Boaventura
fala sobre a universidade como
veículo das transformações sociais
e
promete convocar plateia da
Aula da Inquietação para uma
"rebeldia
competente"
Importante defensor da atuação da universidade nas transformações políticas e econômicas, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos chegou à Capital Federal para convocar a comunidade da Universidade de Brasília e do Distrito Federal a se engajar numa utopia possível e emergencial. Nesta terça-feira, 30, todos terão a oportunidade de reencontrar a mensagem do estudioso na Aula da Inquietação, que acontece às 10h, no Teatro de Arena do campus Darcy Ribeiro.
Além
disso, o sociólogo recebeu, na noite de segunda-feira, 29, o título de
Doutor Honoris Causa. A cerimônia aconteceu no Memorial Darcy Ribeiro e
contou com a saudação feita pela filósofa Marilena Chaui. Professora da
Universidade de São Paulo, declarou que se sentia honrada por saudar o
sociólogo português. “É uma honra participar. Mas, antes de tudo, é uma
honra para a UnB e para a academia brasileira receber um pensador desse
porte”, elogiou.
Marilena Chaui explicou que o
professor Boaventura de Sousa Santos é o criador de duas posições
teóricas importantes. “Ele desenvolveu a crítica da razão indolente: uma
forma de interpretar a ciência, a política e a cultura que, ao fim e ao
cabo, impede a sociedade de ver adequadamente o real; e a proposta de
superar o etnocentrismo, o eurocentrismo e a razão cognitiva
instrumental, dominante na ciência e na tecnologia”, explicou a
filósofa. A professora definiu a obra de Boaventura de Sousa Santos como
inovadora, instigante e afirmou que ela propõe uma mudança radical e
benéfica na maneira de encarar a ética, a política e a cultura.
Antes da cerimônia, o professor português conversou com a UnB Agência
e falou um pouco sobre a importância da universidade nas transformações
sociais advindas da crise econômica mundial, sobre o combate a
mercantilização do conhecimento e a necessidade de garantir a inclusão
social e a democratização do saber. Ele também defendeu as ações
afirmativas e abordou políticas sociais e econômicas do Governo Dilma
Rousseff. Ao final, o português prometeu, na Aula da Inquietação,
provocar estudantes e professores a uma "rebeldia competente".
Qual o lugar e a missão da universidade neste momento, de tantas e profundas mudanças sociais e econômicas?
Qual o lugar e a missão da universidade neste momento, de tantas e profundas mudanças sociais e econômicas?
Boaventura de Sousa Santos:
A universidade sofre atualmente com os embates políticos e sociais
provocados pela crise e recebe pressões para que se submeta às
necessidades do mercado. Isso é mais nítido na Europa e nos Estados
Unidos, mas pode ser percebido também em países do Hemisfério Sul.
Do
século XIX para cá, as universidades foram instituições que tiveram
papel importante na construção do Estado e na democratização do saber,
ainda que só recentemente grupos como os indígenas e os negros tenham
conseguido algum tipo de inserção nesse ambiente.
Por
isso, hoje a universidade é mais necessária do que nunca. E ela tem a
missão de preservar a democratização do saber, desde que resista às
pressões pela mercantilização do conhecimento. Não podemos valorizar
apenas os saberes que dão origem às patentes, ou seja, aquele
conhecimento com valor de mercado. É necessário dar incentivos para as
ciências humanas e sociais, para aqueles departamentos que não criam
produtos, mas ajudam a preservar saberes valiosos para os povos.
Conhecimentos que não podem ser vendidos, de culturas tradicionais como
as comunidades remanescentes de quilombos, por exemplo.
Mas a universidade pode mudar, ou ajudar a mudar as relações sociais vigentes atualmente?
Boaventura de Sousa Santos: O
que estamos vendo atualmente é que a sociedade perde sua coesão à
medida que a crise avança. Basta ver os protestos e os conflitos que
acontecem na Grécia, na Itália e na Espanha. Nesse sentido, a
universidade ajuda a manter a coesão social, mas apenas na medida em que
preserva a tradição do pensamento crítico e que se torna mais
inclusiva. Do contrario, se submetendo às necessidades do capital, ela
deixa de ser parte da solução e passa a contribuir com os problemas
sociais.
Uma das dificuldades enfrentadas pela
academia, atualmente, está justamente nos mecanismos de avaliação dos
professores e pesquisadores. Os parâmetros são restritos e se submetem a
certo conjunto de publicações e de pesquisas, normalmente em inglês. Já
existem reações, por exemplo na Inglaterra e na França, a esses
mecanismos restritivos; critérios que não compreendem adequadamente
iniciativas importantes como as atividades de extensão e outras ações
comunitárias e sociais realizadas ou acompanhadas por pesquisadores,
professores ou estudantes, de universidades.
