voltam. Eles fogem correndo depois disso. Mas já passei desse ponto há muito tempo."
Pergunto sobre seu estilo enérgico e provocador. Até que ponto é consciente? "Eu já fazia algo assim na 'Slate', de modo que fui aprendendo, mas a maneira de escrever para o 'New York Times' exige ainda mais. Há um lado artesanal em fazer isso funcionar, de modo que alguém - cuja tendência normal é considerar a economia um assunto chato - vai ler seu texto."
O que me fascina, digo eu, é como ele administra a produção, especialmente a quantidade de blogging que está fazendo. Obviamente, Krugman é mais ágil do que a maioria das pessoas, mas como ele consegue tempo para as outras coisas?
"Ainda estou lecionando. Provavelmente, trabalho 70 horas por semana, mas não 100 horas. Mas sou muito rápido. Escrevo mais rápido do que qualquer jornalista, o que acaba sendo interessante."
Krugman é conhecido por resistir às explicações estruturais para os níveis elevados de desemprego. Mas o que ele pensa da visão de que nossas economias estão perigosamente viciadas nas 'bolhas' financeiras e dos preços dos ativos? Ele responde perguntando se eu já vi a publicação satírica "The Onion". "Bem no começo, eles apareceram com a manchete perfeita: 'Nação destruída pela recessão exige nova bolha para investir'".
E então, como está indo seu novo livro? "Vai bem, é engraçado. Estamos nas listas dos best-sellers nos EUA. Mas está vendendo como pão quente na Europa. Estamos na quarta edição na Espanha e eles vão colocar anúncios nas laterais dos ônibus em Madri, ao que parece."
Isso nos leva de volta à crise da zona do euro. Observo que os alemães estão agora na posição de ter de escolher entre ajudar permanentemente aqueles que consideram como aproveitadores, ou romper com tudo, provocando uma imensa bagunça econômica e política. Estou condoído com a situação deles.
Ele responde: "Lembro de uma coluna espirituosa publicada pelo 'Independent', por volta de 1992, sobre a decisão de concedor o Booker Prize ao Tratado de Maastricht - um romance pós-moderno na forma estrita de um tratado. E ao longo de todo o romance, pode-se perceber, ao fundo, forças poderosas com motivos desconhecidos. Quem são essas forças e o que elas querem? Nunca ficamos sabendo. Foi uma sátira maravilhosa".
Terminamos o café e saímos do restaurante vazio. Krugman volta para Princeton e sua coluna e eu retorno à redação do "Financial Times" em Nova York. A crise prossegue. Ele é o crítico que os conservadores detestam e os liberais elogiam. Nos EUA, qualquer um pode se tornar qualquer coisa. Um economista teórico vencedor do Nobel pode até mesmo se tornar o colunista mais controvertido do país.
(Tradução de Mário Zamarian)
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Reportagem Por Martin Wolf | Do Financial Times
Fonte: Valor Econômico on line, 01/06/2012
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