quinta-feira, 1 de novembro de 2012

“A universidade deve reagir à mercantilização do conhecimento”

Boaventura fala sobre a universidade como
 veículo das transformações sociais 
e promete convocar plateia da 
Aula da Inquietação para uma
 "rebeldia competente"

Importante defensor da atuação da universidade nas transformações políticas e econômicas, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos chegou à Capital Federal para convocar a comunidade da Universidade de Brasília e do Distrito Federal a se engajar numa utopia possível e emergencial. Nesta terça-feira, 30, todos terão a oportunidade de reencontrar a mensagem do estudioso na Aula da Inquietação, que acontece às 10h, no Teatro de Arena do campus Darcy Ribeiro.
Além disso, o sociólogo recebeu, na noite de segunda-feira, 29, o título de Doutor Honoris Causa. A cerimônia aconteceu no Memorial Darcy Ribeiro e contou com a saudação feita pela filósofa Marilena Chaui. Professora da Universidade de São Paulo, declarou que se sentia honrada por saudar o sociólogo português. “É uma honra participar. Mas, antes de tudo, é uma honra para a UnB e para a academia brasileira receber um pensador desse porte”, elogiou.
Marilena Chaui explicou que o professor Boaventura de Sousa Santos é o criador de duas posições teóricas importantes. “Ele desenvolveu a crítica da razão indolente: uma forma de interpretar a ciência, a política e a cultura que, ao fim e ao cabo, impede a sociedade de ver adequadamente o real; e a proposta de superar o etnocentrismo, o eurocentrismo e a razão cognitiva instrumental, dominante na ciência e na tecnologia”, explicou a filósofa. A professora definiu a obra de Boaventura de Sousa Santos como inovadora, instigante e afirmou que ela propõe uma mudança radical e benéfica na maneira de encarar a ética, a política e a cultura.
Antes da cerimônia, o professor português conversou com a UnB Agência e falou um pouco sobre a importância da universidade nas transformações sociais advindas da crise econômica mundial, sobre o combate a mercantilização do conhecimento e a necessidade de garantir a inclusão social e a democratização do saber. Ele também defendeu as ações afirmativas e abordou políticas sociais e econômicas do Governo Dilma Rousseff. Ao final, o português prometeu, na Aula da Inquietação, provocar estudantes e professores a uma "rebeldia competente". 

Qual o lugar e a missão da universidade neste momento, de tantas e profundas mudanças sociais e econômicas?
Boaventura de Sousa Santos: A universidade sofre atualmente com os embates políticos e sociais provocados pela crise e recebe pressões para que se submeta às necessidades do mercado. Isso é mais nítido na Europa e nos Estados Unidos, mas pode ser percebido também em países do Hemisfério Sul. 
Do século XIX para cá, as universidades foram instituições que tiveram papel importante na construção do Estado e na democratização do saber, ainda que só recentemente grupos como os indígenas e os negros tenham conseguido algum tipo de inserção nesse ambiente.
Por isso, hoje a universidade é mais necessária do que nunca. E ela tem a missão de preservar a democratização do saber, desde que resista às pressões pela mercantilização do conhecimento. Não podemos valorizar apenas os saberes que dão origem às patentes, ou seja, aquele conhecimento com valor de mercado. É necessário dar incentivos para as ciências humanas e sociais, para aqueles departamentos que não criam produtos, mas ajudam a preservar saberes valiosos para os povos. Conhecimentos que não podem ser vendidos, de culturas tradicionais como as comunidades remanescentes de quilombos, por exemplo.  

Mas a universidade pode mudar, ou ajudar a mudar as relações sociais vigentes atualmente?     
Boaventura de Sousa Santos: O que estamos vendo atualmente é que a sociedade perde sua coesão à medida que a crise avança. Basta ver os protestos e os conflitos que acontecem na Grécia, na Itália e na Espanha. Nesse sentido, a universidade ajuda a manter a coesão social, mas apenas na medida em que preserva a tradição do pensamento crítico e que se torna mais inclusiva. Do contrario, se submetendo às necessidades do capital, ela deixa de ser parte da solução e passa a contribuir com os problemas sociais.
Uma das dificuldades enfrentadas pela academia, atualmente, está justamente nos mecanismos de avaliação dos professores e pesquisadores. Os parâmetros são restritos e se submetem a certo conjunto de publicações e de pesquisas, normalmente em inglês. Já existem reações, por exemplo na Inglaterra e na França, a esses mecanismos restritivos; critérios que não compreendem adequadamente iniciativas importantes como as atividades de extensão e outras ações comunitárias e sociais realizadas ou acompanhadas por pesquisadores, professores ou estudantes, de universidades.