Uma
lei recente alterou a destinação das vagas universitárias em
instituições federais de ensino superior do Brasil. Criou-se um conjunto
de cotas com recorte em escolaridade, renda e raça. Qual a sua opinião
sobre isso?
Boaventura de Sousa Santos: Sou
um apoiador das ações afirmativas e saudei a iniciativa pioneira de
instituições como a Universidade de Brasília, quando adotou o sistema de
cotas para negros; bem como as várias iniciativas propostas pelo
governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Entendo que a
democracia racial, por exemplo, é uma aspiração legítima, mas que
precisa ainda ser construída. Ela não existe na realidade e a sociedade
deve apoiar medidas legais – previstas, inclusive, na Constituição –
para combater injustiças históricas cometidas contra diversos grupos,
como as populações negras ou indígenas.
São
iniciativas coerentes e amplas e não devem se limitar à educação. Sou
também a favor de cotas para o serviço público, por exemplo. Agora, é
claro que as ações afirmativas buscam corrigir injustiças históricas;
portanto, elas têm um caráter transitório, limitado no tempo. Mas, ao
contrario de muitos grupos que as acusam de desrespeitar o mérito,
acredito que o verdadeiro mérito deve buscar a igualdade entre os
grupos, respeitando as diferenças. Devemos lutar pela igualdade sempre
que as diferenças nos discriminem e lutar pelas diferenças sempre que a
igualdade nos descaracterize.
E as políticas sociais no Brasil hoje?
Boaventura de Sousa Santos:
Reconheço a importância das iniciativas de desenvolvimento com redução
das desigualdades sociais realizadas nos últimos dez anos. O Programa
Bolsa Família, por exemplo, é uma iniciativa reconhecida como exemplar
em todo o mundo. Hoje existe mais equilíbrio e distribuição de renda do
que a alguns anos. Não podemos negar o fato de que a classe média
cresceu de 38% para 53% da população.
Mas diversas
iniciativas de desenvolvimento tem me preocupado. O desrespeito às
comunidades rurais e aos indígenas na fronteira agrícola, o aumento da
violência do campo, o fortalecimento da economia baseada em commodities e em minérios, com desrespeito ao meio ambiente, são problemas urgentes e que precisam ser combatidos.
VIDA E OBRA – Boaventura
de Sousa Santos nasceu em Coimbra, em 1940 e têm Doutorado em
Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973). É professor da
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e leciona também nas
Universidades de Wisconsin-Madison e de Warwick. Além disso, dirige o
Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia e o Centro de
Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra.
O
português chegou a morar numa favela do Rio de Janeiro, nos anos 1970.
Ele escolheu o Brasil como cenário para compreender as raízes das
injustiças econômicas e sociais e debater um novo caminho para o mundo.
Suas ideias costumam ser evocadas em discussões que envolvem os temas
mais sensíveis da atualidade.
Assiduamente convidado
a participar de atividades na Capital Federal, a primeira aproximação
de Boaventura de Sousa Santos com a UnB aconteceu ainda na década de
1970, quando seus textos foram pela primeira vez alvos de debates em
seminários na UnB. A aproximação foi uma das principais inspirações para
a criação do grupo de pesquisa O direito achado na rua, hoje
linha de pesquisa da Faculdade de Direito. A corrente de pensamento, da
qual o reitor José Geraldo de Sousa Junior é um dos criadores e
principais defensores, incorpora ao pensamento jurídico as práticas
normativas desenvolvidas no seio das comunidades e dos movimentos
sociais. Boaventura participou de vários volumes da série de livros
publicados sobre tema.
Em seu trabalho recente, o
sociólogo vêm provocando os agentes sociais a repensar o modo de
produção do conhecimento dentro da universidade e defende uma
aproximação com os movimentos sociais do mundo. Para Boaventura de Sousa
Santos, vêm deles as iniciativas que, de fato, podem transformar a
sociedade.
Para o autor de A Crítica da Razão Indolente,
é preciso criticar radicalmente as verdades estabelecidas. “As teorias
críticas que hoje vigoram no mundo foram produzidas pelos países do
Hemisfério Norte. As experiências inovadoras de hoje estão acontecendo
no Hemisfério Sul e é para elas que o mundo tem que olhar”, afirmou. Ele
também defende que a tradição e as culturas mais antigas, como os
movimentos indígenas e os povos africanos, possuem experiências capazes
de criar políticas públicas e transformar a sociedade.
---------------
Reportagem Cristiano Torres - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=7260
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário