Paulo Ghiraldelli Jr.*
Nossa
imprensa é mais ideológica que informativa, se comparada com a imprensa
de outras democracias ocidentais. A razão disso é que, por questões
culturais e educacionais, carecemos de um grande público leitor de
jornais e revistas. Um grande público naturalmente busca informações
sobre negócios, serviços, oportunidades e entretenimento, mas não temos
isso e, então, nossa mídia fica refém de um público menor, mais
escolarizado e muito preocupado em se mostrar para si mesmo como
“crítico”. A maneira que esse grupo busca se diferenciar do que chama de
“o povo” ou “o povão” (“a patuléia”, dizia-se no passado), é exatamente
por meio da detenção de uma visão politizada de quase tudo,
identificando as visões dos que seriam os não leitores como “ingênua”.
Esse público divide-se facilmente em esquerda e direita.
Como a questão não é ser filosoficamente crítico
e, sim, dar a impressão para outros e para si mesmo que se é crítico,
então, o caminho é ampliar ao máximo a politização, de modo a marcar
posição para tudo, antecipadamente, o que é facilmente confundido com
“inteligência” e “crítica”. Isso é feito à esquerda e à direita.
Jornalistas saem na frente fazendo isso, produzindo notícias com clara
tendência ideológica. Depois, alguns professores universitários aderem,
produzindo comentários ideológicos. Enfim, a população leitora se divide
em esquerda e direita, realimentado sempre as mesmas posições e
interpretações do que ocorre, independente da mudança de rumos da vida
social e política.
Isso explica bem nossas revistas, em especial a Veja e a Carta Capital ou a Isto é.
Os partidos e governos não precisaram cooptá-las, bastou que eles
existissem para que elas mesmas se oferecessem para cumprir funções
partidárias de tal modo exageradas que, às vezes, até mesmo os políticos
que são beneficiados se envergonham das manchetes. E isso explica,
também, os comentaristas políticos que nunca emitem opinião que não seja
sempre a mesma. Por exemplo, nunca se vê o jornalista Neumanne Pinto
conseguir tirar algo de bom de qualquer governo do PT ou das esquerdas.
Nunca se vê o professor Emir Sader fazer outra coisa senão a apologia de
um esquerdismo que beira o fanatismo. Poderia citar aqui uma lista de
outros que agem assim, de lado a lado. E poderia citar os casos em que
isso se dá por vínculos financeiros. Há jornalista na Veja que é
“de direita”, mas que é mais de direita à medida que o PSDB lhe dá
chances na vida que outros não lhe dariam. Na esquerda, há o caso
descabelado do Nassif, que é empregado do governo (com uma empresa que
ganha contratos de serviços a preço altíssimo, sem licitação!), e que
produz jornalismo marrom, ou seja, cria fatos a favor do governo, contra
a oposição, e defende o governo do PT mesmo em projetos malucos. O
público leitor segue essas visões, de um lado e de outro, cegamente, e
aderem à politização extremada.
Ora, um público assim, obviamente, não
chega a lugar algum. Tudo que um lado faz, eu aplaudo, sem nunca
questionar algo simples: como podem as pessoas desse lado político estar
sempre certas, e o outro lado sempre errado? Essa pergunta fácil,
simples, é evitada. Porque se sou esse tipo de crítico, nesse caso, meu
papel é sempre mostrar que o outro está escondendo algo, mentindo,
fazendo “algo por trás”, e que, estando eu do lado que estou, posso
facilmente ver tudo que o outro não mostra – e o mais importante, ver
tudo que o “ingênuo”, o “povão”, não consegue ver. É uma posição
extremamente infantil esta, e decorre do excesso de politização, cuja
conseqüência é o partidarismo exacerbado. Lê-se, portanto, não para
saber o que ocorre, mas para saber o que ocorre já segundo uma visão
(não raro mentirosa) que se deve endossar e, então, propagandear. Pois
aquele que se quer mostrar crítico, inteligente, também acha importante
levar “a boa nova” para o outro, tirando o outro da ingenuidade, ou
então, “dando pau” no adversário, que está “equivocado” ou porque é “de
direita” ou “de esquerda” – sempre o lado contrário do qual o “crítico”
está.
Por essa razão, nossa classe média, que é
para quem as revistas e os jornais são feitos, às vezes disserta sobre o
Brasil de um modo que, se pensarmos um pouco, não é nada melhor do que
poderiam fazer os que nada lêem. Surge entre nós algo impossível de
encontrarmos em outros países no grau aqui manifestado: quanto mais
encontramos leitores que acompanham a mídia, menos temos chances de
encontrar gente com opinião efetivamente útil, capaz de nos dar
parâmetros para as contingências da vida.
Isso leva a uma terceira posição
radical, que também peca por excesso de politização. São a daqueles que
se recusam a acompanhar a mídia. A mídia é “totalmente vendida”, quando o
lado oposto do meu está falando mais e mais alto. E nesse caso, viro
urso, ou seja, vou para a minha caverna para entrar em mais um inverno
de hibernação. Condeno a TV, as revistas, os jornais e até mesmo a
Internet (Marilena Chauí chegou a dizer isso, que ela não ia mais ler
jornais!). Acabo tendo aquela vontade que Voltaire dizia sentir quando
ele lia Rousseau: cair sobre quatro patas. Inicia-se a idolatria e a
apologia do “homem ingênuo”, “popular” etc. Essa terceira posição, que
às vezes cai à direita e às vezes à esquerda (fascistas e comunistas
precisam de “massa”), não ganhada nada em relação às outras duas. Ela
também é assumida por um grupo pequeno, e não por reais “populares”.
A democracia precisa de educação. Mas,
em grande escala e de forma plural e livre. Livre quer dizer o seguinte:
o modelo chinês e o cubano ou coreano, não nos servem. É isso, a
educação em larga escala, plural e livre, que faz com que o leitor possa
diminuir seu grau de politização e, então, desligar-se dessa
necessidade de avaliar a priori tudo, para se achar ”crítico” e
para parecer “crítico”. Quando a leitura aumenta em um povo democrático
e sua qualidade se diversifica, rapidamente a política deixa de ser o
foco principal pela qual se compram jornais e revistas. A politização
ganha o seu lugar devido, sem inflacionar nada. É certo que a política
na mídia é ampliada em épocas de mudanças sociais ou políticas bruscas,
com um fato ou outro, mas retira-se do campo da conversação cotidiana em
épocas corriqueiras. Futebol, mulheres que irão posar nuas, cantores
abusados etc., são os assuntos que ocupam de novo o interesse de todos, e
logo em seguida aparecem também os filmes, os livros da semana, as
grandes questões internacionais, as histórias particulares dramáticas e
edificantes etc. O jornalismo, então, passa a ser aquilo que Gramsci
dizia que ele era mesmo quando ruim, a “escola dos adultos”. Mas, na
falta de leitores bons, surgem os leitores “críticos”, e estes, por sua
vez, são essa lástima que vemos entre nós, alimentados justamente por
aqueles jornalistas que também são uma lástima.
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*Paulo Ghiraldelli, filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/2012/05/30/as-vezes-quanto-mais-leitura-pior-fica/
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