Marcelo Gleiser*
Desde o início, a filosofia pergunta se existe espaço vazio no Universo; agora, o Nada bateu as botas
É com grande pesar que vos informo da morte do Nada. Pois é, caro
leitor, após mais de dois milênios de ambiguidades e confusões, parece
que desta vez o Nada bateu mesmo as botas. São coisas que temos de
aceitar em vista da evidência extremamente convincente vinda tanto da
física das partículas elementares -que visa explicar a composição mais
fundamental da matéria- como da astronomia. Comecemos com as partículas.
A questão da composição material do mundo é tão velha quanto a
filosofia; foi Tales, o primeiro dos filósofos gregos, que perguntou:
"Do que o mundo é feito?".
Desde então, a discussão girou em torno da questão do vazio ou, menos
precisamente, do Nada: existe o espaço vazio, destituído de qualquer
tipo de matéria ou substância? Ou será que algo o preenche, como o ar
preenche nossa atmosfera?
Um tremendo vaivém se deu com o passar dos séculos, tema que volta e
meia tratamos aqui neste espaço. Os atomistas gregos supuseram que
existiam apenas átomos se movendo no vazio, enquanto que Aristóteles
considerava a hipótese do vazio absurda: preencheu o Cosmo com uma
quinta-essência, o éter que compunha os objetos celestes e, de forma
difusa, enchia o espaço, tornando-o pleno.
Depois, veio Descartes com seus vórtices de uma substância fluida que
enchia o universo, tese desmentida de forma muito lúcida por Newton no
final do século 17. Atomista também ele, o mestre inglês provou
claramente que, se alguma substância preenchesse o espaço, causaria
fricção nas órbitas planetárias e o Sistema Solar não existiria como o
vemos.
Veio, então, a luz como onda eletromagnética, no século 19, necessitando
de um meio material para se propagar; o éter retorna, com essa função,
até que, em 1905, Einstein demonstra sua inutilidade. Porém, em 1917,
ele mesmo sugere que, se o Universo é esférico e estático, deveria ser
preenchido por uma substância estranha, cuja função seria atuar como uma
espécie de antigravidade, equilibrando a atração de todas as coisas.
Mas o Universo não é estático e, em 1929, a tal constante cosmológica é
deixada de lado. Provisoriamente.
No meio tempo, físicos de partículas descobriram os componentes básicos
da matéria comum. Destes, o bóson de Higgs tem o papel singular de
atribuir massa a todas as outras partículas. Para tal, encontra-se por
todo o espaço uma espécie de ar que não é ar mas por onde todas as
partículas de matéria se movem. E, ao fazê-lo, respondem à presença do
Higgs com inércias próprias, como pérolas movendo ora em água ora em
mel. O espaço, segundo a física do muito pequeno, não pode ser vazio.
E nem o Cosmo nas suas proporções maiores: em 1998, astrônomos
descobriram que as galáxias se afastam de forma acelerada, levadas pela
expansão cósmica como objetos numa enchente. A causa dessa aceleração,
com efeito idêntico ao termo que Einstein inseriu e depois descartou nas
equações de sua teoria da relatividade, é uma espécie de fluido
preenchendo todo o espaço, primo do Higgs mas não ele, um outro tipo de
éter, chamado provisoriamente de energia escura. Existimos numa natureza
plena-plena de essências e mistérios.
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* MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHIFonte: Folha on line, 04/11/2012
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