Antonio Ozaí da Silva*
As Epistulae Morales ad Lucilium (Cartas Morais a Lucílio),
foram escritas por Lucius Anneus Seneca, filósofo estóico romano, entre
os anos 63 e 64 d.C. Uma seleção destas epístolas foram publicadas sob o
título “Aprendendo a viver”. [1]
A edição brasileira passa a impressão de literatura de auto-ajuda,
talvez propositadamente por uma questão de marketing e de mercado.
Talvez seja má interpretação deste leitor. De qualquer forma, as cartas
que o filósofo Sêneca escreve ao amigo Lucílio constituem, nas palavras
de Regina Schöpke, “um verdadeiro manual prático do estoicismo, uma de
“curso de sabedoria aplicada” com o objetivo de realizar uma verdadeira
“cura moral”.[2]
As cartas estão longe das discussões filosóficas empoladas, abstratas
e metafísicas, tão ao gosto dos pseudo-filósofos que passam o precioso
tempo da vida no mundo das ideias e transformam a Filosofia em
território de especialistas com linguagem e atitude empolada. Sêneca
aproxima-se da realidade cotidiana e dos dilemas da condição humana que
afetam os homens e mulheres comuns. Sua filosofia é um ensinamento ao
viver. Ele trata de temas que permanecem atuais, apesar dos séculos. É
incrível como nos tempos modernos, com todas as suas possibilidades,
potencialidades e riscos, não nos diferenciamos substancialmente dos
homens e mulheres da época de Sêneca, os quais se defrontavam com
questões como a solidão, a velhice, a morte, o suicídio, o luto, a
brevidade da vida, a qualidade de vida, a relação humana com a natureza,
os modos de enfrentar as adversidades, a fugacidade da fortuna, o
cuidado com a saúde e a paz da alma. Suas palavras superam as barreiras
do tempo, da história e cultura, e nos tornam seus interlocutores. Pois é
da condição humana que se trata.
A leitura das Cartas a Lucilio nos leva a pensar o quanto nos
afastamos dos preceitos que poderiam tornar a vida melhor, mais
suportável e feliz. O estilo de vida do homem e mulher modernos nos faz
questionar a racionalidade da qual tanto nos orgulhamos e que nos faz
imaginar que somos superiores. Nos consideramos seres racionais, mas
agimos como “escravos do ventre”, ingerimos mais do que natureza
aconselha. Num mundo em que humanos morrem de subnutrição, a obesidade,
as doenças coronárias e tantas outras que afetam órgãos do corpo humano,
como o rim e a vesícula, são os efeitos colaterais da má e excessiva
alimentação. “Não é a fome do nosso ventre que nos custa caro, mas a
nossa ostentação”, afirma Sêneca. Como “glutões ostensivos” [3], sucumbimos à gula, aos prazeres da carne e, assim, arruinamos a nossa vida, comprometemos a nossa velhice.
Não cuidamos do corpo nem do tempo que nos é permitido viver. Sêneca
aconselha a Lucílio: “Apodera-te novamente de ti mesmo, e o tempo, que
até agora te era arrebatado, subtraído ou simplesmente te escapava,
recupera-o e conserva-o”.[4]
Talvez nos ocupemos demais com o supérfluo, com a mesquinhez do
cotidiano, dos pequenos poderes que nos aprisionam em suas malhas, com o
que nada acrescenta e os míseros prazeres que se revelam engodo. Na
época da internet talvez percamos tempo demais em atividades que não são
essenciais ao bem viver. Não terá razão Sêneca ao nos aconselhar a
tomar o tempo em nossas mãos? Em saber usá-lo? “Abarca todas as horas”,
diz o filósofo. “Dependerás menos do amanhã, se fizeres hoje o que tem
que ser feito. Enquanto postergamos, a vida não deixa de correr. Todas
as coisas, Lucílio, nos são alheia, só o tempo é nosso”. [5]
Mas, na sociedade moderna, a maioria não tem o controle do tempo, ele
não nos pertence. Estamos sob o signo da necessidade, escravos das
exigências burocráticas, profissionais e de sobrevivência. As palavras
do filósofo permanecem atuais.
[1] SÊNECA. Aprendendo a viver. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
[2] Idem, p. VIII.
[3] Idem, p. 41.
[4] Idem, p. 3.
[5] Idem.
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* Professor do Departamento de Ciências Sociais na Universidade Estadual
de Maringá (DCS/UEM), editor da Revista Espaço Acadêmico, Revista
Urutágua e Acta Scientiarum. Human and Social Sciences e autor de
Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária (Ijuí: Editora
Unijuí, 2008).
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2012/11/03/aprendendo-a-viver/
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