Uma lei recente alterou a destinação das vagas universitárias em instituições federais de ensino superior do Brasil. Criou-se um conjunto de cotas com recorte em escolaridade, renda e raça. Qual a sua opinião sobre isso?
Boaventura de Sousa Santos: Sou um apoiador das ações afirmativas e saudei a iniciativa pioneira de instituições como a Universidade de Brasília, quando adotou o sistema de cotas para negros; bem como as várias iniciativas propostas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Entendo que a democracia racial, por exemplo, é uma aspiração legítima, mas que precisa ainda ser construída. Ela não existe na realidade e a sociedade deve apoiar medidas legais – previstas, inclusive, na Constituição – para combater injustiças históricas cometidas contra diversos grupos, como as populações negras ou indígenas. 
São iniciativas coerentes e amplas e não devem se limitar à educação. Sou também a favor de cotas para o serviço público, por exemplo. Agora, é claro que as ações afirmativas buscam corrigir injustiças históricas; portanto, elas têm um caráter transitório, limitado no tempo. Mas, ao contrario de muitos grupos que as acusam de desrespeitar o mérito, acredito que o verdadeiro mérito deve buscar a igualdade entre os grupos, respeitando as diferenças. Devemos lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem e lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize.

E as políticas sociais no Brasil hoje?
Boaventura de Sousa Santos: Reconheço a importância das iniciativas de desenvolvimento com redução das desigualdades sociais realizadas nos últimos dez anos. O Programa Bolsa Família, por exemplo, é uma iniciativa reconhecida como exemplar em todo o mundo. Hoje existe mais equilíbrio e distribuição de renda do que a alguns anos. Não podemos negar o fato de que a classe média cresceu de 38% para 53% da população.
Mas diversas iniciativas de desenvolvimento tem me preocupado. O desrespeito às comunidades rurais e aos indígenas na fronteira agrícola, o aumento da violência do campo, o fortalecimento da economia baseada em commodities e em minérios, com desrespeito ao meio ambiente, são problemas urgentes e que precisam ser combatidos.  

VIDA E OBRA – Boaventura de Sousa Santos nasceu em Coimbra, em 1940 e têm Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973). É professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e leciona também nas Universidades de Wisconsin-Madison e de Warwick. Além disso, dirige o Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia e o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra.
O português chegou a morar numa favela do Rio de Janeiro, nos anos 1970. Ele escolheu o Brasil como cenário para compreender as raízes das injustiças econômicas e sociais e debater um novo caminho para o mundo. Suas ideias costumam ser evocadas em discussões que envolvem os temas mais sensíveis da atualidade.
Assiduamente convidado a participar de atividades na Capital Federal, a primeira aproximação de Boaventura de Sousa Santos com a UnB aconteceu ainda na década de 1970, quando seus textos foram pela primeira vez alvos de debates em seminários na UnB. A aproximação foi uma das principais inspirações para a criação do grupo de pesquisa O direito achado na rua, hoje linha de pesquisa da Faculdade de Direito. A corrente de pensamento, da qual o reitor José Geraldo de Sousa Junior é um dos criadores e principais defensores, incorpora ao pensamento jurídico as práticas normativas desenvolvidas no seio das comunidades e dos movimentos sociais. Boaventura participou de vários volumes da série de livros publicados sobre tema.
Em seu trabalho recente, o sociólogo vêm provocando os agentes sociais a repensar o modo de produção do conhecimento dentro da universidade e defende uma aproximação com os movimentos sociais do mundo. Para Boaventura de Sousa Santos, vêm deles as iniciativas que, de fato, podem transformar a sociedade.
Para o autor de A Crítica da Razão Indolente, é preciso criticar radicalmente as verdades estabelecidas. “As teorias críticas que hoje vigoram no mundo foram produzidas pelos países do Hemisfério Norte. As experiências inovadoras de hoje estão acontecendo no Hemisfério Sul e é para elas que o mundo tem que olhar”, afirmou. Ele também defende que a tradição e as culturas mais antigas, como os movimentos indígenas e os povos africanos, possuem experiências capazes de criar políticas públicas e transformar a sociedade.
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Reportagem Cristiano Torres - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Fonte:  http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=7260
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