domingo, 4 de novembro de 2012

Aprendendo a viver!

Antonio Ozaí da Silva*

 

As Epistulae Morales ad Lucilium (Cartas Morais a Lucílio), foram escritas por Lucius Anneus Seneca, filósofo estóico romano, entre os anos 63 e 64 d.C. Uma seleção destas epístolas foram publicadas sob o título “Aprendendo a viver”. [1] A edição brasileira passa a impressão de literatura de auto-ajuda, talvez propositadamente por uma questão de marketing e de mercado. Talvez seja má interpretação deste leitor. De qualquer forma, as cartas que o filósofo Sêneca escreve ao amigo Lucílio constituem, nas palavras de Regina Schöpke, “um verdadeiro manual prático do estoicismo, uma de “curso de sabedoria aplicada” com o objetivo de realizar uma verdadeira “cura moral”.[2]
 
As cartas estão longe das discussões filosóficas empoladas, abstratas e metafísicas, tão ao gosto dos pseudo-filósofos que passam o precioso tempo da vida no mundo das ideias e transformam a Filosofia em território de especialistas com linguagem e atitude empolada. Sêneca aproxima-se da realidade cotidiana e dos dilemas da condição humana que afetam os homens e mulheres comuns. Sua filosofia é um ensinamento ao viver. Ele trata de temas que permanecem atuais, apesar dos séculos. É incrível como nos tempos modernos, com todas as suas possibilidades, potencialidades e riscos, não nos diferenciamos substancialmente dos homens e mulheres da época de Sêneca, os quais se defrontavam com questões como a solidão, a velhice, a morte, o suicídio, o luto, a brevidade da vida, a qualidade de vida, a relação humana com a natureza, os modos de enfrentar as adversidades, a fugacidade da fortuna, o cuidado com a saúde e a paz da alma. Suas palavras superam as barreiras do tempo, da história e cultura, e nos tornam seus interlocutores. Pois é da condição humana que se trata.

A leitura das Cartas a Lucilio nos leva a pensar o quanto nos afastamos dos preceitos que poderiam tornar a vida melhor, mais suportável e feliz. O estilo de vida do homem e mulher modernos nos faz questionar a racionalidade da qual tanto nos orgulhamos e que nos faz imaginar que somos superiores. Nos consideramos seres racionais, mas agimos como “escravos do ventre”, ingerimos mais do que natureza aconselha. Num mundo em que humanos morrem de subnutrição, a obesidade, as doenças coronárias e tantas outras que afetam órgãos do corpo humano, como o rim e a vesícula, são os efeitos colaterais da má e excessiva alimentação. “Não é a fome do nosso ventre que nos custa caro, mas a nossa ostentação”, afirma Sêneca. Como “glutões ostensivos” [3], sucumbimos à gula, aos prazeres da carne e, assim, arruinamos a nossa vida, comprometemos a nossa velhice.

Não cuidamos do corpo nem do tempo que nos é permitido viver. Sêneca aconselha a Lucílio: “Apodera-te novamente de ti mesmo, e o tempo, que até agora te era arrebatado, subtraído ou simplesmente te escapava, recupera-o e conserva-o”.[4] Talvez nos ocupemos demais com o supérfluo, com a mesquinhez do cotidiano, dos pequenos poderes que nos aprisionam em suas malhas, com o que nada acrescenta e os míseros prazeres que se revelam engodo. Na época da internet talvez percamos tempo demais em atividades que não são essenciais ao bem viver. Não terá razão Sêneca ao nos aconselhar a tomar o tempo em nossas mãos? Em saber usá-lo? “Abarca todas as horas”, diz o filósofo. “Dependerás menos do amanhã, se fizeres hoje o que tem que ser feito. Enquanto postergamos, a vida não deixa de correr. Todas as coisas, Lucílio, nos são alheia, só o tempo é nosso”. [5] Mas, na sociedade moderna, a maioria não tem o controle do tempo, ele não nos pertence. Estamos sob o signo da necessidade, escravos das exigências burocráticas, profissionais e de sobrevivência. As palavras do filósofo permanecem atuais.

[1] SÊNECA. Aprendendo a viver. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
[2] Idem, p. VIII.
[3] Idem, p. 41.
[4] Idem, p. 3.
[5] Idem.
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*  Professor do Departamento de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM), editor da Revista Espaço Acadêmico, Revista Urutágua e Acta Scientiarum. Human and Social Sciences e autor de Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária (Ijuí: Editora Unijuí, 2008). 
Fonte:  http://antoniozai.wordpress.com/2012/11/03/aprendendo-a-viver/

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