Fabio F. Storino*
Nos encontros dos praticantes de locksport,
a atividade recreativa de destravar fechaduras, os modelos mais comuns
(de pinos móveis em um cilindro) são frequentemente destravados em menos
de 10 segundos. Presentes ao menos desde o Antigo Egito, travas são
hoje ubíquas e fazem parte de um contrato social baseado, de certo modo,
na desconfiança mútua. Mas, diante da falibilidade das nossas
fechaduras, quem, afinal, estamos querendo barrar com elas? Na verdade,
as pessoas predominantemente honestas.
Não se está falando aqui (necessariamente) de evitar que vizinhos
roubem vizinhos. A existência de uma fechadura impede com maior
frequência situações mais ordinárias: “Poxa, estou sem açúcar para
terminar meu bolo. Acho que darei um pulinho no João, que não está em
casa, e pegar um pouco emprestado. Logo mais eu reponho, ele nem vai
perceber!” O economista Dan Ariely, autor de diversos estudos que
enterraram de vez a ideia de um agente econômico plenamente racional (o
Homo economicus dos livros-texto de Microeconomia), há tempos se dedica a
entender por que trapaceamos. Em A Mais Pura Verdade sobre a
Desonestidade, Ariely relativiza o modo binário como classificamos as
pessoas, entre “honestas” e “desonestas”. Em tempos de julgamento do
mensalão pelo Supremo, uma visão menos maniqueísta sobre o assunto é
oportunamente provocadora.
Com exceção de uma minoria profundamente honesta e outra
profundamente desonesta, a grande maioria das pessoas trapaceia – mas
apenas um pouquinho. Em um experimento conduzido pela equipe de Ariely,
pessoas eram pagas caso completassem uma tarefa de maneira bem-sucedida.
Ao se eliminar o risco de serem pegas – uma fragmentadora destruía as
“provas do crime” –, o nível autodeclarado de sucesso aumentava (assista
a seu TEDtalk). Até aí, nenhuma surpresa.
O modelo racional prevê que as pessoas pesam os benefícios da trapaça
contra seus custos/riscos. Dados os custos, quanto maiores os
benefícios, mais as pessoas trapaceariam, portanto. Mas não foi o que
Ariely encontrou: ao multiplicar por 20 o valor pago no experimento
acima, menos pessoas declararam ter completado a tarefa com sucesso.
Trapacear por mais parece impor um custo maior à nossa consciência. Por
outro lado, quando um ator presente na mesma sala trapaceava
descaradamente, os demais membros daquele grupo reportavam o dobro de
sucesso do que o grupo de controle. Ao que parece, a desonestidade é
contagiosa (ver estudo).
Estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences
concluiu que pessoas mais afluentes são mais propensas a trapacear. Numa
observação no mundo real, motoristas de carros mais baratos violaram 8%
de uma determinada norma de tráfego, enquanto os de carros mais
luxuosos, 30%. Já em laboratório, após uma rodada de jogo de dados (na
qual os mais ricos também trapacearam mais), foram casualmente
oferecidas aos participantes balas que seriam destinadas a crianças em
um experimento ao lado. Sim, você adivinhou corretamente: pessoas de
maior status socioeconômico tiraram mais doces da boca das crianças.
Nada de novo sob o sol: se a ganância corrompe, a decência nos
compele a não destravar a fechadura do vizinho. Mas não seria possível
vivermos em um mundo sem travas?
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* Fabio F. Storino é coordenador de TI e Gestão do Connhecimento do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces).
(Página 22)Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/01/11/2012
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